Jean-Baptiste
Roustaing
Centenário de Desencarnação
1879 - 2 de Janeiro – 1979
in ‘Reformador’ (FEB), Jan 1979
Parte ½
Introdução
Neste início de ano - 1979 -, a quase duas décadas do final do século XX e do milênio 11 do Cristianismo, quando todas as esperanças começam a convergir para o Grande Futuro, simbolizado no milênio vindouro, no desdobramento do qual as Revelações indicam que a Terra conhecerá novas veredas de progresso, de fraternidade e de paz, resultantes de conquistas cristãs do homem espiritual, vale recordar, na comunidade espiritista, que o Consolador está no orbe e veio para ficar.
"A tarefa de Allan Kardec era difícil e complexa. Competia-lhe reorganizar o edifício desmoronado da crença, reconduzindo a civilização às suas profundas bases religiosas. Atento à missão de concórdia e fraternidade da América, o plano invisível localizou aí as primeiras manifestações tangíveis do mundo espiritual, no famoso lugarejo de Hydesville, provocando os mais largos movimentos de opinião. A fagulha partira das plagas americanas ( ... )."
"( ... ), laborando para os séculos porvindouros ("os operários de Jesus"), definiram o papel de cada região no continente, localizando o cérebro da nova civilização no ponto onde hoje se alinham os Estados Unidos da América do Norte, e o seu coração nas extensões da terra farta e acolhedora onde floresce o Brasil, na América do Sul. Os primeiros guardam os poderes materiais; o segundo detém as primícias dos poderes espirituais, destinadas à civilização planetária do futuro." "( ... ), sendo digno de notar-se o esforço do plano Invisível na manutenção da sua integridade territorial ( ... ), atento à missão do povo brasileiro na civilização do porvir."
"( ... ) Allan Kardec, todavia, na sua missão de esclarecimento e consolação, fazia-se acompanhar de uma plêiade de companheiros e colaboradores, cuja ação regeneradora não se manifestaria tão somente nos problemas de ordem doutrinária, mas em todos os departamentos da atividade intelectual do século XIX."
Depois de enfatizar, adiante, que "nos campos exuberantes do continente americano estão plantadas as sementes de luz da árvore maravilhosa da civilização do futuro", Emmanuel na obra "A Caminho da Luz" (psicografia de Francisco Cândido Xavier e editoração da FEB), da qual ora respigamos alguns pontos, assevera: "Convenhamos em que o esforço do Espiritismo é quase superior às suas próprias forças." E esclarece por que, nas páginas seguintes: “A realidade é que a civilização ocidental não chegou a se cristianizar.”
"O Espiritismo, na sua missão de Consolador, é o amparo do mundo neste século de declives da sua História; só ele pode, na sua feição de Cristianismo redivivo, salvar as religiões que se apagam entre os choques da força e da ambição, do egoísmo e do domínio, apontando ao homem os seus verdadeiros caminhos."
(Os grifos são de "Reformador". Os textos transcritos, da obra citada,
estão nas páginas 173, 197, 199, 209, 210 e 213 da 9ª edição, 1978.)
* * *
Aí está definida, numa súmula da síntese de Emmanuel, a natureza das tarefas grandiosas do Espiritismo Cristão, como estão indicadas a origem da fagulha, a missão do povo brasileiro e a ação de Allan Kardec, com sua plêiade de cooperadores, penetrando nas questões todas do mundo, doutrinárias e intelectuais do século precedente. Mas aí estão igualmente os rumos certos e a advertência dos perigos existentes, para que o homem, hoje como no transcurso do próximo milênio, não fuja aos desafios da consciência e não complique ainda mais os seus problemas e os do orbe, deixando de edificar a espiritualidade de que carece a atual civilização, decadente e infeliz.
Iluminar a Ciência e salvar as religiões, mostrar o caminho verdadeiro aos espíritos em provas e expiações, viver, enfim, o "amar a Deus e ao próximo como a nós mesmos", tal é a missão de fraternidade e de concórdia com que somos aquinhoados.
