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sexta-feira, 6 de outubro de 2017

A sabedoria popular



A sabedoria popular
Eliseu Rigonatti
Reformador (FEB) Março 1943


Quando D. Quixote corria os campos da Espanha, não raro se entretinha a conversar com Sancho Pança, seu fiel escudeiro.

Sancho Pança personificava o bom-senso e, como falava sensatamente, causava admiração a seu amo pela justeza de suas observações.

Galopavam certa vez lado a lado, entretidos na conversa e D. Quixote notou a incrível soma de provérbios com os quais Sancho entremeava sua prosa. Perguntou-lhe onde aprendera tantos ditados e Sancho, embaraçado, não lhe soube responder. Limitou-se a dizer que todas as vezes que deles necessitava ocorriam-me à memória e os aplicava.

Cervantes, ao criar Sancho Pança, personificou nele o povo, esse povo bonachão e ignorante, sem estudos e sem malícia, que sempre existiu e existirá a acompanhar seus líderes, verdadeiros D. Quixotes, que ora destroem o mal, ora o bem.

Entretanto, se a esse povo falta a instrução livresca, sobram-lhe as lições da experiência. E essa experiência se acha consubstanciada nos ditos populares que enriquecem a literatura de todas as nações.

As classes letradas, reconhecendo as profundas verdades encerradas nessas máximas, dizem: A sabedoria popular não falha. E os latinos criaram também um rifão sancionando o que o povo afirmava: Vox populi vox Dei, que, trocado em miúdos, da em nossa língua: A voz do povo é a voz de Deus.

Há dias, em visita a uma família de nossa amizade, ouvimos amargas queixas de uma mãe contra seu filho, rapaz em cujo mento já desponta a barba.

- Ele não é mal, pelo contrário, tem até um bom coração, mas... E desandou a contar as proezas do rapazote, que provam não a sua maldade, mas a péssima educação moral que recebeu... de seus pais.

- É de pequenino que se torce o pepino, atalhou alguém; se a senhora o tivesse freado enquanto ele era criança, hoje não teria razões para se queixar.

Eis a sabedoria popular ditando uma de suas magníficas lições: É de pequenino que se torce o pepino... 

E o que acontece com o pepino, acontece com os filhos de todos os pais.

Felizes dos pais que sabem aproveitar o período da infância, em que o espírito de seus filhos é maleável, para dar lhes uma sólida educação moral!

Não terão que sangrar de desespero quando os filhos chegarem à idade adulta!

Onde encontrar essa educação moral que os pais devem dar aos filhos, quando, geralmente, aos próprios pais falecem os princípios morais?

Os espíritas já sabem onde encontrá-la. É nos salutares princípios da doutrina espírita. É nos preceitos imutáveis do Evangelho segundo o Espiritismo.

Sucede que a muitos pais não sobra tempo para ministrarem a seus filhos esses ensinamentos. É quando devem procurar o auxílio que os Catecismos Espíritas, mantidos pelos Centros Espiritas, lhes podem proporcionar na consecução da grandiosa tarefa que o Pai Supremo lhes confiou: a tarefa de concorrerem para o adiantamento dos Espíritos que estão sob sua guarda.

E os Centros Espiritas, mantendo bem orientados catecismos, aproveitam-se da divina oportunidade de influírem salutarmente nos destinos da nova humanidade que, pequenina ainda, já se educa para as grandes lutas redentoras.


Discutir sem pensar


C. Wagner
Reformador (FEB) Março 1943


A discussão cultiva a obstinação. Discutir é nos expormos a proferir palavras inspiradas pelo nosso falso amor-próprio. Mais vale refletir sem falar: os pensamentos têm então mais probabilidade de se encontrarem.

Ressurreição é reencarnação

Ressurreição é reencarnação
Antônio Túlio (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Março 1943

A Terceira Revelação projeta luz em muitos pontos obscuros das duas Revelações precedentes.

A Bíblia nos fala de Filhos de Deus que tomaram por esposas filhas dos homens, porque estas eram formosas. Noutros lugares nos dá como sinônimo de profeta o título de "homens de Deus". Nada disso é compreensível sem a Revelação Espírita, esclarecendo-nos que Espíritos muito mais adiantados do que os indígenas da terra vieram aqui habitar em missão e trouxeram uma nova civilização para o planeta. Em relação aos primitivos habitantes deste, tais Espíritos eram verdadeiros Filhos de Deus. Igualmente a vinda de grandes missionários, como verdadeiros enviados de Deus, homens muito superiores aos da terra, justifica o título de homens de Deus que a Bíblia frequentemente lhes aplica.

O profeta Isaias declarou que os mortos reviverão. Jesus pergunta aos seus discípulos quem dizem os homens que ele é. Respondem aqueles que as opiniões estão divididas, achando uns que ele é Elias ou João Batista outros que é ou Jeremias, ou um dos profetas. Os judeus sabiam, portanto, que Jesus não era um simples habitante da terra e procuravam entender quem teria sido em outra encarnação missionária, por não poderem perceber que ele era muito maior do que os seus antigos heróis nacionais.

As noções claras sobre a sobrevivência e a vida da alma não existiam, porém, entre os antigos Judeus. Por vezes, suas expressões parecem de materialistas, pois falam em cumprir a lei para viver longos anos na terra. Noutros lugares falam em condenação ou salvação eterna no seio de Abraão. Empregavam a palavra "ressureição" sem definição clara. Ora supunham que o mesmo corpo ressuscitaria no fim dos tempos, ora achavam que o Espírito retomava outro corpo, como no caso de suporem que Jesus seria a reencarnação de um dos antigos profetas. Acreditavam que Elias teria de voltar, mas não sabiam como. Jesus declarou que Elias já voltara como João Batista e os discípulos entenderam logo, sem mais interrogações, que isso era a verdade mas desse exemplo não extraíram um princípio geral. Limitaram-se a crer sem compreender, sem raciocinar sobre a consequência teórica do fato afirmado.

A Igreja teve que firmar dogma sobre a ressurreição e preferiu, infelizmente, a opinião mais popular e menos cientifica, do reaparecimento do mesmo corpo. Assim, a palavra ficou tendo sentido bem definido, mas com definição errada. Só a Terceira Revelação esclareceu e provou que reencarnação é uma das leis da natureza e que a velha ideia de reaparecer no mundo, depois de morto, expressa antigamente pela palavra ressurreição é absolutamente verdadeira com um novo corpo, como reencarnação. Logo, ressurreição é sinônimo de reencarnação, doutrina religiosa universal e eterna, que a pouco e pouco se vai tornando verdade demonstrada pela experimentação, isto é, entrando para o domínio muito mais estreito da ciência positiva.

