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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Espiritismo - Parte 4


Espiritismo – Parte 4
por José Amigó y Pellicer

Reformador (FEB)  Maio 1954
(Traduzido do livro ‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo autor)

            Dentro do Espiritismo, a religião consiste na moral e somente na moral; porque a moral é o cumprimento do dever e somente por esse meio o homem pode aproximar-se da sua felicidade e de Deus.        

            Por isso a religião se há de estribar nessas três grandes afirmações, nesses três grandes princípios fundamentais: Deus, a alma imortal e livre, prêmios e castigos espirituais na justa proporção dos merecimentos; porque, sem a aceitação dessas verdades fundamentais, à moral falta a base, e a vida humana, mesmo dos seus mais nobres exercícios, cai toda sob a jurisdição da mecânica.

            Convém distinguir entre o Espiritismo prático e o teórico, religião e filosofia. O primeiro é a moral em ação, o segundo investiga os fundamentos da moral. O Espiritismo teórico estuda as leis do progresso do Espírito, o prático realiza esse progresso. Pelo teórico entramos no conhecimento de que uma inteligência infinita governa tudo, de que somos eternamente perfectíveis e, portanto, imortais, de que o nosso porvir será o fruto de nossas obras presentes; e pelo prático adoramos a Deus e amamos os nossos semelhantes, lavrando assim a felicidade em nosso espírito,

            Não há dúvida de que a prática se avantaja muito sobre a teoria, debaixo do ponto de vista do progresso individual: mas a teoria é quem principalmente há de destruir os antigos erros e derramar pela convicção as crenças que hão de levantar o novo templo.

            O Espiritismo, como religião, está explicado e sancionado nas seguintes palavras de Jesus: "Crede-me, que vai chegar a hora em que não mais adorareis o Pai nesta montanha ou em Jerusalém. Será a hora em, que os verdadeiros admiradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (João, IV, 21 e 23)

            Nos primeiros séculos das civilizações, os povos têm necessidade de materializar a adoração, a fim de que penetrem pelos olhos do corpo as primeiras noções da Divindade, quando os da alma estão cerrados a tudo o que não seja concupiscência e egoísmo. Um altar de pedras amontoadas no cume do monte e mais adiante um templo artisticamente fabricado na cidade, poderão ser considerados como alma e templo dignos da majestosa Sabedoria na qual, segundo a expressão de São Paulo, somos, nos movemos e vivemos?

            De nenhum modo; o altar simboliza o sacrifício, e o único sacrifício grato aos olhos divinos é o de nossos protervos apetites; o templo simboliza a elevação do sentimento, o incenso de nossa gratidão, e o Ser supremo tem direito a que as criaturas cantem sua glória de todos os pontos da Terra e de todos os mundos do espaço.

            Para essa adoração em espírito e em verdade o altar não pode ser outro senão o coração do homem; nem há outro templo digno de tanta grandeza senão o Universo em toda a sua inefável imensidade. Isso exprimiu Jesus, e isso é o Espiritismo em seu aspecto religioso, Sim, é isto o Espiritismo, apesar de tudo o que diz em contrário a escola clerical, que vive à custa dos altares de pedra. A eles ela se aferra como o avaro ao seu tesouro, como náufrago à única tábua que vê flutuar sobre as águas. Mas o mundo marcha disse Pelletan em gráfica expressão, e os ultramontanos não poderão deter a marcha do mundo. Seu conceito religioso, cada dia mais estreito e egoísta, amesquinha o altar e o templo e amesquinha a Deus. Sua adoração é uma mal dissimulada idolatria; seu fim, o domínio universal. Impotentes para a discussão, fazem consistir o bom êxito de seus manejos na opressão das consciências, Empunham o fuzil do faccioso ou o bordão do romeiro, segundo convém aos seus planos a violência ou a hipocrisia. Ah! os ultramontanos não constituem uma escola nem tão pouco uma igreja; eles formam antes uma internacional perturbadora, uma falange belicosa, inimiga da ordem pública, contrária ao direito, à justiça, à liberdade e à cultura dos povos.

            O conceito religioso do Espiritismo é a adoração em espírito e em verdade, qual a entendia e pregava Jesus, nosso mestre.

            Precisamos demonstrâ-Io?t Pois nós o fazemos consignando que o Espiritismo é o sermão da montanha e o amor a Deus e ao próximo, resumo de todas as prédicas de Jesus. Reptamos os detratores do Espiritismo para nele indicarem um só ponto que contrarie a doutrina da redenção tão sabiamente exposta nas Bem-aventuranças e no capítulo XXII de São Mateus. E como são os ultramontanos os nossos mais apaixonados adversários, vejamos se é a nossa ou a sua moral a que se afasta do Evangelho, para o que vamos colocar uma em frente da outra, tomando para termo de comparação a moral do Cristianismo.

            Os ultramontanos de hoje são os fariseus da época de Augusto. Alardeiam ser os mais escrupulosos cumpridores da lei e não cessam de cantar seus próprios merecimentos e virtudes.

            Tem dois céus, um na Terra para eles e o outro, não sabemos onde, para os outros. Seu reino é deste mundo, riquezas, comodidades, deleites, consideração e fausto; o espiritual eles o reservam para as ovelhas obedientes, para os cândidos que os reconhecem como guias infalíveis das almas. Sua moral lhes permite preparar, acender e alimentar fogueiras, onde ardam em antecipado inferno vítimas humanas, guerras desoladoras que mergulham os povos no desespero e na miséria. Têm maldições e anátemas para quem pregue a fraternidade universal, e sentimentos de tolerância e perdão para os incendiários e assassinos, quando o assassínio se chama fuzilamentos de liberais e o incêndio recai sobre povos que não abriram suas portas às ferozes hordas ultramontanas. Leiam seus órgãos na imprensa, e verão que não tiveram uma palavra, uma só palavra de censura contra os perpetradores dos crimes consumados em Igusquiza, em Igualada, em Cuenca, em Olot, e ensurdecem o Céu e a Terra, com os seus clamores, quando alguém se atreve a duvidar da legitimidade do dízimo ou a dificultar alguma de suas romarias onde a piedade aparente serve de máscara a nefandos propósitos, a planos liberticidas e criminosos.

