A Paixão de Jesus
Ewerton Quadros
por W. Vieira
Reformador (FEB) Outubro 1961
O Espiritismo não nos abre o caminho
da deserção do mundo.
Se é justo evitar os abusos do
século, não podemos chegar ao exagero de querer viver
fora dele. Usufruamos a vida que Deus nos dá, respirando o ar das demais
criaturas, nossas irmãs.
Para seguir a própria consciência,
podemos dispensar a virtude intocável que forja
a santidade ilusória.
Não sejamos sombras vivas, nem
transformemos nossos lares em túmulos enfeitados por filigranas de adoração.
Nossa fé não é campo fechado à
espontaneidade.
Encarnados e desencarnados
precisamos ser prudentes, mas isso não significa devamos
reprimir expansões sadias e não nos abracemos uns aos outros. A abstinência do
mal não impõe restrições ao bem.
Assim como a virtude jactanciosa é
defeito quanto qualquer outro, a austeridade afetada é ilusão semelhante às
demais. Não façamos da vida particular uma torre de marfim para encastelar os
princípios superiores ou estrado de exibição para entronizar o ponto de vista.
A convicção espírita não é
insensível ou impertinente.
A inflexibilidade, no dever, não
exige frieza de coração. Fujamos ao proselitismo fanatizante,
mas, nem por isso, cultivemos nos outros a aversão por nossa fé.
Se o papel de vítima é sempre o
melhor e o mais confortável, nem por Isso, a título
de representá-lo, podemos forçar a nossa existência, transformando em verdugos,
à força, as criaturas que nos rodeiam.
Não sejamos policiais do Evangelho,
mas candidatemo-nos a servidores cristãos.
Nem caridade vaidosa que agrave a
aspereza do próximo, nem secura decoração que estiole a alegria de viver.
Quem transpira gelo, dentro em breve
caminha em atmosfera glacial.
A crença, aferrolhada no orgulho,
desencadeia desastres tão grandes quanto aqueles
criados pelo materialismo. Não sejamos companhias entediantes. Um sorriso de
bondade não compromete a ninguém.
A fé espírita reside no justo
meio-termo do bem e da virtude.
Nem o silêncio perpétuo da
meia-morte, que destrói a naturalidade, nem a fala medrosa
da inibição a beirar o ridículo.
Nem olhos baixos de santidade
artificiosa, nem anseio inexperiente de se impor a
todo preço.
Nem cumplicidade no erro, na forma
de vício; nem conivência com o mal, na forma
de aparente elevação.
Fé espírita é libertação espiritual.
Não ensina a reserva calculada que anula a comunicabilidade, constrangendo os
outros, nem recomenda a rigidez de hábitos que esteriliza
a vida simples . Nem tristeza sistemática, nem entusiasmo pueril.
Abstenhamo-nos da falsa ideia
religiosa, suscetível de repetir os desvios de existências
anteriores, nas quais vivemos em misticismo acabrunhante. Desfaçamos os
tabus da superioridade mentirosa, na certeza de que existe igualmente o orgulho
de parecer humilde.
O Espiritismo nos oferece a
verdadeira confiança, raciocinada e renovadora; eis porque
o espírita não está condenado a atividade inexpressiva ou vegetante. Caridade é
dinamismo do amor. Evangelho é alegria. Não é sistema de restringir as ideias
ou tolher as manifestações, é vacinação contra o convencionalismo absorvente.
Busquemos o povo - a verdadeira
paixão de Jesus -, convivendo com ele, sentindo
lhe as dores, e servindo-o sem intenções secundárias, conforme o "amai-vos uns
aos outros" - a senda maior de nossa emancipação.
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