Essas considerações nos vêm à mente a propósito deste trabalho, integrado de quatro itens escritos em anos diversos e por diferentes autores, organizado com o intuito de prestar pálida homenagem a um obreiro do qual pouco se sabe, de quem se não conhece, sequer, uma fotografia: Jean-Baptiste Roustaing. O primeiro, da pena exuberante de Indalício H. Mendes, é de 1971, do mesmo modo que o segundo, de Francisco Thiesen, ambos publicados, à época, em "Reformador"; o terceiro, constituído de ligeiras transcrições da obra de Emrnanuel, "Paulo e Estêvão", sobre episódio crítico na vida da Igreja do Caminho, cujo desfecho foi positivamente decisivo quanto ao futuro do Cristianismo no mundo, graças à amplitude de vistas e à corajosa atitude de Simão Pedro. (Os textos de 1971 - itens 1 e 3 - estão aqui reduzidos e adaptados às proporções e finalidade destas laudas.) E, finalmente, o quarto, publicado à parte, neste número de "Reformador", capítulo inédito de livro mediúnico ditado pelo Espírito Áureo (médium Hernani T. de Sant'Anna , "Universo e Vida" (ainda incompleto), representando, a nosso ver, como outras importantes páginas do mesmo volume, repositório de estudos e revelações em apoio à "Revelação da Revelação" ou "Os Quatro Evangelhos", em linguagem tão simples quanto possível, na abordagem de temas científicos de plena atualidade, e com o aroma e o sabor das "coisas santas".
Lembremo-nos de que a Doutrina dos Espíritos encontra-se hoje a 131 anos da fenomenologia de Hydesville e a 122 do lançamento de "O Livro dos Espíritos". Allan Kardec retomou às esferas espirituais há 110 anos. Adentramos, pois, de há muito, o século II do Consolador!
Saídos da menoridade de espírito também em Espiritismo, as linhas da coerência e do equilíbrio demarcam as margens seguras do roteiro que somos chamados a seguir. Respeitemos, pois, a escolha ditada pela preferência ou possibilidade de cada um, mas continuando com os mais altos e permanentes propósitos de união, de amizade, de fraternidade, de amor e de paz – para com todos. Ame sempre mais o seu semelhante o espírita que se considere detentor de maior saber e mais luz. O Divino Mestre não lavou os pés aos discípulos, revelando-se o Servidor?
Para finalizar, desejamos informar o que poucos sabem: Quem introduziu no Brasil o estudo da importante publicação de J.-B. Roustaing foi o admirável pioneiro Luís Olímpio Teles de Menezes, em 1870. Ele que foi também o fundador da primeira Sociedade espírita do país, em 1865, e do primeiro periódico espírita brasileiro, em 1869, na Bahia (vide "Teles de Menezes - Pré-história do Espiritismo no Brasil", In "Grandes Espíritas do Brasil", de Zêus Wantuil, edição FEB), recebera diretamente do nosso homenageado, como se vê no número 6, maio de 1870, de "O Eco d'Além-Túmulo", págs. 292 a 296 (cf. "Reformador" de 1966), um exemplar do livro, em francês (3 tomos). Extensa e criteriosa crítica é feita por Teles de Menezes, que enaltece o trabalho de Roustaing e lhe reproduz parcialmente a carta.
Dignos de encômlos são as atitudes e comportamentos de verdadeiros mestres de cristianidade, quais Teles de Menezes, Allan Kardec e Roustaing, cada qual na sua gleba de ação e atuação, com responsabilidades diferentemente dimensionáveis em termos espirituais e dificilmente mensuráveis pelos metros humanos, mas cujos exemplos de fraternidade e respeito mútuo podem e devem ser seguidos pelos que se acreditem seus discípulos.
