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domingo, 16 de outubro de 2011

Argumento



Argumento


A Ceia. Pascoal. - A Eucaristia. - Jesus lava os pés dos seus discípulos.
- Predição da traição de Judas. – As muitas moradas da Casa do Pai.
 - O Consolador. - Jesus prediz a Pedro que ele o negará três vezes.[1]


            O ressurgimento de Lázaro encheu o cálice das fezes das paixões as mais nefandas, que, transbordando, deviam produzir o tremendo atentado contra o meigo filho de Maria - o Redentor dos homens!

            Prevendo os acontecimentos que de futuro se iam dar, o Divino Mestre quer, pela última vez, comemorar a Páscoa com seus discípulos; avizinhando-se o momento terrível das angústias, depois do qual devia subir ao Pai, ele busca, na solenidade dessa cerimônia que se realizava à aproximação da sua morte, fazer o seu testamento, repartindo com os seus amados discípulos os seus grandes tesouros de amor, até mesmo com o ingrato que, levado pela ambição, o devia entregar às mãos dos seus algozes!

            E, de todos os seus bens, da sua paz, de seu amor, de sua humildade, ele dispôs, como pai extremoso, mostrando aos seus discípulos o caminho iluminado que os devia conduzir à conquista da verdade suprema, lá nessas muitas moradas da casa de seu Pai, à qual Ele ia, adiante deles, a preparar-Ihes os lugares.

            Mas, de toda essa solenidade, de tudo quanto nessa terrível noite de angústias se passou, dois fatos extraordinários se realizaram, para os quais chamamos a atenção da Cristandade, procurando explicá-Ios, tanto quanto couber em nosso entendimento e nos for concedido pela soberana graça do Senhor!  

            Sentado à mesa, cheio de tristeza, pois que o seu divino Espírito antevia o drama terrível que nas trevas se estava urdindo contra ele, o Senhor toma do pão e, oferecendo-o aos seus discípulos, diz-Ihes: Comei, este é o meu corpo; e, apresentando-lhes o cálice do vinho, onde um artista havia esculpido o sacrifício de Isaac, diz-Ihes ainda: Bebei, este é o meu sangue!  

            Mas, poderemos nós, tomando ao pé da letra as palavras do Mestre Divino, considerar o pão e o vinho - o corpo e o sangue de N. S. Jesus-Cristo?
           
            Ou ocultarão, talvez, essas expressões verdade que naqueles tempos não podia ser compreendida?

            E, tratando dessa passagem, não poderia ter havido por parte dos evangelistas omissão de alguma palavra?

            Sim, certamente; essa omissão se deu, eu vo-lo afirmo, cristãos em Cristo: Jesus, oferecendo o pão e o vinho aos seus discípulos, lhes disse: Comei, este é o emblema do meu corpo; bebei, este é o emblema do meu sangue!

            E, assim, materialmente, Jesus proferira uma verdade, pois, como já tive ocasião de dizer-vos no cap. I deste humilde trabalho, o seu corpo, aparentemente humano, compunha-se exatamente dos fluidos constitutivos desses dois elementos de vida, como, espiritualmente, verdade ainda Ele dissera, pois nessa festa solene da Páscoa presentava O Senhor o Manso Cordeiro que, para a salvação de toda a humanidade, devia ser imolado!

            Comei do pão, bebe do vinho, símbolos da constituição do meu corpo, que julgais igual ao vosso, e fazei isso, todos os anos, em memória do meu nome!

            E isto apenas quer dizer: assim como os judeus se reuniam todos os anos em família, para solenizarem o dia da sua passagem das terras do cativeiro para as da liberdade, assim também os discípulos de Jesus se deviam reunir para solenizarem o dia das suas angústias, que também é o dia em que ele, pela sua palavra divina, os levantava das sombras da morte para as alvoradas da vida!

            Os homens, porém, no empenho de tudo materializarem, criaram, pela sublimidade dessa cerimônia, um sacramento a que deram o nome de Eucaristia!

            Mas, Deus meu, será preciso que, rompendo o silêncio do túmulo, venhamos dízer-Ihes o quanto há de absurdo nessa criação da Igreja Católica, que degrada a memória do maior dos Espíritos baixado à Terra? Será ainda preciso que vos venhamos dizer o quanto repugna à alma do crente esse ato, segundo o qual se consagra uma hóstia que, simbolizando o corpo fluídico do Divino Cordeiro, deve ser ingerida e pelo organismo humano eliminada, obedecendo à lei iniludível da nutrição dos seres?!

            Que subterfúgios de linguagem, que habilidade não serão necessários para justificar tal atentado?!

