O Destino da Alma - Parte 1
C. Picone Chiodo
Reformador (FEB) Setembro 1946
Nota-se que os estudos modernos a
propósito da alma não visam somente fazer-nos saber que existe uma alma
independente do corpo e que a este sobrevive, pois que esses estudos tendem
igualmente a verificar se os Espíritos dos defuntos se manifestam aos vivos e,
além disso, se é verdadeira a hipótese das vidas sucessivas, ou, seja, da
palingenese ou reencarnação.
Querem-se estabelecer cientificamente
três fatos portanto:
1) - O fato espiritualista;
2) - O fato espiritista;
3) - O fato reencarnacionista.
Como é evidente, o primeiro é
básico.
Efetivamente, se fosse verdadeira a
hipótese materialista, pela qual a matéria é o único elemento do Universo,
gerador da vida e do pensamento, e o Espírito uma secreção das células
cerebrais, como a insulina do pâncreas, e a biles do fígado, de fato não se
poderia mais falar de sobrevivência e menos ainda de Espiritismo e
renascimento.
O materialismo, porém, que com fátua
pretensão e infantil leviandade supôs ter reduzido a fragmentos a alma e Deus,
como demonstrei em meus precedentes trabalhos, está morto e não merece mais a
honra de uma discussão. De fato, crer que a matéria seja tudo, que a matéria
possa pensar, é uma ilusão da qual toda pessoa culta deve hoje desembaraçar-se.
De outro modo ficaria inexplicável, não poderia mesmo existir, toda essa imensa
fenomenologia que força o magno problema da alma, que noutro tempo parecia de
ordem especulativa e insolúvel, a entrar hoje para a categoria das deduções de
natureza experimental: fenomenologia essa que, forçando a admitir-se a
existência de uma inteligência dirigente e plasmadora no constituírem-se formas
vivas, e provando incontestavelmente a existência no homem de faculdades que
sobrepassam as leis da matéria, não pode deixar de conduzir-nos à conclusão de
que a consciência põe em existência a
energia e esta estabelece as formas para sua manifestação sensível.
O fato cientificamente averiguado de
que a vida do Espírito ultrapassa a vida cerebral, constitui prova iniludível
de que o homem não pode considerar-se como sendo um organismo que determina a
inteligência, mas, ao contrário, como sendo uma inteligência servida pelos
órgãos que ela mesma constrói. É, portanto, absurdo afirmar que o aniquilamento
da inteligência ocorra pela destruição do organismo, mas, racionalmente, deve
inferir-se que o Espírito preexiste e sobrevive a esse organismo. .
A
preexistência prova a sobrevivência. Se o Espírito que existiu ainda hoje
existe, isso quer dizer que ele sobreviveu e, se sobreviveu, terá que
sobreviver.
As
manifestações dos defuntos - espontâneas ou provocadas - são disso uma luminosa
confirmação.
Sendo imortal a alma, qual é o seu
destino?
Há duas hipóteses: a da palingenese
que é a mais universalmente aceita: e a da vida única. Por esta última, cada
alma seria uma criação nova, árbitra do seu destino: a sua eterna beatitude ou
a sua eterna danação dependeria de sua conduta nesta vida única! Isso é absurdo
e iníquo.
Sabemos que cada homem vem ao mundo
com seus cunhos psíquicos e físicos próprios, e que aqui vem ele a encontrar-se
em condições econômicas e ambientais diversas. É certo que ainda antes que a
pobre criatura abra os olhos à luz, já tem ela em si seu pesado fardo; tem ela
nas profundezas do seu ser instintos, disposições, desejos próprios, dos quais
não pode desfazer-se por um ato de sua vontade e que, ao contrário, traçam lhe,
impõem-lhe o caminho que ela terá que seguir na vida.
Física, moral, intelectual,
socialmente, etc., a situação dos indivíduos é diversa. Na escala física, como
na escala mental, na social e moral há muitos graus. Como da soberana
inteligência à imbecilidade, assim da santidade à criminalidade, há inumeráveis
distinções. Como o gênio, raro é o santo, e "Quem estiver sem pecado, esse
lance a primeira pedra!" No fundo todos somos criminosos, como gritava o
Hamlet à Ofélia para convencê-la a fazer-se monja e não vir a tornar-se mãe de
pecadores.
