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terça-feira, 23 de junho de 2020

Dois Dogmas


 Dois Dogmas
 J. Fabre
 Reformador (FEB) Novembro 1917

          Conta J. Fabre que, em certa ocasião, os dois grandes geômetras franceses Fourier e Laplace, discreteavam a respeito dos dogmas absurdos que a igreja impunha aos fiéis, como verdades. 
            Fourier entendia que nenhum era tão absurdo como o do pecado original. Replicava Laplace que não havia monstruosidade comparável ao dogma da transubstanciação. Puderam, entretanto, chegar a acordo, e foi este:

 - Dos dogmas do catolicismo romano o pecado original é o mais imoral; a transubstanciação é o mais absurdo.
            O primeiro nasceu de um mito, lenda ou alegoria e serviu para a formação de outros,  que desviaram a igreja da senda luminosa doa Evangelhos.
            O segundo é uma demonstração do orgulho sacerdotal, que se arroga o poder de transformar em Deus a hóstia, que os fiéis, prestando-lhe o culto de latria, (veneração, culto de adoração a Deus, adoração, amor excessivo, idolatria) adoram e... comem.  
            Quando escrevíamos este eco tínhamos à vista uma notícia sobre conferências apologéticas, na qual lemos:  
            ...Ao escopo da teologia suprema o preclaro padre... rebuscou os argumentos mais inefáveis para fundamentar o porquê do grande sacramento eucarístico, união intrínseca entre Deus e o homem, união tão real que na substância não é excedida nem mesmo pela do céu, união que faz viver prisioneiro no santuário o Deus verdadeiro fanal dos bem aventurados....

Conselhos úteis



Conselhos úteis
por Marco Aurélio
Reformador (FEB) Novembro 1917

            Acredito que não possas fazer admirar a vivacidade do teu espírito; mas há muitas outras coisas para as quais não podes dizer que não estais preparado.  
            Deves, portanto, fazer tudo o que estiver ao teu alcance: sê sincero, laborioso, inimigo dos prazeres, benévolo, livre.
            Satisfaz-te com pouco, não tenhas amor pelo luxo, pela frivolidade, pela magnificência. Procura em ti os recursos que tens para o que poderes fazer desde hoje, e verás que a desculpa de inaptidão e de insuficiência não pode subsistir para muitas coisas.

As indulgências


As indulgências
por Henri Constant
Reformador (FEB) Novembro 1917

            O catolicismo mais e mais tende a materializar a religião, a fazer consistir a virtude nas práticas externas, e concentrar as faculdades do espirito na observância de ritos múltiplos, na veneração de grande número de amuletos, ao quais liga importância capital, a ressuscitar, em suma, o paganismo no que ele tinha de mais baixo e grosseiro. Podemos formar um juízo a respeito, examinando o enxame de livrinhos de piedade, que parecem destinados a rebaixar a inteligência e falsear o senso moral.
            Citemos, por exemplo, O Memorial das indulgências, do abade ***, aprovado por sua Eminência o cardeal Dupont, arcebispo de Bourges.  
            O espírito do livro revela-se de todo na epígrafe “Para ser um santo basta ganhar o maior número possível de indulgências.” (S. Afonso Liguori).
            Assim, para merecer a apoteose, para figurar na categoria dos eleitos, que a igreja venera e nos propõe como insignes modelos, não é mister que o homem desenvolva as suas faculdades, prime pelas qualidades do espírito e do coração, dedique-se à humanidade, concorra para o progresso social, trabalhando em benefício de seus semelhantes, como poderiam fazê-lo os heróis do paganismo. Para atingir a perfeição, deve o católico romano cumprir as cerimônias minuciosas que a igreja exige afim de livra-lo das penas do purgatório. Deve ocupar-se, exclusivamente, de si, ganhar bons pontos para alcançar o céu, de modo que, ao terminar a peregrinação terrestre, possa apresentar-se ante o juiz supremo com isenções equivalentes aos castigos que lhe poderiam ser infligidos.  
            Tal é o fim único da vida. – Que importa os grandes interesses da humanidade: Para que servem as artes, as ciências, as indústrias?
            Misérias? Podem ser objetos de suas cogitações a pátria e a família?
            O devoto não se incomoda com essas ninharias.  
            A sua grande preocupação, a preocupação máxima é fugir ao fogo expiatório, evita-lo, com previdência e meticuloso cuidado, estabelecendo o balanço com débito e crédito para encerra-lo, ficando o seu Deus como devedor.
            Aí está a sublimidade da perfeição, a quintessência da virtude, o grande esforço de beatice.  
            Para que o devoto possa alcançar esse magnífico fim, foram postos à sua disposição muitos meios e expedientes engenhosos. Cumpre-lhe recitar fórmulas, dotadas de virtudes cabalísticas, e trazer consigo certos objetos que operam para a salvação.  
            É incalculável o número de processos mecânicos que o poder eclesiástico inventou para que o devoto consiga chegar a esse grão de perfeição. As horas do dia são insuficientes para a realização das cerimônias exigidas.
            Lancemos um rápido golpe de vista sobre o material da devoção.
            Há o esculápio apostólico, bento pelo papa. Este esculápio, as cruzes, medalhas bentas pelo papa. Este esculápio, as cruzes, medalhas e estatuetas trazem numerosas indulgências.
            Há o esculápio ordinário ou de S. Domingos, composto de cinco dezenas. É necessário que o devoto o carregue e recite, quando funciona, 15 ‘pater’ e 15 ‘ave’. Existe também o esculápio brigitté, pardo e largo. Convém usar de todos eles acumulando destarte os respectivos benefícios.
            O esculápio pardo foi trazido do céu pela Virgem, que o entregou S. Simão Stoek, dizendo-lhe: “Quem morrer, revestido deste hábito, não sofrerá as chamas eternas.”
            O papa João XII, usando do seu poder infalível, decidiu pela bula sabatina: 1º que não irá para o inferno o confrade que falecer com o esculápio; 2º que, se tiver de passar pelo purgatório, Maria dele o livrará, ao primeiro sábado seguinte à morte.
            Graças, pois, a esse maravilhoso talismã, a estadia no purgatório reduzida ao prazo máximo de seis dias. Será como uma viagem de recreio... Dizem que os Brâmanes prometem o céu aos fiéis que segurarem, na ocasião da morte, um rabo de vaca. Esses idolatras ignoram que a salvação depende, não da cauda de um bovino, mas da posse de esculápio. É deste que depende sim, o destino transmundano.  
            Tem certo mérito o esculápio vermelho, que foi descoberto por um religioso anônimo; mas desmaiam as suas virtudes em face do azul, que pode ser considerado como o rei do esculápios.
            “Quem possuir o e esculápio azul, todas as vezes que recitar (sejam cem vezes por dia) seis pater, ave e gloria, quer em repouso, quer trabalhando, ganhará todas as indulgências da terra santa, das sete basílicas de Roma, da Porciúncula e do apóstolo S. Tiago de Compostela, na Galícia.”
            É o que consta de um Breve do Papa Pio IX, datado de 14 de Abril de 1854.
            “Essas indulgências são prodigiosas (sic).”
            Calculando-as, afirmou S. Afonso de Liguori que as plenárias atingem a 533 e a parciais são inumeráveis. Assim, pondo à margem a últimas, basta a recitação de seis pater, ave e gloria para a libertação de 533 almas do purgatório inclusive a do rezador, porque, está claro, a caridade bem entendida começa por casa.
            Eis aí um meio fácil, que fica ao alcance de toda gente, ameaçando o purgatório de ser transformado em deserto.
            Alguns doentes, usando de específicos, que curam pela certa, segundo os rótulos dos frascos, empregam, não obstante, por cautela, outras drogas terapêuticas.  
            Os devotos procedem de modo um pouco semelhante.
            Apesar da multidão de rosários, de medalhas e esculápios, ainda recorrem, por segurança ao cinto ou cordão de Thomas de Aquino, fabricado de fio branco com quinze nós e benzido por frade dominicano, sob pena de nulidade. Deve ser conservado, dia e noite, preso à cintura.
            São também afamados pela prodigiosa eficácia os cordões de Francisco e de S. José, principalmente o último com os sete nós que simbolizam as sete dores e as sete alegrias do santo.  
            Eis aí o fiel devoto ajaezado da cabeça aos pés, carregado de bugigangas, defendido por uma completa armadura para desafiar, resistir e vencer os poderes infernais.
            Ainda há mais.
            O citado memorial, que é um resumo de volumosas obras dadas à publicidade sobre o assunto, contém preciosas indicações para uso da beatice.
            Ensina as fórmulas, que devem ser recitadas nas diferentes horas do dia, nos dias de cada ano e em circunstâncias ocasionais. As recitações trazem, estas, quarenta, aquelas, cem dias de indulgências. Perfazem assim importante soma levada a crédito do devoto. Compenetrado do valor dessas práticas, não omitirá nenhuma, cumprirá, pontualmente, as prescrições das bulas e indultos.
            Toda a sua existência será consagrada a este duplo trabalho: munir-se de amuletos e recitar literalmente, as fórmulas das rezas. Escrupuloso discípulo de Liguori supõe que a existência lhe foi concedida para ganhar indulgência.  
            Podemos facilmente prever o resultado de tais práticas habituais e prolongadas.  Atrofiam-se os mais nobres sentimentos, a inteligência declina e o homem se embrutece. Estranho às coisas da vida, desprezando os deveres sociais, só se preocupa com purgatório.
            Esse ente degradado, profundamente egoísta, nos é, entretanto, apresentado como o tipo modelar do fiel católico romano...