Pela observação dos fatos, espontâneos uns, provocados outros, pela concordância nos depoimentos dos Espíritos que se comunicam em toda a superfície do planeta, pelas recordações que algumas pessoas conservam da encarnação anterior, a reencarnação sai do domínio amplo da fé para o âmbito estreito do conhecimento. O mesmo se deu com a existência e sobrevivência da alma. De crença vaga, matéria de fé, passou para o domínio dos conhecimentos humanos, através de rigorosa experimentação e catalogação de fatos espontâneos observados em todos os tempos e em todos os lugares, entre povos bárbaros, primitivos, selvagens, tanto quanto entre os mais civilizados.

Embora a nossa inteligência seja curta para as coisas imateriais e só consiga bons resultados na observação da matéria, a sobrevivência da alma humana e a sua reencarnação se vão tornando materiais, verificáveis pelos mesmos processos da ciência materialista, porque já se verifica que o Espirito está sempre revestido de um corpo, que em certo sentido é material e em casos especiais pode ser observado pelos sentidos, dando provas concretas da sua presença.

Essa passagem do domínio da fé para o do conhecimento traz consigo imensas consequências para a futura civilização. A Religião e a Ciência estarão sempre de acordo, sem se hostilizarem ou julgarem incompatíveis. Serão as duas asas para os grandes voos do Espírito.

Tudo tende a fundir-se em um todo harmonioso, Religião, filosofia, ciência, moral hão de formar um conjunto único e harmônico para bem de todos, e não técnicas separadas, com seus especialistas divididos.

*

A demonstração de que a palavra "ressurreição", do Cristianismo e do Judaísmo significa na verdade o mesmo que "reencarnação", não é simples minúcia teológica para as sutilezas de discussão escolástica ou acadêmica. Ao contrário, é uma descoberta, dessas que alteram o curso da história do mundo, porque aproxima todas as religiões do Ocidente às grandes Religiões do Oriente. De fato, a grande divergência entre o Cristianismo ortodoxo das três grandes Igrejas cristãs - Católico-Romana, Ortodoxa Grega e Protestante - que ensinam a doutrina das penas eternas, e as grandes religiões do Oriente - Budismo, Bramanismo e Xintoísmo - que ensinam a salvação universal através das fieiras infinitas de existências do mesmo espírito, está só nesse dogma. Todas as outras divergências decorrem dele.

Uma vez demonstrado que ele está errado, que na verdade não existem penas eternas mas sim salvação universal; que o Cristianismo ensina, portanto, a mesma doutrina dos filósofos gregos e das revelações orientais, todos se acharão de acordo, todas as Igrejas poderão confraternizar para a obra comum de reformar a humanidade.  Já os orientais, não terão razões de nos julgarem bárbaros, nem nós, de julgá-los fanáticos supersticiosos.

Três séculos de missões católicas no Oriente, tratando os povos reencarnacionistas como selvagens, deram resultados muito medíocres. Foi impossível induzir aquelas massas imensas a aceitar a doutrina das penas eternas, a aceitar a crença na graça, na predestinação, na remissão dos pecados e tudo mais que decorre do princípio da existência única. Uma convicção multi secular em contrário, a certeza de que a doutrina reencarnacionista está demonstrada e só ela explica as infinitas diferenças de caráter dos homens e as diferenças de sorte lhes fecham a alma aos dogmas das ortodoxias cristãs.

Verificado que as ortodoxias cristãs realmente estão erradas nesse ponto, não haverá mais repugnância entre o Oriente e o Ocidente em assuntos religiosos; poderemos entrar em fraterna colaboração, permutando ideias e nesse domínio todos temos muito a receber - ocidentais e orientais - e nós do Ocidente mais do que os do Oriente.

É missão do Espiritismo, portanto, aproximar o Cristianismo do Budismo e do Bramanismo, demonstrando que entre as duas grandes correntes religiosas só há diferenças de palavras, que na essência o ensino é o mesmo.

Louis Jacolliot, numa série de livros muito interessantes, já demonstrou que todos os fenômenos do Espiritismo são conhecidíssimos na Índia e já o eram muitos séculos antes de os estudarmos no Ocidente. Cabe ainda ao mesmo Louis Jacolliot a honra de haver estudado as grandes religiões da Índia, e demonstrado que a nossa Bíblia traz as mesmas ideias dos velhos livros hindus, ou, em outras palavras, a unidade da revelação.

Afastadas as diferenças de palavras, reinará a harmonia da essência, o fundo comum. Para lá caminha a humanidade. Tudo avança para a universalização, para a união, para Deus. Nos domínios da matéria, essa uniformidade já está alcançada. A ciência, a técnica, já se aplicam igualmente em todos os países do mundo. Todas as descobertas se universalizam rapidamente. Nesse domínio, tudo é positivo, demonstrável, e não resta campo livre à formação de seitas.

Em filosofia e religião, por serem temas mais abstratos, de mais difícil compreensão para o homem, formaram-se escolas e seitas diferentes; mas, a inteligência progride e a pouco e pouco vai descobrindo os erros que produziam separações. Uma vez corrigidos esses erros, teremos chegado à união, teremos uma só religião, como já temos uma só ciência.


O conhecimento da doutrina reencarnacionista lança por terra uma série de erros seus.

Devotamento e abnegação



Devotamento e abnegação
Lino Teles (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Março 1943

O Espírito de Verdade em mensagem recebida no Havre em 1863 e reproduzida por Allan Kardec no capitulo VI de O Evangelho segundo o Espiritismo, nos aconselha a tomar por divisa para sermos fortes as duas palavras DEVOTAMENTO e ABNEGAÇÃO. Eis a íntegra dessa sublime mensagem descida à terra precisamente há oitenta anos:

"Deus consola os humildes e dá força aos aflitos que lha pedem. Seu poder cobre a terra e, por toda parte, junto de cada lágrima colocou um bálsamo que consola. A abnegação e o devotamento são uma prece contínua e encerram um ensinamento profundo. A sabedoria humana reside nessas duas palavras. Possam todos os Espíritos sofredores compreender esta verdade, em vez de clamarem contra suas dores, contra os sofrimentos morais que neste mundo vos cabem em partilha. Tomai, pois, por divisa estas duas palavras: devotamento e abnegação e sereis fortes, porque elas resumem todos os deveres que a caridade e a humildade vos impõem. O sentimento do dever cumprido vos dará repouso ao Espírito e resignação. O coração bate então melhor, a alma se asserena e o corpo se forra aos desfalecimentos, por isso que o corpo tanto mais é afetado, quanto mais profundamente atingido é o Espírito. O Espírito de Verdade. (Havre, 1863).