Ora, se o ser fosse uma nova
criação, quem lhe imporia essas diferenças? Evidentemente seria o Criador o
responsável por isso, o que equivaleria a dizer que o capricho e a iniquidade
governam o mundo! Dessa conclusão não se escaparia.
E como a estupidez e a obtusidade
são apanágio da maioria e o egoísmo e a brutalidade são as notas dominantes no
caráter humano, enquanto que as criaturas espiritualmente elevadas são raras, o
resultado seria que bem poucas almas se salvariam da eterna condenação!
Ora, tudo isso não pode deixar de
ser absurdo e blasfêmia, tanto mais porque, dada a brevidade da vida (Vita
brevis, Ars longa), (*) a pobre criatura não teria nem o tempo necessário para
estudar a si mesma, para compreender alguma coisa da sua existência, de melhorar
quando possível a si mesma, ou pelo menos, de ... arrepender-se de seus
pecados!
(*) Do Blog: ‘A vida é curta, a
arte é longa’.
Uma existência única não poderia
transformar um selvagem em um Platão, nem um malfeitor
em um S. Francisco: a criação não passaria de uma fábrica de predestinados às penas
eternas do inferno!
Contra essa pavorosa hipótese, em
nome da bondade e da justiça do Criador, em nome da Razão e da Ciência,
levanta-se a concepção das vidas sucessivas, a crença nos renascimentos, no
retorno da mesma individualidade psíquica sob forma corpórea humana, depois de
variáveis intervalos de espera (que não nos é dado estabelecer), na mesma ou em
outra morada, a fim de continuar a ascensão da fatigante ladeira da evolução, do
progresso espiritual, mediante a aquisição de novas capacidades, de uma
consciência sempre mais ampla, de uma mentalidade e uma moralidade sempre mais
elevadas.
Não podendo negar-se uma finalidade
aos processos da Natureza, os quais deram como resultado o homem, é lógico
admitir-se que a soberana meta das reencarnações terrestres deve ser de pôr o
Espírito em grau de triunfar das suas próprias imperfeições, lutando para esse
fim contra as adversidades mais bem indicadas e, portanto, evolvendo,
adquirindo conhecimentos e sabedoria por meio da experiência.
O Destino da Alma - Parte 2
C. Picone Chiodo
Reformador (FEB) Outubro 1946
Transformismo e
Reencarnação
O transformismo, em favor do qual as
provas se acumulam dia a dia, e contra o qual já não se contam adversários no
mundo científico, dá à teoria da evolução espiritual ligada com a evolução
orgânica, uma confirmação indiscutível. Pode-se até afirmar que transformismo e
reencarnação são dois termos diversos para indicar o mesmo fenômeno, isto é, a
evolução dos seres vivos das formas inferiores de vida e inteligência para
formas superiores.
Sabemos que os tipos biológicos mais
altos apareceram sucessivamente e não simultaneamente com as espécies
inferiores. Pela escala dos seres passaram em longa procissão as formas
fantásticas e fenomênicas do animal. Cada tipo que aparece resume os tipos
anteriores e representa a vida sobre um plano sempre mais alto em sua lenta,
mas contínua evolução. Natura non facit saltus.(*) Com o homem na a progressão dos tipos, talvez
que ele seja o último elo da cadeia.
(*) Do Blog: ‘A natureza não dá
saltos’.
Esse animal aperfeiçoado, portanto,
a que chamamos homem, é o produto de uma evolução natural que dos organismos
mais elementares, por meio de gradações, faz sair organismos mais elevados.
Como as outras espécies vegetais e
animais, assim também a espécie humana não se fez de um golpe, mas, tal qual a
vemos hoje, desprendeu-se lentamente, progressivamente, da animalidade.
Sabe-se que a Zoologia delineia o
transformismo que tem como corolário inevitável a origem simiesca do homem.
Muitos se escandalizam de que se
queira rebaixar o homem a descendente de um primo do macaco: não se trata de
rechaçar o escândalo que não é um raciocínio científico e ao qual, demais,
Huxley respondeu, dizendo que preferia ser um macaco nobilizado a ser um homem
degradado.