            (Extraído de “Le Christ, le Christianisme et la Religion de L”Avenir” por Henri Constani)

sábado, 20 de junho de 2020

O médium Xavier



O médium Xavier
Oswaldo de Alvarenga
Reformador (FEB) Dezembro 1942

Um dia, a gargalhar, por desfastio,
Na ausência doutra diversão qualquer.
Fui, arrogante para um desafio,
À morada do médium XAVIER.

Num ambiente simples e vazio,
Quedei-me ali, assim como quem quer
Desmascarar de vez o tal “Bugio”...
Pôr um fim na trapaça era mister...

Lá fora o céu se recamava em brilhos
Quando sai, naquela noite calma,
Da casa tosca desse humilde IRMÃO.

Mas, trazia de lá para meus filhos
Um novo ensinamento dentro d'alma
E um viveiro de fé no coração.

O Cristo e o mundo



O Cristo e o Mundo  
Juvanir Borges de Souza
Reformador (FEB) Maio 1986

            Apesar de vinte séculos decorridos, a Humanidade ainda não tem a compreensão exata do que representa o Cristo de Deus.
            A figura excelsa do Emissário do Criador, o Messias tão esperado de que falam antigas profecias desde setecentos anos antes de sua chegada, passaria quase despercebida nos fastos da História, não fossem os registros dos evangelistas inspirados, como marcas indeléveis de uma planificação superior.
            O próprio povo no seio do qual apareceu, na Terra, que tanto se preparara para recebê-Lo, não o identificou como competia, num lamentável equívoco da raça.
            Sua mensagem não foi aceita senão por uns poucos discípulos que se Incumbiram de divulgá-la pelo mundo.
            Mas o mundo cedo a desvirtuou, não a compreendendo no seu justo sentido.
            As igrejas cristãs ainda hoje apresentam o Cristo sob uma visão distorcida, enquanto as religiões e seitas não cristãs, por ignorância ou indiferença, incorrem em grande erro a respeito de sua personalidade e de sua missão.
            Diante dessa realidade, seria necessária a presença do Consolador prometido, para ensinar coisas novas e restabelecer a verdade, recordando tudo quanto fora dito pelo Mestre Incomparável:

            “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto eu vos tenho dito.” (João, 14: 26.)

            Que entenderam e propagaram as religiões ditas cristãs a respeito de Jesus?
            Baseadas em algumas passagens evangélicas, interpretadas isoladamente e segundo a letra, tomaram a figura do Messias como o próprio Deus feito homem, apesar das muitas advertências de que Ele, o Mestre, era o Filho de Deus e seu enviado.
            Os Evangelhos são repetitivos nessa advertência de suma importância, mas a Igreja Romana, estribada nos primeiros versículos do Evangelho de João e na exclamação de Tomé, chamando-o Deus e Senhor, proclamou-o Deus, instituindo o dogma da Santíssima Trindade, de tão difícil entendimento.
            A partir de então, generalizou-se a crença no Deus-Pai, no Deus-Filho e no Espírito Santo, a divindade trinitária, concepção semelhante à de outras crenças orientais.
            Por erro de entendimento da mensagem crística, erigiu-se o mistério como solução interpretativa, contrariando, ao mesmo tempo, os ensinamentos do Mestre e a razão humana esclarecida.
            Prevaleceu o dogma, criação humana, através dos séculos, contra a realidade imanente da Revelação.
            A reposição da verdade é obra que cabe à Doutrina dos Espíritos, nova etapa da Revelação.
            Milhões de inteligências, influenciadas pela crença ministrada por intermédio das religiões tradicionais, têm dominado os organismos do mundo, estendendo-se o engano ao plano invisível em que habitam essas almas.
            Agora, chegou o tempo das retificações, sempre trabalhosas e difíceis quando se trata da modificação de conceitos profundamente arraigados no imo dos seres. É trabalho que demanda paciência e perseverança, obra de reeducação envolvendo muitas gerações.
            O Espiritismo, o Consolador, conta para tanto com a força da verdade e com a sabedoria dos planos divinos, executados sem pressa mas inexoravelmente, de conformidade com as leis superiores que regem os destinos das criaturas e do mundo.
            Os Instrumentos serão os próprios homens chamados à colaboração com o Cristo, usando dos recursos inesgotáveis que o progresso contínuo vai proporcionando, nas idas e vindas das vidas sucessivas.
            É permanente o processo reeducativo, decorrência natural da lei de evolução. Variável de criatura para criatura nem sempre se torna perceptível no curso de uma existência na Terra, eis que por vezes toma a aparência da estagnação, tais os obstáculos erguidos contra o determinismo evolutivo da Lei Divina.
            Os óbices são criados pelos Espíritos, encarnados e desencarnados, nas múltiplas atividades de que se ocupam: nas ciências e nas religiões, quando, fugindo às suas altas finalidades de auxiliares do progresso material e moral, deixam-se dominar pela intolerância, pelo preconceito e pelo dogmatismo; na política e na administração, instituídas para realizar o bem comum, quando descambam para a tirania, as intrigas e a corrupção; nas atividades comerciais, desenvolvidas para o suprimento das necessidades individuais e coletivas, através das trocas consagradas desde remotas eras, quando se transformam em fontes de egoísmo e ambição; nas indústrias, tão necessárias à multiplicação dos recursos naturais, e no trabalho organizado e útil, lei da vida, quando se desviam nos descaminhos das fabricações dos artefatos de guerra e de corrupção, ou quando transformam a força de trabalho em agente da perversão e do crime; nas letras e nas artes, veículos naturais para a elevação espiritual, quando se deixam contaminar pela extravagância e pela insensatez, nos atentados contra o bem, o bom e o belo.
            O homem, nos seus desvarios resultantes do uso prejudicial da liberdade de que é portador, respeitada pela Lei Divina, mostra, por vezes, tristes sinais de invigilância, mesmo quando bafejado pelas mais belas claridades do Alto.
            Exemplos dessa invigilância encontramos até mesmo nas fileiras espiritistas, quando companheiros se deixam iludir por sutilezas e enganos revestidos de falsa ciência, conduzindo-os a combater o Evangelho do Mestre, a sublime fonte do Espiritismo, da qual não se pode desvincular, sob pena de desnaturação e aniquilamento.
            Como resultante, deparamos com o triste paradoxo de ver-se contraditada a Doutrina da libertação, luzeiro para toda a Humanidade, por alguns de seus adeptos, por certo não os mais simples e humildes mas os dominados pelo orgulho e pelo personalismo deprimente, a indagar, como na passagem evangélica: “Que temos a ver com o Cristo?”
            Enquanto o ateísmo e o materialismo, as clássicas formas de manifestação da descrença nos altos valores espirituais, vão perdendo terreno diante das doutrinas espiritualistas, especialmente diante das novas verdades evidenciadas pelo Espiritismo, alguns contraditórios adeptos da Doutrina dos Espíritos atravancam sua trajetória luminosa no mundo das formas distorcendo sua índole profundamente cristã, reeditando o procedimento de outros, no passado, ao mutilarem o Cristianismo primitivo.

