Lendo e Comentando (3)
por Hermínio C Miranda
in Reformador (FEB) Março 1970
M. H. Tester, médium de cura e escritor bastante lúcido, traz-nos sempre contribuições valiosas aprendidas no exercício de sua missão.
Lembra ele, por exemplo, a senhora que aparece para dizer que “são as costas que me incomodam”. “As costas, diz Tester, não têm uma consciência à parte. Não são elas que decidem que já é tempo de incomodar um pouco. O que acontece é a mulher estar em estado de tensão. Tem três filhos pequenos. Ao cabo de longas férias escolares, os músculos das costas ficam sob contínua tensão. Ela própria é que. produziu a dor”.
Aliás, afirma Tester com muita razão, pouco diante, que é a nossa atitude mental que dispara o mecanismo da doença. “Você pode morrer de uma doença criada emocionalmente com a mesma facilidade como morre de um acidente de avião. Estatisticamente é até mais provável”.
E nos aconselha a substituir todas as destrutivas emoções por aquelas que conservam o corpo em harmonia. Em vez de temor, a confiança, em lugar do ódio, o amor e mais a serenidade e a tranquilidade da. compreensão. Com isso, seu corpo será saudável, pois, como adverte Tester, muitos de nós somos nossos piores inimigos.
C. K. Shaw examina na sua coluna habitual as possibilidades e perspectivas de uma "teologia global”. Embora ele não defina o que seja teologia global, entende ser uma necessidade urgente, “tornada ainda mais evidente pelo choque entre Católicos Romanos e Protestantes, na Irlanda”.
Pouco adiante parece atribuir a causa do conflito a alguma coisa de errado no Cristianismo, uma vez que a disputa é entre cristãos. A seguir, pergunta a si mesmo se o Espiritismo não poderia ser inserido nesse quadro de sua “teologia global”. Lembra que alguns espíritas consideram o Espiritismo um sistema de vida e não uma religião, sendo, em consequência, estudado como uma filosofia ou um ramo científico do pensamento convencional. Há, de outra parte, aqueles que insistem em atribuir ao Espiritismo as condições de uma religião pura e simples, com rituais, preces, hinos e genuflexões. Lembra também uma jovem que preconiza até música popular nas demonstrações de mediunidade, a fim de atrair público.
Com licença do amigo Shaw, discordamos dele e de todas essas correntes que estão vendo apenas um ou outro aspecto do Espiritismo, mas não têm dele visão integral. Essa confusão, inadmissível para aqueles que estudaram Allan Kardec, poderá levar o Espiritismo praticado na Inglaterra a uma verdadeira balbúrdia teórica e prática, da qual brotariam inúmeras seitas espíritas, como aconteceu ao nobre movimento da Reforma Protestante. Nesse rumo, vai-se dar naquele campo onde começam a predominar as personalidades dos fundadores de seitas e não a unidade doutrinária desejada.
Para colocar as coisas em ordem, vamos recorrer a Kardec. Antes de mais nada, o Espiritismo é uma doutrina que compreende, aspectos filosóficos, científicos e religiosos. Esses aspectos têm de ser considerados em conjunto, senão teremos distorções irremediáveis. Na sua conceituação mais acessível àqueles, como nós, que não se dedicaram em profundidade ao seu aprendizado, a filosofia é, como dizem os dicionários comuns, o estudo geral dos seres, dos princípios e das coisas. É, em outras palavras, o estudo da relação existente entre o homem e o mundo que o cerca. A filosofia espírita se propõe, assim, a fornecer uma: explicação racional e lógica do homem, sua formação e seu destino, bem como suas relações com o universo em que vive.
A parte científica do Espiritismo insere a doutrina no contexto das ciências modernas, explorando de maneira particular os aspectos experimentais. A todas as ciências que cuidem do homem e suas relações com o universo o Espiritismo tem algo de novo a dizer.
Quanto ao aspecto religioso, é inegável no Espiritismo, porque nos coloca diante do problema da existência de Deus e o destino da criatura humana. Se, porém, entendermos que religião só existe quando há sacerdotes, dogmas, altares, rituais; fórmulas e preces padronizadas para serem recitadas mecanicamente, então realmente o Espiritismo não é religião. Ê religião, porém, no sentido mais nobre e etimológico da palavra, porque se propõe a mostrar os vínculos que ligam o homem a Deus, a nossa posição perante as leis divinas, nossas obrigações, deveres e direitos, bem como as limitações que são necessariamente impostas ao livre exercício das nossas paixões. No futuro,quando as religiões cederem lugar à Religião por excelência, a contribuição do Espiritismo será apreciada nos seus justos termos.
Recebemos, pois, com apreensão essa proposta de uma “teologia global” para o Espiritismo ou apoiada nele. Aqueles que estudaram Kardec sabem perfeitamente que o aspecto religioso é apenas um dos capítulos da doutrina. A globalização de uma faceta do Espiritismo apresentaria, no mínimo, dois sérios inconvenientes: em primeiro lugar, é preciso reconhecer que uma generalização do aspecto religioso do Espiritismo, para torná-Io aceitável às demais correntes do pensamento, implicaria, necessariamente, acomodações mutiladoras que o tornariam irreconhecível. Somos de opinião de que os que estiverem maduros, para aceitar o Espiritismo, que subam até ele; não seria justo baixarmos os padrões doutrinários para torná-lo acessível àqueles que ainda não estão em condições de compreendê-lo tal como foi concebido no mundo espiritual.
Em segundo lugar, a globalização do aspecto religioso implicaria também o mesmo tratamento para os aspectos científico e filosófico dó Espiritismo e creio que ainda estamos distante desse ideal, porque a Humanidade a que pertencemos se apresenta em graus variadíssimos de conhecimento e moral. E' necessário que haja degraus para que possamos subir a escada; não adianta preparar muito bem o patamar e suprimir os lances intermediários que nos servem de acesso.
Entendemos, assim, que uma teologia global virá a seu tempo, como consequência natural da nossa própria evolução espiritual e não como um “flash” de inspiração que desça sobre nós de repente, pronta e acabada.
Era isso que tínhamos a dizer com relação ao assunto abordado pelo amigo Shaw. E mais uma vez confirmamos esta verdade elementar: onde falta a orientação doutrinária de Kardec, os homens ainda perdem seu tempo e sua energia discutindo questões já resolvidas. E assim, em vez de passarmos adiante, estudando os problemas que os Espíritos deixaram apenas esboçados, ficamos remexendo o passado, pensando em criar teologias espíritas que nos levariam de volta às fórmulas e aos dogmas, todos mortos há séculos sob as lajes das grandes organizações ortodoxas.
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