A imensa maioria dos nossos males dido. Falta-nos humildade para receber com serenidade as consequências de nossos próprios erros e preferimos atribuir os nossos insucessos a culpas alheias. Pretendemos muito infantilmente que os outros que reconhecem nossas pífias virtudes, por vezes apenas imaginarias, e não vejam os nossos defeitos por mais berrantes que sejam. Sabemos sempre desculpar-nos de nossas faltas, ainda que com sofismas e chicanas, e pensamos que também os outros deveriam proceder assim, pesquisar as causas dos nossos erros para forjarem desculpas, como nós fazemos em relação a nós mesmos. Mas, os outros são em via de regra tão egoístas como nós e até preferem que os nossos defeitos sejam divulgados para se sentirem um pouco melhores do que nós. O mundo crê muito mais no mal do que no bem, pela lei de afinidade, porque cada um julga os outros por si próprio e não lhe parece lógico que os outros façam o bem quando ele faz normalmente o mal que pode. Assim, é fácil e natural não procurarem desculpas para os nossos defeitos como nós procuramos, e até esforçarem-se por divulgar o mais possível nossas falhas, ocultando maldosamente as raras boas qualidades que possuamos.

Portanto, o nosso orgulho é ferido a cada instante pelos juízos dos homens; nosso egoísmo se choca com os dos nossos companheiros de penitenciária - a Terra - e produz dores violentas, enfraquecimento em discussões estéreis, em disputas violentas, em justificativas inúteis, em contra-ataques detestáveis. Perdemos imenso tempo, sacrificamos preciosas energias, às vezes uma encarnação inteira, uma existência toda nessa luta de cada dia por nos justificarmos, por nos defendermos, e tudo isso, na verdade, é manifestação fútil de uma vaidade estulta.

Que nos interessam os juízos do mundo, desse mundo que tem crucificado, envenenado, enforcado, queimado, esquartejado, todos os Missionários que Deus lhe há enviado para salvá-lo?

De que nos serve o apoio inconstante, mutável, vão, das massas humanas que se deixam levar com entusiasmo para as causas mais detestáveis, mais contraditórias, sem pensar, sem refletir, calcando hoje aos pés os mesmos ídolos que adoravam ontem?

O único juiz a que nós devemos curvar é o da nossa própria e não da alheia consciência. Este, sim, irá conosco por toda parte, aquém e além tumulo, sem lhe importar a opinião do universo inteiro. Se todos os homens nos aprovarem, nos endeusarem, mas a nossa consciência nos condenar, é com ela que iremos, porque o mundo amanhã terá mudado de opinião ou não se lembrará mais de nós.

Por que sofremos, então, pelos juízos desfavoráveis dos homens e tentamos por todos os meios conquistar aprovação para os nossos atos?

É porque nos faltam devotamente e abnegação pela nossa causa. Quando tivermos verdadeiro devotamento à ideia que abraçamos, só os seus triunfos nos interessarão; faremos inteira abstração das nossas pessoinhas para tudo darmos à causa. Espontaneamente praticaremos a abnegação, porque o nosso interesse será somente o ideal em marcha. Não perceberemos, sequer, que nos estamos sacrificando pela ideia, porque só encontraremos prazer em tudo que por ela possamos fazer. Em vez de vermos sacrifícios, veremos e sentiremos somente alegria sã, entusiasmo sempre renovado, porque não teremos interesses individuais a defender, em oposição à causa que sustentamos.

A abnegação nos colocará acima das ofensas, dos sofrimentos, das reprovações, venham de onde vierem. Nosso egoísmo terá desaparecido em sua forma estreita e pessoal, para fundir-se nos anseios da humanidade inteira, nesse anseio de felicidade que a raça humana sente, mas não sabe formular; no anseio de progresso, de liberdade, de paz, de harmonia, de fraternidade.

Pela abnegação completa e absoluta, conquistamos a liberdade, pomo-nos acima do sofrimento, porque quebramos os grilhões que nos acorrentavam ao orgulho. Ficamos livres para trabalhar eficientemente, perseverantemente, sem desfalecimentos, com alegrias sempre renascentes, com fé cada dia mais forte, porque teremos vencido o medo, fantasma que nos roubava o sono e nos perseguia na vigília. O medo de sermos incompreendidos, o medo de sermos reprovados, o medo de sermos condenados à pobreza, ao desprezo, à desonra, ao esquecimento, à enfermidade, à morte. Todo esse medo é produto doentio do egoísmo, da sede de aprovação, do desejo de receber uma recompensa, de ver coroados os nossos esforços pelas compensações morais ou, até, materiais.

Só temos um inimigo a vencer, para conquistarmos a felicidade eterna: é o egoísmo. Pela abnegação abateremos esse único inimigo real e estaremos livres para nos devotarmos de corpo e alma às grandes causas que vão surgindo à nossa frente, que nos irão sendo confiadas â medida que nos demonstrarmos dignos delas. Neste momento da evolução do nosso planeta, a mais bela de todas as causas é esclarecer o homem sobre a sua própria natureza, revelar-lhe que ele é muito mais do que supunha ser, porque já tomou parte em múltiplas e grandiosas realizações da história, fez grandes coisas para o bem e para o mal, já viveu mil vidas em todas as formas de civilização e de barbaria e tem diante de si a eternidade para realizar seus ideais, para aprender, adquirir energia, conquistar virtudes, aproximar-se de Deus. Dizer-lhe que ele pode ter sido tudo o que haja de pior, mas que é uma criatura de Deus e que para Deus tem de voltar; que se transviou, praticou muito mal e ainda hoje despreza as melhores coisas em troca das mais passageiras ilusões; que foi Tartufo, mercenário, traficante das coisas santas que de graça recebera de Deus; que encarcerou o justo, sacrificou o inocente, torceu a verdade, conspurcou lares, assaltou viandantes, moveu a guerra, traiu à pátria, blasfemou de seu Deus; mas, que, apesar de tudo, terá tempo para reconquistar a felicidade, para voltar ao seio de Deus, cuja misericórdia é inesgotável; que nenhuma situação, por pior que seja, é irremediável dentro da eternidade.