*

            Neste Orbe cheio de iniquidades, onde seus habitantes lutam contra as próprias imperfeições, manifestadas sob múltiplas formas, sempre foi difícil a aceitação das luzes do Céu.
            Muitos foram os mensageiros do Cristo, em todas as épocas e no seio de todos os povos e raças da Terra. Suas ilusões, como alavancas de progresso moral e espiritual, foram sempre árduas, diante do atraso moral e da rebeldia dos homens.
            Jesus Cristo, o Filho de Deus, testemunhou em pessoa, perante a Humanidade, a misericórdia do Pai para com seus filhos da Terra, deixando-lhes a mensagem sublime da redenção humana.
            Todavia, uma parcela imensa dos terrícolas permanece indiferente, mergulhada no primitivismo dos interesses imediatistas.
            Os que conseguiram vislumbrar alguma luz, além do véu da matéria, por sua vez lutam com os deslumbramentos da inteligência desperta e da inquietude dos programas transitórios, enquanto os que, aquinhoados por crenças herdadas do passado, mas limitados por uma fé cega, continuam enleados em sucessivas reencarnações pelas consequências de erros conceituais cristalizados, de difícil correção.
            O Cristo contínua, assim, o grande desconhecido para uma enorme parcela de seu próprio rebanho.
            Os trabalhadores da última hora, a serviço do Consolador, diante desse quadro gigantesco de carências estão sobrecarregados de responsabilidades.
            Além da realização do trabalho de espalhar por toda parte as verdades evangélicas e de divulgar as coisas novas, reveladas pelos Espíritos, precisam oferecer o testemunho da excelência da exemplificação do que pregam. Muitos precisam conviver com resgates de débitos. Outros não se podem furtar aos ataques da ignorância, da má-fé, dos interesses contrariados, tanto de César e de Mamon, quanto dos seguidores de religiões e filosofias equivocadas.
            Dentro das próprias fileiras espíritas surgirão os desviados da estrada reta e estreita do dever perante o Mestre, colocando-se a serviço do personalismo.

            “Guardai-vos dos falsos profetas que vêm ter convosco cobertos de peles de ovelha e que por dentro são lobos rapaces.” (Mateus, VII, 15.)
            “Levantar-se-ão muitos falsos profetas que seduzirão a muitas pessoas; - e porque abundará a iniquidade, a caridade de muitos esfriará. - Mas aquele que perseverar até ao fim se salvará. (Mateus, XXIV - 11 a 13.)

            Na luta entre a luz e a treva, a verdade e a mentira, o amor e o ódio, o trabalhador sincero ver-se-á muitas vezes acossado pela calúnia, pelo ridículo, pela impiedade e pela maldade, armas a que terá de opor a coragem, o estoicismo, a certeza da verdade, a fé raciocinada, a caridade, a humildade.
            Será taxado de visionário, quando não de lunático, como já tem ocorrido tantas vezes, porque para muitos, ainda em nossos dias, “Espiritismo é coisa de loucos”.
            Estejamos advertidos, os trabalhadores de boa vontade, das dificuldades da tarefa. Não é fácil restabelecer a verdade e a pureza do Código da Vida deixado pelo Cristo, deturpadas por séculos de obscurantismo e dogmatismo, servindo a interesses mundanos.
            Apesar das transformações trazidas pelo progresso incessante, firmando-se as liberdades contra as tiranias, tornando impraticável a imposição religiosa das maiorias, com a iníqua inquisição, as perseguições e o derramamento de sangue em nome do Cordeiro de Deus, ainda existem muitas consciências retardatárias, incapazes de reconhecer os novos tempos cristalizadas no vício do “crê ou morre” e na necessidade das “guerras santas”.
            A era do Consolador caracteriza-se como reformista, não no sentido do grande movimento renovador do século XVI, iniciado como protesto contra a mercancia de indulgências e sacramentos pela Igreja Romana, mas como programa de reeducação do homem, para que possa conhecer-se a si mesmo.
            Agora, não haverá derramamento de sangue, porque os novos cristãos-espíritas têm noção plena de suas responsabilidades. Desejam tornar conhecida a verdade para a libertação das consciências, edificando-as retas e dignas.
            Há séculos o Governador do Planeta vem orientando os planos e preparando a deflagração da campanha da liberdade com responsabilidade para os Espíritos que fazem sua ascensão neste Orbe. As grandes descobertas marítimas, a invenção e o rápido aperfeiçoamento da Imprensa, a Reforma, as liberdades políticas, com o reconhecimento dos direitos do homem, a revolução industrial e o incrível progresso científico e tecnológico são alguns pontos desse programa, cada qual no devido tempo, que possibilitam a atuação do Consolador prometido por Jesus.

            “Aproxima-se o tempo em que se cumprirão as coisas anunciadas para a transformação da Humanidade. Ditosos serão os que houverem trabalhado no campo do Senhor, com desinteresse e sem outro móvel, senão a caridade! Seus dias de trabalho serão pagos pelo cêntuplo do que tiverem esperado. Ditosos os que hajam dito a seus irmãos: “Trabalhemos juntos e unamos os nossos esforços, a fim de que o Senhor, ao chegar, encontre acabada a obra”, porquanto o Senhor lhes dirá: “Vinde a mim, vós que sois bons servidores, vós que soubestes impor silêncio às vossas rivalidades e às vossas discórdias, a fim de que daí não viesse dano para a obra.” Mas, ai daqueles que, por efeito das suas dissensões, houverem retardado a hora da colheita, pois a tempestade virá e eles serão levados no turbilhão.”
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            “Deus procede, neste momento, ao censo dos seus servidores fiéis e já marcou com o dedo aqueles cujo devotamento é apenas aparente, a fim de que não usurpem o salário dos servidores animosos, pois aos que não recuarem diante de suas tarefas é que Ele vai confiar os postos mais difíceis na grande obra da regeneração pelo Espiritismo.
            Cumprir-se-ão estas palavras: “Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros no reino dos céus.” - O Espírito de Verdade (Paris, 1862) in “O Evangelho segundo o Espiritismo”, 91ª ed. FEB. págs. 329/330.
            Aquele a quem o Pai “constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo” (Paulo, Hebreus), conta com seus trabalhadores sinceros, os que já compreenderam sua grandeza, na obra ingente e paciente de transformação do homem e do mundo.

