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domingo, 27 de novembro de 2016

Religião



Religião 
Raul Silveira
Reformador (FEB) Brasil Espírita Outubro 1971

            Algumas vezes ouvimos afirmações curiosas:
            - Religião é fuga das lutas da vida!
            Talvez, quem sabe, o autor da frase, ou seu repetidor, apenas conheça religião pela expressão de dogma, culto, ritual, paramento, as alfaias, enfim, com que revestimos indevidamente o Cristianismo, no curso de dois milênios.
            O sentido lato de religião, no saneamento que o Espiritismo vem fazendo, no fluir destes cem anos, é uma total oposição ao estagnamento da alma nos átrios dos templos de fé.
            Religião está na Vida.
            Impregnada tão profundamente na vida, que a frequência a um templo religioso corresponde precisamente a um curso de moral, de caráter, de mutação profunda de conceitos, cujo aprendizado é para ser exemplificado no cotidiano.
            Kardec, com substancial razão, colocou sob o título do livro "O Evangelho segundo o Espiritismo" a seguinte e lapidar afirmação: "Com a explicação das máximas morais do Cristo em concordância com o Espiritismo e suas aplicações às diversas circunstâncias da vida".
            Esta foi, pela vez primeira, que se alertou aos leitores de um livro profundamente religioso que nada de seu conteúdo seria destinado à simples memorização ou repetição mecânica.
            Era para aplicar à vida.
            No trato com os amigos, no planear de negócios, no criar leis administrativas, no estudar a posição e a situação da sociedade, ao ser admitido como empregado ou colaborador numa empresa, ao interiorizar-se no autoexame de si mesmo - as máximas morais do Cristo apresentam um roteiro seguro, equilibrado, embora nunca de acordo
com quaisquer medidas de egoísmo ou de orgulho.
            Religião ou vida em sociedade, é o sentido.
            Vale o convite para reexaminar o tema.


sábado, 26 de novembro de 2016

A Figueira Seca / Orar com Fé


A Figueira Seca / Orar com fé     

            21,18 De manhã, voltando a cidade, teve fome. 21,19  Vendo uma figueira à beira do caminho, aproximou-se dela, mas , só achou nela folhas e disse-lhe: “Jamais nasça um fruto de ti!” 21,20 Imediatamente, a figueira secou. À vista disso, os discípulos ficaram estupefatos e disseram: Como ficou seca   num   instante   a   figueira?      21,21 Respondeu-lhes Jesus: “ -Em verdade vos declaro que se tiverdes fé, e  não hesitardes, não só fareis o que foi feito a esta figueira mas ainda se disserdes a esta montanha: Levanta-te daí e atira-te ao mar, isso se fará.”      21,22  Tudo o que pedirdes com fé na coração, vós o alcançareis.

         Para Mt(21,18-22), -A Figueira Seca -leiamos a Kardec no Cap.XIX de  “O Evangelho...”:

            “A figueira seca é o símbolo das pessoas que não têm senão as aparências do bem, mas em realidade não produzem nada de bom; oradores que têm mais brilho do que solidez; suas palavras têm o verniz de superfície; agradam os ouvidos, mas quando se as perscruta, nelas não se encontra nada de substancial para o coração; depois de tê-las ouvido, pergunta-se qual proveito disso se tirou.
            É ainda o emblema de todas as pessoas que têm os meios de serem úteis e não o são; de todas as utopias, de todos os sistemas vazios, de todas as doutrinas sem base sólida.

            O que falta, na maioria das vezes, é a verdadeira fé, a fé fecunda, a fé que comove as fibras do coração, numa palavra, a fé que transporta montanhas.

            São as árvores que têm folhas, mas não têm frutos; por isso Jesus as condena à esterilidade, porque um dia virá em que estarão secas até à raiz; quer dizer que todos os sistemas, todas as doutrinas que não tiverem produzido nenhum bem à Humanidade, cairão no nada; que todos os homens voluntariamente inúteis, por falta de terem colocado em prática os recursos que tinham, serão tratados como a figueira seca.”

            Para Mt (21,22), -Orar com fé - busquemos “Pão Nosso”, de Emmanuel por Chico Xavier: “A sincera atitude da alma na prece não obedece aos movimentos mecânicos vulgares. Nas operações da luta comum, a criatura atende, invariavelmente, aos automatismos da experiência material que se modifica de maneira imperceptível, nos círculos do tempo; todavia, quando se volta a alma aos santuários divinos do plano superior, através da oração, põe-se a consciência em contato com o sentido eterno e criador da vida infinita.

            Examine cada aprendiz as sensações que experimenta em se colocando na posição de rogativa ao Alto, compreendendo que se lhe faz indispensável a manutenção da paz interna perante as criaturas e quadros circunstanciais do caminho.

            A mente que ora, permanece em movimentação na esfera invisível.

            As inteligências encarnadas, ainda mesmo quando se não conheçam entre si, na pauta das convenções materiais, comunicam-se através dos tênues fios do desejo manifestado na oração. Em tais instantes, que devemos consagrar exclusivamente à zona mais alta de nossa individualidade, expedimos mensagens, apelos, intenções, projetos e ansiedades que procuram objetivo adequado.

            É digno de lástima todo aquele que se utiliza da oportunidade para dilatar a corrente do mal, consciente ou inconscientemente.


             É por este motivo que Jesus, compreendendo a carência de homens e mulheres isentos de culpa, lançou este expressivo programa de amor, a benefício de cada discípulo do Evangelho -“E, quando estiverdes orando, perdoai...” 