A Direção de "REFORMADOR"
1. A Extraordinária Personalidade de J.-B. Roustaing
Jean-Baptiste Roustaing, nascido em 1806, em Bordéus, experimentou as vicissitudes que costumam marcar profundamente a vida das criaturas humanas dotadas de grande sensibilidade. Sua juventude foi difícil e trabalhosa, no seio da pobreza. Determinado a transpor os obstáculos que se lhe ofereciam para estudar, atirou-se denodadamente ao trabalho, buscando ao mesmo tempo instruir-se, embora o extraordinário esforço afetasse suas reservas físicas, pois não dispunha de tempo suficiente para o repouso necessário.
Cheio de fé em Deus, Roustaing em nenhum momento se deixou vencer pelo desânimo, fazendo-se professor de Literatura e Ciência, a princípio em Toulouse, de 1823 a 1826, a fim de custear os estudos das Leis e do Direito, conseguindo, finalmente, doutorar-se em Advocacia, profissão que passou a exercer, em Paris, de 1826 a 1829, até fixar-se em Bordéus, sua cidade natal, onde se destacou como jurisconsulto, por sua cultura, pelo equilíbrio e segurança de seus pronunciamentos, bem como por sua dinâmica operosidade. Não tardou a granjear a admiração e o respeito de seus concidadãos, a tal ponto que a autoridade moral e o prestígio que possuía naturalmente impuseram, entre outros indiscutivelmente ilustres, a escolha do seu nome para Bastonário[1] da famosa Ordem dos Advogados de Bordéus.
Em consequência do excesso de trabalho, em janeiro de 1858 foi ele acometido de grave e longa enfermidade e somente em 1861 ficou completamente restabelecido e pôde voltar ao exercício de sua profissão. Reiniciava, dessa maneira, as labutas nos tribunais e no gabinete, trinta anos de uma atividade notável a serviço do Direito e da Justiça. Crendo em Deus, mas intimamente infenso a credos religiosos eivados de superstições e conceitos dogmáticos, Roustaing punha-se em constantes meditações a respeito do Cristianismo de Jesus, tão diverso do pseudocristianismo que cada vez mais se distanciava da doutrina fixada pelo Mestre em suas inolvidáveis parábolas e no monumental sermão do monte.
Por essa época, a França continuava vibrando com os fenômenos das chamadas "mesas-girantes", mas já se falava muito em "comunicações de Espíritos". Um amigo médico, de sua cidade, lhe falou na possibilidade de tais comunicações do mundo corpóreo com o mundo espiritual. Como já havia sido publicado "O Livro dos Espíritos", falava-se em doutrina e ciência espíritas, como fruto dessas mensagens, tendo como objetivo uma revelação geral. Roustaing mostrou-se um tanto incrédulo, mas seu espírito perquiridor o induziu a procurar saber a razão dos acontecimentos que preocupavam tanta gente e dos quais a imprensa tratava, o mais das vezes, com sarcasmo. O mesmo acontecera com o eminente Codificador do Espiritismo, Allan Kardec.
Roustaing confessou deste modo o seu inicial ceticismo: "Minha primeira impressão foi a de incredulidade devida à ignorância, mas eu bem sabia que uma impressão não é uma opinião e não pode servir de base ao julgamento; que, para isso, é necessário, antes de tudo, nos coloquemos em situação de falar com pleno conhecimento de causa. Sabia e sei ainda ser ato de insensatez aprovar ou repudiar, afirmar ou negar o que se não conhece em absoluto. ou o que se não conhece bastante, o que se não examinou suficientemente e aprofundou sob o duplo ponto de vista teórico e experimental, na medida das faculdades próprias, sem prevenções, sem ideias preconcebidas.”
Essa maneira de proceder retrata a vigorosa personalidade desse homem austero, mas cordial e comunicativo. Compreendeu que não mais poderia permanecer indiferente ao movimento inusitado que vinha interessando a tanta gente. Respeitador de todas as crenças, tolerante e conciliador, era devoto da liberdade de opinião e da liberdade de consciência. Apesar de crer em Deus, não aceitava o que as interpretações humanas ensinavam relativamente a Jesus e ao Evangelho, para ele ainda obscuros e incompreensíveis, dados os aspectos de milagroso e sobrenatural - no sentido geralmente conferido a essas palavras, de derrogação das leis da Natureza - que a inteligência recusava.