Carência de assunto



Carência de assunto
Bezerra de Menezes por Mª Cecília Paiva
Reformador (FEB) Dezembro 1975

            Há quem destile em sutis venenos a palavra oculta, portadora de mensagens destruidoras da vitalidade, carreando doenças e infelicidades.
            Há quem se delicie em torneios eloquentes, conduzindo para a maledicência, e com atroz sabedoria, o assunto em pauta, visando a deformação dos fatos, sorrindo à socapa dos feitos dos venenos empregados.
            Para quantos se dedicam a essa espécie de divertimento, não temos outra sugestão, senão uma prece ao Poderoso Doador da Palavra, para que se compadeça do infeliz.
            O coração nobre desvela-se por sintonizar-se com a palavra sábia, entregando-se, em horas oportunas, ao grande mister de elevar o padrão vibratório das conversações.
            Para o espirita-cristão, a palavra, fruto de seus pensamentos, deve ser utilizada com sabedoria, não em retóricas difíceis, mas, sim, delineando, como o Mestre, contos simples, tertúlias elevadas, construindo, com o verbo o mundo vibrátil do amor.
            Ergue-se a catedral do Infinito, sob a palavra divina do “Faça-se a luz”; levanta-se o homem para a Terra através da frase singela - '”Veio à luz”, e, embora a luz envolva o mundo com tamanha grandiosidade, cumpre-nos irradiá-la através de nossos sentimentos apurados, de nossos pensamentos saturados de amor, e empregá-la na difusão do bem, porquanto discípulos somos do Mestre da Luz, responsáveis por uma Doutrina que será o altar do mundo, o sangue renovador das nações.  
            Estendamo-nos com vigilância no emprego do verbo sagrado em nossas conversações.
            Falta de assunto leva a mente enfermiça ao torneio da maledicência.
            Alma erguida ao lampadário do infinito é sempre devotada ao dever santo da disseminação da Boa Nova.
            Cumpre, pois, nos detenhamos na meditação dos assuntos que serão levados à pauta das conversações diárias.
            Evitemos, como perigoso veneno, a palestra doentia; empreguemo-nos no bem e sirvamos com a palavra o Divino Seareiro, conscientes de nossa imensa responsabilidade diante de nossa própria consciência.
            Caminhemos para a luz, meditemos sobre o Mestre, o Verbo que veio ao mundo para purificá-lo com sua palavra Divina e sigamos para nosso destino glorioso.
            Que o Senhor nos abençoe.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Preparemos nosso amanhã



Preparemos nosso amanhã
Tobias Mirco (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Dezembro 1975