Trova de Irmão - 2


Ante insultos do caminho,
Por mais que o golpe te doa,
Nunca reclames. Trabalha.
Nem condenes. Abençoa.

Chiquinho de Moraes
por Chico Xavier

Reformador (FEB) Março 1973

Trova de Irmão - I



Triunfos em pranto alheio?!
Mentira... Conquista vã...
Muita grandeza de hoje
É a lágrima de amanhã.

Chiquinho de Moraes
por Chico Xavier

Reformador (FEB) Março 1973

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Ritualismos, sacerdotalismos, símbolos, etc


Ritualismos, sacerdotalismos, símbolos, etc.

Pgs. 160/164 do livro “O Atalho”- Análise Crítica do Movimento Espírita
de Luciano Dos Anjos
    1ª Edição - 1993   


Essas práticas estão se alastrando. Já há centros (ditos kardecistas!) que promovem casamentos, batizados e outras solenidades congêneres. Certa vez, a FEB recebeu carta dum confrade que, desgostoso, indagava se seria lícito realizar velório em centro espírita. É que a diretoria do centro por ele frequentado estava inclinada a fazê-lo e sua última esperança era a palavra da FEB. Outra correspondência consultava sobre a realização de cerimônia nupcial. O signatário estava assustadíssimo. Em seu centro (kardecista!), a noiva compareceu vestida a caráter, de véu, grinalda e buquê. Escusado dizer, aqui, o que lhe foi respondido...

Quanto às bênçãos de anéis, já não são poucas as entidades que as promovem. Anéis de grau, de noivado, casamento, bodas, etc.

Falou-se, há tempos, da criação de um símbolo-distintivo dos médiuns, para ser usado na lapela. Confesso que não cheguei a conferir se ele foi realmente cunhado. Mas, mesmo como projeto, é qualquer coisa do arco-da-velha. Faço minhas as palavras da revista que noticiou a idéia, criticando-a:

"A idéia de um distintivo dos médiuns é abstrusa e antiespírita." Bota abstruso nisso.

A doutrina espírita não acoberta nenhuma dessas práticas, que começam às vezes sutilmente. De concessão em concessão, a criatura se envencilha, quase sempre sem querer, nas teias do ritualismo. É uma toalha branca (não pode ser doutra cor) no culto do lar; é uma atitude que se padroniza (não cruzar os braços, colocar as mãos espalmadas sobre a mesa, etc.); é um chavão para sintonizar com seu anjo de guarda (uma prece decorada); etc., etc. Há o hábito de se formar "correntes", quando todos oram de mãozinhas dadas. Uma futilidade. As mentes e os corações é que devem estar unidos, e não as mãos. Há também a recomendação para que os médiuns fiquem, quando em exercício, com as mãos espalmadas sobre a mesa. É outro ritual sem qualquer valor ou importância. A esse respeito, convido o leitor a ler meu artigo intitulado "Médiuns estáticos e médiuns naturais", publicado no Reformador de abril de 1962, p. 80. Depois de cair nessas rotinas simbólicas, nesse ritualismo ostensivo ou disfarçado, pouco faltará para o altar, o incenso, a cantoria e outras mazelas mais. Ora, tudo isso não passa de ranço católico, do qual todos já deviam estar libertos. O tal do batizado então nem merece comentário. É ridículo nas religiões católica e protestante; no espiritismo é um crime de lesa-doutrina! Poder-se-á tolerar, no máximo, a realização de palestra ou conferência com tema específico, em se tratando de formaturas. Criaturas que vão iniciar sua vida profissional podem perfeitamente ouvir alguns conselhos doutrinários. Mas sem cunho solene, sem convites especiais, sem rapapés mundanos. Há centros que pegaram o hábito de fazer preces especiais para recém-desencarnados, em reuniões especiais, com a participação de médiuns especiais (geralmente videntes), com convidados especiais, tudo dentro da melhor especialidade. Uma verdadeira missa de 7° dia... (Não confundir com a prece que se faça na reunião habitual de que participamos, no lar ou no centro espírita; ou, ainda, com a que deve ser proferida pouco antes da inumação do corpo.) Inteirei-me de um centro aqui do Rio de Janeiro que distribui a pedintes o ... "pãozinho de Jesus". É um pãozinho que, antes de ser oferecido, passa por um ritual mediúnico (ou magnético) para ser fluidificado (?!). São fabulosos esses inventores de atração! Cada dia surgem com uma novidade diferente. Haja paciência para a gente se inteirar dessas macaquices!

Muito recentemente, respondendo sobre a moderna avalancha, nos centros espíritas, de hábitos oriundos de outras concepções religiosas, assim se pronunciou o inspirado médium Divaldo Pereira Franco:

É preciso ter muito cuidado com os enxertos. Há centros espíritas, onde às vezes tenho sido convidado, que se pergunta se é espírita, porque eles têm tanta formalidade, tanto ritualisrno. O Espiritismo nos liberta da ignorância dos atavisrnos negativos, é uma doutrina de libertação e nosso compromisso é com a verdade. Não há cultos, fórmulas ou rituais. Devemos ser coerentes, defendermos a casa espírita dos enxertos para preservarmos o movimento espírita, porque a Doutrina é inatacável. (244)
(244) Jornal Espírita, São Paulo, SP, nº 186, edição de fevereiro de 1991, pp. 4-5.

