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sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Devotamento e abnegação



Devotamento e abnegação
Lino Teles (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Março 1943

O Espírito de Verdade em mensagem recebida no Havre em 1863 e reproduzida por Allan Kardec no capitulo VI de O Evangelho segundo o Espiritismo, nos aconselha a tomar por divisa para sermos fortes as duas palavras DEVOTAMENTO e ABNEGAÇÃO. Eis a íntegra dessa sublime mensagem descida à terra precisamente há oitenta anos:

"Deus consola os humildes e dá força aos aflitos que lha pedem. Seu poder cobre a terra e, por toda parte, junto de cada lágrima colocou um bálsamo que consola. A abnegação e o devotamento são uma prece contínua e encerram um ensinamento profundo. A sabedoria humana reside nessas duas palavras. Possam todos os Espíritos sofredores compreender esta verdade, em vez de clamarem contra suas dores, contra os sofrimentos morais que neste mundo vos cabem em partilha. Tomai, pois, por divisa estas duas palavras: devotamento e abnegação e sereis fortes, porque elas resumem todos os deveres que a caridade e a humildade vos impõem. O sentimento do dever cumprido vos dará repouso ao Espírito e resignação. O coração bate então melhor, a alma se asserena e o corpo se forra aos desfalecimentos, por isso que o corpo tanto mais é afetado, quanto mais profundamente atingido é o Espírito. O Espírito de Verdade. (Havre, 1863).

A imensa maioria dos nossos males dido. Falta-nos humildade para receber com serenidade as consequências de nossos próprios erros e preferimos atribuir os nossos insucessos a culpas alheias. Pretendemos muito infantilmente que os outros que reconhecem nossas pífias virtudes, por vezes apenas imaginarias, e não vejam os nossos defeitos por mais berrantes que sejam. Sabemos sempre desculpar-nos de nossas faltas, ainda que com sofismas e chicanas, e pensamos que também os outros deveriam proceder assim, pesquisar as causas dos nossos erros para forjarem desculpas, como nós fazemos em relação a nós mesmos. Mas, os outros são em via de regra tão egoístas como nós e até preferem que os nossos defeitos sejam divulgados para se sentirem um pouco melhores do que nós. O mundo crê muito mais no mal do que no bem, pela lei de afinidade, porque cada um julga os outros por si próprio e não lhe parece lógico que os outros façam o bem quando ele faz normalmente o mal que pode. Assim, é fácil e natural não procurarem desculpas para os nossos defeitos como nós procuramos, e até esforçarem-se por divulgar o mais possível nossas falhas, ocultando maldosamente as raras boas qualidades que possuamos.

Portanto, o nosso orgulho é ferido a cada instante pelos juízos dos homens; nosso egoísmo se choca com os dos nossos companheiros de penitenciária - a Terra - e produz dores violentas, enfraquecimento em discussões estéreis, em disputas violentas, em justificativas inúteis, em contra-ataques detestáveis. Perdemos imenso tempo, sacrificamos preciosas energias, às vezes uma encarnação inteira, uma existência toda nessa luta de cada dia por nos justificarmos, por nos defendermos, e tudo isso, na verdade, é manifestação fútil de uma vaidade estulta.

Que nos interessam os juízos do mundo, desse mundo que tem crucificado, envenenado, enforcado, queimado, esquartejado, todos os Missionários que Deus lhe há enviado para salvá-lo?

De que nos serve o apoio inconstante, mutável, vão, das massas humanas que se deixam levar com entusiasmo para as causas mais detestáveis, mais contraditórias, sem pensar, sem refletir, calcando hoje aos pés os mesmos ídolos que adoravam ontem?

O único juiz a que nós devemos curvar é o da nossa própria e não da alheia consciência. Este, sim, irá conosco por toda parte, aquém e além tumulo, sem lhe importar a opinião do universo inteiro. Se todos os homens nos aprovarem, nos endeusarem, mas a nossa consciência nos condenar, é com ela que iremos, porque o mundo amanhã terá mudado de opinião ou não se lembrará mais de nós.

Por que sofremos, então, pelos juízos desfavoráveis dos homens e tentamos por todos os meios conquistar aprovação para os nossos atos?

É porque nos faltam devotamente e abnegação pela nossa causa. Quando tivermos verdadeiro devotamento à ideia que abraçamos, só os seus triunfos nos interessarão; faremos inteira abstração das nossas pessoinhas para tudo darmos à causa. Espontaneamente praticaremos a abnegação, porque o nosso interesse será somente o ideal em marcha. Não perceberemos, sequer, que nos estamos sacrificando pela ideia, porque só encontraremos prazer em tudo que por ela possamos fazer. Em vez de vermos sacrifícios, veremos e sentiremos somente alegria sã, entusiasmo sempre renovado, porque não teremos interesses individuais a defender, em oposição à causa que sustentamos.