            É indisfarçável a gravidade da crise moral que domina a Terra, neste derradeiro quartel do século XX. Tal crise começou desde que a igreja romana, atrelada a ambições profanas, se descurou da exemplificação evangélica, estabelecendo contradições flagrantes e crescentes, embora mantivesse sua autoridade sobre as massas não esclarecidas, preferindo a ação dura, radical e intolerante, à persuasão evangélica, ao apelo à compreensão do homem, através da elucidação paciente e constante do verdadeiro sentido do Cristianismo. Pelo contrário, à medida que ia perdendo a autoridade moral, buscava socorrer-se de meios incompatíveis com as normas evangélicas, igualando-se, e muitas vezes até ultrapassando, ao comportamento frio e radical do poder político, que dispunha da liberdade e da vida das criaturas humanas.
            Ao mesmo tempo, a Ciência, irracionalmente combatida pela igreja, orgulhosamente amparada em dogmas absurdos e ofensivos à inteligência do homem, conseguia, pelo menos, alertar a Humanidade para a intolerância daqueles que perseguiam os estudiosos e os sábios, impondo-lhes humilhações, ameaçando-os de prisão e de morte, levando muitos à masmorra e à pena capital. Galileu, Giordano Bruno, Campanella e tantos, tantos outros mártires do progresso, não escaparam da sanha dos pretensos seguidores do Cristo. A Ciência encontrava em seu caminho a oposição cega e asinina de teólogos fanáticos que não podiam raciocinar livremente, porquanto já haviam enveredado pelo caminho estreito e sombrio da intolerância e da cegueira. Religião sem amor não é religião. Nestas condições, o Cristianismo, deturpado e aviltado por quem deveria prezá-lo à custa de quaisquer sacrifícios, cedeu lugar a uma “doutrina” imediatista e ambiciosa, criada para a conquista do poder temporal. E foi assim, em síntese, que o Cristianismo ficou sendo uma capa a encobrir um corpo chagado de delitos, com a qual foi possível a escalada ao poder político, com todo o seu cortejo de violências, usurpações, etc.
            A doutrina do Cristo servia apenas para engodar (enganar) os menos precavidos enquanto os que dela se valiam com tão negregado propósito, negavam-na a cada instante, criando uma “doutrina” maleável, condizente com os planos estabelecidos. Semelhante procedimento, aliado ao autoritarismo papal, aos desmandos clericais, às exorbitâncias a que se haviam habituado seus corifeus (líderes), induziria ao descrédito, por falta de melhor observação e análise dos que combatiam a igreja romana, o Cristianismo já então inexistente no procedimento cotidiano dos sacerdotes mais audaciosos. Mas, na realidade, não era o Cristianismo que desmoronava. Não. Ele permanecia intacto, puro, porque a insensatez de seus monopolizadores não poderia jamais detê-lo. Entretanto, a confusão havia sido criada, e com ela cresceu a reação contra a igreja, ativada pelos Enciclopedistas que, em nome da Razão, desferiram golpes terríveis e certos, cujas consequências pedem ser avaliadas pelo recrudescimento do ceticismo e do ateísmo, que procuraram incentivar, no ódio que os impelia a excessos.
            Opôs-se a Ciência à religião, como se Religião fosse aquele simulacro de regras e normas ritualísticas, capaz de impressionar o povo simples e ingênuo, mas recusado pelos que já haviam alcançado a madureza intelectual e podiam ver, através da lente do raciocínio e da análise, os erros que se cometiam contra a Religião legítima e o progresso moral. Disseminou-se mais rapidamente a dúvida, em face das calamitosas contradições da igreja, já divorciada do Cristo. Era preciso, porém que conservasse as aparências, como trampolim para a realização de seus objetivos. Por via da natural reação a esses desmandos, surgiu a Reforma. Mas, com ela, ressurgiram velho vícios, antigos hábitos, dentre eles a intolerância, o sectarismo e a distorção dos elevados e profundos princípios, cuja semente Jesus depositou nos Evangelhos. Nesse comenos (instante), ia a Ciência, à custa de grandes lutas, ganhando terreno. Cada vitória significava uma brecha mais funda e irremediável na fortaleza dos dogmas e preconceitos, as massas continuavam ainda sugestionadas para apoiar a igreja contra as conquistas científicas, como se viu, por exemplo, entre milhares de outros, no caso de Darwin. Como o mal está no homem, também a Ciência se deixou contagiar pelo orgulho, porque, criada sob a influência do materialismo negativista, mostrou-se infensa ao espírito religioso, tornando-se, por vezes, tão dogmática quanto a igreja. Se o homem não tem como imunizar-se, contagia-se e espalha o mal.
            Tornou-se bonito ser materialista, e ainda mais bonito ser ateu. Muitos escritores e “soi-disant” (pretensos) sábios fizeram profissão de fé ateísta, criaram sua própria filosofia, passaram a combater veementemente o espírito religioso, em nome de uma estranha liberdade de pensamento. Por isso, esclarece Emmanuel, “nos tempos modernos, mentalidades existem que pugnam pelo desaparecimento das noções religiosas do coração dos homens, saturadas de cientificismo do século e trabalhadas por ideias excêntricas, sem perceberem as graves responsabilidades dos seus labores intelectuais, porquanto hão de colher o fruto amargo das sementes que plantaram nas almas jovens e indecisas. Pede-se uma educação sem Deus, o aniquilamento da fé, o afastamento das esperanças numa outra vida, a morte da crença nos poderes de uma providência estranha aos homens. Essa tarefa é inútil. Os que se abalançam a sugerir semelhantes empresas podem ser dignos de respeito e admiração quando se destacam por seus méritos científicos, mas assemelham-se a alguém que tivesse a fortuna de obter um oásis entre imensos desertos. Confortados e satisfeitos na felicidade ocasional, não veem a caravanas inumeráveis de infelizes, cheias de sede e fome, transitando sobre as areias ardentes.” (“Emmanuel – Dissertações Mediúnicas”).
            O espetáculo triste e doloroso do mundo atual reflete os frutos produzidos pelo materialismo ateu. O homem tem todo o conforto, vive embasbacado com as prodigiosas conquistas da Ciência. Já foi à Lua, pretende ampliar suas investigações cósmicas, consegue invenções estupendas e descobertas maravilhosas. Mas o amor está desertando dos corações. A imoralidade tomou conta da vida humana, mercê da psicose mundial que arrebanha homens e mulheres e leva-os a preferir os divertimentos e prazeres que menos podem contribuir para sua real felicidade. O erotismo desbragado domina o cinema, o teatro, a televisão e certos órgãos de publicidade, porque a preocupação de uns é “fazer dinheiro” mais facilmente, e para isso os meios justificam os fins, até para explorar a corrupção de caráteres.
            A Ciência está dando o máximo de conforto material ao homem, mas não lhe dá tranquilidade, não lhe acena com a paz que enriquece a alma, não lhe promete conhecimentos que lhe dignifiquem o espírito. Um mundo sem Deus é um mundo à deriva que se dirige ao encontro de catastróficas decepções, porque a moral cristã, que lhe era bússola preciosa, vem sendo desprezada. Homens casados abandonam o lar, deixando esposas e filhos, para se entregarem a aventuras perigosas ou a pretexto de reconquistarem a liberdade que seus instintos animalizados reclamam sem se aperceberem de que vão meter-se num círculo de ferro, mais prisioneiros do que nunca, por se tornarem prisioneiros de tais instintos, tendo como carcereiro a consciência vigilante, que, um dia, lhes pedirá contas dos erros e desvios praticados. Mulheres levianas, que procedem da mesma forma, terão o mesmo triste fim, porque, queiram ou não queiram, sofrerão, cedo ou tarde, as consequências de seus desatinos. Deus é e Suas leis serão inexoravelmente cumpridas. O mundo atual está caminhando para o mais doloroso e inevitável ajuste de contas. É questão de tempo, ninguém se iluda.
            Por sua vez, a Ciência, tão severa e injusta com a Religião, partilha de erros idênticos aos que a igreja praticou. O orgulho domina-a assim como a intolerância e o preconceito. Tomé parece ser o seu símbolo, não obstante os grandes avanços realizados notadamente no campo da tecnologia. Um dia ela deixará de lado o utilitarismo e o negativismo que hoje a caracterizam. Um dia, graças mesmo às suas conquistas, ela se renderá à evidência máxima, confessando a realidade de Deus, reconhecendo que DEUS é a superinteligência dominando com irrestrita sabedoria o Universo. Mas ainda levará tempo, porque a evolução é naturalmente demorada. A turbulência de hoje, os desvarios que sacodem quase todos os países da Terra e a corrida cada vez mais veloz para o amanhã, passarão pelo crivo da dor, até que o homem desperte do pesadelo e compreenda que, apesar de todas as loucuras, encontrará a paz, depois de satisfeito o tributo cármico, do qual ninguém se livra.
            Velho provérbio celta diz, com enorme sabedoria: “É a música dos fatos que acontecem.” E essa música a humanidade já está ouvindo. Por ora, é ruidosa, ensurdecedora, confusa e caótica. O tempo, porém, encarregar-se-á de ameigar-lhe os tons, de disciplinar lhe os ritmos, de transformar os ruídos incômodos em sublime harmonia. E virão dias de tranquilidade e amor. O homem passará a entende o homem, pondo fim ao reinado do conceito plautoniano, de que “o homem é o lobo do homem”. Para isso trabalham os espiritualistas de todos os matizes, aqueles que creem em Deus, acreditam na imortalidade da alma e sabem que a lei da reencarnação, determinada pela Justiça Divina, é acionada pela roda cármica, cuja tarefa é promover, pelo resgate e a recuperação, a redenção humana!
            O papel do Espiritismo Cristão vem sendo e será, cada vez mais, importantíssimo. Essa importância multiplicar-se-á sempre, porque sua Doutrina dá ao homem a oportunidade de conhecer-se a si mesmo, de valorizar e ajudar seus semelhantes, de compreender que Jesus é o caminho que leva a Deus, através do roteiro evangélico, pois ninguém poderá ser feliz enquanto não trabalhar também pela felicidade alheia. Hoje, cada um cuida apenas de si, num culto extremado à egolatria. Quando compenetrar-se de que o egoísmo é a causa de tantos males, procurará recurso defensivo, estender a mão ao próximo, para por termo ao exclusivismo que o entedia e desespera. Isso feito, encontrará mais prazer íntimo e, então, compreenderá que pouco representamos individualmente, se nos tornamos ególatras, mas que nos valorizamos muito, à proporção que nos interessamos por nossos semelhantes. Aprenderá que a morte é simplesmente uma mutação. Saímos do ambiente terreno, restrito, para a Espiritualidade, ampla e cheia de possibilidades recuperatórias.
            O Espiritismo Cristão desempenhará função de magnitude progressivamente maior no próximo milênio, pois a ação que hoje desenvolve, dia a dia mais se ampliará, para abranger toda a humanidade, para que esta conheça que a doutrina do Cristo não desmereceu senão aos olhos dos cegos voluntários, pois será por ela que o homem romperá os obstáculos que ainda o prendem às vicissitudes da vida. Claro, não haverá milagres, não haverá predicações aparatosas, mas vazias. Haverá, sim, a consciência da Verdade Cristã, a consciência de que o homem não foi criado para ser “réprobo”, condenado a penas eternas, mas para, pelo próprio esforço, alcançar o destino a que tem direito todo aquele que, pelo esforço próprio, se faz digno de merecer a redenção que o libertará de todas as dores e de todos os males. A dor é o látego que nos encaminha para a purificação moral e espiritual. Como disse Kardec, "a misericórdia de Deus é infinita, mas não é cega.”
            Portanto, façamos por merecê-la porque o principal dependerá exclusivamente de nós.  