A falsa vergonha que nos impede de
acolher essa tese provém talvez do fato de que o macaco tem gestos cômicos que
lhe dão ares de cretino, de caricatura do homem, e não sentiríamos tal vergonha
se nos fizessem descender do leão ou da rosa, como não a sentimos (coisa
surpreendente!) diante do relato bíblico que faz a nossa espécie descender do
barro da terra. Origem bem mais humilhante, dada a enorme distância que separa
do limo da terra um ser organizado e uma organização tão elevada como a do
macaco. Santo Agostinho mesmo não crê no conto bíblico, porque "crer que Deus, pelas suas próprias mãos, tenha
plasmado o primeiro homem com a argila é uma ideia demasiado infantil” (De
Genesi VI-12); e em outro lugar (VII-I):
"Como Deus não plasmou o homem
com as suas próprias mãos, nem tão pouco lhe inspirou seu sopro com a sua
garganta ou com seus lábios.”
"Omnes homines de carne nascentes, quid sunt nisi vermes? (Todos os
homens que nascem
da carne, que mais são senão vermes?) Santo
Agostinho – Ivi Joan I-13).
"Que vermes
somos não vos está provado,
De que surge a
celeste borboleta,
Que incerta voa ao
tribunal sagrado?
Porque do orgulho
assim passais a meta,
Se sois insetos no
embrião somente,
Vermes de formação
inda incompleta '!
(DANTE - Purgatório, X-124/129) .
*
Que o homem seja verme fica dito
muitas vezes na Bíblia. Nos monumentos antigos, ao lado da menina alada, a
borboleta é o símbolo da alma. Objeta-se que um César, um Kant, um Goethe, um
Dante não podem descender de um animal, porque entre eles e o macaco e a
espécie intermediária há uma distancia insuperável. Mas essa objeção cai se levarmos
em conta, de um lado, os elos intermédios entre o homem macaco e César (o
Papuasio, o Neozelandês, o Cafre, etc.), e por outro lado o prodigioso espaço
de tempo que foi necessário à natureza, ou, seja, à concorrência e à seleção,
para efetuar a sua evolução do homem-macaco a César e Goethe. Na realidade os
6.000 anos de idade que a Bíblia dá ao mundo não teriam bastado. Mas as
descobertas paleontológicas do século XIX, por obra de uma plêiade de
cientistas que se iniciou com Boucher de Perthes, provam incontestavelmente a
remotíssima idade do homem. (1)
(1) Conhecida a lei da preexistência
do Espírito e sua evolução universal, a idade do planeta
carece de importância:
porque os gênios que surgiram na superfície da Terra, em qualquer tempo,
podem ser
muito mais velhos do que o planeta; já haverem realizado sua evolução em outros
mundos. Lembremo-nos
das palavras de Jesus: "Em verdade, em
verdade vos digo que antes que Abraão existisse eu sou." (João, VIII - 58). A
pluralidade das encarnações implica a ideia da pluralidade dos mundos habitados
e isso de toda a eternidade. - O Trad.
No fundo, portanto, não há abismo
entre o homem e o animal. Não se pode refutar ao animal nem a sensibilidade,
nem a memória, nem a inteligência. Os fatos que o demonstram enchem volumes. O
senso moral não lhes é estranho e se no cão é o bastão que o faz nascer, como
diz Strauss, não se dá o mesmo também com muitos homens? O animal conhece o
amor materno, a fidelidade, a dedicação, entre eles e nós só há uma diferença de
grau: sua "alma" em relação à nossa está como o botão em relação à
flor e ao fruto.
Ora, se Deus deriva uma espécie de
outra pela sucessão natural, deve-se admitir que igualmente os mais altos tipos
psicológicos, dentro da mesma espécie biológica, não são criados de um golpe,
subitamente, mas sim produtos do desenvolvimento natural dos tipos inferiores.
Temos que concluir, portanto, que o
que nos impressiona como gênio ou como santidade, não foi criado de improviso
por Deus, sem ligação alguma com as leis da evolução ao contrário, é produto de
mui longa evolução, de bem longa série de experiências, de vidas, e, portanto,
de fadigas, de tormentos, de dores, de derrotas, de triunfos. A dor é a
essência da vida, e a vida é uma evolução ascendente da qual a Perfeição
infinita é a um tempo a força impulsiva e a meta suprema.