Revelar todas essas coisas ao terrícola sofredor; provar-lhe que ele e seu mundo caminham para a felicidade inevitável, em virtude de uma lei divina, é um dos grandes, talvez o maior ideal neste momento. Dar ao homem essa segurança em seu próprio futuro; mostrar-lhe que já venceu a parte mais penosa de sua evolução e que o futuro será cada vez melhor e mais brilhante, é tarefa que merece todo o nosso devotamento a, se a executarmos com verdadeira abnegação, será uma fonte de sublime paz, de felicidade pura.

Desse grande ideal que tem o nome de Espiritismo, decorrem muitos outros, dignos de nosso devotamento. São setores de trabalho, seções do todo, e abrangem toda a sociedade humana, todos os interesses sociais. Uma dessas seções, que enche de encantador trabalho muitas vidas inteiras, é a solução do problema de compreensão planetária, a adoção de uma língua comum a todos, mediante a qual todos os filhos de Deus se entendam e discutam seus problemas pacificamente, harmoniosamente. Esse setor de trabalho tomou hoje o nome de Esperantismo e tem feito a felicidade de muitas pessoas que consciente ou inconscientemente aceitaram a divisa devotamento e abnegação, ensinada pelo Espírito de Verdade, cuja volta ao planeta se realiza em nosso tempo.

Jesus disse que veio para servir e não para ser servido; que o maior será aquele que se torne o servidor dos outros, esquecendo-se de si mesmo. Agora o Espírito de Verdade nos repete que a sabedoria humana reside nessas duas palavras: DEVOTAMENTO e ABNEGAÇÃO. É precisamente o mesmo ensino em nova forma: vencer o egoísmo isolante e harmonizar-se com a obra de Deus. A harmonia exige a vitória contra o egoísmo. A harmonia universal é a lei divina; logo, a abnegação é o caminho para a felicidade real e Inalterável.


Lá havemos de chegar, mesmo que muita dor nos custe!

Amando a verdade


Amando a Verdade e proclamando-a sempre, em todas as ocasiões, pode a criatura, em face dos preconceitos humanos, prejudicar certos interesses de ordem temporal; todavia, em face das leis divinas, tornar-se-á livre pois que o Cristo ensinou: - "Só a Verdade vos fará livres”.

assina: Akiss-Amed

Reformador (FEB) Março 1943

A lâmpada


A lâmpada
Casimiro Cunha por Chico Xavier
Reformador (FEB) Março 1943

Em casa, a lâmpada acesa
Singela e desapercebida,
É uma lição permanente
Das mais nobres que há na vida.

Contra a noite escura e espessa
Que se espalha e reproduz,
Envolve-se de energia,
Resplandece, acende a luz.

Seu trabalho é grande e simples,
Difundindo o sol do bem.
Não discute. Não pergunta.
Dá sempre, não olha a quem.

Ilumina o gabinete
De pesquisa ou de leitura,
Como aclara a agulha humilde
Da máquina de costura.

Envolve com a mesma luz
A velhice, a enfermidade,
A infância, alegria, a dor
E os sonhos da mocidade.

Há tumultos, há prazeres?
Amarguras, agonia?
Se não sofre violência
Eis que a lâmpada irradia.

Serena, silenciosa,
Não se aflige, não consulta.
Nada pede além da força
Que lhe vem da usina oculta.

Revela todo detalhe
Sem contendas, sem perigo.
A sua demonstração
É o foco que traz consigo.

Não exige condições
Por servir e iluminar
E define sem ruído
Cada coisa em seu lugar.

Pensemos em nossa glória
Quando formos, irmãos meus,
Como lâmpadas do Cristo
Na usina do amor de Deus.

Casos e coisas


Casos e Coisas
M. Quintão
Reformador (FEB) Março 1943

Humberto de Campos, pelo lápis mágico de Chico Xavier, e naquele estilo mélico que Agripino arguto não recusou identificar, já nos deu umas saborosas Crônicas de Além-Túmulo, (1) e vai dar-nos agora, com foros de novíssima atualidade, umas deliciosas Reportagens da mesma fonte.

(1) Já traduzido na. Argentina e publicado sob o título de - Cronicas del más allá del tumulo.

O autor de Memórias, com o seu faro de cronista laureado e com a graça que Deus lhe deu, fisga por lá os confrades que vão transpondo o Styge e manda-nos as suas impressões de um ineditismo pitoresco, brejeiro, mas, nem por isso, menos edificante e lógico.

Edificante, porque referente à confraria inexperta e turbulenta; lógico, porque integrado na mais perfeita hermenêutica evangélica.

Feliz Humberto que pode, assim, dar arras ao seu temperamento com prestigio de causa, livre dos zoilos cá de baixo, e dos mestres em Israel arvorados em suprema congregação do Santo Oficio, de nova espécie, ou, por melhor dizer em - "Congregatio de Propaganda Fide" e santificações póstumas.

A nós outros, (ai de nós!) em forais de carne osso, mal se nos deparam ensanchas de frascarios e suspeitíssimos palpiteiros, sem ressonâncias de prol no ambiente dos canonarcas.

Vamos, então ao recadinho, de olhos turvos no minuto que passa, e no sinaleiro do trânsito, por não esbarrondar na primeira esquina, uma vez que este mundo sublunar é um tabuleiro de esquinas e, o que mais é: sem bichas organizadas.

*

Pois foi ali na esquina, que, não há muito, encontramos os conspícuos e estimabilíssimos confrades Epaminondas e Archimedes.

O leitor não os conhece, mas nós apresentamos: Epaminondas, em que pese o paradoxo, não desmente o ancestral homônimo e ilustre beócio, salvo seja. Tal como o herói de Leuktra, este nosso Epaminondas também não mente. E o Archimedes, escusa dizê-lo, não é -  por bem nem mal dizer - êmulo do glorioso siracusano, senão porque também lhe falte uma alavanca... Mas gosta de espelhos, lá isso gosta, ainda que tratados a fosco em "manchetes" de jornal - isso a que a plebe chama - dar as caras.

De cara com eles, na inevitável esquina, não houve como dobrá-la para o beco do silêncio. E antes que levado à parede, fomos ouvindo o curioso dialogo.

*

- Achas, então, que o sacerdote pode viver do altar?

- Isso não sei; mas sei que Paulo foi tecelão e que Jesus mandou dar de graça o que por graça recebemos; de resto, há que não confundir sacerdócio religioso com apostolado Cristão, que é como quem diz - espiritista.

- Com esse radicalismo, no mundo econômico que desfrutamos, as obras seriam nulas e o grande Paulo também disse que a fé sem obras é morta. E não sabes que os espiritistas somos, via de regra, uns pobretões?