A abnegação nos colocará acima das ofensas, dos sofrimentos, das reprovações, venham de onde vierem. Nosso egoísmo terá desaparecido em sua forma estreita e pessoal, para fundir-se nos anseios da humanidade inteira, nesse anseio de felicidade que a raça humana sente, mas não sabe formular; no anseio de progresso, de liberdade, de paz, de harmonia, de fraternidade.

Pela abnegação completa e absoluta, conquistamos a liberdade, pomo-nos acima do sofrimento, porque quebramos os grilhões que nos acorrentavam ao orgulho. Ficamos livres para trabalhar eficientemente, perseverantemente, sem desfalecimentos, com alegrias sempre renascentes, com fé cada dia mais forte, porque teremos vencido o medo, fantasma que nos roubava o sono e nos perseguia na vigília. O medo de sermos incompreendidos, o medo de sermos reprovados, o medo de sermos condenados à pobreza, ao desprezo, à desonra, ao esquecimento, à enfermidade, à morte. Todo esse medo é produto doentio do egoísmo, da sede de aprovação, do desejo de receber uma recompensa, de ver coroados os nossos esforços pelas compensações morais ou, até, materiais.

Só temos um inimigo a vencer, para conquistarmos a felicidade eterna: é o egoísmo. Pela abnegação abateremos esse único inimigo real e estaremos livres para nos devotarmos de corpo e alma às grandes causas que vão surgindo à nossa frente, que nos irão sendo confiadas â medida que nos demonstrarmos dignos delas. Neste momento da evolução do nosso planeta, a mais bela de todas as causas é esclarecer o homem sobre a sua própria natureza, revelar-lhe que ele é muito mais do que supunha ser, porque já tomou parte em múltiplas e grandiosas realizações da história, fez grandes coisas para o bem e para o mal, já viveu mil vidas em todas as formas de civilização e de barbaria e tem diante de si a eternidade para realizar seus ideais, para aprender, adquirir energia, conquistar virtudes, aproximar-se de Deus. Dizer-lhe que ele pode ter sido tudo o que haja de pior, mas que é uma criatura de Deus e que para Deus tem de voltar; que se transviou, praticou muito mal e ainda hoje despreza as melhores coisas em troca das mais passageiras ilusões; que foi Tartufo, mercenário, traficante das coisas santas que de graça recebera de Deus; que encarcerou o justo, sacrificou o inocente, torceu a verdade, conspurcou lares, assaltou viandantes, moveu a guerra, traiu à pátria, blasfemou de seu Deus; mas, que, apesar de tudo, terá tempo para reconquistar a felicidade, para voltar ao seio de Deus, cuja misericórdia é inesgotável; que nenhuma situação, por pior que seja, é irremediável dentro da eternidade.

Revelar todas essas coisas ao terrícola sofredor; provar-lhe que ele e seu mundo caminham para a felicidade inevitável, em virtude de uma lei divina, é um dos grandes, talvez o maior ideal neste momento. Dar ao homem essa segurança em seu próprio futuro; mostrar-lhe que já venceu a parte mais penosa de sua evolução e que o futuro será cada vez melhor e mais brilhante, é tarefa que merece todo o nosso devotamento a, se a executarmos com verdadeira abnegação, será uma fonte de sublime paz, de felicidade pura.

Desse grande ideal que tem o nome de Espiritismo, decorrem muitos outros, dignos de nosso devotamento. São setores de trabalho, seções do todo, e abrangem toda a sociedade humana, todos os interesses sociais. Uma dessas seções, que enche de encantador trabalho muitas vidas inteiras, é a solução do problema de compreensão planetária, a adoção de uma língua comum a todos, mediante a qual todos os filhos de Deus se entendam e discutam seus problemas pacificamente, harmoniosamente. Esse setor de trabalho tomou hoje o nome de Esperantismo e tem feito a felicidade de muitas pessoas que consciente ou inconscientemente aceitaram a divisa devotamento e abnegação, ensinada pelo Espírito de Verdade, cuja volta ao planeta se realiza em nosso tempo.

Jesus disse que veio para servir e não para ser servido; que o maior será aquele que se torne o servidor dos outros, esquecendo-se de si mesmo. Agora o Espírito de Verdade nos repete que a sabedoria humana reside nessas duas palavras: DEVOTAMENTO e ABNEGAÇÃO. É precisamente o mesmo ensino em nova forma: vencer o egoísmo isolante e harmonizar-se com a obra de Deus. A harmonia exige a vitória contra o egoísmo. A harmonia universal é a lei divina; logo, a abnegação é o caminho para a felicidade real e Inalterável.


Lá havemos de chegar, mesmo que muita dor nos custe!

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