Aquela estafa que o afastara das preocupações profissionais permitira-lhe tomar conhecimento do que se passava pela Europa, no tocante a revelações demasiado fortes para poderem ser aceitas sem prévia análise.
Decidido a investigar o que de real havia no que lhe dissera o clínico amigo, procurou informar-se cientificamente, primeiro pelo estudo e pelo exame, depois pela observação e pela experimentação, do que pudesse haver de possível, de verdadeiro ou falso, nessa comunicação entre o mundo corporal e o mundo espiritual, nessa doutrina e ciência espíritas, que tão profundamente impressionaram as classes sociais.
Leu, estudou "O Livro dos Espíritos", subscrito por AlIan Kardec, meditou sobre o que nele se encontra, analisou demoradamente cada capítulo, com a frieza de quem não deseja senão encontrar algo de sério, que mereça a atenção de um homem culto e objetivo. A que conclusão chegou? Vejamos a sinceridade que ressuma do seu depoimento franco: "Nas páginas desse volume encontrei: uma moral pura, uma doutrina racional, de harmonia com o espírito e progresso dos tempos modernos, consoladora para a razão humana; a explicação lógica e transcendente da lei divina ou natural, das leis de adoração, de trabalho, de reprodução, de destruição, de sociedade, de progresso, de igualdade, de liberdade, de justiça, de amor e de caridade, do aperfeiçoamento moral, dos sofrimentos e gozos futuros.”
O depoimento é extenso e pormenorizado, referindo-se também à pluralidade dos mundos, das humanidades, das existências, à lei do renascimento ou reencarnação; à inferioridade moral dos homens do nosso planeta, à "inferioridade intelectual acentuada relativamente às leis a que estão sujeitos na Terra os diversos reinos da Natureza e às leis naturais a que obedecem os mundos e as humanidades superiores, por meio das quais aquelas leis se conjugam na unidade e na solidariedade".
Nunca lemos apologia mais justa, mais precisa, mais bela e profunda a "O Livro dos Espíritos", e às revelações que enriquecem suas páginas, do que essa. Procedeu Roustaing da mesma maneira em relação a "O Livro dos Médiuns", concluindo que "o mundo espiritual era bem o reflexo do mundo corporal". Todavia, o seu exigente espírito investigador não estava ainda satisfeito, após o meticuloso estudo que realizara. Consultou a História, compulsou livros de filosofia profana e religiosa, antiga e recente, prosadores e poetas que refletem as crenças e os costumes dos tempos, verificando, por fim, que eram ensinados "desde a antiguidade até hoje, num amálgama de ERROS e VERDADES, dispersas e ocultas aos olhos das massas, os princípios que a doutrina e a ciência espírita vieram pôr em foco: 1º) - a pluralidade dos mundos e sua hierarquia; 2º) - a pluralidade das existências e sua hierarquia; 3º) - a lei de renascimento; 4ª) - as noções da alma no estado de encarnação e no de liberdade e as de seus destinos".
Perlustrou, com a paciência e a profundeza de um sábio, os livros das duas precedentes revelações, o Antigo e o Novo Testamentos, leitura que abandonara outrora por obscura e incompreensível, mas que, graças à doutrina e à ciência espíritas, se lhe apareciam agora revestidas de luz, permitindo-lhe divisar alguma coisa através do véu da letra. Sua inteligência e sua razão compreenderam e reconheceram, "nesses livros sagrados, ser um fato a comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal, comunicação que na ordem divina, providencial, é o instrumento de que se serve Deus para enviar aos homens a luz e a verdade adequadas ao tempo e às necessidades de cada época, na medida do que a Humanidade, conforme o meio em que se acha colocada, pode suportar e compreender, como condição e elemento do seu progresso".
