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domingo, 24 de setembro de 2017

Fanatismo e confusão


Fanatismo e confusão
Antônio Wantuil de Freitas
Reformador (FEB) Março 1948

Quando o Buda apareceu no Oriente como enviado do Espírito que presidira à  formação da Terra e a governava, como governa ainda, sua doutrina, pela sublimidade dos ensinos que continha estava muito acima da compreensão dos homens daquela época. Daí o considerarem-no seus adeptos como um Deus.

Mais tarde, o próprio Governador do planeta, julgando oportuno o momento para nova sementeira espiritual, veio pessoalmente recordar às ovelhas que o Pai lhe confiara os ensinos anteriores, que já se achavam esquecidos e até deturpados. Pregando, porém, a homens que só podiam receber o que a mentalidade de então permitia, a homens habituados aos ensinamentos iniciais de Moisés, ainda assim, modificados, alterados e interpretados de acordo com os interesses dos grupos religiosos e políticos, Jesus, o Verbo de Deus, foi recebido e tratado como o mais perigoso charlatão. Todavia, com o correr dos anos, a massa popular, intelectualmente menos atrasada, passou a admiti-lo, conforme o haviam feito os adeptos do Buda, não como o Messias anunciado e prometido, mas como o próprio Deus, como um desdobramento deste, formando com Ele a politeica trindade comum a todas as religiões antecedentes à era cristã.

Não compreendendo o Cristo qual Ele era, Espírito luminosíssimo, mui distanciado da pobreza intelectual e moral dos homens da Terra, não conseguindo explicar satisfatoriamente os "milagres" por Ele praticados no meio do povo que o rodeava, os religiosos se viram obrigados, para elucidarem os textos evangélicos, a imitar os budistas: deificaram o meigo Nazareno, confundindo a criatura com o Criador.

Não se pode, em sã consciência, recriminar os sacerdotes por esse ato, embora um tanto desrespeitoso da Divindade. A mentalidade da época era muito pequena e as palavras do Cristo, visando os séculos futuros, não podiam ser assimiladas, senão parcialmente. Por isso mesmo prever, foi que Jesus declarou ser necessária a sua saída da Terra, a fim de que outro Consolador viesse e conosco ficasse, não só para nos relembrar os seus ensinamentos, mas também para nos transmitir novos conhecimentos, quando chegasse a época de os podermos receber. E, cumprindo a sua promessa, o que aliás não podia deixar de acontecer, enviou-nos esse conjunto harmonioso de Espíritos de alta hierarquia, que trouxeram a Allan Kardec, por via de numerosos médiuns, os novos ensinos prometidos, a Lei pela qual nos deveremos guiar.

Médico de vasta cultura (1), pedagogo eminente, que mereceu a confiança do maior e mais celebre educador da Europa, Pestalozzi, Allan Kardec pôs ao serviço dessa nova Revelação, que o deslumbrou quando lhe apreendeu o alcance depois de havê-la posto em dúvida, todo o seu talento e ilustração, codificando aqueles ensinamentos e reunindo-os nas três obras que intitulou – Livro dos Espíritos, Livro dos Médiuns e Evangelho segundo o Espiritismo.

(1) Do blog: Esta informação não se confirmou após extensas pesquisas. Kardec não se graduou médico.

Quem quer que leia esses três monumentais volumes concordará em que o que eles encerram está, numa larga medida, acima, muito acima dos conhecimentos filosóficos e religiosos da época em que foram escritos e que os três são, realmente, o começo de uma revelação nova, que continuaremos a receber gradativamente, de acordo com o progresso moral e intelectual que formos armazenando, mesmo porque, para isso, o Consolador ficará conosco perenemente, conforme o disse Jesus.

Allan Kardec não foi, pois, o instrumento dessa revelação, nem tampouco os médiuns de que ele se utilizou podem ser considerados os únicos transmissores do que constitui a obra que nos traz a felicidade de que gozamos todos os espíritas. Ele foi, como os seus médiuns, escolhido para a missão que lhe perpetuou a memória, exatamente como escolhidos foram os quatro evangelistas que nos transmitiram os ensinos partidos diretamente do Cristo de Deus.