- Bem o sei, mas sei igualmente que os Apóstolos eram pescadores, a justificarem que digno é o trabalhador do seu salário. As obras da fé cristã, ao meu ver, não se aferem por símbolos de expressão exterior. Ao povo errante no deserto, fustigado pelo Simum, nunca faltou o maná revigorante nem a vara de Moisés para extrair da rocha a linfa pura.

- Milagres que ninguém jamais viu repetir-se, que me conste...

- Porque de Moisés a fé está morta: o deserto se cobre e coalha de "tanks" e aviões de guerra, e por levar a "Arca Santa" aos trambolhões, os apóstolos hodiernos se atropelam e colimam antes construir na areia movediça.

- Quer dizer que negas o fruto do esforço coletivo em benefício do órfão, do enfermo, do desvalido da sorte?

- Não. Quero apenas dizer que a genuína caridade é espiritual, e o que aí se faz a esse título, aliás com ênfases e derriças nada evangélicas, não resolve o problema do pauperismo. A verdadeira fome não é de pão, é de luz; a enfermidade real não é de corpo, é de alma.

- O que não exime de cuidar do corpo, ainda porque, instrumento do Espírito. Disse Jesus que não só de pão vive o homem, mas não disse que viveria sem pão. 

- Mas disse, também, que o Pai não daria pedra ao filho que pedisse pão.

- Condenas, então, os que pedem para dar?

- Em tese, eu nada e a ninguém condeno, mas posso discordar da maneira por que o fazem, sem consideração ao óbolo da viúva.

- Vejo que te desvias: nosso tema é a caridade apostolar, é o das obras de assistência e beneficência coletiva.

- Topo então a parada e digo: caridade não é moeda, é sentimento. Advirto que nenhuma célula do Cristianismo original se distinguiu sob este aspecto. As primitivas ecclesias viviam dos seus sobejos, espontaneamente oferecidos e repartidos em caráter de emergência, e Deus sabe se não foram as diaconias que lhes carrearam a cizânia. De qualquer forma porém, a comunhão de bens era voluntária e que mais é: - total e incondicional. O caso de Ananias e sua mulher Safira, é típico... (2)

(2) Atos dos Apóstolos, V:1 a 10.

- Esqueces que os tempos são outros?

- Absolutamente. Lembro, todavia que a noção de tempo e espaço precisamos juntar a de eternidade e infinito. A Lei, em essência, é sempre uma e única. A esmola que eu peço e dou, não é galardão meu e sim de quem a der, dado que a dê de coração aberto. Caridade é também sacrifício. Jesus, Espírito de Caridade por excelência, não espalhou outra moeda que a de sua palavra de vida, em holocausto da própria vida; e os Apóstolos simplesmente o imitaram, socorridos pelo Espírito Santo. E se é certo que os institutos congregacionais, desdobrados em seu nome têm dado frutos de misericórdia, não é licito desconhecer os males concomitantes que originaram, para que o problema da penúria humana permanecesse insolúvel e quiçá agravado.

- Dir-se-á que regredimos, então?

- Materialmente, não direi que sim; moralmente, talvez, porque o senso da responsabilidade se anuviou no báratro das grandezas terrenas. Pergunto: onde o Templo de Salomão? A história só se não repete porque é sempre a mesma. Todos nós, creia, temos um pouco de Jacó na capenguice, e de Esaú na parvulez, que leva a trocar a herança pelo prato de lentilhas.

*

O sinal abriu. Os interlocutores precipitaram-se em direções opostas. Perdi-os de vista e disse com os meus botões: Que bela reportagem para o Humberto de Campos!


Os trabalhadores das diversas horas


Os trabalhadores das diversas horas
Vinícius (Pedro de Camargo)
Reformador (FEB) Março 1943

O reino dos céus é semelhante a um proprietário que saiu pela manhã a assalariar trabalhadores para a sua vinha. Feito com eles o ajuste de um denário por dia, mandou-os para a vinha. Saindo à hora terceira, viu outros na praça, desocupados, e disse-lhes: Ide também vós para a minha vinha, e eu vos darei o que for justo. Eles foram. Saiu às horas sexta e nona e fez o mesmo. Finalmente, indo à praça à hora undécima e encontrando ali jornaleiros, disse-lhes: Por que estais todo o dia ociosos? Porque ninguém nos assalariou, responderam. Ide também vós para a minha vinha, e eu vos darei o que for justo. À tarde, chamou o seu mordomo dando-lhe a seguinte ordem: Chama os jornaleiros e paga-lhes o salário, começando pelos últimos e acabando pelos primeiros. Chegaram, então, os da undécima hora e perceberam um denário cada um. Vindo os primeiros, esperavam receber mais; porém, foi-lhes dada igual quantia. Ao receberem-na, murmuraram contra o proprietário, alegando: Estes últimos trabalharam apenas uma hora, e os igualaste a nós que suportamos o peso e o calor do dia. Retrucou o proprietário a um deles: Meu amigo, não te faço agravo nem injustiça: não ajustaste comigo um denário? Toma o que é teu e vai-te embora, pois quero dar a este último tanto como a ti. Não me é lícito fazer o que me apraz daquilo que é meu? Acaso o teu olho é mal, porque sou bom? Assim, os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos." (Evangelho).

A alegoria acima, como, aliás, toda alegoria, exprime e revela um princípio diferente daquele que literalmente enuncia. Parece, à primeira vista, haver injustiça da parte daquele proprietário que manda pagar igual salário aos obreiros das diversas horas do dia. Pois, então - como alegaram os que iniciaram o trabalho pela manhã - será justo pagar o mesmo jornal a nós e aos que entraram às nove horas, ao meio dia e até mesmo à hora undécima?

Para entrarmos no mérito do critério em que se baseou o proprietário da vinha, cumpre lembremos que a parábola em apreço tem relação com o reino dos céus, isto é, com os meios e processos empregados para a sua conquista. Neste particular, o tempo constitui elemento de somenos importância. "A cada um será dado segundo as suas obras", e não segundo o tempo, mais ou menos dilatado, de sua atuação nos arraiais do credo que professa. Assim, pois, se os jornaleiros da hora nona e do meio dia fizeram, pela maior soma de atividade empregada, tanto como os da manhã, é natural que percebessem o mesmo jornal, por isso que o proprietário havia prometido DAR-LHES O QUE FOSSE JUSTO. E aos da undécima hora? Seria possível, em tão minguado tempo, fazer o mesmo que os demais? Pelo dedo se conhece o gigante, reza o rifão popular. O que teriam feito aqueles assalariados no decurso de uma hora apenas? Aqui entra em jogo um fator de subida importância, no que respeita ao merecimento do obreiro: A QUALIDADE da obra. Certamente, o pouco que produziram os jornaleiros da undécima hora superou tanto, em qualidade, o que fizeram os outros, em quantidade, que os bons olhos do proprietário acharam de justiça dar-lhes a mesma paga. Em realidade, o que ele viu é que o trabalho destes valia mais que o dos outros, fazendo, nesse cômputo, abstração do FATOR TEMPO.  

