O médium
nunca está só
Indalício Mendes
Reformador (FEB) Novembro 1961
Tão grande é a responsabilidade do
médium, que as oportunidades do testemunho se lhe apresentam frequentemente,
dele exigindo constante vigilância, a fim de não falhar no momento azado. Mesmo
quando analisamos a atitude a adotar em face de situações delicadas, pode a
nossa condição de médiuns levar-nos a experimentar uma atração estranha,
justamente para aquilo que desejamos evitar. E quantas vezes, no momento de uma
decisão, optamos pelo atalho perigoso, renunciando, assim, ao caminho reto e franco!
Bem longe estamos de supor havermos
avançado na perfeição sonhada por quantos já se recolhem, tranquilos, às águas
lustrais do Evangelho. E porque escrevemos, lembrando a cada instante os
deveres dos espíritas - a começar por nós, que mais necessitados estamos, que
qualquer outro, das advertências salvadoras -, sentimos o enorme peso da
responsabilidade que contraímos.
Quando deixamos de dar o testemunho
devido, quedamos acabrunhados pela oportunidade perdida. E chegamos mesmo a ter
vergonha de enfrentar a luz do Sol... Que prova isso, afinal?
Nada mais de que estamos ainda muito
distantes do nível evangélico. Devemos desanimar? Em absoluto. A cada malogro,
temos a obrigação indeclinável de reiniciar a luta pela reabilitação, sem o que
não seremos dignos do movimento a que fomos levados, voluntária ou involuntariamente,
tangidos pela dor, que constitui a bússola de muitas almas.
Por que falhamos, se temos exemplos
comprobatórios das virtudes da vigilância? Porque caímos, não obstante o
contato permanente, cotidiano, com os ensinos evangélicos? Porque ainda somos
fracos, débeis, inseguros, embora a nossa constante preocupação de acertar. E,
então, recordamos alguns médiuns valorosos que conhecemos, que já não caem, que
já não falham, que já não vacilam, porque a vigilância é neles um como que
sétimo sentido, uma como que natural decorrência da intuição, que constitui o chamado
sexto sentido. Relembramos esses companheiros que vão adiantados na jornada e,
de trás, tentamos estugar o passo para segui-los, ainda que, não raro, sintamos
vontade de parar um instante para recobrar ânimo.
Mas, nessa jornada, os que param um instante,
ficam para trás. Parar é, então, retroceder. Eis que nos lembramos dos exemplos
de Pedro, no Evangelho. Apesar de reiteradamente avisado, cumpriu-se a profecia
do Mestre, que o advertira de que por ele seria negado. E Pedro falhou três
vezes. Notamos também que ao sentir o vento, quando andava sobre as águas,
estimulado por Jesus, Pedro vacilou e pediu ao Mestre que o salvasse, sendo
censurado: "Porque duvidaste, homem de pouca fé?" Relembrando Pedro,
cuja grandeza espiritual apenas testifica no exemplo, a nossa absoluta
insignificância, devemos entregar-nos ao desânimo ou ao desespero?
Evidentemente, não. Cumpre-nos a todos seguir para a frente, procurando evitar
novas quedas, fortalecendo-nos no Evangelho.
A amargura que nos enche o coração,
sempre que o nosso espírito é pilhado invigilante traz-nos à mente a parábola
das dez virgens:
" ...o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas
lâmpadas, saíram ao encontro do noivo. Cinco dentre elas eram néscias, e cinco
prudentes. As néscias, tomando as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo;
mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas juntamente com as lâmpadas.
Tardando o noivo. cochilaram todas e adormeceram. Mas à meia-noite ouviu-se um
grito: Eis o noivo! saí ao seu encontro. Então se levantaram todas aquelas
virgens e prepararam as suas lâmpadas. Disseram as néscias às prudentes:
Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas estão-se apagando. Porém as
prudentes responderam: Talvez não haja bastante para nós e para vós; ide antes
aos que o vendem e comprai-o para vós. Enquanto foram comprá-lo, veio o noivo;
as que estavam preparadas, entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta.
Depois vieram as outras virgens e disseram: Senhor, Senhor, abre-nos a porta.
Mas ele respondeu: Em verdade vos digo que não vos conheço. Portanto vigiai,
porque não sabeis nem o dia nem a hora." (Mateus, 25:1-13)
Efetivamente, ninguém sabe o dia nem
a hora, Ninguém sabe igualmente o que está reservado a cada um, segundo os
compromissos ou débitos trazidos do pretérito, porque cada criatura humana é um
livro com três capítulos: passado, presente e futuro. Faltam-nos, no entanto, o
amadurecimento e a experiência que tornam o espírito mais apto a resistir às
solicitações contrárias às necessidades do seu progresso. Ele, por isto mesmo,
cede quando devia reagir; recua, abaixa-se como se sofresse a ação de uma
estranha lei da gravidade.
Muito melindrosa é, portanto, a
posição do médium consciente de seus deveres e das suas responsabilidades.
Muitas vezes, sentindo embora que vai cair, não consegue rearmar sua vontade
para fugir à atração cada vez maior do abismo. Depois que erra, depois que cai,
depois que falha, o arrependimento, como um gás em plena expansão, toma conta
de todo o seu ser e o médium experimenta a mesma sensação de profunda angústia
que sentiria se, depois de ouvir do Mestre - "quem estiver sem pecado, que atire a primeira pedra" -,
lançasse adiante um calhau, inconscientemente, como se fora um autômato, como
se, naquele instante fugaz, houvesse perdido a noção de si mesmo e o domínio
próprio.
Que revela isso tudo, senão a
conveniência de uma vigilância redobrada, indormida? Os inimigos são muitos,
escondem-se até nos refolhos do pensamento, favorecidos por um mimetismo
indescritível, além de dotados de uma astúcia traiçoeira e sutil. Que prova
isso, senão a vulnerabilidade do médium? Ele tem de fortalecer dentro de si a
certeza de que nada é mais benéfico que o perdão e nada é mais necessário que
cultivar a tolerância e a humildade, orando e vigiando.
O médium nunca está só...
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