A FEB recomendou sempre toda a simplicidade nas práticas religiosas. Quanto maior a descontração, melhores os resultados. Espontaneidade sem desordem; naturalidade sem displicência; liberalidade sem desrespeito. E, para conferir, a palavra de Leopoldo Cirne:

O Espiritismo - insistimos nisso - não comporta símbolos. Vindo para restabelecer em toda a sua pureza e integridade o pensamento de Jesus, contido no Evangelho, e espiritualizar todas as crenças, tem, entre outras coisas, por missão emancipar os homens de preconceitos e superstições, como das escravizadoras restrições dos emblemas e alegorias, instituindo aquele culto puramente espiritual, anunciado à samaritana pelo Cristo. Nada será, portanto, mais contrário à sua essência doutrinária do que a obstinação de certos crentes em transplantar para suas práticas a bagagem ritualista de outras religiões, de que ainda não conseguiram libertar-se. (245)
(245) Doutrina e Prática do Espiritismo, vol. lI, p. 167.

É óbvio que não devemos generalizar, supondo-se que estou falando de todo e qualquer símbolo. Há-os adequados, como, por exemplo, os da pátria, os da formação profissional, os de controles científicos, etc. O próprio logotipo da FEB não deixa de ser um símbolo. As restrições são feitas aos símbolos religiosos e, ainda assim, quando são transformados em (inúteis) amuletos.

Quando os espíritos mandaram colocar, nos Prolegômenos de O Livro dos Espíritos, o desenho da cepa, traçado por eles próprios, e que tem valido a crítica da Igreja contra nós, não objetivaram transformá-la em símbolo religioso. Os padres chegaram a dizer que a cepa era a hóstia dos espíritas. Mas isso é mera distorção. E inglória. A cepa impressa não passa de simples registro gráfico, como o é a linguagem escrita. Se os espíritos houvessem feito dela uma simples descrição com palavras, valia a mesma coisa. Por isso, é ridícula a acusação e incorrerão em grave erro os espíritas que, desavisados, derem razão aos padres e começarem a fazer da cepa amuletos para pendurar no pescoço ou colar no parabrisa do automóvel. Aí, sim, começa o escorregão doutrinário. E nesse mesmo sentido se há de entender a cruz de Jesus, tolerada apenas no interior do lar, a título de registro histórico, como qualquer outro quadro ou fotografia.

É possível que, a essa altura, não falte quem esteja lembrando de que, na Federação Espírita Brasileira, se faz prece de pé. Ora, cada um rezará como quiser. Os dirigentes da FEB preferem ficar de pé, mas não obrigam ninguém a isso. E nem divulgam orientação nesse sentido. Nas sessões públicas, os dirigentes se levantam; se os do auditório desejarem, conservar-se-ão sentados. Não se trata, pois, de ritual, tanto que não é sequer aconselhado. Trata-se de mera preferência, de igual significado, por exemplo, quando nos levantamos ao sermos apresentados a uma pessoa mais velha.

Quanto ao hábito de, no Grupo Ismael, usar-se terno e gravata, isso nunca teve razão especial, senão a de acompanhar uma época em que todos assim se trajavam, nos ambientes respeitosos. Mas, hoje em dia, essa prática se tornou anacrônica, e comparece-se ao Grupo Ismael como melhor convier a cada membro. Geralmente, no entanto, a maior parte ainda é vista de terno porque ali estão após o expediente de trabalho e seguem diretamente para a reunião. Importante é que cada um vai como melhor lhe apraz, na época atual. Questão de gosto pessoal e nada mais.

Ainda dentro desse tópico, acho conveniente que se leia a nota "Missaria Espírita", publicada no Reformador de dezembro de 1951, p. 282. E, com maior atenção, o capítulo 16 de ‘Nos Bastidores da Obsessão’, de Manoel Philomeno de Miranda. Discorrendo exatamente sobre a cerimônia religiosa do casamento, o mentor espiritual ensina:

Não, não há qualquer culto externo no Espiritismo e se houvera teríamos a sua morte anunciada já para breve. (...) Mas evitemos hoje que a nossa emoção e a nossa festividade sejam transformadas amanhã num culto exterior, que tenhamos começado... (246)  Por derradeiro, o leitor poderá inteirar-se do conceito de Emmanuel sobre as missas católicas, lendo O Consolador, pergunta n? 300:" mistifório" é como ele a designa.(246)
(246) 'Nos Bastidores da Obsessão' , de ManoelPhilomeno de Miranda, FEB, 1970 pp. 268-270


Kardec, Emmanuel e André Luiz


Kardec, Emmanuel e André Luiz 
J. Martins Peralva
Reformador (FEB) Agosto 1970

801 - Porque não ensinaram os Espíritos, em todos os tempos, o que ensinam hoje?
R. - Não ensinais às crianças o que ensinais aos adultos e não dais ao recém-nascido
um alimento que ele não possa digerir.
(“O Livro dos Espíritos").

            Não tivesse Allan Kardec, o insigne missionário da Codificação Espírita, afirmado que do Espiritismo foi dita a primeira palavra e jamais será dita a última”, não sabemos, na verdade, que rumos de ortodoxia, sectarismo e intolerância teria tomado o abençoado movimento que se desenvolve, promissoramente, em plena conformidade com o lema clássico: Trabalho, Solidariedade e Tolerância.