A sabedoria da sentença evangélica - a cada um será dado segundo as suas obras - abrange dois aspectos distintos: O objetivo e o subjetivo. Só de posse do conhecimento exato de ambos, é possível opinar com acerto e com justiça. Os homens julgam comumente através do aspecto objetivo das obras, por isso que não lhes é dado penetrar o plano subjetivo. Daí a precariedade dos seus juízos e das suas sentenças. Por vezes, há mais estimação nos feitos sem maior importância objetiva, do que nas vultosas obras que impressionam e deslumbram os sentidos. Aquela pobre viúva que lançou no gazofilácio do templo uma moedinha de cobre, de ínfimo valor pecuniário, deu mais, disse o intérprete da divina justiça, que os ricos, que ali despejaram moedas de ouro a mancheias. O valor da oferta da viúva é de natureza subjetiva, está no que se não pode ver nem tocar, isto é, no motivo que determinou o seu gesto; está na santidade, na pureza da intenção e no sacrifício com que o fez, pois ela havia dado tudo o que possuía, aquilo que estava reservado para o seu próprio sustento. Os olhos humanos não podem aquilatar os valores desta espécie, mas os do Filho de Deus vão descobri-los nos íntimos e secretos refolhos da alma humana.

*

Recapitulando, recordemos mais uma vez que a semelhança ora comentada se relaciona com o reino dos céus. Somos todos jornaleiros da vinha do Senhor, que é o planeta onde nos encontramos. Cada um age no setor que lhe foi destinado. O proprietário observa a maneira como os seareiros mourejam, julgando o mérito individual, não pelo tempo, nem pelo volume da produção, mas pelo cunho de perfeição imprimido à obra. O bom obreiro tem os olhos fixos no mister que executa e não nos ponteiros do relógio. Pensa menos na recompensa que no bom acabamento da sua tarefa. O trabalho é santo, pela sua mesma natureza e, sobretudo, pela alma do operário nele encarnado, "Só canta bem quem canta por amor." Os músculos refletem as vibrações do cérebro e os latejos do coração. A inteligência e os sentimentos dirigem as mãos, tanto do operário como do artista. É com o Espírito e não com a matéria que se constroem as obras que dignificam e imortalizam os seus autores. Trabalhemos, portanto, com simpleza e santidade. Imprimamos aos nossos atos aquela naturalidade com que os pássaros gorjeiam e aquela dedicação com que fazem os seus ninhos. Não nos preocupemos com o peso e a vultuosidade das nossas obras; tampouco nos deixemos impressionar com o tempo que temos empregado em produzi-las e, menos ainda, com a recompensa presente ou futura: o Senhor da vinha nos DARÁ O QUE FOR JUSTO. Confiemos como confiaram os jornaleiros das derradeiras horas, pois "os primeiros serão últimos e os últimos serão primeiros; porque muitos são chamados e poucos os escolhidos."

E, assim, verificamos que a parábola ora comentada encerra a mais bela e excelente apologia da JUSTIÇA.


Infalível é a sua razão?



Infalível é a sua razão?
Allan Kardec
Em “O Livro dos Espíritos” – Introdução - pág. XXV


0 homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro. Mesmo aqueles cujas ideias são as mais falsas se apoiam na sua própria razão e é por isso que rejeitam tudo o que lhes parece impossível. O que se chama razão não é muitas vezes senão orgulho disfarçado e quem quer que se considere infalível apresenta-se como igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, aos ponderados, que duvidam do que não viram, mas que, julgando do futuro pelo passado, não creem que o homem haja chegado ao apogeu nem que a natureza lhe tenha facultado ler a última página do seu livro.  

sábado, 30 de setembro de 2017

Morreu, acabou


Morreu, acabou
por Leopoldo Machado
Reformador (FEB) Abril 1943



Eram inimigos rancorosíssimos.

O ódio que sentiam, reciprocamente, um pelo outro, não tinha limites.

Aguardava-se, para cada momento, uma explosão violentíssima desse ódio:           
Só o assassínio de um podia solucionar, para o outro, a situação; podia trazer serenidade e segurança de vida ao outro.

E o assassínio veio.

Um tiro certeiro do mais ágil abateu, já morto, o rival, em plena praça da igreja, quando a vítima mal saia do templo.

Não houve flagrante. Um passo favorável para a defesa do assassino, que o júri absolveu.

Fora da cadeia, foi alvo de felicitações por parte dos amigos.

Confiado, agora, na sua segurança e serenidade de vida, a todos declarava, confiante e sereno:

- Agora, posso viver tranquilo. Ele morreu, acabou-se...

*

Mas, não se havia acabado, não, que a morte não acaba coisa alguma: tudo continua.

Nem o criminoso teve mais serenidade e segurança, pois que súbita loucura o arrastou ao hospício. Aí, no quarto forte, era de vê-lo transfigurado, os olhos fora das órbitas, numa atitude que apavorava, a cavar, com os dedos escalvinhados e a sangrar, o ladrilho do chão; a marrar, com a cabeça, como se fora res bravia, as paredes; a urrar ferozmente, de meter dó.

A psiquiatria foi impotente para debelar-lhe o mal.

As medidas enérgicas do hospício foram ineficientes para conte-lo quieto.

E o infeliz definhava dolorosamente, desnutrido, visto que não se alimentava, machucado e imundo.

Foi assim que apareceu, mais tarde, morto. Seu mal: terrível obsessão pelo assassinado.

Livre este então para agir com maior ódio, porque ódio velho acumulado e acrescido do que provocara seu assassínio, foi encontrar sua vítima ainda mais livre, por falta de fé pura em Deus, de uma vida útil e honesta, de muita oração e vigilância - que são as maiores garantias contra obsessões. O assassinado procurou então exercer redobrada vingança.

E tirou-a sem piedade nenhuma, arrastando-o àquela obsessão pavorosa, à morte de seu corpo, à perseguição terrível de espírito para espírito porque o ódio continuou post-mortem. A vingança e o ódio.

Ódio e vingança que persistiram até que, numa sessão espirita, foram ambos doutrinados, abrindo-se-lhes diante dos olhos da consciência, o mapa de suas responsabilidades e das consequências de seus atos.