"O Livro dos Espíritos" e "O Livro dos Médiuns" foram para Roustaing a bússola que lhe indicaria o caminho para a missão que Espíritos superiores lhe reservariam em futuro próximo.
* * *
Certificando-se de que, em Bordéus, havia, no seio das mais distintas famílias, médiuns experimentados, Roustaing deles se aproximou e com eles entrou em relações, interessado nos trabalhos de observação e experimentação, no terreno das manifestações inteligentes, bem corno das manifestações físicas, que desfaziam preconceitos e repeliam opiniões apriorísticas.
Na véspera do dia 24 de junho de 1861, dirigiu fervorosa prece a Deus para que permitisse a manifestação mediúnica do Espírito João Batista, pois tinha então em sua companhia um médium que com ele se entregava a trabalhos diários. Deprecara também a graça da manifestação do Espírito de seu pai e do seu Guia protetor. Essas manifestações se produziram naturalmente, com surpresa do médium, que ignorava suas preces. Roustaing sentiu-se feliz. pois ficara provado que sua súplica fora ouvida e que Deus o aceitara por seu servo.
A 30 do mesmo mês, manifestou-se o Espírito do apóstolo Pedro, de modo inesperado para ele e para o médium. Viera preveni-lo da época em que poderia e deveria reunir e publicar as mensagens recebidas, de tão alto interesse para a compreensão e interpretação dos Evangelhos. Em dezembro do mesmo ano, 1861, foi-lhe sugerido ir à casa de Mme. Collignon, a quem devia ser apresentado, "para apreciar um grande quadro mediuniramente desenhado, representando um aspecto dos mundos que povoam o espaço". Lá esteve, voltando oito dias depois para agradecer o acolhimento que tivera. Quando se preparava para sair, Mme. Emilie Collignon, médium de grande sensibilidade, sentiu na mão o sinal, a agitação fluídica bem conhecida dos médiuns, indicadora da presença de um Espírito desejoso de se manifestar. A pedido de Roustaing, a senhora aquiesceu em se prestar à manifestação mediúnica e, no mesmo instante, a mão, fluidicarnente dirigida, escreveu uma mensagem, na qual, a ele, Roustaing, tal qual sucedera a Allan Kardec, com relação ao Espírito Z (Zéfiro), foi dito:
"Mete mãos à obra, pois que os Espíritos indecisos flutuam entre a dúvida que Ihes é semeada nos corações e a fé de que precisam; seus olhos nada mais podem distinguir nas trevas de que os cercaram e buscam no horizonte uma luz que os ilumine e sobretudo que os tranquilize. Cumpre que essa luz lhes seja mostrada, porquanto desapareceu a confiança que depositavam nos dogmas da Igreja; falta·lhes esse apoio. Apresentai lhes o esteio sólido da nova revelação."
A mensagem prossegue, é longa, e termina desta maneira altamente expressiva:
"A vós, pioneiros do trabalho, cabe a tarefa de preparar os caminhos, enquanto esperais que Aquele que há de vir para traçar o roteiro comece a sua obra. Com esse objetivo, nó, ó bem amados, vimos incitar-vos a que empreendais a explicação que preparará a unificação das crenças entre os homens e à qual podeis dar o nome de REVELAÇÃO DA REVELAÇÃO. São chegados os tempos em que ESPÍRITO QUE VIVIFICA substituirá a letra que produziu frutos, de acordo com as fases e as condições do progresso humano, e que AGORA MATA, se mal interpretada. Ponde-vos à obra; trabalhai com zelo e perseverança, coragem, atividade e não esqueçais nunca que sois Instrumentos de que Deus se serve para mostrar aos homens a verdade; aceitai com simplicidade de coração e reconhecimento o que o Senhor vos dá; tende sempre nos vossos pensamentos e atos a humildade, a caridade, a abnegação, o amor e o devotamento aos vossos irmãos e sereis amparados e esclarecidos."