            A eles convêm perfeitamente as palavras de Jesus: “Este povo me honra com os lábios; mas o seu coração está longe de mim” e em vão me honra ensinando doutrinas e mandamentos dos homens”, (Mateus XV, 8 e 9.)

            Nisto se distinguem os ultramontanos e se avantajam a todos os cultos nascidos da árvore do Cristianismo; é que eles multiplicaram os mandamentos até desnaturar completamente a árvore do Evangelho.

            O Evangelho está edificado sobre o amor, sobre a humildade e sobre o perdão; e a moral ultramontana sobre o temor, o egoísmo, o orgulho e o anátema; o primeiro estabelece como lei de perfeição a prática da caridade; o ultramontanismo antepõe-lhe as cerimônias exotéricas.

            Jesus disse: “Embainha a tua espada; porque os que com a espada ferem, por ela morrerão.” (Mateus XXVI, 52), os ultramontanos, ao contrário, asseveram que só é licito, mas obrigatório, desembainhar a espada a favor ou contra os príncipes do mundo, segundo convenha à seita. “O que quiser ser o primeiro., faça-se servo dos outros” (Marcos, X, 44); os ultramontanos, porém, desprezando esse ensino, estabeleceram primeiro, segundos e terceiros. "Dai de graça o que de graça recebestes. Não possuais ouro nem prata nem dinheiro em vossos alforjes" (Mateus X, 8 e 9); a isso respondem os nossos fariseus pondo à venda todos os serviços espirituais e enriquecendo às vistas das gentes. Amaldiçoam a quem quer que ouse revelar ao povo sua avareza e seus abusos puníveis, lançando ao esquecimento as máximas evangélicas com que Jesus lhes prescreveu perdoar às ofensas até setenta vezes sete vezes (Mateus. XVIII, 21 e 22). 

            E são esses os que se escandalizam do Espiritismo, como os escribas e fariseus se escandalizavam das verdades que Jesus derramava. Do Mestre disseram que era um impostor e que obrava em virtude de Belzebú, príncipe dos demônios (Mateus XII, 24); não é, pois, de espantar que digam outro tanto dos apóstolos da Boa-Nova os fariseus e escribas de nossos tempos. Reproduzem-se os mesmos efeitos, porque as causas são as mesmas.

            O Espiritismo, como Jesus, condena as exterioridades (Mateus VI, 1 e seguintes) e aplaude a adoração em espírito e em verdade; recomenda, como Jesus, a oração à porta cerrada e, em seguida, como muito superior à oração pública nas sinagogas (Mateus VI, 6 e seguintes); faz depender, como Jesus, toda a lei e os profetas do amor a Deus e ao próximo (Mateus  XXII, 37, 39 e 40), e promete, como Jesus, a salvação e a felicidade, não aos cumpridores das fórmulas, mas aos que praticarem obras de misericórdia. Porque deste de comer ao faminto e de beber ao sedento, hospedastes aos peregrinos, vestiste aos nus e visitastes o enfermo e encarcerado, vinde benditos de meu pai possuí o reino que vos está  preparado desde a criação do mundo (Mateus. XXV,  31 e seguintes). Este, e não outro, é o conceito religioso-moral do Espiritismo, conforme em tudo com a moral evangélica, apesar do quanto em contrário propalam os que fingem não conhecê-lo para terem ocasião de caluniá-lo.


            Mas, será só isso o Espiritismo? Certamente não, como o Catolicismo não é somente o dogma.  O Espiritismo é religião e é filosofia, e no presente parágrafo só o estudamos em seu aspecto religioso, a fim de fazer ressaltar a injustiça com que o tratam os doutores do Catolicismo oficial. Quem já os não ouviu qualificar de monstruosa, de obra infernal, a moral espírita? Que consciência timorata não se sentiu ainda dominada de formidável pavor ao ouvir que, do fundo das iniquidades do século, acabava de surgir uma seita estreitamente ligada, por meio de tenebrosos pactos, com o próprio diabo para acabar com a Igreja? Que fanático já não viu em sonhos o aspecto do Espiritismo como um fantasma descarnado, rodeado de serpentes, vomitando fogo, fendendo os ares nas costas de um dragão descomunal ou de um medonho morcego? Pois bem, é preciso que os mais timoratos se persuadam de que o aspecto religioso do Espiritismo nada tem de iníquo e horripilante, de que a sua moral e a do Evangelho, e de que ele não vem destruir a religião, mas combater o tráfico religioso. 

Espiritismo - Parte 3


Espiritismo – Parte 3
por José Amigó y Pellicer

Reformador (FEB)  Abril 1954
(Traduzido do livro ‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo autor)


             Cremos haver demonstrado que os princípios fundamentais da Doutrina Espírita vêm ao público baseados em ideias sancionadas pela observação, pela autoridade humana, pelo testemunho religioso e pela crítica cientifica, constituindo um corpo de filosofia digno de profundo estudo. Acrescentaremos agora que o Espiritismo, além de filosofia, é também religião, e poderíamos dizer ainda: a única religião natural e racional. Só ela explica satisfatoriamente sem violentar o bom senso nem chocar o sentimento, os destinos da criatura e suas relações com o supremo Autor do universo.

            Não se creia, porém, quando afirmamos que o Espiritismo é religião, que entendemos como tal o culto externo, esse conjunto de cerimônias e fórmulas aparentes com que as religiões chamadas positivas procuram sustentar a fé, excitando a imaginação de seus adeptos.

            Ao nosso modo de ver as cerimônias exteriores do culto, organizadas ou regulamentadas pelas respectivas igrejas, não são, não podem ser indispensáveis para o progresso espiritual, nem por consequência formar parte integrante da verdadeira religião.

            Claramente São Paulo o dá a entender em sua segunda epístola aos Romanos, quando diz que não é judeu aquele que o é manifestamente, nem circuncisão a que se faz na carne, e que só é judeu e circunciso o que o é no interior; doutrina clara, justa, racional, que explica com toda a perfeição a necessidade do sentimento religioso e a superfluidade das fórmulas.

            É  preciso não esquecer que a religião é de origem divina e os cultos, instituições humanas; eterna e imutável a primeira, mutáveis e perecíveis os últimos. Podem as exterioridades satisfazer aos homens em suas relações sociais, porque sua vista não pode sondar o coração alheio; mas a Deus, que penetra no íntimo de nosso ser, só pode satisfazer a adoração espiritual.