            Pois, não se compreende que as palavras de Jesus eram e são espírito e vida, e que, ainda que veladas pela letra, tinham por fim dar aos discípulos, como a toda a humanidade, os verdadeiros ensinamentos que, trazendo ao homem a resolução dos grandes problemas da vida, independem absolutamente das fórmulas materiais, que para nada servem e de nada valem porque, como já vos tenho dito, não encontram base nos Santos Evangelhos?!

            E, em pleno século dezenove, quando nos bate à porta o Consolador prometido, vemos o sacerdote tomar do corpo emblemático de N. S. Jesus-Cristo e ingerí-lo perante a multidão ignorante, a quem se procura convencer de que essa cerimônia é bastante para a remissão dos pecados!

            Cristãos em Cristo, os verdadeiros sucessores de Pedro, eu vo-lo afirmo, nunca, nem por sonhos, um momento sequer, imaginaram comemorar esse fato solene da Pácoa acreditando sorverem no pão e no vinho o corpo e o sangue do nosso Divino Redentor!  Nunca o fizeram, porque nunca se desviaram do reto caminho da justiça e da misericórdia; e assim sempre tiveram, em suas almas, a luz bastante para compreenderem em espírito e vida as palavras do Amado Mestre, que lhes revelavam a santa doutrina de amor e de paz que lhes incumbia difundir sobre a Terra!

            E, ao passo que tais atentados se praticam em nome do Evangelho, nós vamos nessa mesma noite memorável encontrar o Manso Cordeiro, o representante de Deus na Terra, de joelhos, às plantas dos seus discípulos, lavando-as e enxugando-as à toalha com que se havia cingido, levantando-se da mesa! E foi esse o maior exemplo de humildade que lhes deu o Divino Mestre para que, seguindo-o, pudessem desempenhar a alta missão de apascentar o seu rebanho.

            - Vós me chamais Mestre e Senhor, e bem o dizeis, porque o sou! Mas, se sendo eu vosso mestre e senhor vos lavo os pés, o que devereis vós fazer uns aos outros? Sede humildes; amai-vos, como eu vos amo e como vos ama o Pai, e só assim vos fareis conhecidos como meus verdadeiros discípulos[2].  

            Eis as sublimes palavras do Enviado de Deus, que baixou à Terra para mostrar à triste humanidade, ainda escrava das suas próprias paixões, o caminho de luz que deve conduzí-Ia, redimida e limpa do pecado, aos pés do Criador!

            E, no entanto, existe na Terra um homem, um sucessor de Pedro, que, lendo esse trecho grandioso do Evangelho, lição suprema da humildade cristã, interpreta-o e o põe em prática sentando-se em suntuosa cadeira, de onde assiste ao desfilar dos peregrinos que de todas as partes do mundo, reverentes, lhe vêm beijar os pés!

            E assim se interpreta o Evangelho de N. S. Jesus- -Cristo!

            Eu sei, cristãos em Cristo, que fundas amarguras ferirão as vossas almas ao lerdes estas páginas, que ora dito; eu vejo que um mundo de incertezas povoa o vosso Espírito, atordoando-vos, fazendo-vos desfalecer, abalando-vos a fé, pois que, acostumados a essas práticas, já vos tínheis determinado a aceitar todos esses absurdos como uma verdade!

            E se eu viesse conturbar a serenidade da vossa alma, sem que pudesse logo oferecer-vos um lenitivo, um bálsamo ao vosso desespero, pelo esboroamento das crenças que tínheis naquilo que até então era para vós uma verdade, eu seria certamente um perverso; mas, se assim vos falo, é porque entre vós já se acha o CONSOLADOR PROMETIDO - a DOUTRINA ESPÍRITA -, fonte abundante de todas as verdades que devem substituir o edifício carcomido das vossas crenças, mostrando-vos a rota segura, a porta estreita, o coração, a alma do Divino Mestre que, perdoando os vossos erros, vos cobre com o seu divino manto de amor, conduzindo-vos à felicidade suprema!

            - Eu sou a videira e meu Pai é o agricultor - diz o Divino Cordeiro!

            Nós, cristãos, somos as varas que, permanecendo no divino tronco - o nosso Divino Mestre -, precisamos dar frutos que atestem o aproveitamento dos ensinos que há tantos séculos nos foram dados pela misericórdia de Deus.

            E, se é certo que a maldade dos homens procura corromper-vos a seiva, aí tendes o rocio celeste banhando--vos a alma, para que possais dar os frutos que de vós se espera. E certamente o conseguireis, cristãos em Cristo, se estudardes a BOA NOVA, a doutrina consoladora que por amor dos homens, ainda uma vez, o Senhor mandou à Terra!

