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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

'O Médium nunca está só'




O médium
nunca está só

Indalício Mendes
Reformador (FEB) Novembro 1961


            Tão grande é a responsabilidade do médium, que as oportunidades do testemunho se lhe apresentam frequentemente, dele exigindo constante vigilância, a fim de não falhar no momento azado. Mesmo quando analisamos a atitude a adotar em face de situações delicadas, pode a nossa condição de médiuns levar-nos a experimentar uma atração estranha, justamente para aquilo que desejamos evitar. E quantas vezes, no momento de uma decisão, optamos pelo atalho perigoso, renunciando, assim, ao caminho reto e franco!

            Bem longe estamos de supor havermos avançado na perfeição sonhada por quantos já se recolhem, tranquilos, às águas lustrais do Evangelho. E porque escrevemos, lembrando a cada instante os deveres dos espíritas - a começar por nós, que mais necessitados estamos, que qualquer outro, das advertências salvadoras -, sentimos o enorme peso da responsabilidade que contraímos.

            Quando deixamos de dar o testemunho devido, quedamos acabrunhados pela oportunidade perdida. E chegamos mesmo a ter vergonha de enfrentar a luz do Sol... Que prova isso, afinal?

            Nada mais de que estamos ainda muito distantes do nível evangélico. Devemos desanimar? Em absoluto. A cada malogro, temos a obrigação indeclinável de reiniciar a luta pela reabilitação, sem o que não seremos dignos do movimento a que fomos levados, voluntária ou involuntariamente, tangidos pela dor, que constitui a bússola de muitas almas.

            Por que falhamos, se temos exemplos comprobatórios das virtudes da vigilância? Porque caímos, não obstante o contato permanente, cotidiano, com os ensinos evangélicos? Porque ainda somos fracos, débeis, inseguros, embora a nossa constante preocupação de acertar. E, então, recordamos alguns médiuns valorosos que conhecemos, que já não caem, que já não falham, que já não vacilam, porque a vigilância é neles um como que sétimo sentido, uma como que natural decorrência da intuição, que constitui o chamado sexto sentido. Relembramos esses companheiros que vão adiantados na jornada e, de trás, tentamos estugar o passo para segui-los, ainda que, não raro, sintamos vontade de parar um instante para recobrar ânimo.

            Mas, nessa jornada, os que param um instante, ficam para trás. Parar é, então, retroceder. Eis que nos lembramos dos exemplos de Pedro, no Evangelho. Apesar de reiteradamente avisado, cumpriu-se a profecia do Mestre, que o advertira de que por ele seria negado. E Pedro falhou três vezes. Notamos também que ao sentir o vento, quando andava sobre as águas, estimulado por Jesus, Pedro vacilou e pediu ao Mestre que o salvasse, sendo censurado: "Porque duvidaste, homem de pouca fé?" Relembrando Pedro, cuja grandeza espiritual apenas testifica no exemplo, a nossa absoluta insignificância, devemos entregar-nos ao desânimo ou ao desespero? Evidentemente, não. Cumpre-nos a todos seguir para a frente, procurando evitar novas quedas, fortalecendo-nos no Evangelho.

            A amargura que nos enche o coração, sempre que o nosso espírito é pilhado invigilante traz-nos à mente a parábola das dez virgens:

            " ...o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo. Cinco dentre elas eram néscias, e cinco prudentes. As néscias, tomando as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo; mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas juntamente com as lâmpadas. Tardando o noivo. cochilaram todas e adormeceram. Mas à meia-noite ouviu-se um grito: Eis o noivo! saí ao seu encontro. Então se levantaram todas aquelas virgens e prepararam as suas lâmpadas. Disseram as néscias às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas estão-se apagando. Porém as prudentes responderam: Talvez não haja bastante para nós e para vós; ide antes aos que o vendem e comprai-o para vós. Enquanto foram comprá-lo, veio o noivo; as que estavam preparadas, entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta. Depois vieram as outras virgens e disseram: Senhor, Senhor, abre-nos a porta. Mas ele respondeu: Em verdade vos digo que não vos conheço. Portanto vigiai, porque não sabeis nem o dia nem a hora." (Mateus, 25:1-13)

            Efetivamente, ninguém sabe o dia nem a hora, Ninguém sabe igualmente o que está reservado a cada um, segundo os compromissos ou débitos trazidos do pretérito, porque cada criatura humana é um livro com três capítulos: passado, presente e futuro. Faltam-nos, no entanto, o amadurecimento e a experiência que tornam o espírito mais apto a resistir às solicitações contrárias às necessidades do seu progresso. Ele, por isto mesmo, cede quando devia reagir; recua, abaixa-se como se sofresse a ação de uma estranha lei da gravidade.

            Muito melindrosa é, portanto, a posição do médium consciente de seus deveres e das suas responsabilidades. Muitas vezes, sentindo embora que vai cair, não consegue rearmar sua vontade para fugir à atração cada vez maior do abismo. Depois que erra, depois que cai, depois que falha, o arrependimento, como um gás em plena expansão, toma conta de todo o seu ser e o médium experimenta a mesma sensação de profunda angústia que sentiria se, depois de ouvir do Mestre - "quem estiver sem pecado, que atire a primeira pedra" -, lançasse adiante um calhau, inconscientemente, como se fora um autômato, como se, naquele instante fugaz, houvesse perdido a noção de si mesmo e o domínio próprio.

            Que revela isso tudo, senão a conveniência de uma vigilância redobrada, indormida? Os inimigos são muitos, escondem-se até nos refolhos do pensamento, favorecidos por um mimetismo indescritível, além de dotados de uma astúcia traiçoeira e sutil. Que prova isso, senão a vulnerabilidade do médium? Ele tem de fortalecer dentro de si a certeza de que nada é mais benéfico que o perdão e nada é mais necessário que cultivar a tolerância e a humildade, orando e vigiando.


            O médium nunca está só...

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