            Entendemos por religião o culto íntimo da alma, o sentimento de adoração que sobe da criatura ao Criador, a observância das leis que presidem ao nascimento espiritual, à inefável economia moral do Universo. Nessa religião o templo é o espaço sem limites, o altar o coração da criatura, o sacerdote o homem, e a igreja é formada por todas as famílias humanas derramadas na imensidade dos céus. E neste sentido o Espiritismo é religião; porque ensina que Deus é o centro de todas as perfeições e felicidades, pelo cumprimento do dever. Crê em Deus, na liberdade humana, na supremacia do Espírito e na responsabilidade individual efetiva pelos sentimentos e obras voluntárias. Para o Espiritismo, religião e moral são a mesma coisa, porque só o cumprimento do dever pode aproximar-nos de Deus e da felicidade, e a moral é a ciência do dever.

            Qual será o homem verdadeiramente religioso? - Aquele que pratica a justiça, levanta no fundo de sua alma um altar ao Pai do universo e, tendo em conta a comunidade de origem das criaturas racionais, considera todos os homens como irmãos e o justifica em suas obras.

            Daí se deduz que o Espiritismo é a religião cristã em sua pureza original, sem fórmulas exteriores e sem mercantilismo, tendo por único código a moral do Evangelho.

            Jesus Cristo não fez indispensável culto algum para a salvação das almas, mas fê-la depender do amor ao Criador e à criatura.

            Porque, pois, fazem tão crua guerra ao Espiritismo sob o ponto de vista. religioso e procuram sublevar contra ele a consciência dos povos? Não costumam apresentá-lo como um conjunto de máximas absurdas e imorais de práticas diabólicas? Não fulminam contra seus adeptos os mais terríveis anátemas? Certamente isso sucede, e as coisas ainda iriam mais longe, se a Igreja não tivesse, segundo a expressão de um escritor católico apostólico romano, as mãos encadeadas (1).

            (1) ‘A Fé Católica e o Espiritismo’ pelo Dr. Niceto Alonso Perujo

            Porque foi Jesus caluniado, escarnecido e crucificado?

            Porque os sacerdotes sublevaram as turbas contra ele? Porque o ódio sacerdotal chegou até o extremo de preferir a morte do filho de Maria à morte de Barrabás? A religião naqueles tempos não era mais que comércio e hipocrisia; e Jesus veio desmascarar os hipócritas e expelir do templo os vendilhões. A religião era a oração na sinagoga e na praça pública, e Jesus veio condenar essas exterioridades, recomendando a oração que se eleva a Deus, no segredo do mais recôndito lar. A religião era o templo de pedra, e Jesus veio substituí-lo pelo templo do sentimento.

            Em resumo, a religião falava aos sentidos pela pompa das cerimônias, e Jesus as punha de parte, só ligando Importância à bondade e às obras do espírito.

            Vejamos agora o que faz o Espiritismo, e talvez não nos seja difícil conjecturar os motivos da guerra encarniçada que lhe declararem os descendentes daqueles fariseus que crucificaram o Cristo.

            Em primeiro lugar ele proclama a ilegitimidade do sacerdócio que não se funde na prática das virtudes e na prédica da verdade; isso só é suficiente para que se aprestem para a luta as hostes ultramontanas.
           
            Ele recusa aos homens o direito de condenar, fazendo depender a redenção da bondade das obras: não acredita na eficácia da oração paga, nem que o dinheiro possa influir de modo algum na sorte das almas.

            A única infalibilidade que ele conhece é a de Deus, e só a Deus presta homenagem de adoração, repelindo, portanto, o culto dos semi-deuses, tão em uso em todas as religiões positivas, sem excetuar a Católica romana. Considera dentro do Cristianismo e herdeiros das promessas de Jesus todos os que adoram a Deus e praticam a caridade, seja qual for a sua filiação religiosa ou mesmo que não pertençam a alguma igreja conhecida, E, por último, combate sem trégua nem descanso a seita ultramontana, a maior e mais nociva praga da época, que fez do Cristianismo o transunto de suas misérias, do culto um esplêndido mercado e do sacerdócio um emprego lucrativo e um elemento de resistência contrário ao progresso e a emancipação dos povos.

            O Espiritismo é a prédica do Evangelho de Jesus; por isso os escribas e fariseus do século concitam contra ele as turbas e clamam aos ouvidos de César: Crucifigatur... crucifigatur!


terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A tela do panteão de Paris


A tela do Panteão de Paris       
Kleber Halfeld
Reformador (FEB) Maio 1989

            Um conceito levantado em 1864 por Mesmer (Espírito) teria estreito relacionamento com a observação feita por André Luiz no século atual, diante de uma tela “idealizada e executada por nobre artista cristão, numa cidade espiritual muito ligada à França".

            Pode Mesmer (1) ser considerado como uma figura de destaque da Ciência no século XVIII. Disto é prova o mesmerismo, doutrina médico-filosófica por ele criada, de grande repercussão não apenas na Europa, quanto em outros continentes. (2)

            (1) Mesmer (Franz Anton) nasceu em Weil (Áustria) em 23-5-1733. Desencarnou em  Meesburg (Suíça) em 5-3-1815. Seu trabalho "De Planetarium Influxus" foi motivo de muita polêmica no meio científico da época.

            (2) Tão conhecido ficou o mesmerismo que com o tempo passou o termo a ser usado por vários escritores de projeção. Camilo Castelo Branco em sua obra "Onde está a felicidade?", Capítulo 14, página 12, tem uma expressão curiosa:
            - Tu estás sendo para mim um homem de cristal: vejo-te, sem a vista dupla do mesmerismo, as menores operações do espírito.

            Como todo inovador, enfrentou Mesmer um meio hostil, bastando lembrar que em sua época fenômenos hoje catalogados como psicológicos pela Medicina, mas que os classificaríamos - muitos deles - como mediúnicos, não eram ainda reconhecidos como suscetíveis de estudo científico.

            Em síntese, o mesmerismo estabelecia a existência de um fluido específico, o célebre magnetismo animal. Em decorrência desse fluido, influências recíprocas seriam exercidas entre os corpos celestes, a Terra e os corpos animados, inclusive o ser humano.