            Prevaleceu, no entanto, nessa como em outras afirmações o bom-senso do Codificador. E prevaleceu, de maneira indelével. Outros movimentos, filosóficos e religiosos, tem estacionado, ou desaparecido, no tempo e no espaço, dada a propensão humana para estratificar ideias e conhecimentos.

            A frase kardequiana, contudo, alargou os horizontes do Espiritismo, tornando-o Doutrina elástica, em condições de acompanhar, com vantagens e altaneiramente, o progresso humano, em vários ramos do conhecimento e da moral. O corpo de doutrina que a sabedoria do mestre sistematizou, dando-lhe base científica, transcorridos já cento e treze anos da publicação da obra fundamental - “O Livro dos Espíritos” -, continua sendo aquela fonte maravilhosa, por meio da qual se efetiva o progresso da sua expansibilidade.

            A estrutura da Doutrina dos Espíritos, tão atualizada, em nossos dias, quanto no terceiro quartel do século XIX, recebe, contemporaneamente, através do trabalho de Emmanuel, André Luiz e outros queridos Instrutores, subsídios que a enriquecem, sobremaneira, dando-lhe força incomum e beleza rara.

            Nos livros que as mãos missionárias de Francisco Cândido Xavier psicografam, diuturnamente, jamais se encontraram informações duvidosas ou controvérsias em relação ao pensamento de Allan Kardec. Tudo, neles, funciona à maneira de opulento garimpo de luz a redescobrir, a revelar a grandeza da obra kardequiana.

            Kardec, Emmanuel, André Luiz! Unem-se os missionários de Nosso Senhor Jesus-Cristo para a vitalização, cada vez maior, de uma doutrina que não esmaece no tempo, mantendo, isto sim, em seu interior e na sua fisionomia, aquela tonalidade, aquela rutilância e aquele calor indicadores de saúde plena...

            A Doutrina que o gênio de Allan Kardec ajudou a edificar, na condição de vaso escolhido, encarnado, simboliza veio inexaurível, de onde os Benfeitores de Mais Alto extraem luminosas expressões de sublimidade, em complementação indefinível, que nos enternecem o Espírito e reconfortam o coração.


            E não podia ser diferente, porque o que têm dito os Espíritos, hoje, não podia ser falado ontem, quando o que foi ensinado no século passado não prescindiria do esclarecimento da atualidade.

O Delicado Problema das Comunicações Mediúnicas



O Delicado Problema das Comunicações Mediúnicas 
por Kleber Halfeld
Reformador (FEB) Junho 1989

A análise feita por Kardec-"Revista Espírita" -
e por Ismael Gomes Braga
-  carta ao autor do presente trabalho.



            Quando redator da revista "O Médium", um problema absorvia minha atenção no dia-a-dia de atividade junto a esse órgão da Imprensa Espírita.

            Refiro-me às colaborações de teor mediúnico.

            Lembro que certa feita chegou a redação a ser surpreendida com a chegada de duas mensagens recebidas, aliás, por uma criatura de longa vivência nas fileiras espíritas!

            Possuía uma página a assinatura de Maria - mãe de Jesus!

            A outra levava o nome do próprio Mestre!

            Obviamente, sempre foi dada a semelhantes colaborações a maior atenção possível, a fim de que não resvalássemos para o campo da credulidade incondicional.

            Para o deslumbramento diante de uma respeitável assinatura.

            Para a faixa da imprudência doutrinária, afinal.

            Foi nesse período de atividade jornalística que me defrontei com o problema que passo a relatar.

            Regularmente recebia a redação artigos muito bem elaborados por um assinante, os quais eram normalmente publicados nas edições mensais de "O Médium".

            Um dia o referido assinante escreveu-me longa carta, fazendo-a acompanhar de várias mensagens inspiradas pelo Espírito X - afirmava o missivista. (1)

                (1) Fui aconselhado a deixar no anonimato os nomes do assinante da Revista e do Espírito, Da mesma forma, foram deixadas em branco as datas das cartas nesse tempo escritas pelo Prof. lsmael Gomes Braga e pelo mencionado assinante.

            Na dúvida de publicá-las ou não, depois de estudar pacientemente cada uma delas, resolvi escrever ao saudoso amigo e confrade Prof. Ismael Gomes Braga, a quem devo eterno reconhecimento pelo que realizou em favor de meu aprendizado espírita e esperantista.

            Expus-lhe a situação com todos os detalhes, chegando mesmo a sugerir a remessa dos trabalhos a esse médium fiel que é Francisco Cândido Xavier. Era meu desejo que o sensitivo de Uberaba também desse sua valiosa opinião.

   Ismael Gomes Braga        
Após considerar os termos de minha correspondência o Prof. Ismael escreveu-me a seguinte carta:
           
            "Rio de Janeiro,.......................

            Prezado Kleber,

            Nada mais fácil do que remeter-se essa cópia a Francisco Cândido Xavier, Caixa Postal, 56, Uberaba; porém, nada mais difícil do que ele avalizar o trabalho mediúnico de uma pessoa que não sabe se é médium nem que valor têm seus trabalhos.

            Se os trabalhos forem bons, devem ser publicados com o nome mesmo do colaborador, e se forem maus, não ficarão bons em virtude de serem assinados por algum Espírito. Até ao contrário: não faltam por toda parte péssimas obras escritas por desencarnados. E no caso em apreço a responsabilidade é maior do médium, porque ele é apenas intuitivo, sem saber que é médium. Sendo dele os trabalhos, não será tabu, podemos publicar e discutir; mas se forem de um Espírito, presumir-se-ia um Guia, lição indiscutível de mestre. A responsabilidade de você seria muito maior.