            E não sejam os vossos erros motivo de desânimo; lembrai-vos que o Divino Jesus, à mesa da Ceia Pascoal, deu também a Judas, que o devia atraiçoar, o pão e o vinho que repartira com todos os seus discípulos; lembrai-vos que aos seus pés ele se ajoelhou, também, para lavá-Ios! E do alto da cruz, invocando o perdão para todos os que o odiavam, ele estende o seu infinito amor, a sua divina misericórdia a todos aqueles que o buscam nas asas da prece fervorosa, enveredando-os pelo luminoso carreiro que os deve conduzir, puros e limpos das máculas do pecado, aos pés do seu e nosso Criador e Pai!

            Sem nos determos, porém, nessa sublime passagem dos Santos Evangelhos em que mais se exalta Jesus, o nosso Divino Mestre, o maior dos Espíritos baixado à Terra, humilhando-se aos pés dos homens, acompanhemos a narrativa do Discípulo Amado, buscando novos ensinamentos que, dando-nos alento, nos encorajem na nova cruzada em que nos empenhamos, para o restabelecimento das verdades evangélicas.

            E, visto que não podemos, de modo algum, tomar ao pé da letra aquilo que se encontra nos Evangelhos, cumpre nos esforcemos para, interpretando em espírito e vida os sublimes ensinamentos, bem compreendermos a Boa Nova de N. S. Jesus-Cristo.

            Diz-nos o Discípulo Amado[3] que, depois que o Senhor deu a Judas o pão molhado, nele entrou Satanás, que devia, na Terra, levá-Io à prática da negra traição ao Divino Mestre. Se interpretarmos à letra as palavras do evangelista, cairemos no absurdo de admitir que N. S. Jesus-Cristo dava ao Espírito das trevas a posse de Judas, no alimento que lhe oferecera à mesa da Ceia Pascoal.

            Essas palavras, porém - entrou nele Satanás -, são figuradas e apenas significam que no espírito de Judas germinava a ideia do crime, que então se fazia resolução.

            Era chegado o momento de se realizarem as profecias; cumpria que o Manso Cordeiro fosse levado ao sacrifício, para redenção dos homens!

            E, folheando os Evangelhos, encontrareis, cristãos em Cristo, em muitas passagens, o nosso Divino Mestre perseguido pelas multidões que tentam tirar-lhe a vida, encobrindo-se às suas vistas, pois que o seu momento ainda não era chegado, o que em abundância prova que o corpo que o revestia era de natureza fluídica.

            O príncipe deste mundo, isto é, o mal, não podia ainda ter acesso naqueles que deviam levar à morte o Amantíssimo Cordeiro; rodeava-o uma atmosfera de luz onde não podiam penetrar os maus - aqueles que odiavam a Jesus e aos seus queridos discípulos, os encarregados de espalhar sobre a superfície da Terra a santa doutrina do amor e de perdão que ele pregara.

            Findo o banquete divino, tendo o Senhor feito o seu testamento, isto é, tendo dado aos seus discípulos as instruções necessárias para que eles pudessem desempenhar a santa missão de que os incumbira na Terra, desfaz-se essa atmosfera de luz, por ação da sua divina vontade, principiando, então, o reinado das trevas; e, perfeitamente livres, os pérfidos e ingratos atuam sobre aqueles nos quais encontram os elementos necessários para o sacrifício do Divino Redentor!

            Os evangelistas, apesar da elevação dos seus Espíritos e do alto ministério de que estavam revestidos, não podiam compreender, em espírito e verdade, todos os ensinamentos do Amado Mestre; assim, desde que viram Judas, recebendo o pão molhado, desaparecer transfigurado da sala do banquete, deduziram que Satanás dele se havia apoderado, no momento de receber o alimento.

            E, no entanto, nesse momento, realizava-se a profecia do Manso Cordeiro, que, respondendo à pergunta dos seus queridos discípulos, lhes mostrava o traidor; e os adversários de Jesus, os adversários da sua doutrina de salvação, entraram na plenitude de toda a sua ação maléfica, sendo Judas, por sua ambição de ouro e de poder, o escolhido para entregar aos escribas e fariseus o meigo e dileto Filho de Maria!

            O Divino Mestre não podia desvendar, aos olhos dos seus discípulos, toda a verdade dos ensinamentos que lhes dava; ele mesmo o disse, segundo se lê em João, capo XVI, V. 12: Eu tenho ainda muitas coisas que vos dizer, mas vós não as podeis suportar agora.