            Explicava Mesmer que esse fluido teria extraordinárias propriedades: seria comparável ao magnetismo dos ímãs e estaria universalmente difundido. Era contínuo, sutil e naturalmente suscetível de receber, propagar e comunicar todas as impressões do movimento e capaz ainda de vivificar os tecidos doentes, tendo, portanto, ação largamente curativa.

            De início, objetivando ajudar aqueles que o procuravam, usava Mesmer imãs e varas metálicas magnetizadas. Dez anos depois, tendo-se relacionado na Suíça com o padre J. J. Gassner, verificou que este conseguia curar os doentes apenas pelo contato das mãos. Esta observação levou Mesmer a abandonar seu método, imaginando que a força oculta que residia nele próprio permitir-lhe-ia curar também os enfermos. Ao final de certo tempo certificou-se de que as curas poderiam ser obtidas até mesmo pelo simples olhar!

            Decidiu-se, primeiramente, pela abertura de um consultório em Viena, Áustria, desejoso de melhor provar sua tese. Mas as sessões que realizava com os clientes não duraram muito tempo: descoberto seu trabalho, a polícia deu-lhe um prazo de 48 horas para deixar a Capital austríaca. Contrafeito, dirigiu-se para Spa e finalmente para Paris, onde em pouco tempo ficariam famosas suas curas.

            Durante toda sua existência foi Mesmer considerado um charlatão.

            Pela Justiça e pela Medicina vigentes.

            Tal acusação, entretanto, não impediu que dezenas de doentes o procurassem diariamente buscando alívio para seus males. Em vista desse inusitado interesse,
nomeou o governo francês uma comissão de médicos e membros da Academia de Ciências para investigar os fenômenos que se desenrolavam nas sessões realizadas por Mesmer. Dois membros dessa comissão, Franklin e Baillie, elaboraram um longo e minucioso relatório. Admitiam, em verdade, a existência de muitos fatos, mas contestavam a teoria do médico austríaco relativa à existência da força denominada magnetismo animal. Atribuíam os efeitos tão-somente às causas fisiológicas.
           
            Desencarnou Mesmer, assim, carregando o título de impostor, a ele atribuído impiedosamente pelos companheiros de profissão.

            Afirmam alguns biógrafos que a utilização do magnetismo animal no tratamento dos doentes foi o ponto de partida para um escândalo que sacudiria toda a Europa.

            Esta alegação tem um sentido relativo, porquanto o que havia mesmo era uma premeditada reação por parte de quantos se opunham sistematicamente a toda e
qualquer inovação no campo da terapêutica.

*

            O mérito de Mesmer repousa no fato de que não foi ele apenas o médico preocupado no alívio do próximo; era, também, o pesquisador que, tendo descoberto horizontes outros além daqueles que a matéria poderia descortinar-lhe, não se deteve diante do ortodoxismo levantado por seus adversários.

            Seu trabalho teve duplo direcionamento.

            Para a Medicina, serviram as pesquisas de base para estudos que seriam realizados pelo abade Faria, por d'Eslon, Bertrand, Husson, Azam e outros. A continuidade das pesquisas levaria a Humanidade até o neuro-hipnotismo terapêutico de Braid, o freno-magnetismo de Grimes, a força ódica de Reichenbach.

            Sem mencionar aqui o trabalho de Charcot, quando uma conotação científica seria atribuída ao hipnotismo.

            É que continha o mesmerismo os germens do moderno tratamento por meios ditos psicológicos: sugestão, hipnotismo.

            Para o próprio Mesmer, o esforço proporcionou-lhe melhor identidade com o mundo espiritual, identidade essa tanto mais solidificada quando penetrou ele no mundo que tanto pesquisara quando encarnado.

            Tamanho foi seu aprendizado no Além, tão dignas de reflexões as teses que elaborou, que não teve Kardec receio de publicá-las na Revista que dirigia.

            Uma dessas mensagens - "Sobre as Criações Fluídicas" - foi dada ao conhecimento dos leitores da "Revista Espírita", em seu número de maio de 1865.

            A matéria fora recebida mediunicamente pelo Sr. Delanne, na reunião realizada em 14 de outubro do ano anterior, na sede da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.

            A certa altura explicava Mesmer:

            "(...) O mundo dos invisíveis é como o vosso. Em vez de ser material e grosseiro, é fluídico , etéreo, da natureza do perispírito, que é o verdadeiro corpo do Espírito, tirado desses meios moleculares, como o vosso se forma de coisas mais palpáveis, tangíveis, materiais.

            O mundo dos Espíritos não é um reflexo do vosso; o vosso é que é uma imagem grosseira e muito imperfeita do reino de além-túmulo. (3)

            (3) o grifo deste parágrafo aparece na "Revista Espírita". Não sei se usado pelo Espírito quando da transmissão da mensagem ou se colocado por Kardec...

            As relações desses dois mundos sempre existiram. Mas hoje é chegado o momento em que todas essas afinidades vos irão ser reveladas, demonstradas e tomadas palpáveis." (...)

            Não acrescentou Kardec qualquer comentário à página de Mesmer.

            A razão era assaz simples.

            Não poderiam ser as expressões usadas pelo Espírito comunicante mais simples e objetivas. Constituíam, da mesma forma, em alguns pontos, a repetição daquilo que ele, Kardec, já deixara bem explícito, não apenas na obra basilar "O Livro dos Espíritos", como através de numerosos artigos de sua autoria, publicados na "Revista Espírita".

*
            Em 1944, a Federação Espírita Brasileira lançava a obra "Os Mensageiros", a segunda da coleção de André Luiz.

            No Capítulo 16 - "No Posto de Socorro" - encontra o leitor uma das mais interessantes narrativas feitas por quem, na Terra, à semelhança de Mesmer, também fizera o juramento de Hipócrates.

            A cena do mencionado capítulo desenrola-se em grande castelo situado num dos Postos de Socorro de "Campo da Paz". Após terem sido saudados pelo casal Alfredo-Isnália, André Luiz e Aniceto são conduzidos pelo primeiro ao interior doméstico. É nessa oportunidade que o autor de "Nosso Lar" experimenta grande surpresa.