Chamemo-lo, portanto, apóstolo do Espiritismo. Prestemos-lhe a nossa homenagem sincera, reconhecidos aos benefícios que temos auferido da leitura e meditação das obras que, arcando com todo o peso da responsabilidade de elaborá-las, ele nos legou; mas, não confundamos essas obras que, por procederem do Consolador, formam um conjunto harmônico de ensinos que se não contradizem, que, ao contrário, se sucedem, lógica e gradualmente seriados, desafiando qualquer crítica séria e leal, com as outras obras do mesmo Kardec, obras pessoais, excelentes sob todos os aspectos, porém, discutíveis, como ele próprio o reconheceu, declarando que, ao apresentar muitas das questões ventiladas nelas, fê-lo como simples hipóteses. Evidenciou assim, com a sinceridade que ninguém lhe pode negar, tratar-se de obras suas, pessoal e exclusivamente suas.

O Cristo, prevendo que os homens o divinizariam, não se esqueceu de invalidar desde logo, por meio de sentenças de meridiana clareza, a sua futura divinização. Kardec, na previsão de que o transformariam em novo messias, confundindo o que era seu, fruto de suas elucubrações, com aquilo que lhe viera do Alto, cuidou de evitar desde logo essa transformação, não só assinalando o papel que lhe coubera na obra da Terceira Revelação, como tornando claro que, enquanto os seus três primeiros livros, porque de procedência divina, somente afirmações contém, o conteúdo dos outros é feito de hipóteses que ele deixava para serem explanadas no futuro, de conformidade com os progressos anunciados pela mesma revelação que lhe tocara codificar.

Assim como os ensinos do Cristo, depois de terminada a sua missão, não foram transmitidos à humanidade por um só evangelista, também os do seu enviado, o Consolador não deveriam ter um só homem por encarregado da sua difusão. Daí vem que, após haver Allan Kardec elaborado a parte fundamental da obra do Consolador, a outro teve de ser dada a incumbência de a continuar, ampliando-a. Esse outro foi J. B. Roustaing. Dissemos - continuar, porque, segundo o próprio Kardec o reconheceu, a revelação dada a Roustaing não apresenta qualquer ponto em contradição com os livros básicos do Espiritismo, por ele publicados, sendo, pois, um desenvolvimento do que nestes se encontra. Guardando reserva apenas quanto a alguns pontos da obra de Roustaing, que ele não se considerava apto a aprovar ou reprovar, não hesitou em declarar que essa obra era "considerável e encerrava outras coisas incontestavelmente boas e verdadeiras" e que seria consultada com proveito pelos espíritas conscienciosos.

Devemos levar em conta que Kardec não só emitiu uma opinião pessoal, como ainda apelou para o futuro, dizendo que só este poderia julgar convenientemente a obra ditada a Roustaing. Ora, o Mestre dispunha de excelentes médiuns, daqueles que serviram de instrumentos para a transmissão das obras fundamentais da doutrina; poderia, conseguintemeute, valer-se desses médiuns para colher a opinião dos Espíritos que o assistiam sobre a obra em questão, do que resultaria ficar sabendo e poder proclamar quais os pontos dessa obra com que os mesmos Espíritos não concordavam. Preferiu, entretanto, prescindir da autoridade destes últimos e falar por conta própria, como o fizera anteriormente, quando duvidara de que as pernas de uma mesa pudessem responder às perguntas que se lhe faziam.

Devemos ainda notar que a doutrina enfeixada nos três primeiros livros que Allan Kardec publicou é aceita, in-totum, pelos espíritas brasileiros, o que não se dá com os espíritas de outros países, os quais não são unanimes em aceitá-la, como também não a aceitam as várias outras correntes espirituaIistas existentes. É natural, portanto, naturalíssimo mesmo, que a obra evangélica de Roustaing, por conter ideias, ensinos e revelações que só pelas gerações vindouras, mais avançadas em progresso intelectual, poderão ser perfeitamente assimiladas, não seja bem acolhida por grande parte dos espíritas da geração atual, visto que muitos, por não terem apreendido o espírito da obra do Consolador e o seu caráter de progressividade, supõem que a Revelação espírita parou completa no que fez e nos legou o seu grande e venerável codificador.