*

Morreu acabou... já não é mais do nosso tempo, graças ao advento do Espiritismo...

A morte não extingue a vida, que continua para o bem ou para o mal.

Mais, talvez, para o mal, em face da condição de planeta inferior, de provas e expiações, peculiar à Terra.

Se não podemos, às vezes, desvencilhar-nos de inimigos que vemos, porque de carne e osso como nós, muito menos o poderemos de inimigos invisíveis: que não ouvimos nem sentimos, mas que nos veem perfeitamente, para os quais o nosso corpo é como se fosse de vidro; de inimigos que leem os nossos pensamentos e sentimentos, como nós vemos a agua através do copo.

Que as forças invisíveis que nos rodeiam nunca possam ver, através do vidro do nosso corpo, a água dos nossos sentimentos e pensamentos turvada e negra pelas nossas impurezas e imperfeições. A ausência de impurezas e imperfeições é a melhor garantia contra aqueles que, cheios de ódio contra nós, desejam realizar aquilo que não puderam, encarnados, perpetrar.

A oração e a vigilância, eis outro meio fácil de empregar-se contra tais investidas do mundo invisível.


domingo, 24 de setembro de 2017

Fanatismo e confusão


Fanatismo e confusão
Antônio Wantuil de Freitas
Reformador (FEB) Março 1948

Quando o Buda apareceu no Oriente como enviado do Espírito que presidira à  formação da Terra e a governava, como governa ainda, sua doutrina, pela sublimidade dos ensinos que continha estava muito acima da compreensão dos homens daquela época. Daí o considerarem-no seus adeptos como um Deus.

Mais tarde, o próprio Governador do planeta, julgando oportuno o momento para nova sementeira espiritual, veio pessoalmente recordar às ovelhas que o Pai lhe confiara os ensinos anteriores, que já se achavam esquecidos e até deturpados. Pregando, porém, a homens que só podiam receber o que a mentalidade de então permitia, a homens habituados aos ensinamentos iniciais de Moisés, ainda assim, modificados, alterados e interpretados de acordo com os interesses dos grupos religiosos e políticos, Jesus, o Verbo de Deus, foi recebido e tratado como o mais perigoso charlatão. Todavia, com o correr dos anos, a massa popular, intelectualmente menos atrasada, passou a admiti-lo, conforme o haviam feito os adeptos do Buda, não como o Messias anunciado e prometido, mas como o próprio Deus, como um desdobramento deste, formando com Ele a politeica trindade comum a todas as religiões antecedentes à era cristã.

Não compreendendo o Cristo qual Ele era, Espírito luminosíssimo, mui distanciado da pobreza intelectual e moral dos homens da Terra, não conseguindo explicar satisfatoriamente os "milagres" por Ele praticados no meio do povo que o rodeava, os religiosos se viram obrigados, para elucidarem os textos evangélicos, a imitar os budistas: deificaram o meigo Nazareno, confundindo a criatura com o Criador.

Não se pode, em sã consciência, recriminar os sacerdotes por esse ato, embora um tanto desrespeitoso da Divindade. A mentalidade da época era muito pequena e as palavras do Cristo, visando os séculos futuros, não podiam ser assimiladas, senão parcialmente. Por isso mesmo prever, foi que Jesus declarou ser necessária a sua saída da Terra, a fim de que outro Consolador viesse e conosco ficasse, não só para nos relembrar os seus ensinamentos, mas também para nos transmitir novos conhecimentos, quando chegasse a época de os podermos receber. E, cumprindo a sua promessa, o que aliás não podia deixar de acontecer, enviou-nos esse conjunto harmonioso de Espíritos de alta hierarquia, que trouxeram a Allan Kardec, por via de numerosos médiuns, os novos ensinos prometidos, a Lei pela qual nos deveremos guiar.

Médico de vasta cultura (1), pedagogo eminente, que mereceu a confiança do maior e mais celebre educador da Europa, Pestalozzi, Allan Kardec pôs ao serviço dessa nova Revelação, que o deslumbrou quando lhe apreendeu o alcance depois de havê-la posto em dúvida, todo o seu talento e ilustração, codificando aqueles ensinamentos e reunindo-os nas três obras que intitulou – Livro dos Espíritos, Livro dos Médiuns e Evangelho segundo o Espiritismo.

(1) Do blog: Esta informação não se confirmou após extensas pesquisas. Kardec não se graduou médico.

Quem quer que leia esses três monumentais volumes concordará em que o que eles encerram está, numa larga medida, acima, muito acima dos conhecimentos filosóficos e religiosos da época em que foram escritos e que os três são, realmente, o começo de uma revelação nova, que continuaremos a receber gradativamente, de acordo com o progresso moral e intelectual que formos armazenando, mesmo porque, para isso, o Consolador ficará conosco perenemente, conforme o disse Jesus.

Allan Kardec não foi, pois, o instrumento dessa revelação, nem tampouco os médiuns de que ele se utilizou podem ser considerados os únicos transmissores do que constitui a obra que nos traz a felicidade de que gozamos todos os espíritas. Ele foi, como os seus médiuns, escolhido para a missão que lhe perpetuou a memória, exatamente como escolhidos foram os quatro evangelistas que nos transmitiram os ensinos partidos diretamente do Cristo de Deus.

Chamemo-lo, portanto, apóstolo do Espiritismo. Prestemos-lhe a nossa homenagem sincera, reconhecidos aos benefícios que temos auferido da leitura e meditação das obras que, arcando com todo o peso da responsabilidade de elaborá-las, ele nos legou; mas, não confundamos essas obras que, por procederem do Consolador, formam um conjunto harmônico de ensinos que se não contradizem, que, ao contrário, se sucedem, lógica e gradualmente seriados, desafiando qualquer crítica séria e leal, com as outras obras do mesmo Kardec, obras pessoais, excelentes sob todos os aspectos, porém, discutíveis, como ele próprio o reconheceu, declarando que, ao apresentar muitas das questões ventiladas nelas, fê-lo como simples hipóteses. Evidenciou assim, com a sinceridade que ninguém lhe pode negar, tratar-se de obras suas, pessoal e exclusivamente suas.

O Cristo, prevendo que os homens o divinizariam, não se esqueceu de invalidar desde logo, por meio de sentenças de meridiana clareza, a sua futura divinização. Kardec, na previsão de que o transformariam em novo messias, confundindo o que era seu, fruto de suas elucubrações, com aquilo que lhe viera do Alto, cuidou de evitar desde logo essa transformação, não só assinalando o papel que lhe coubera na obra da Terceira Revelação, como tornando claro que, enquanto os seus três primeiros livros, porque de procedência divina, somente afirmações contém, o conteúdo dos outros é feito de hipóteses que ele deixava para serem explanadas no futuro, de conformidade com os progressos anunciados pela mesma revelação que lhe tocara codificar.