            É assim que, falando das muitas moradas da Casa de seu Pai[4], vê-se perfeitamente que aos discípulos, almas simples e ignorantes, ainda que cheias de amor, de luz e de fé, ele de modo algum poderia explicar-lhes que essas muitas moradas que constituem a Casa do Pai, que é o Universo, mais não eram, como hoje já o sabemos, do que esses milhões de planetas que povoam o espaço, e onde os Espíritos buscam progredir, desempenhando as suas missões, segundo o grau de seu adiantamento moral e intelectual, pois que a hierarquia ascensional desses mundos está em relação com a dos Espíritos que neles habitam.

            Eles não podiam, portanto, suportar o desdobramento de todos os seus divinos ensinos, mas tempo viria, e esse já é chegado, em que a Boa Nova, a essência das verdades ensinadas pelo Manso Cordeiro, será compreendida por seus discípulos, como por toda a humanidade. É o que se encontra em João, cap. XIV, v. 26, onde o Divino Mestre declara que virá o Consolador, que é o Espírito Santo, isto é, a plêiade dos enviados do Senhor, para ensinar todas as coisas, fazendo lembrar tudo o que por ele fora dito.

            O Consolador é o Espiritismo; por ele os ensinamentos de Jesus serão compreendidos em espírito e verdade, e aqueles que, acreditando sinceramente em N. S. Jesus- -Cristo, se colocarem à sombra do seu santo lábaro terão luz em abundância, para seguir o luminoso trilho que conduz a criatura ao seio do seu Criador e Pai.

            Mas, voltemos à narração do evangelista.

            Feito o seu testamento, manifestando o Senhor aos seus discípulos a resolução de afastar-se da Terra para um lugar onde eles então não o podiam acompanhar, Pedro, não compreendendo as palavras do seu Divino Mestre, pede-lhe a razão por que o não podia seguir, visto que estava disposto a dar por ele a sua alma e a sua vida.

            A esta interrogação, responde o Senhor, ferindo a atenção do apóstolo fervoroso da fé, e dos demais discípulos, para melhor gravar-lhes no espírito a sua predição: Darás então por mim a tua vida? Em verdade, em verdade eu te digo, não cantará o galo sem que me tenhas por três vezes negado!  [5]   Pedro, portanto, também fora escolhido pelos Espíritos das trevas para escandalizar o Senhor; eles pretendiam joeirá-lo também, e o conseguiriam talvez, pela fraqueza da carne que o revestia, se o Divino Mestre não intercedesse pelo velho pescador, a quem confiara na Terra a chefia da sua Igreja.

            Isso prova, cristãos em Cristo, o quanto devemos ser no mundo vigilantes, principalmente quando pelo nosso Mestre e Senhor nos tivermos resolvido a dar a nossa vida e a nossa alma.

            E, parecendo uma incongruência, é isso uma verdade!

            Quanto mais procura o Espírito desprender-se dos vícios e paixões que o degradam mais o cercam os infelizes, buscando demove-Io dos seus bons intentos.

            Pedro era homem, o seu Espírito vestia a carne que, como tantas vezes disse o Divino Senhor, é fraca; e, ainda que desejando ardentemente não abandonar um só instante o seu doce amigo, influências estranhas atuam sobre ele e, não podendo corromper-lhe os seios da alma, porque esses já tinham recebido os bafejos sacratíssimos do seu Divino Mestre, infundem-lhe o terror, por meio do qual conseguem fazê-Io negar publicamente a N. S. Jesus-Cristo, realizando-se o escândalo por eles tão desejado.

            E assim, lendo no futuro, foi que o Manso Cordeiro lhe predisse que ele o negaria por três vezes.

            Continuando a sua narrativa, diz o evangelista que o Senhor, depois de dar as últimas instruções aos seus discípulos, com eles dirigiu-se à outra banda do ribeiro de Cedron, onde havia um horto, no qual buscou retiro.

            Será esse o assunto do capítulo seguinte .

Francisco Leite  de Bittencourt Sampaio

por Frederico Pereira da Silva Jr

in   ‘Jesus perante a Cristandade’  (6ª Ed. FEB  1995 – Cap. 9)






[1] Mateus, capo XXVI, vv. 17 a 35. Marcos, cap. XIV, vv. 12 a 31. Lucas, cap.  XXII, vv. 7 a 34. João, capo XIII.
[2] João, cap. XIII, VV. 4 a 15.
[3] João, cap. XIII, vv. 26 e 27
[4] João, cap. XIV, v.2
[5] João, cap.  XIII, v. 38.
Lucas, cap.  XXII, v. 34.
Marcos, cap.  XIV, v, 30.
Mateus, cap. XXVI V. 34.

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