Por isso mesmo, não nos parece inverossímil que ainda venham a formar-se, entre os espíritas, aqui, correntes que, alargando algumas das aberrações que já surgiram, levantem altares onde se entronize a imagem de Kardec, a quem, no entanto, exclusivamente devêramos prestar homenagens de cunho espiritual, consubstanciadas, sobretudo, na prática escrupulosa dos ensinos que ele recebeu dos Espíritos do Senhor, únicas que lhe podem ser agradáveis. Farão assim o que fizeram outros com os apóstolos do Cristo e com o próprio Cristo.

Cumpre assinalar também, e isto é muito significativo, que todos quantos reverenciam a Kardec lhe reconhecem a grandeza da obra e a estudam com amor, e, ao mesmo tempo, agasalham, meditam e propagam a Revelação da Revelação, de Roustaíng, jamais pretenderam obrigar quem quer que seja a crer nisto ou naquilo, a adotar essa revelação, nem jamais repeliram os que ainda se lhe conservam contrários. Entretanto, sem que se possa justificar, ou explicar, em face da doutrina do Espiritismo, semelhante atitude, lamentabilíssima por anti-cristã, estes últimos se levantam coléricos contra os primeiros, entendendo-os passíveis de todas as condenações. Contraste eloquente: enquanto que até a palavra ódio lhes escapa dos lábios, quando se referem aos outros, denotando um estado d’alma oposto ao em que deve permanecer sempre o discípulo do Evangelho, a mansuetude ressalta de tudo o que dizem os anatematizados, exprimindo os seus propósitos de obedecerem, até onde lhes seja possível, às lições de paciência, de resignação e de amor, dadas e exemplificadas pelo Mestre divino.

Estamos certo de que não conseguiremos, com estas despretenciosas observações, despertar, sequer, nesses nossos irmãos, o desejo de uma leitura rápida da obra que combatem. Obstam a isso o espírito de seita e o fanatismo de que se deixaram dominar e em cuja prática pensam estar a única maneira de glorificarem o eminentíssimo Codificador da Doutrina Espírita. Este se absteve de julgar a obra do seu irmão, obreiro também da divina Seara da Verdade. Antes, considerou-a digna de ser consultada pelos espíritas conscienciosos. Como se poderá compreender haja espíritas que, intitulando-se defensores da sua obra; que ninguém ataca, e seus discípulos fiéis, vão ao extremo de querer acender fogueiras, semelhantes à em que o bispo espanhol mandou lançar, em Barcelona, as obras fundamentais do Espiritismo, para a incineração de todos os volumes que existam da obra de Roustaing?

Por satisfeito nos teremos, se lograrmos induzir algum irmão nosso, que ainda não a conheça, a apreciá-la à luz da sua própria razão, lendo-a página por página. Não hesitamos em acreditar que a esse, caso seja um espirita consciencioso, ocorrerá a ideia de que bem estaria, sobre as fogueiras que se acendessem para a queima da obra de Roustaing, uma placa com estas palavras, que compõem conhecido lema: -“Trabalho, solidariedade, tolerância”.

Antônio Wantuil de Freitas (presidente da FEB por aprox. 27 anos)


Infalível é a sua razão?
Allan Kardec
Em “O Livro dos Espíritos” – Introdução - pág. XXV

0 homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro. Mesmo aqueles cujas ideias são as mais falsas se apoiam na sua própria razão e é por isso que rejeitam tudo o que lhes parece impossível. O que se chama razão não é muitas vezes senão orgulho disfarçado e quem quer que se considere infalível apresenta-se como igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, aos ponderados, que duvidam do que não viram, mas que, julgando do futuro pelo passado, não creem que o homem haja chegado ao apogeu nem que a natureza lhe tenha facultado ler a última página do seu livro.  

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Um comentário:

  1. É gratificante compartilhar c meu companheiro de caminhada as etapas deste blog, q esclarece e enriquece nossas vidas...

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