quinta-feira, 18 de junho de 2020

O Dogma e a dogmática


O Dogma e a dogmática
Juvanir Borges de Souza
Reformador (FEB) Fevereiro 1986

            O Concílio de Nicéia, no ano de 325, a primeira assembleia da Igreja convocada especialmente para discutir e provar determinadas proposições ou interpretações de interesse da Instituição.
            Com ele iniciava-se uma longa série de assembleias conciliares, através dos séculos, que iriam definir os rumos da trajetória da Igreja, até nossos dias.
            Muitos historiadores referem-se às divergências de interpretação dos primeiros cristãos a respeito de várias passagens dos Evangelhos.
            Os conhecimentos dos primitivos seguidores de Jesus foram adquiridos através das próprias palavras do Mestre, transmitidos oralmente, mesmo após a crucificação, nas aparições a Madalena e aos apóstolos.
            Nos três primeiros séculos a tradição oral, as anotações dos Evangelistas e a mediunidade (profecia) - abundante fonte de inspiração utilizada desde os primeiros tempos - eram as formas que garantiam a transmissão da doutrina do Cristo às sucessivas gerações.
            Fácil será imaginar as divergências interpretativas entre o sacerdócio nascente das diversas igrejas primitivas e as manifestações do Invisível, o que levou Paulo a afirmar:

            “(...) pois em parte conhecemos e em parte profetizamos; mas quando vier o que
é perfeito, o que é em parte desaparecerá.” (I Coríntios, 13:9-10.)
            “Porém aquele que profetiza, fala a homens para edificação, exortação e consolação.” (I Coríntios, 14:3.)

            A tradição oral dependia da maior ou menor fidelidade na transmissão dos conhecimentos apreendidos. É evidente que, se de um lado é fonte preciosa ao confirmar os fatos, as ações mais importantes e os ensinos indiscutíveis de Jesus, de outro pode ter contribuído com pequenos acréscimos, ou supressões de menor significação no conjunto da Grande Mensagem.
            Restariam os Evangelhos como fontes autênticas do Cristianismo, como de fato o são, não obstante algumas interpelações hoje identificadas.
            Sobre os Evangelhos, especialmente tendo-se em vista costumeiras objeções dos mal-intencionado e dos anticristãos, que neles se encontram contradições, convém seja feita desde logo a ressalva de que as pequenas divergências sobre detalhes, entre seus autores, em nada prejudica sua autenticidade, por serem acordes no essencial e na substância das narrativas.
            É bom lembrar que foram escritos por dois apóstolos - Mateus e João - muitos anos após os dramáticos acontecimentos finais da passagem do Cristo pela Terra, no mínimo 26 anos depois da Crucificação, o de Mateus. João, o mais jovem dos apóstolos e o último a desencarnar, em avançada idade, teria escrito seu Evangelho entre os anos 98 e 110.
            Marcos e Lucas, não tendo tido contato direto com o Mestre, colheram as tradições com os discípulos, com a Mãe de Jesus e com Paulo também considerado apóstolo, embora não tenha com Ele convivido.
            Médiuns inspirados e historiadores, é natural que cada evangelista tenha imprimido à sua obra o cunho pessoal das narrativas, com pequenas divergências entre si, mas todos convergentes quanto ao substancial.
            Léon Denis (“Cristianismo e Espiritismo”, pág. 71 da 5ª ed. FEB) refere-se à oposição crescente do Mundo Invisível, através da mediunidade, aos rumos tomados pela Igreja, desde muito cedo no que diz respeito ao fausto excessivo dos bispos e à corrupção moral. Essa oposição tomou-se intolerável aos olhos dos dirigentes, levando-os a proscrever as práticas que hoje denominamos mediúnicas.
            Com isso, a doutrina da reencarnação, por exemplo, sucessão das vidas do Espírito no homem, que Orígenes e muitos outros padres da Igreja aceitavam, por interpretação das escrituras e por inspiração espiritual, foi rejeitada pelos chefes da Instituição, visto não inspirar suficientemente o terror da morte, como o fazia a condenação eterna do pecador.
            Após três séculos de convivência com o profetismo, como um dos meios de elucidação de muitas questões, desde os tempos dos apóstolos, a Igreja, cada vez mais inclinada à autoridade de seus chefes e aos interesses temporais, rompia os vínculos que a prendiam às manifestações da Espiritualidade.
            Declarou-se a única autoridade. Tudo o que não fosse por ela aprovado deixava de ter valor. Por mais bela e elucidativa fosse a comunicação do Mundo Espiritual, estaria fatalmente proscrita e condenada, sem a chancela dos dirigentes. O que não fosse aceito pela Igreja era tido como obra do demônio.
            Começa então o grande desvio. Travou-se, no seio da Igreja, surda luta. De um lado, os que se mantinham fiéis às tradições e ao convívio com o profetismo; de outro, os seguidores da autoridade terrena, autodenominando-se única possuidora da Revelação, através de seus bispos e padres.
            Daí nasceram os Concílios, assembleias onde foram elaboradas doutrinas interpretativas das escrituras que melhor atenderiam aos interesses da maioria dos detentores de autoridade dentro da secular Instituição.
            Começaram a surgir os dogmas, alguns como expressões católicas resultantes das interpretações de uma eventual maioria conciliar, outros, criações estranhas aos Evangelhos, que neles não encontram a menor referência, como o da Santíssima Trindade. Emerge, então, a vetusta construção romana, com raízes nos inigualáveis ensinos cristãos, deles se desviando, contudo, pela soma de erros seculares pelos interesses materiais e humanos colocados acima dos interesses espirituais, tudo servido pelo orgulho e pela sede de poder dos homens,
            Que é, afinal, o dogma?
            Na sua acepção original grega e latina significava uma convicção, um pensamento firme.
            Posteriormente a palavra passou a significar verdades indiscutíveis de uma doutrina religiosa.
            O Dicionário Aurélio o define como “ponto fundamental e indiscutível duma doutrina religiosa e, por extensão, de qualquer doutrina ou sistema”.
            A Enciclopédia e Dicionário Internacional W. M. Jackson caracteriza-o como “artigo de crença religiosa ensinado com autoridade e dado como sendo de uma certeza absoluta”.
            Dentro desses conceitos, a existência de Deus, o Criador incriado, a imortalidade e a comunicabilidade da alma, a reencarnação, a evolução dos seres e tantas outras verdades reveladas são dogmas, no sentido de pontos fundamentais doutrinários, verdades incontestes que nenhum espírita rejeita, sob pena de rejeitar a própria Doutrina.

            “O Espiritismo, pois, não estabelece como princípio absoluto senão o que se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação." (“A Gênese"), A. Kardec, pág. 44 da 28ª ed. FEB.)