* * *
Jean-Baptiste Roustaing foi um "despenseiro fiel" de Jesus, pois cumpriu cabalmente a tarefa recebida. E de que maneira o fez! O importante trabalho dos Espíritos foi recebido, coordenado e pronto por duas pessoas que, oito dias antes da manifestação acima referida, não se conheciam! Mme. Emilie Collignon era médium inconsciente, de modo que, cessado o transe mediúnico, de nada se lembrava. E, quando tornava conhecimento da natureza dos ditados, manifestava sua divergência de opinião. Era, portanto, um instrumento mecânico a serviço do Alto. Roustaing, reconhecido, mas humilde e cada vez mais cheio de fé, declarou: "Mero instrumento, cumpri um dever executando tal ordem, entregando à publicidade esta obra, que põe em foco a essência de tudo o que há de devotamento, de abnegação e de sentimentos fraternais em Jesus, chamado o Cristo, que tão bem mereceu o título de Salvador do Mundo, de Protetor da Terra!"
* * *
Na "Revue Spirite" de junho de 1861, Kardec, ao referir-se a uma carta que lhe enviara Roustaing, assim se manifestou: "Os princípios que aí são abertamente expressos, por um homem cuja posição o coloca entre os mais esclarecidos, darão que pensar aos que, supondo possuírem o privilégio da razão, arrolam todos os adeptos do Espiritismo entre os imbecis. Vê-se que Roustaing apesar de recentemente iniciado, se tornou mestre em matéria de apreciação; é que ele tem séria e profundamente estudado, o que lhe permitiu apreender rapidamente todas as consequências dessa Importante questão do Espiritismo (a reencarnação) e que, ao contrário de muitos, ele não ficou na superfície. Nada ainda vira, disse ele, e se convencera porque havia lido e compreendido. Isso sucedeu a muitas pessoas, e temos sempre observado que elas, longe de serem superficiais, são, ao revés, as que mais refletem; aplicando-se mais ao fundo que à forma, para elas a parte filosófica é o principal, e os fenômenos propriamente ditos o acessório."
Mais adiante, Allan Kardec reconhece Roustaing como espírita sério ("spirite sérieux"), justificando: “Pelas citações que o autor dessa carta faz de pensamentos contidos em comunicações por ele recebidas, prova que não se limitou a admira-las como belos trechos literários, dignos de serem conservados num álbum, mas que os estuda, sobre eles medita e deles tira proveito."
As honrosas referências de Kardec a Roustaing não ficaram nisso. Como Roustaing escrevera, ao final da carta, sentir-se dignificado em ser aberta e publicamente espírita, o Codificador o felicita por essa declaração, evidência do nobre caráter do missivista, acrescentando que "infelizmente nem todos têm, como ele (Roustaing), a coragem de suas convicções, e é isso que anima os adversários".
Quando Allan Kardec, em outubro de 1861, visitou a cidade francesa de Bordéus, a Sociedade Espírita local recebeu-o com todas as honras devidas a tão "amado e venerado chefe". Um dos membros dessa Sociedade, o Dr. Bouché de Vitray, médico conceituado, a certa altura de seu discurso prestou homenagem especial a Roustaing, com estas palavras: "0 reconhecimento me obriga, no dia de hoje, a inscrever nesta página o nome de um de meus bons amigos, que me descerrou os olhos à luz, o do Sr. Roustaing, advogado distinto, e sobretudo consciencioso, destinado a desempenhar papel saliente nos fastos do Espiritismo" ('Revue Spirite", 1861, pág. 336).
Desencarnado a 2 de janeiro de 1879, dez anos depois de Kardec, teve Roustaing a seguinte nota necrológica na "Revue Spirite" desse ano: "O nosso irmão e amigo extinguiu-se corporalmente, a 2 de janeiro de 1879 em Bordéus, com a idade de 73 anos, cheio de fé e de esperança no progresso desta bela doutrina que vem de Deus e da qual foi ele um dos mais ardentes apóstolos, dos mais inteligentes e mais dedicados. Sua grande , bela alma nenhum pesar sentia por deixar este mundo: pesava-lhe unicamente o deixar inacabada a sua obra. Dessa ideia, porém, logo se recobrava, dizendo: "Voltarei; Deus me concederá a graça de retomar e continuar a minha obra, de trabalhar pelo progresso moral e material dos meus irmãos."