Perguntar-se o porquê de ser assim,
seria ingênuo. Quando uma ciência passa da simples verificação de um fato à
origem do mesmo fato, tem sempre razão de admitir que uma coisa tenha que ser
assim, porque não pode ser de outro modo: o que não reclama demonstração.
Convém, porém, dizer que quantos creem
ainda que podem banir Deus do mundo, porque a doutrina da evolução se
realizaria sem o Criador, explicando a evolução dos organismos somente pelas
leis naturais, laboram em grande erro.
A existência de leis naturais que
assim produzem a evolução reclama um legislador. Que a causa do mundo e da vida
seja a Inteligência, a ideia diretriz, é a evolução mesma que no-lo diz: não
compreenderíamos a evolução sem a finalidade da natureza. Sem essa ideia
diretriz não se poderia compreender porque o mundo progrediu da nebulosa até o
cérebro de Dante e de Leonardo, em vez de ficar na inércia e na confusão, nem
se poderia explicar a finalidade do organismo, no qual tudo é instrumento de
proteção para o homem, nem a regularidade, a finalidade da natureza.
O mundo é criado por uma
Inteligência, visando um fim, e este fim supremo é o Bem.
O físico nada mais é do que o
instrumento do moral, e o mecanismo não é senão o instrumento da finalidade. Se
pudéssemos penetrar o fundo das coisas, veríamos o mecanismo confundir-se com a
Teleologia.
Para explicar o mundo, o
materialismo tem que postular leis e leis "racionais", ou melhor, logicamente
dependentes umas das outras e leis de progresso, isto é, leis com uma
finalidade. Não basta que haja os átomos e que eles se movam, é preciso que se
movam com regularidade. De fato, tudo é como deve ser: tudo no Universo é
geometria. Está claro, portanto, que a causa primária deve ser racional, de
outro modo tudo seria confusão e desordem. Se se admite o princípio de
casualidade, não se pode deixar de admitir que as leis tenham sua causa e causa
que baste a explicá-las. Então, como a experiência até agora não nos sugeriu
outra analogia com que se possam explicar as leis, senão com a existência de um
legislador, é lícito perguntar: quem é o legislador das leis da Natureza? O
cientista? Mas o cientista apenas descobre as leis, não as faz. Confundi-lo com
o Autor seria o mesmo que dizer que o leitor faz o livro. Se a natureza é um
livro, isto é, um sistema inteligível, isso faz supor um Autor.
O princípio darwiniano, ao qual o
materialismo se apega com tão completa segurança, de fato, está longe de
eliminar a hipótese da finalidade e, ao contrário, a corrobora. É mesmo verdade
que a luta pela vida, a concorrência vital, seja uma causa primária e
exclusivamente mecânica?
A luta pela vida não supõe, por seu
turno, o querer viver, de Schopenhauer, e a vontade ou o esforço, sem o qual,
segundo a palavra profunda de Leibniz, não existe substância? Não supõe,
portanto, uma causa anterior, superior e imortal? Que pode significar a
fórmula: luta pela existência, senão: luta
com a finalidade de resistir? Ora,
isso nos leva à plena Teleologia. De resto, não se pode negar que a
terminologia darwiniana não expresse finalidade; os termos seleção, escolha, separação, evidentemente introduzem na
natureza um elemento intelectual.
Não sem razão, pois, se tem dito que
os mais belos exemplos de finalidade não se encontram nos Memoráveis de
Sócrates ou nos diálogos de Platão, nem nas obras de Bossuet e Fenelon, porém,
nas de Darwin e de Haeckel. E de fato Lamarck e Darwin eram deístas, se bem se
dissessem ateus.
Não sendo, portanto, o Ser vivo a
personalidade efêmera das doutrinas materialistas, mas
sim uma individualidade indestrutível; não sendo esta individualidade uma nova
criação, é evidente que só a pluralidade das suas vidas pode fazer-nos
compreender alguma coisa da nossa existência e esclarecer as diferenças
evolutivas dos seres; suas desigualdades físicas, morais, intelectuais, etc.;
desigualdades que a hereditariedade, a influência do ambiente, como se sabe,
não podem explicar.
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