            As verdades reveladas pelos Espíritos são, assim, princípios plenamente aceitos pela razão - como, por exemplo, a existência de Deus - ou por resultarem da percepção e realidades permanentes, como a existência e manifestação do Espírito, no seu estado livre, independente do corpo físico.
            Kardec aceita expressamente o dogma no Espiritismo, no sentido de princípio fundamental, quando, no Cpítulo V da 2ª Parte de “0 Livro dos Espíritos”, assim se refere à reencarnação:
            “Não é novo, dizem alguns, o dogma da reencarnação. “Portanto, ensinando o dogma da pluralidade das existências corporais, os Espíritos renovam uma doutrina que teve origem nas primeiras idades do mundo e que se conservou no íntimo de muitas pessoas, até aos nossos dias." (Grifamos.)
            Diga-se de passagem que o Codificador, usando de critério pessoal prudente, apoiado pelos Guias Espirituais dos trabalhos da Codificação em todas as teorias advindas dos Espíritos reveladores, relutou em aceitar a doutrina reencarnacionista, só o fazendo após convencer-se de sua realidade. Portanto, fê-la passar pelo crivo da razão, como era seu método.
            É o que ele diz na “Revista Espírita" de 1860, pág. 115 da tradução da Edicel: “Foi assim que procedemos com a doutrina da reencarnação, que não adotamos, embora vinda dos Espíritos, senão depois de havermos reconhecido que ela só, e só ela, podia resolver aquilo que nenhuma filosofia jamais havia resolvido, e isto abstração feita das provas materiais que diariamente dela são dadas, a nós e a muitos outros. Pouco nos importam, pois, os contraditores, ainda que fossem Espíritos!” (Grifo nosso.)
            Na Questão 171 de “O Livro dos Espíritos” está novamente expressa a referência ao dogma da reencarnação, assim como em várias passagens do Diálogo Terceiro, Cap. 1, de “O que é o Espiritismo”.
            A conclusão lógica a que se chega é a de que o Espiritismo, por sua natureza e por seus princípios, não repele o dogma, entendido como princípio fundamental, verdade axiomática, universal, deduzido das revelações divinas, naquilo que não se contrapõe à razão, à lógica e aos fatos.
            Mas a Doutrina Espírita não abusa do dogma, não o cria indefinidamente, antes o aceita em sentido estrito, sem se utilizar de autoridade humana, ou como justificativa de imposição de alguma opinião não fundamentada nas realidades permanentes.
            Por isso os dogmas do Espiritismo, preferencialmente denominados principais, ou postulados, fundamentam-se todos nas verdades reveladas progressivamente.
            Daí a afirmativa de que o Espiritismo não é doutrina dogmática, embora aceite a existência do dogma como verdade universal demonstrada.
            O mesmo não ocorre com a doutrina da Igreja Católica Romana e a das Igrejas Reformadas.
            Uma parte de seus dogmas tem fundamento nos Evangelhos e, nesses casos, as divergências com o Espiritismo estarão no terreno interpretativo, uma vez que a fonte original é comum.
            Entretanto, no decorrer dos séculos, os Concílios, sob a autoridade da Igreja e do Papado) instituído no ano de 607, proclamaram dogmas assim impropriamente denominados, baseando-se no seu “magistério infalível”.
            Para ela, à Igreja infalível cabe com exclusividade a interpretação da Revelação divina, cessada com o último dos apóstolos. Mas ela mesma se excede, ao proclamar dogmas não contemplados nas escrituras, como os da Santíssima Trindade e o da Infalibilidade Papal.
            O grande desvio da Igreja não está propriamente na existência de dogmas autênticos firmados nas escrituras, mas na criação de dogmas impróprios, produtos de opiniões individuais ou coletivas, levadas aos Concílios e daí proclamadas verdades universais pela autoridade “infalível”, expressando os mais diferentes interesses.
            É o império da dogmática, que se não confunde com o dogma autêntico. Dela têm cuidado os doutores da Igreja, através dos séculos, como parte da teologia.
            Repelindo tanto o racionalismo quanto o criticismo, não admitindo as novas revelações ocorridas fora de seu seio, as quais ficaram delimitadas, em seu entender, pelos tempos apostólicos, numa franca oposição ao progresso e à evolução que apontam no sentido de novas verdades, advindas da mesma fonte superior da Espiritualidade, não é de admirar que a Igreja se aferre às armas que lhe garantem o prestígio no mundo. A maior dessas armas é, sem dúvida, a autoridade infalível que se arroga, proporcionando-lhe o domínio de milhões de mentes que lhe são fiéis, diante do estágio evolutivo em que se encontram, tanto no plano físico, quanto no invisível.
            Qualquer modificação nesse quadro aparentemente estável, cristalizado no decurso de quase dois milênios, torna-se lenta e difícil.
            A teologia dogmática cerca-se de uma exegese exclusivista, fechada, limitada pelo ensino da própria Igreja, uma vez que não admite revelações novas. O resultado foram os dogmas católicos - alguns dos quais absorvidos pela Reforma -, do Juízo Final, do Pecado Original, da Santíssima Trindade, do Inferno e do Purgatório, da Assunção de Nossa Senhora, da Infalibilidade Papal e de tantos outros.
            Resumindo: o Espiritismo não é uma doutrina dogmática, embora admita o dogma no seu sentido legítimo e estrito, sem adjetivá-la como o fez o Codificador. Ao nos referirmos às verdades fundamentais da Doutrina Espírita, reveladas pelos Espíritos Instrutores, ou comprovadas pelos fatos, ou que ressaltam logicamente da observação, preferimos os termos princípios ou postulados, em lugar de dogmas, evitando assim confusões desnecessárias com a dogmática e o dogmatismo das Igrejas tradicionais.


A maior aventura psíquica de que se tem notícia (Sir William Crookes)


Florence Cook

William Crookes


A maior aventura psíquica de que se tem notícia 
(Sir William Crookes)
Ney da Silva Pinheiro
Reformador (FEB) Julho 1986

            “Aqueles cujo espírito não se eleva acima das coisas vulgares sigam o seu caminho, não é a eles que se dirigem estas considerações", são palavras que liamos alhures e que fizemos nossas.

            Neste 4 de abril de 1985 (*) assinalamos o 66º aniversário da desencarnação, em Londres, no nº 7 de Kesington Park Gardens do eminente sábio Sir William Crookes. Nascido em Londres, em Regent Street, a 17 de junho de 1832, foi o primeiro cientista de alto gabarito que, na Europa, com surpreendente desassombro e admirável coragem, estudou, com severas e incomuns precauções científicas, o fenômeno mediúnico, concluindo, sem vacilações ou receios, com esta memorável profissão de fé raciocinada: “O Espiritismo está cientificamente demonstrado e seria covardia moral negar-lhe o meu testemunho.”

            (*) Apesar do tempo decorrido, julgamos oportuna a divulgação deste artigo, transcrito do jornal “A Luz de Damasco", de maio de 1985. (Nota de “Reformador”).