"Todos os que o conheceram creem plenamente na sinceridade das suas aspirações, porquanto ele era ambicioso de virtudes e ávido de verdades celestes. Sua vida se assinalou por eminentes atos de caridade e de beneficência. Sua passagem pela Terra ficou exalçada por exemplos constantes, na prática de todas as virtudes cristãs. Dotado de grandes aptidões para o trabalho, sempre os executou ativamente, no Foro, até 1861; depois, até à morte, em labores filosóficos e religiosos. Ensinou pela palavra e pelo exemplo. Humilde de espírito e de coração, sempre deu generosamente do que tinha aos que não tinham.
"Ficai certos. dizia, nas reuniões mensais a que presidia, que para o outro mundo não se leva senão o que neste se deu; e que aquele que dá é que tem de agradecer."
A mesma "Revue Spirite", r-m 1879, ao referir-se aos "mortos" do ano, teve, entre outras palavras de reconhecimento ao caráter e aos méritos de Roustaing, as seguintes:
"Deixou a reputação de um espírito justo, leal, íntegro, amigo do progresso. Que seja abençoado pelo bem que fez."
Allan Kardec, o insigne Codificador do Espiritismo, não foi adversário de Roustaing. Teve uma opinião pessoal sobre a questão do corpo de Jesus, mas assim se externou, na "Revue Spirite" de junho de 1866, ao registrar o aparecimento desse trabalho: julgou-o "considerável e com o mérito de não estar em contradição, por qualquer dos seus pontos, com a doutrina ensinada no "O Livro dos Espíritos" e que ele, Kardec, não havia realizado trabalho semelhante porque não julgara oportuno fazê-lo antes que a opinião geral estivesse familiarizada com a ideia espírita". "Nesse mesmo artigo, Kardec nem aprovou e nem reprovou a obra de Roustaing; no entanto, criticou-a por ser muito desenvolvida e, apesar de admitir corno razoável e possível a teoria do "corpo fluídico", declarou-a hipotética, enquanto não fosse confirmada no futuro, mas reconhecendo que "encerra, incontestavelmente, coisas boas e verdadeiras, e será consultada com proveito pelos Espíritas sérios".
"Quanto a esse ponto único, Kardec foi prudentíssimo e sua reserva só pode aumentar nosso respeito por ele, pois que naquela época não estavam perfeitamente estudadas as materializações, tanto assim que o próprio Kardec ainda supunha "não passarem de uma aparência fluídica e que a nossa mão nenhuma resistência experimentaria ao tocar as aparições". Só muito mais tarde foi suficientemente estudado o fenômeno das materializações e ficamos sabendo que podem as aparições ter toda a consistência de matéria compacta, servir de original para moldes de parafina, ter peso verificado pelas balanças, órgãos em perfeito funcionamento, examinados por fisiologistas, confirmando, assim, plenamente, certas aparições registradas no Velho e no Novo Testamentos. Isso só veio a ficar bem demonstrado com as materializações de Katie King, pela mediunidade de Florence Cook e, mais tarde, por muitos outros médiuns em diversos países." (“Kardec-Roustaing" - Il - "Reformador", novembro de 1946, pág. 249.)
[1] (1) Bastonário - Chefe ou Presidente da Ordem dos Advogados (em França), numa Corte ou num Tribunal. Esse titulo honroso era conferido ao advogado escolhido entre outros da maior cultura Jurídica e de reconhecida probidade pessoal e profissional, Constituía uma distinção, uma homenagem à dignidade da pessoa distinguida com tão honrosa preferência.
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