            Talvez melhor escrever a ele dizendo que já sendo conhecido dos leitores de "O Médium" como doutrinador , e sendo apenas intuitivo, como toda a gente de fato o é, convém continuar divulgando seus escritos só como doutrinador, sem a responsabilidade maior de apresentá-los como psicografia ; porque no caso de serem de um Espírito os escritos, você teria dificuldade em decidir se deveria ou não publicá-los , devido à grande responsabilidade que assumimos ao divulgar trabalho doutrinário de um Espírito. Seria uma carta mais ou menos assim:

            “Considerando que Allan Kardec nos recomenda recusar de preferência 99% de produções mediúnicas boas para não incorrer no perigo de divulgar uma má, (*) nós temos o máximo receio em divulgar comunicações de Espíritos, e não temos nenhum receio de publicar a colaboração de nossos irmãos encarnados, cujas opiniões não pretendem vir do Alto. Se X, que lhe inspira escritos doutrinários, é um Espírito elevado, não se aborrecerá de seu nome não aparecer como Espírito, mas aparecer simplesmente como seu pseudônimo, como foi a inspiração primitiva, mencionada na missiva de ........ ou até de não aparecer de modo algum. Portanto, preferimos publicar os comentários com seu nome, ou com o pseudônimo X, mas sem dizer que os trabalhos sejam mediúnicos. Fica menor a responsabilidade sua e nossa. Esperando que o irmão concorde conosco; conservamos os escritos em nossa pasta, aguardando sua concordância.

            Em caso contrário, pedir-lhe-emos permissão para devolver os comentários.”

                (*) A recomendação do Espírito Erasto, em mensagem inserida por Kardec no Capítulo XX (da 2ª Parte) de "O Livro dos Médiuns", nos seguintes termos: "Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea." (Nota de "Reformador".)

            O Chico e o Waldo, bem como seus Guias, andam apavorados com a quantidade imensa de trabalhos banais, medíocres e maus que estão aparecendo no Pais como mediúnicos, e encarregaram um amigo, professor de História, de escrever um livro mostrando os inconvenientes de dar-se publicidade a tais obras. Esse professor de História, homem de grande capacidade está preparando o livro e veio ao Rio, a conselho mesmo dos médiuns de Uberaba, mostrar-nos O plano geral do livro que deverá ser oportunamente publicado. (2) Por "acaso" achava-se ele nesta sua casa, onde foi nosso hóspede durante três dias, tratando exclusivamente desse assunto. Leu a correspondência e acha que a melhor solução é seguir o conselho que estou ousando lhe dar.

                (2) Ausentei-me nessa época de minha cidade por longo período e perdi o contato com o Prof. lsmael Gomes Braga, Com a sua desencarnação não fiquei sabendo se o livro foi publicado.

            Emmanuel já disse ao Chico que 70% dos meus escritos são puramente mediúnicos, mas eu não ousaria pedir a ninguém que publicasse um só artigo meu como mediúnico. Prefiro por-lhes um pseudônimo ou meu nome, porque o leitor tem a liberdade de não aceitar o que eu escrevo e a dizer simplesmente: “esse camarada está errado, é um tolo”. Se pusesse um nome de Guia, o leitor teria que tratar o escrito como respeitável.

            Perdoe-me, caro Kleber, se eu estiver errado e receba um fraternal abraço do irmão muito dedicado lsmael."

            Acredito que a carta-resposta do Prof. Ismael Gomes Braga, que enviei ao assinante, contém matéria para reflexão de quantos, na direção de órgãos da Imprensa Espírita, defrontam-se com o problema das páginas de origem mediúnica.

            O maior cuidado em semelhante caso é sempre recomendado.

*

            O assunto relativo à publicação de comunicações mediúnicas é antigo. Já em seu tempo Kardec teve que enfrentá-lo durante anos seguidos, editor e redator que era da "Revista Espírita".

            Foi na edição de maio de 1863 que ele tratou do assunto de forma clara, objetiva e profunda. 

            Vários ângulos do problema foram por ele analisados sem meias palavras, exatamente porque considerava o Codificador matéria de máxima importância dentro do contexto doutrinário.

            Com intuito de não adulterar o pensamento cristalino de Kardec em qualquer segmento de seu estudo, mas atento igualmente em não alongar muito a apresentação do presente trabalho, transcrevo apenas os tópicos que, devidamente catalogados (3) me foram apresentados como "chaves" para o estudo sobre o assunto que ainda nos tempos atuais se reveste de suma importância.

            (3) Os períodos classificados constam, todos, do trabalho de Kardec, apenas não estão na ordem estabelecida pelo Codificador.

            Para facilidade de concatenação de ideias, dei aos segmentos titulações que julguei adequadas.

            l - Frequência das mensagens mediúnicas - Confirma-se neste segmento o que foi dito há pouco: o problema das páginas mediúnicas é, realmente, antigo.