            Preocupado em não tirar qualquer pormenor do relato, transcrevo aqui as expressões que, aliás, têm correlação com o título do presente trabalho:

            "( ... ) Admirado, fixei as paredes, de onde pendiam quadros maravilhosos. Um deles, contudo, impunha-me especial atenção. Era uma tela enorme, representando o martírio de São Dinis, o Apóstolo das Gálias rudemente supliciado nos primeiros tempos do Cristianismo, segundo meus humildes conhecimentos de História. Intrigado, recordei que vira, na Terra, um quadro absolutamente igual àquele. Não se tratava de um famoso trabalho de Bonnat, célebre pintor francês dos últimos tempos? A cópia do Posto de Socorro, todavia, era muito mais bela. A lenda popular estava lindamente expressa nos mínimos detalhes. O glorioso Apóstolo, seminu, com a cabeça decepada, tronco aureolado de intensa luz, fazia um esforço supremo por levantar o próprio crânio que lhe rolara aos pés, enquanto os assassinos o contemplavam, tomados de intenso horror; do alto, via-se descer um emissário divino, trazendo ao Servo do Senhor a coroa e a palma da vitória. Havia, porém, naquela cópia, profunda luminosidade , como se cada pincelada contivesse movimento e vida." (...)

            O manuseio de algumas obras especializadas possibilitará acrescentar certos detalhes, referência feita à descrição de André Luiz.

            Bonnat (Léon Joseph Florentin) (4), Diretor da Escola de Belas-Artes de Paris, em 1905, era grande amador da arte e autor de inúmeros retratos e composições acadêmicas, tendo legado sua coleção, ao desencarnar, ao Louvre e ao Museu de Bayonne, que lhe traz o nome.

            (4) Nasceu em Bayonne , I833. desencarnando em Monchy-Sa int-Eloi , Oise , em 1922 .

            Desse vigoroso artista destacam os críticos trabalhos como "Job'", "São Vicente de Paulo tomando o lugar de um galeriano", "Cardeal Lavigerie " e "O Martírio de São Dinis".

            Mas, é exatamente essa última tela - mencionada por André Luiz - aquela de expressão mais impressionante, destacada regularmente pelos estudiosos da arte
pictórica.

            Com referência a São Dinis, sugere a experiência um cuidado todo especial por parte do pesquisador. O motivo relaciona-se:

            - à variação de ordem gráfica do nome (Dinis, Diniz, Denis , Denys, Dyonisio, Dionísio, Dyonisius, Dionusos), da qual lançam mão os historiadores; e

            - à multiplicidade de figuras ligadas ao Catolicismo, portando esses diversos nomes.

            Agravando ainda mais a situação, é de se mencionar os vários desencontros de informações por parte dos biógrafos, dificultando o trabalho de pesquisa.

            A história do mártir citado em "Os Mensageiros" é comovente, quão impressionante.

            Obras como o "Grand Dictionnaire Encyclopédique Larousse", o "Dictionnaire d'Histoire et de Géographie Ecclesiastiques", ou o trabalho realizado pelo padre Campos Góes - "Os Santos do Ano" -, fornecem-nos alguns dados a respeito dessa figura venerada pelo Catolicismo, principalmente em terras da França.

            A primeira obra citada (ela usa a grafia Denis e Denys) assinala-o como o primeiro bispo de Paris e esclarece que Grégoire de Tours , no final do século VI, escreveu em sua "Historia Francorum " que à época do Imperador Décio sete bispos missionários foram enviados de Roma às Gálias. Dois desses sete bispos, Saturnin (de Tolouse) e o nosso Dinis (de Paris) morreram mártires.

            O padre Campos Góes, que o grafa com o nome de Dionísio, tem -no como ateniense, membro do Areópago, posteriormente convertido ao Cristianismo por Paulo de Tarso.

            A respeito da figura daquele que seria futuro mártir, deixa esse autor transparecer uma vibração muito carinhosa:

            "(...) Modelou a sua vida pela de quem era mestre consumado. E saiu-se um discípulo austero, mas sem arestas, simples, sem ser ingênuo , zeloso, mas indulgente, animado de ardor que não via sacrifícios. De inteligência excepcional e espírito versado nos variados conhecimentos da época, todo ele era uma chama ardente. De ora em diante, só pensando, e falando, e agindo, pela glória do Cristo, era um retrato de Paulo."

            Referindo-se ao seu deslocamento para as Gálias, continua:

            "(...) Bispo de Atenas por algum tempo, passou a diocese a S. Públio, indo oferecer--se ao Papa S. Clemente para evangelizar os povos que ele designasse. O Papa enviou-o acompanhado do padre Rústico, do diácono Eleutério e de outros pregadores, para doutrinar as Gálias. (...) A sua palavra foi ouvida pelo povo, tendo convertido uma multidão imensa de pagãos que, sob a direção espiritual dos novos pastores, formaram uma comunidade cristã fervorosa. O Evangelho era difundido entre as populações que o recebiam com agrado, quando estalou uma terrível perseguição contra os cristãos. Com mais de cem anos, S. Dionísio foi uma maravilha de firmeza, coragem, desprendimento. Preso, submetido à tortura, ele encoraja a cristandade nascente. Amarrado a uma cruz, prega o mistério da redenção do mundo." (...)

            As informações sobre sua desencarnação , embora coerentes quanto ao modo pelo qual foi sacrificado, penetram, concomitantemente, no campo do fantástico, o que faz emergir, entre os estudiosos, querelas sem fim.

            São do autor de "Os Santos do Ano" estas palavras:

            "(...) Depois de confortado por uma aparição do Salvador, S. Dionísio, em companhia de uma multidão de cristãos, tem a cabeça cortada no lugar que hoje se chama Montmartre.

            Diz uma antiga tradição que, depois de executado, o corpo ergueu-se por si mesmo e, tomando a cabeça entre as próprias mãos, levou-a a duas léguas de Paris, ao lugar que, mais tarde, denominaram S. Dionísio, em memória deste fato." (...)