Assim como os ensinos do Cristo, depois de terminada a sua missão, não foram transmitidos à humanidade por um só evangelista, também os do seu enviado, o Consolador não deveriam ter um só homem por encarregado da sua difusão. Daí vem que, após haver Allan Kardec elaborado a parte fundamental da obra do Consolador, a outro teve de ser dada a incumbência de a continuar, ampliando-a. Esse outro foi J. B. Roustaing. Dissemos - continuar, porque, segundo o próprio Kardec o reconheceu, a revelação dada a Roustaing não apresenta qualquer ponto em contradição com os livros básicos do Espiritismo, por ele publicados, sendo, pois, um desenvolvimento do que nestes se encontra. Guardando reserva apenas quanto a alguns pontos da obra de Roustaing, que ele não se considerava apto a aprovar ou reprovar, não hesitou em declarar que essa obra era "considerável e encerrava outras coisas incontestavelmente boas e verdadeiras" e que seria consultada com proveito pelos espíritas conscienciosos.

Devemos levar em conta que Kardec não só emitiu uma opinião pessoal, como ainda apelou para o futuro, dizendo que só este poderia julgar convenientemente a obra ditada a Roustaing. Ora, o Mestre dispunha de excelentes médiuns, daqueles que serviram de instrumentos para a transmissão das obras fundamentais da doutrina; poderia, conseguintemeute, valer-se desses médiuns para colher a opinião dos Espíritos que o assistiam sobre a obra em questão, do que resultaria ficar sabendo e poder proclamar quais os pontos dessa obra com que os mesmos Espíritos não concordavam. Preferiu, entretanto, prescindir da autoridade destes últimos e falar por conta própria, como o fizera anteriormente, quando duvidara de que as pernas de uma mesa pudessem responder às perguntas que se lhe faziam.

Devemos ainda notar que a doutrina enfeixada nos três primeiros livros que Allan Kardec publicou é aceita, in-totum, pelos espíritas brasileiros, o que não se dá com os espíritas de outros países, os quais não são unanimes em aceitá-la, como também não a aceitam as várias outras correntes espirituaIistas existentes. É natural, portanto, naturalíssimo mesmo, que a obra evangélica de Roustaing, por conter ideias, ensinos e revelações que só pelas gerações vindouras, mais avançadas em progresso intelectual, poderão ser perfeitamente assimiladas, não seja bem acolhida por grande parte dos espíritas da geração atual, visto que muitos, por não terem apreendido o espírito da obra do Consolador e o seu caráter de progressividade, supõem que a Revelação espírita parou completa no que fez e nos legou o seu grande e venerável codificador.

Por isso mesmo, não nos parece inverossímil que ainda venham a formar-se, entre os espíritas, aqui, correntes que, alargando algumas das aberrações que já surgiram, levantem altares onde se entronize a imagem de Kardec, a quem, no entanto, exclusivamente devêramos prestar homenagens de cunho espiritual, consubstanciadas, sobretudo, na prática escrupulosa dos ensinos que ele recebeu dos Espíritos do Senhor, únicas que lhe podem ser agradáveis. Farão assim o que fizeram outros com os apóstolos do Cristo e com o próprio Cristo.

Cumpre assinalar também, e isto é muito significativo, que todos quantos reverenciam a Kardec lhe reconhecem a grandeza da obra e a estudam com amor, e, ao mesmo tempo, agasalham, meditam e propagam a Revelação da Revelação, de Roustaíng, jamais pretenderam obrigar quem quer que seja a crer nisto ou naquilo, a adotar essa revelação, nem jamais repeliram os que ainda se lhe conservam contrários. Entretanto, sem que se possa justificar, ou explicar, em face da doutrina do Espiritismo, semelhante atitude, lamentabilíssima por anti-cristã, estes últimos se levantam coléricos contra os primeiros, entendendo-os passíveis de todas as condenações. Contraste eloquente: enquanto que até a palavra ódio lhes escapa dos lábios, quando se referem aos outros, denotando um estado d’alma oposto ao em que deve permanecer sempre o discípulo do Evangelho, a mansuetude ressalta de tudo o que dizem os anatematizados, exprimindo os seus propósitos de obedecerem, até onde lhes seja possível, às lições de paciência, de resignação e de amor, dadas e exemplificadas pelo Mestre divino.

Estamos certo de que não conseguiremos, com estas despretenciosas observações, despertar, sequer, nesses nossos irmãos, o desejo de uma leitura rápida da obra que combatem. Obstam a isso o espírito de seita e o fanatismo de que se deixaram dominar e em cuja prática pensam estar a única maneira de glorificarem o eminentíssimo Codificador da Doutrina Espírita. Este se absteve de julgar a obra do seu irmão, obreiro também da divina Seara da Verdade. Antes, considerou-a digna de ser consultada pelos espíritas conscienciosos. Como se poderá compreender haja espíritas que, intitulando-se defensores da sua obra; que ninguém ataca, e seus discípulos fiéis, vão ao extremo de querer acender fogueiras, semelhantes à em que o bispo espanhol mandou lançar, em Barcelona, as obras fundamentais do Espiritismo, para a incineração de todos os volumes que existam da obra de Roustaing?

Por satisfeito nos teremos, se lograrmos induzir algum irmão nosso, que ainda não a conheça, a apreciá-la à luz da sua própria razão, lendo-a página por página. Não hesitamos em acreditar que a esse, caso seja um espirita consciencioso, ocorrerá a ideia de que bem estaria, sobre as fogueiras que se acendessem para a queima da obra de Roustaing, uma placa com estas palavras, que compõem conhecido lema: -“Trabalho, solidariedade, tolerância”.

Antônio Wantuil de Freitas (presidente da FEB por aprox. 27 anos)


Infalível é a sua razão?
Allan Kardec
Em “O Livro dos Espíritos” – Introdução - pág. XXV

0 homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro. Mesmo aqueles cujas ideias são as mais falsas se apoiam na sua própria razão e é por isso que rejeitam tudo o que lhes parece impossível. O que se chama razão não é muitas vezes senão orgulho disfarçado e quem quer que se considere infalível apresenta-se como igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, aos ponderados, que duvidam do que não viram, mas que, julgando do futuro pelo passado, não creem que o homem haja chegado ao apogeu nem que a natureza lhe tenha facultado ler a última página do seu livro.  

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