            De início, escreve Kardec:

            "Muitas comunicações nos foram enviadas por diferentes grupos, já pedindo conselho e julgamento de suas tendências, já, como umas poucas, na esperança de publicação na Revista. ( ... ) Fizemos o seu exame e classificação, e não fiquem admirados da impossibilidade de publicá-las todas, quando souberem que além das já publicadas, há mais de três mil e seiscentas que, por si só, teriam absorvido cinco anos completos da Revista ( ...)."

            ll - Frequência das produções mediúnicas mais extensas - Observa-se que o número dessas era bem mais reduzido:

            "(...) Resta-nos dizer algumas palavras sobre manuscritos ou trabalhos de fôlego que nos mandaram, entre os quais, sobre trinta, encontramos cinco ou seis de real valor." ( ... )

            III - Classificação - Revela-nos este segmento dados curiosos:

            "(...) diremos que em 3.600 há mais de 3.000 que são de uma moralidade irreprochável, e excelentes como fundo; mas que desse número não há 300 para publicidade, e apenas 100 de um mérito inconteste ". ( ... )

            IV - Procedência das comunicações mediúnicas - É neste segmento que sobressai uma particularidade, a par da observação-advertência de Kardec:

            "( ... ) Circunstância digna de nota é que a quase totalidade das comunicações dessa categoria emana de indivíduos isolados e não de grupos. Só a fascinação poderia levá-los a ser tomados a sério, e impedir-se visse o lado ridículo. Como se sabe, o isolamento favorece a fascinação, ao passo que as reuniões encontram controle na pluralidade de opiniões." (...)

                (4) Não ignoramos a existência, na atualidade, de médiuns de respeitável produção, tanto em quantidade como em qualidade, todavia, é oportuna a ponderação de Kardec quanto ao valor da pluralidade de opiniões, sobretudo, em se referindo a médiuns iniciantes ou àqueles que embora com longa vivência na Doutrina, ainda não têm uma justa qualificação de suas faculdades.

            A par, contudo, dessa advertência, somos tranquilizados com um esclarecimento logo a seguir:

            "Reconhecemos, contudo, com prazer que as comunicações dessa natureza formam, na massa, uma pequena minoria. A maioria das outras encerra bons pensamentos e excelentes conselhos (...)."

            V - Orientações para os médiuns psicógrafos que almejam a publicação de seus trabalhos e, paralelamente, para os editores e redatores de órgãos da Imprensa Espírita:

            1. "(...) Para apreciar as comunicações, relativamente à publicidade, não podem ser vistas de seu ponto de vista, mas do público. Compreendemos a satisfação que se experimenta ao obter algo de bom, sobretudo quando se começa; mas além de que certas pessoas podem ter ilusões relativamente ao mérito intrínseco, não se pensa que há centenas de outros lugares onde se obtêm coisas semelhantes; e o que é de poderoso interesse individual pode ser banalidade para a massa." (...)

            2. "(...) é preciso considerar que, de algum tempo para cá, as comunicações adquiriram, sob todos os respeitos, proporções e qualidade que deixam muito para trás as que eram obtidas há alguns anos. (...) Na maioria dos Centros realmente sérios, o ensino dos Espíritos cresceu com a compreensão do Espiritismo. Desde que por toda a parte, são recebidas instruções mais ou menos idênticas, sua publicação poderá interessar apenas sob a condição de apresentar qualidades destacadas como forma e como alcance instrutivo. Seria, pois, ilusão crer que toda mensagem deve encontrar leitores numerosos e entusiastas. Outrora, a menor conversa espírita era novidade e atraía a atenção; hoje, que os espíritas e os médiuns não se contam mais, o que era uma raridade é um fato quase banal e habitual, e que foi distanciado pela amplidão e pelo alcance das comunicações atuais, assim como os deveres escolares o são pelo trabalho adulto". ( ... )

            3. "(...) convém delas (ou seja, das comunicações mediúnicas) afastar tudo quanto, sendo de interesse privado, só interessa àquele que lhe concerne. (5) Depois, tudo quanto é vulgar no estilo e nas ideias, ou pueril pelo assunto. Uma coisa pode ser excelente em si mesma, muito boa para servir de instrução pessoal; mas o que deve ser entregue ao público exige condições especiais. Infelizmente o homem é inclinado a supor que tudo o que lhe agrada deve agradar aos outros. O mais hábil pode enganar-se; tudo está em enganar-se o menos possível". ( ... )

                (5) Há que evidenciar, no presente, as comunicações obtidas por médiuns de comprovada fidelidade e irrepreensível moral. Entre muitos, cito o caso de Francisco Cândido Xavier, que nas reuniões do Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, tem recebido um sem-número de mensagens ditadas, muitas delas, por jovens que desencarnaram vitimados por acidentes.
                Na verdade, ditas mensagens - dirigidas principalmente aos seus familiares -, têm, é óbvio, um aspecto todo particular, mas não deixam de constituir, em razão dos pormenores nelas contidos, insofismável prova da identidade dos Espíritos comunicantes, atestando, dessa forma, o abençoado princípio da imortalidade da alma, para quantos se debatem nas malhas da descrença quanto à vida de Além-Túmulo!       

            VI - Conclusões de Kardec:

            1. "Por aí pode julgar-se da necessidade de não publicar inconsideradamente tudo quanto vem dos Espíritos, se se quiser atingir o objetivo a que nos propomos, tanto do ponto de vista material quando do efeito moral e da opinião que os indiferentes possam fazer do Espiritismo;" ( ... )

            2. "Todas as precauções são poucas para evitar as publicações lamentáveis. Em tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa." (...)