            Confrontando-se o relato de André Luiz com os esclarecimentos fornecidos pelos compêndios de nossas bibliotecas, chega-se à conclusão pacífica de que tudo se conjuga harmoniosamente: a tela que o autor espiritual encontrou no Posto de Socorro de "Campo da Paz" seria cópia de outra existente no plano terrestre, ou melhor, no Panteão de Paris. Entretanto, a leitura restante do Capítulo 16 de "Os Mensageiros" reserva-nos desfecho imprevisto.

            Conta-nos o autor:

            "Observando-me a admiração, Alfredo falou, sorrindo: - Quantos nos visitam, pela primeira vez, estimam a contemplação desta cópia soberba.

            - Ah! Sim - retruquei -, o original, segundo estou informado, pode ser visto no Panteão de Paris.

            - Engana-se -- elucidou o meu gentil interlocutor -, nem todos os quadros, como nem todas as grandes composições artísticas são originariamente da Terra. É certo que devemos muitas criações sublimes à cerebração humana; mas, neste caso, o assunto é mais transcendente. Temos aqui a história real dessa tela magnífica. Foi idealizada e executada por nobre artista cristão, numa cidade espiritual muito ligada à França. Em fins do século passado, embora estivesse retido no círculo carnal, o grande pintor de Bayonne visitou essa colônia em noite de excelsa inspiração, que ele, humanamente, poderia classificar de maravilhoso sonho. Desde o minuto em que viu a tela, Florentino Bonnat não descansou enquanto não a reproduziu, palidamente, em desenho que ficou célebre no mundo inteiro. As cópias terrestres, todavia, não têm essa pureza de linhas e luzes, e nem mesmo a reprodução, sob nossos olhos, tem a beleza imponente do original, que já tive a felicidade de contemplar de perto, quando organizávamos, aqui no Posto, homenagens singelas para a honrosa visita que nos fez o grande servo do Cristo. Para movimentar as providências necessárias, visitei pessoalmente a cidade espiritual a que me referi." (...) 

            Para melhor fixação de nossa parte, frisemos, então, dois pontos:

            1. A tela intitulada "O Martírio de São Dinis", pintada por Bonnat e existente no Panteão de Paris, é cópia daquela encontrada em uma cidade espiritual muito ligada à França. O original é trabalho de um artista cristão.

            2. O quadro que André Luiz viu, portanto, no Posto de Socorro de "Campo da paz", é igualmente uma cópia, uma reprodução.

            Quando Alfredo faz referência à beleza inconfundível da tela criada pelo artista cristão - posteriormente copiada por Bonnat -, indiretamente está alargando seu pensamento não apenas para outras produções pictóricas, como ainda vai mais longe,
relacionando toda expressão da arte em geral.

            Por exemplo, na mesma obra atrás citada, no Capítulo 32 - "Melodia Sublime" -, fala-nos André Luiz de uma melodia que teve oportunidade de ouvir, executada ao órgão por Ismália. O relato, mesclado de emoção e simplicidade, faz-nos concluir pela existência, na Espiritualidade, de um mecanismo que nos é inteiramente difícil ao entendimento de encarnados, tamanha a sua beleza e complexidade. Disto é atestado o trecho a seguir:

            "(...) A melodia, tecida em misteriosa beleza, inundava-nos o espírito em torrentes de harmonia divina. Penetrava-me o coração um campo de vibrações suavíssimas, quando fui surpreendido por percepções absolutamente inesperadas. Com assombro indefinível, reparei que a esposa de Alfredo não cantava, mas no seio caricioso da música havia uma prece que atingia o sublime - oração que eu não escutava com os ouvidos mas recebia em cheio na alma, através de vibrações sutis, como se o melodioso som estivesse impregnado do verbo silencioso e criador (Destaquei; o grifo é de A.L.)

            É ainda o próprio André Luiz que depois pergunta a si mesmo:

            “Que melodia era aquela que se ouvia através de sons inarticulados?”

            Fosse talvez em decorrência dessas considerações, ou seja, da beleza da música nos Planos Superiores, que Rossini, o grande compositor italiano, tenha afirmado, da Espiritualidade , que no momento em que a harmonia chega a um estágio deveras sublimado

            "confunde -se com a prece, glorifica a Deus e leva ao deslumbramento aquele mesmo que a produz ou a concebe". (5) (Grifei.)

            (5) Mensagem através do médium Sr. Nivard, na data de 17-1-1869. (“Revista Espírita" de março de 1869.)

            O mesmo Espírito, em outra passagem, tem ensejo de dissertar sobre o "processo" das criações artísticas, dentro de seu entendimento:

            "(...) Rossini juntou notas, compôs melodias, provou a taça que contém todas as harmonias; roubou algumas centelhas ao fogo sagrado; mas esse fogo sagrado, nem ele criou, nem os outros! - Nada inventamos: copiamos do grande livro da Natureza e a multidão aplaude quando não deformamos muito a partitura." (6) (...)

            (6) Mensagem através do médium Sr. DesIiens, em seu Grupo, na data de 9-12-1868. ("Revista Espírita" de janeiro de I869.)

            Hoje, com esclarecimentos proporcionados por novos autores espirituais, podemos considerar que no momento em que o artista, liberto da matéria através do processo do sono, entra em contato com o Plano Maior, grava no íntimo as expressões elevadas de sua Arte. Mas, de regresso ao vaso físico, nem sempre logra expressar com a devida fidelidade quanto viu, ouviu ou sentiu.

            Daí confessar André Luiz (no citado Capítulo 16) que

            "via, agora, explicada a tortura santa dos grandes artistas, divinamente inspirados na criação de obras imortais; agora, reconhecia que toda arte elevada é sublime na Terra, porque traduz visões gloriosas do homem na luz dos planos superiores".

            Como arremate de semelhante pensamento, temos igualmente a palavra esclarecedora de Alfredo, expressa no mesmo capítulo:

            "(...) Ninguém cria sem ver, ouvir ou sentir, e os artistas de superior mentalidade costumam ver, ouvir e sentir as realizações mais altas do caminho para Deus." (...) (Grifei.)

*
            “O Martírio de São Dinis", tela de Bonnat, apreciada por milhares de pessoas que visitam a Capital francesa, constitui cópia daquela que um dia ele viu em uma colônia espiritual.

            Seria o caso de subtrair-lhe o mérito?

            Penso que não.