            Para apresentação desse nome venerando, verdadeiro missionário da ciência, demos a palavra ao insigne e insuspeito doutor Josef Lapponi, escritor, clínico, professor de Antropologia, protomédico de dois Papas (Leão XIII e Pio X) que, em estudo médico-crítico publicado sob o título de "Hipnotismo e Espiritismo" (1ª ed. FEB, págs. 138 a 143), desfazendo as ridículas agressões com que pretendiam nodoar a reputação científica de Crookes, declara, do alto de sua cátedra, com corajosa lealdade:

            “Físico igual aos maiores do mundo inteiro; que, aos vinte anos de idade, já havia apresentado importantes trabalhos sobre a polarização da luz; que, mais tarde, publicou trabalhos magníficos sobre os espectros luminosos dos corpos celestes; que inventou o fotômetro de polarização e o microspectroscópio; que escreveu obras notáveis sobre a química, e. especialmente, um trabalho de análise que se tornou clássico; que fez descobertas preciosas em astronomia e que contribuiu, grandemente, para o progresso da fotografia celeste; que foi enviado pelo Governo inglês a Orã para estudar um eclipse do Sol; que se distinguiu nos estudos da medicina, da higiene pública e das ciências naturais; que inventou um processo de amalgamação metálica por meio do sódio, empregado comumente, hoje, para extração do ouro, que descobriu um novo metal, o “talium”; e que, enfim, revelando à ciência o estado radiante da matéria, entrevista por Faraday, abriu caminho para a descoberta dos raios Roentgen, que se emprega para fotografar o invisível a olho nu.”
            “Esse homem, de inteligência tão alta e de ciência tão vasta, que passou sua vida a interrogar, com vigor extremo, os segredos da Natureza, foi quem submeteu a exame minucioso os fenômenos espíritas sob crítica severa da experimentação moderna, assistido, nessas pesquisas, de dois outros físicos de valor, William Huggins e Edmundo W. Cox.”
            "Com auxílio de instrumentos de precisão e de registradores automáticos, Crookes examinou, nos seus mínimos detalhes, os fenômenos produzidos sob os seus olhos. Ele experimentou, alternativamente, nas trevas e em pleno dia; fora e dentro das salas por ele escolhidas à luz elétrica e à luz fosfórica." E assim conclui o Dr. Lapponí: “Ora, depois de ter estudado os fenômenos espíritas, através de todo esse aparelhamento de precauções e com o maior ceticismo científico, Crookes se viu obrigado a repetir lealmente, o que, antes dele, Alfred Russel Wallace, o inventor da célebre hipótese da seleção natural, já havia dito:
            “Adquiri a prova certa da realidade dos fenômenos espíritas.”
            Charles Richet, Prêmio Nobel de Fisiologia, em conferência pronunciada na Faculdade de Medicina de Paris, em 24 de junho de 1925, com sua inconteste e respeitável autoridade, perante severo auditório, classificando William Crookes, textualmente, como “um dos maiores sábios do nosso tempo e de todos os tempos”, assim se referiu às suas célebres experiências e à sua obra científica (“Ciência Metapsíquica” de Carlos Imbassahy, ed. Mundo Espirita, 1949 págs. 14 a 40): “As experiências de Crookes são graníticas. Se tiverdes alguma curiosidade e alguns vagares, eu vos aconselharia que lêsseis, com cuidado, a detalhada exposição das experiências desse sábio, e ficaríeis convencidos da realidade
dos fatos, a menos que vos resigneis a encarar Crookes como um imbecil, o que seria mais imbecil ainda.”    
            “Crookes viu, em plena luz, mesas e cadeiras se deslocarem, flores aparecerem e se
moverem, um acordeão passar sobre a sua cabeça e tocar; ruídos retumbantes se produzirem, diante de sábios honestos e experimentados.”
            “Crookes viu Florence Cook (a médium) desdobrar-se em um fantasma; observou
com o auxílio de uma lâmpada de fósforo em seu próprio laboratório, e por muitas vezes, o fantasma de Katie King conversando com Florence."
            “Como se explica que esses fatos não tenham sido admitidos, e que se tenha inventado, para explicá-los, toda a sorte de inépcia caluniosa? Certo é porque os homens e os sábios, talvez, ainda mais que todos, têm medo das coisas novas."
            "Assim, quando Crookes lhes trouxe provas formidáveis riram-se. E eu, também,
ri, com os outros. Mas, hoje (penitencia-se Richet), depois de ter visto o que vi reconheço, enfim, que Crookes tinha razão.”

            O doutor Paul Gibier, Diretor do Instituto Bacteriológico (Instituto Pasteur) de Nova Iorque; ex-interno dos Hospitais de Paris; ex-Assistente de Patologia Comparada do Museu Histórico Natural de Paris; Membro da Academia de Ciências de Nova Iorque e da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, e Cavalheiro da Legião de Honra da França, em seu livro “O Espiritismo”, 2ª ed. FEB; pág. 158, pronunciando-se sobre o assombroso trabalho de Crookes, escreve: “Até aqui, vimos escritores, poetas e filósofos, sem autoridade em matéria científica, opinando em favor dos fenômenos espíritas, isso, como se diz, não traz consequências. Mas eis que um fato grave se produziu: Um dos primeiros sábios do mundo, William Crookes, um experimentador, cujas obras suportam, sem desvantagem, comparação com as de Dumas, Wurtz, Berthelot, Frémy, pronunciou-se de modo mais afirmativo, baseado em provas experimentais, em apoio dessas coisas tenebrosas que se supunham sepultadas na noite da Idade Média. Que devemos concluir? Por que ousou dar como certos esses fatos extraordinários?”
            “Será acaso um impostor que tenha querido zombar do público? Mas com que interesse? Pelo contrário, não ignorava que qualquer fraude, se fraude tivesse havido, seria prontamente descoberta! E então seria a vergonha, seria a ruína, seria o desastre, o desabamento de uma vida honrosa de homem honesto e sábio reputado. Seria possível, no fim de uma vida tão bem preenchida, tornada gloriosa por tantas descobertas, uma só das quais bastaria para imortalizar um homem, que ele desceria do seu pedestal para revolver-se, miseravelmente, na lama! Não, não seria possível” concluiu Gibier.
            Como vemos, Crookes não é um homem comum, capaz de ser liquidado na voragem do tempo ou obscurecido pela insensatez da mediocridade. O seu exemplo e a sua obra imortal são um farol iluminando as consciências, uma página aberta à civilização, descortinando uma assombrosa realidade, um espetáculo inenarrável da grandeza divina. Enquanto a ciência e o homem não houverem destruído em sua frenética ignorância, as conquistas vivas da civilização, a memória desse sábio, desse benfeitor da Humanidade será lembrada como um dos propulsores do progresso.
            Não obstante, quando anunciou, depois de trinta anos de observações, que fora vencido pela evidência dos fatos, a Real Sociedade de Ciências de Londres, de que fora Presidente, se voltou contra ele, e o Secretário dessa Instituição, Stokes, protótipo da mentalidade retrógada da época, negou-se a aceitar o convite, que lhe fez Crookes, para presenciar os fatos, pois era daqueles piores cegos, que mesmo que visse não acreditaria. A publicação dos seus trabalhos, em 1874, produziu tal efeito que, por pouco: o fanatismo mais reacionário não eliminou Crookes da referida Sociedade, não fosse a imensa autoridade do sábio e a necessidade de justificarem a medida, demonstrando estarem erradas as suas deduções, corroboradas por vultos eminentes do cenário científico da época.
            A Verdade, porém, não deixará de ser Verdade, por força alguma, muito menos pela esdrúxula negação dos que nada entendem.
            Oscar d'Argonnel, no prefácio do livro “Fatos Espíritas”, de sua tradução, registra: “A existência da alma, que era apresentada como um dogma de fé por todas as religiões e que a filosofia nos mostrava por palavras, é hoje, graças ao Espiritismo, uma verdade científica.” E conclui: “A prova científica da existência da alma e da sua comunicação conosco é o legado mais brilhante que o século passado legou ao presente” e, acrescentamos nós, aos vindouros, principalmente pelos trabalhos de Crookes.