            3. "(...) publicando comunicações dignas de interesse, faz-se uma coisa útil. Publicando as que são fracas, insignificantes ou más, faz-se mais mal do que bem. Uma consideração não menos importante é a da oportunidade. Umas há cuja publicação é intempestiva e, por isso, prejudicial. Cada coisa deve vir a seu tempo. Várias delas que nos são dirigidas estão neste caso e, posto que muito boas, devem ser adiadas. Quanto às outras, acharão seu lugar conforme as circunstâncias e o seu objetivo".

*

            Do que foi dado apreciar e atentos à própria vivência doutrinária, podemos levantar os seguintes conceitos para íntima reflexão:

            1. O problema das comunicações mediúnicas é muito delicado, tanto para o médium quanto para um editor ou redator de periódico espírita. O assunto requer o máximo de atenção, pois, a inobservância desse preceito pode gerar lamentáveis consequências para as partes, sem considerar ainda o leitor, que igualmente será afetado.

            2. Possui a Biblioteca Espírita vasta literatura produzida por estudiosos encarnados e desencarnados. O estudo dessas obras propiciará ensejo de se enfrentar o problema com o discernimento que o caso requer.

            3. Sirvo-me, neste último item, das próprias palavras de Kardec:

            "O que dizemos não é para desencorajar de fazer publicações. Longe disso. Mas para mostrar a necessidade de escolha rigorosa, condição sine qua non do sucesso."

 Kleber Halfeld


Trova de Irmão - 3



Pessoa que te Injurie
Deixa que fique onde está;
Olvida, serve e perdoa,
Que a vida responderá.

Chiquinho de Moraes
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Março 1973


Kardec e a Espiritualidade


Kardec e a Espiritualidade 
Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Outubro 1949
(Mensagem recebida em 7.02.1941 e revista pelo autor espiritual em 1949)



            Todas as missões dignificantes, conferidas pela Eterna Sabedoria, aos grandes vultos humanos, são tarefas do Espírito.

            Precisamos compreender a santidade do esforço de um Edison, desenvolvendo as comodidades da civilização, o elevado alcance das experiências de um Marconi, estreitando os laços da fraternidade entre os povos; apreciando, porém, o labor da inteligência, somos obrigados a reconhecer que nem todas as organizações da Terra adquirem imediata repercussão no plano dos Espíritos.

            Daí, a razão de examinarmos o traço essencial do trabalho confiado a Allan Kardec. Suas atividades requisitaram a atenção do Planeta e, simultaneamente, ecoaram nas esferas espirituais que lhe dizem respeito, onde se formaram legiões de colaboradores.

            O ministério do Codificador revelava aos homens um mundo diferente.

            A morte, o problema milenário das criaturas, perdeu a feição de esfinge. Outras vozes, por intermédio da obra dele, falaram da vida, além do sepulcro. Seu esforço, por isso, espalhou-se pelo orbe, constituindo a mais consoladora das filosofias e difundindo-se, naturalmente, nos círculos invisíveis ao homem comum por vasto movimento de interesses divinos.

            Ninguém pode afirmar que Kardec fosse o autor do Espiritismo, porque este é de todos os tempos e situações da Humanidade. Entretanto, ele é o apóstolo da renovação cristã. Com este título, conquistado ao preço de profundos sacrifícios, cooperou com Jesus para que o mundo não desfalecesse desesperado. E, contribuindo com a valorosa coragem de que forneceu amplo testemunho, organizaram-se na espiritualidade os mais dilatados empreendimentos de colaboração e auxílio à sua iniciativa superior.

            Legiões de amigos da verdade alistaram-se sob a sua bandeira, cooperando no êxito da causa sublime. Atrás de seus passos, movimentou-se um mundo mais elevado, abriram-se portas desconhecidas do olhar comum, a fim de que a fé e a ciência iniciassem a marcha de suprema coesão, em Cristo Jesus.

            Não somente o orbe terrestre, em sua paisagem física, foi beneficiado.

            Não apenas a inteligência encarnada amealhou esperanças.

            O mundo invisível, mais intimamente ligado ao campo humano, alcançou igualmente consolo e compreensão.

            Os vícios de educação religiosa haviam prejudicado as noções da criatura, relativamente ao problema da alma desencarnada.

            As ideias de um céu injustificável e de um inferno terrível definiam o espírito exonerado da carne à conta de um exilado da Terra, onde amou, lutou e sofreu, criando profundas raízes sentimentais. Semelhante convicção contrariava o espírito de sequência da Natureza. Quem atendeu às determinações da morte, naturalmente continua, além, as tarefas começadas no caminho evolutivo, infinito.

            Quem sonhou, esperou, combateu e torturou-se não foi a carne, reduzida à condição de vestidura, mas a alma, senhora da vida imortal.

            Tais aberrações expressam, de algum modo, o alcance grandioso da missão de Allan Kardec, considerada nos vários círculos de aperfeiçoamento em que nos movimentamos.

            É justo o reconhecimento dos homens e não menor o nosso agradecimento aos seus sacrifícios de missionário, ainda porque em seu ministério de revelação apreciamos a atividade do apóstolo sempre viva.

            Que Deus o abençoe.

            Afirma-nos o Evangelho que os anjos se regozijam nos céus quando se arrepende um pecador. E o serviço santificado de Allan Kardec tem consolado, modificado e convertido ao Senhor milhões de pecadores, neste mundo e no outro.


Allan Kardec, venerado Mestre e excelso Codificador do Espiritismo


Allan Kardec,
venerado Mestre e excelso Codificador do Espiritismo 
por Vianna de Carvalho
Reformador (FEB) pág. 108 ano 1908

            Pairava ainda nos âmbitos da Europa o estridor das demolições perpetradas pelo escopro inexorável da Enciclopédia.