            Sem mencionar o valor do quadro, resultante da beleza de cor e vigorosidade de traço, há que considerar o "prêmio" que a Bonnat foi concedido: embora de forma fugaz, ver o célebre original!

            E aqui uma indagação:

            - Quantos encarnados terão tido essa feliz oportunidade?


As novas "descobertas" dos negadores do Espírito


As novas “descobertas” dos negadores do Espírito
Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Agosto 1974

            O  Espiritismo tem mantido admirável posição de serenidade diante dos velhos adversários, que repetem sempre as mesmas frivolidades, à guisa de combate, com a
coragem renitente de um D. Quixote irritado com os moinhos de vento, despreocupados na sua faina benigna de realizar a metamorfose do trigo em alvinitente farinha.

            Os parapsicólogos conseguiram ficar na moda, reproduzindo o sucesso inicial da Metapsíquica, que “não encontrava uma saída ou uma fórmula para desbancar o Espírito, e havendo muitos metapsiquistas de feição espírita, o nome ficou desacreditado. Criou-se então outro nome; deram jeito à Ciência, por maneira a crer-se que tudo isto que se tem como proveniente de mortos não passa de projeções do inconsciente”. Isto foi escrito pelo sempre lembrado confrade Carlos Imbassahy.

            Os novos metapsiquistas, que se denominam parapsicólogos, também não querem saber do Espírito, porque inventaram que a mente e o inconsciente realizam espetáculos mais agradáveis ao gosto moderno.

            Não faz muito tempo, apareceu nas livrarias o volumoso livro de bolso “Psychic
Discoveries Behind the Iron Curtain”, de Sheila Ostrander e Lynn Schroeder, e editado
pela “Bantam Books”. O capítulo 16, que começa na página 20ª, é dedicado à “Kirlian”,
câmara inventada pelo soviético Semyon Davidovich Kirlian, destinada a fotografar a
aura humana. O jornal carioca “O Globo”, de 9 de maio último, e o programa “Fantástico”, de 7 de julho, da TV Globo, trataram do assunto, informando que seria realizado, no Rio e em Niterói, um curso de fenomenologia paranormal. Quer dizer que a notável descoberta do inteligente soviético já chegou a estas paragens. Mas ele não sabe se deve considerar-se “inventor” ou “descobridor”. Talvez essa cruciante dúvida ainda perdure... Semyon Davidovich é um homem prático, mas também um interessante romântico, pois disse, com a maior seriedade, que o seu “invento” ou “descoberta” é “uma janela para o desconhecido”. Apenas não revelou o segredo: a janela já foi aberta, ou permanece fechada? A doutrina marxista é contra o sobrenatural. O Espiritismo também. Na Rússia, não diremos o povo, em si, mas os dirigentes não querem saber de nada que possa ter caráter religioso. Por isso, aceitaram a Parapsicologia, porque nela, segundo os ortodoxos, pelo menos, não há Deus, não há Jesus, não há alma. Em compensação, tudo isso é substituído pelo poder mágico da mente. Para eles, a mente não mente, é expressão da verdade parapsicológica. Mesmo assim, ainda há, na própria Rússia, os que não vão muito com a Parapsicologia.

            Na questão da aura humana, “descoberta” ou “inventada” por Semyon Davidovich Kirlian, os resultados foram por eles reputados surpreendentes. Fotografar a aura humana? Como teria sido isso possível? Devem ser essas as perguntas dos mais infensos aos mistérios do “sobrenatural”. E ainda há quem duvide que semelhante “descoberta” ou “invenção” tenha sido mesmo realidade. Nós não podemos duvidar porque a nossa certeza é antiga e consolidada.

            Em 1927, o ilustre Raoul Montandon, estudioso suíço que se dedicou apaixonadamente aos problemas psíquicos, publicou volumoso livro, editado pela Librairie Félix Alcan, com o seguinte título: “Les Radiations Humaines - Introduction a Ia démonstration expérimentale de l'existence des corps subtils de l'homme, avec 46 figures dans le texte et 26 planches”. Obra verdadeiramente notável, pelos estudos do conspícuo autor, aprofunda-se nas experiências realizadas sob absoluto controle científico, antecipando-se quase meio século das conquistas soviéticas, até mesmo nas fotografias da aura humana, fotografias comuns, sem mistério algum, como, por exemplo, as das mãos de M. Majewski, médium curador, da Sra. Issaeff, do Dr. Bertholet e de outros.

            A bem dizer, não há nada de tão espantoso na “descoberta” ou “invenção” de Semyon Davidovich. Ele se refere a “campos-psi”, influenciado talvez pela expressão “campos de força”, usada por certos físicos. O nosso ilustrado confrade Hernani Guimarães Andrade também já construiu um aparelho para ver e fotografar o espectro ectoplásmico dos Espíritos, o TEEM (Tensionador Espacial Electromagnético), com resultados satisfatórios.

            E seus estudos continuam. Trata-se de pessoa idônea, avessa a ruídos em torno do seu nome, que tem condições para dar ótimas contribuições à ciência pelas pesquisas que vem fazendo. Apenas uma restrição temos a, lhe opor, com todo o respeito que ele merece: é o uso sistemático da terminologia parapsicológica. Não obstante, é confortadora a opinião que desassombradamente sustenta de que considera a “linha científica do Espiritismo” como “a maior contribuição deste século, obtida por via mediúnica, para a solução do problema da natureza do homem, hoje tão focalizado pela Parapsicologia”. Como complemento dessa afirmação, acrescenta: “Fica aqui consignada, a título de registro e endossada por mim, a seguinte previsão: as obras de André Luiz, psicografadas por Francisco Cândido Xavier, serão, futuramente, objeto de estudo sério e efetivo nas maiores universidades do mundo, e consideradas como a mais perfeita informação acerca da natureza do homem e da sua vida após a morte do corpo físico” “A Matéria Psi”, editora “O Clarim”, Matão).

            Pois bem. Esse respeitável confrade, tão devotado à ciência, não encontrou ainda quem, animado do mesmo elevado propósito de desenvolver estudos tão importantes, pretendesse dar-lhe apoio e colaboração. Suas ligações com parapsicólogos, por isso mesmo, talvez, tendem a estreitar-se cada vez mais e um deles, da Belk Research Foundation, informado da construção inicial do TEEM, aconselhou-o a estagiar em uma empresa subsidiária da NASA, nos Estados Unidos. Ele, porém, graças a Deus preferiu ficar no Brasil.

            O que o Espiritismo já conseguiu relativamente a provas científicas da realidade espiritual e mediúnica está muito além da situação que a Parapsicologia desfruta.

            Concordamos plenamente com Hernani Guimarães Andrade, quando assegura que os parapsicólogos estão precisando muito da série ‘Nosso Lar’. E o mundo todo carece urgentemente das obras de Emmanuel”. Embora não milite, conforme disse, “nas respeitáveis fileiras do Espiritismo religioso”, acha ele que os parapsicólogos necessitam das obras de André Luiz e Emmanuel, cujo conteúdo religioso é inegável. Apanhamos, a esmo, “No Mundo Maior”, de André Luiz, e abrimos o capítulo V: ‘O poder do Amor’, que é, realmente, um hino ao amor, que é todo amor, substancialmente amor. Nele encontramos, entre muitas outras, frases como esta: “O conhecimento pode pouquíssimo, comparado com o muito que o amor pode sempre”; “O fundamento da obra divina é de amor incomensurável”; “Praza a Deus, André, possamos também aprender a amar, adquirindo o poder de transformar os corações; “O coração está cheio de poder renovador”.

            No prefácio, Emmanuel, sempre amoroso e terno, pondera: “A missão de André Luiz é, porém, a de revelar os tesouros de que somos herdeiros felizes na Eternidade, riquezas imperecíveis, em cuja posse jamais entraremos sem a indispensável aquisição de Sabedoria e do Amor”.

            Soviéticos ou não, nenhum parapsícólogo avançará sem reconhecer a existência e o poder do Espírito, isto é, da Alma, porque a mente nada mais é do que um atributo, se 
assim podemos dizer, do Espírito ou Alma.

            Sem Espírito não haverá mente. O resto é ilusão e confusão. Não se pode pretender que um materialista ceda ante os fatos irretorquíveis das manifestações dos Espíritos. Não. Ele engendrará mil argumentos, mil artifícios, mil sofismas, empregará termos exóticos e complicados, recorrerá a raciocínios enigmáticos, alongar-se-á em argumentos que a nada conduzirão e concluirá, orgulhoso, que o seu ponto de vista está certo, desprezando ‘ab-initio’ a mais lúcida e irrespondível argumentação do contrário. Quando os antagonistas do Espiritismo não invocam o surrado chavão da fraude, escudam-se no pretexto da mistificação, da sugestão, etc. Os russos começaram negando fortemente a possibilidade da telepatia. Hoje, resmungando, já a admitem. Piano, piano si va lontano...

            As grandes novidades parapsicológicas não nos surpreendem. O tempo se encarregará de provocar mudanças. O Espiritismo não tem pressa, porque os Espíritos estão a par das tribulações dos que o negam. Louise Rhine, esposa do famoso J. B. Rhine, que prefaciou seu livro “Canais Ocultos do Espírito”, depois de narrar certo fato, teve estas palavras significativas, que grifamos: “Todavia, por outro lado, não é possível dizer que o morto não tomou parte nessas experiências. Talvez por algum meio obscuro provocou o sonho. Afinal de contas, seria de presumir desejasse tornar conhecido a quem teve o sonho o teor respectivo” (página 238). Relutante, embora, e isto é natural, tropeçando no ‘psi’, ela alude a experiências parapsicológicas em laboratório, considerando: “Essas aptidões ou qualidades, em si mesmas, são de ordem espiritual, se com este termo exprimirmos o extra físico. Talvez seja a primeira prova evidente produzida pela idade científica.”

            Que se poderá inferir do que foi dito neste artigo, senão que a Parapsicologia, se quiser sobreviver, terá de ir cedendo, paulatinamente, a mão à palmatória, reconhecendo, como deixa entrever Louise Rhine, que o Espiritismo permanecerá incólume às teorias que pretenderem substituir os ensinamentos dos Espíritos? 

Paciência e Vida


Paciência e Vida 
Emmanuel por Chico Xavier
Reformador (FEB) Outubro 1970

            Estudo necessário da paciência: observar cada um de nós à frente da própria conduta nas relações humanas e no reduto doméstico.

            Sabemos compreender habitualmente os assaltos morais de inimigos gratuitos, obrigando-nos a refletir, quanto à melhor forma de auxiliá-los para que se renovem construtivamente em seus pontos de vista, e, em muitos casos, esbravejamos contra o desagrado de uma criança que a doença incomoda.

            Aprendemos a suportar, com serenidade e entendimento, prejuízos enormes da parte de amigos nos quais depositávamos confiança e carinho, buscando encontrar o modo mais seguro de ajudá-los para o resgaste preciso e, muitas vezes, condenamos asperamente pequenas despesas naturais de entes queridos, credores insofismáveis de nosso reconhecimento e ternura.

            A tolerância para com superiores e subalternos, colegas e associados, familiares e amigos íntimos é realmente o recurso da vida em que se nos erige o metro do burilamento moral. Isso porque, conquanto a beneficência se mostre sempre sublime e respeitável, em todas as suas manifestações e atributos, é sempre muito mais fácil colaborar em campanhas públicas em auxílio da Humanidade ou prestigiar pessoas com as quais não estejamos ligados por vínculos de compromisso e obrigação, que tolerar, com calma e compreensão, os contratempos mínimos e as diminutas humilhações no ambiente individual.

            Paciência, por isso mesmo, em sua luminosa autenticidade há de ser aprendida, sentida, sofrida, exercitada e consolidada junto daqueles que nos povoam as áreas do dia-a-dia, se quisermos esculpi-la por realização imorredoura no mundo da própria alma.

            Preguemos, pois, e ensinemos quanto nos seja possível os méritos da paciência; no entanto, examinemos as próprias reações da experiência íntima, à frente de quantos nos compartilham a luta cotidiana, na condição de sócios da parentela e do trabalho, do ideal e das tarefas de cada dia, e perguntemos com sinceridade a nós próprios se estamos usando de paciência para com eles e para com todos os outros companheiros da Humanidade, assim como estamos incessantemente tolerados e amparados pela paciência de Deus.