            Os horizontes da Civilização se afogavam na escuma dos ódios revolucionários.

            A França, para inscrever os direitos do homem no código sereno da Justiça, desencadeara uma hecatombe horrível.

            Caudais de sangue tinham ensopado o solo, em que mais tarde a árvore da liberdade deveria abrir a sombra amiga, protegendo os humildes e os fracos contra as cóleras do despotismo.

            Na fauce hiante daquela voragem, assinalando o trágico expirar do século dezoito, não se sumiu apenas a um trono, mas todo um passado coberto de labéus e ferido de morte pela condenação das consciências revoltadas.

            As crises históricas têm o seu cortejo pavoroso de iniquidades, as suas aberrações e anomalias resvalando no crime, mas também resplandecências redentoras se esparzindo gloriosamente por sobre o montão de ruínas que semeiam na passagem veloz. A reforma das agremiações humanas, combalidas por vícios tradicionais, aprisiona em seu bojo tempestades condensadas pela imprevidência dos legisladores.

            Se o dinamismo irresistível da evolução arranca as raízes das tiranias, ao mesmo tempo desfere golpes nas armaduras das aspirações de cuja vitalidade haure os lauréis de seus triunfos.

            O poder esmagado de Luís XVI não valia a cabeça genial de André Chenier, rolando do cadafalso ao tigrino clamor das multidões desvairadas.

            Quando Voltaire, Diderot, Montesquieu, Condorcet... faziam fermentar, com análises perscrutadoras e audaciosas teorias, os gérmens de um cataclismo social, nem pressentiam sequer a série tenebrosa de atentados, desfraldada depois em nome da Ciência, do Progresso e da Fraternidade.

            Por isso, os alvores do século das luzes surgiam tintos dos funéreos reflexos exalados ao crepitar das batalhas fumegantes.

            A torrente das agitações intestinas revolvera tumultuariamente os esteios da ordem administrativa, econômica e intelectual de um povo se arremessando para o futuro por um longo tirocínio de provanças e obscurantismo.

            Destarte, após aquele arrojo titânico, sob cujas ondas fragorosas tantas existências naufragaram, persistiria, como persistiu, o frêmito de aniquilar quanto era ainda vestígio das gerações caducas.

            As águias napoleônicas transpunham neves alpinas, sorridentes planícies da romanesca Itália, franjas alvacentas do Mediterrâneo, e iam-se agasalhar no topo das pirâmides petrificadas em plena vastidão dos areais infindos.

            Os prelúdios de uma glória, soerguida ao estourar das metralhas, já cobriam de cinzas o cadáver das instituições, amparadas um momento pelo verbo flamívomo de Mirabeau nas assembleias submissas à fascinação da eloquência.

            Precursores nimbos de borrasca vizinha mareavam o azul do Velho Continente.

            Muito em breve, legiões sombrias, devorando as distâncias com a impetuosidade das avalanches soltas, tinham de assentar seus arraias em Austerlitz, Wagram, em Zaragoza... ao som de músicas guerreias abafando as soluções das vítimas ceifadas.

            Nessa hora de suprema angústia, parecia que se cerravam as pálpebras divinas nos penetrais do Infinito.

            Não formulemos, porém, conjetura tão blasfema; pois nesse mesmo ano em que Pio VII esquecia as suntuosidades anti-religiosas do Vaticano, ao vir coroar Bonaparte em Paris, um meigo Espírito se exilava das alturas felizes, descendo à Terra no cumprimento de uma esplêndida missão altamente regeneradora.

            Sabeis-lo... esse Espírito seria o insigne codificador de uma doutrina em cujo seio há repouso para todas as fadigas, bálsamo para todos os infortúnios e esperanças para todas as incertezas de nossa mísera existência.

            Allan Kardec, enviado pela misericórdia celeste, vinha renovar as promessas de Jesus, restabelecer a pureza de seus ensinos, falseados através das idades, e erigir o lábaro da Nova Revelação sobre o cairel de mil conturbadas paixões.

            A tarefa assumia relevos verdadeiramente desanimadores.

            Nas épocas de transição, só os gigantes do pensamento envergam a enfibratura de aço, personificada nesse herói da grega mitologia que estrangulou a hidra de Lema, domou o touro da ilha de Creta e conseguiu subtrair os frutos de ouro do jardim das Hespéridas.

            Kardec mediu a travessia eriçada de abrolhos, cavada de pélagos vorazes, com esse olhar da águia que aprende, desde nova, a só fitar os alcantis alterosos.

            A sua responsabilidade era tão grande como a obra, a cuja edificação vinha consagrar todas as energias e estremecimentos de uma alma que se devota ardentemente à causa do bem comum.

            Vacilar ou esmorecer, seria o retardamento do progresso humano em sua marcha ascensional aos páramos da luz.

            Aquele Titã do Espiritualismo contemporâneo, antes se deixaria esmagar ao peso de desventuras imensas, do que retroceder em face das oposições levantadas pelo egoísmo dos sistemas filosóficos e credos religiosos a se digladiarem encarniçadamente.

            Iniciada a trajetória que se traçara, obedecendo aos nobres impulsos de uma compleição diamantina, seguiu-a sem discrepâncias até ao marco extremo, com a serenidade dos justos e o desassombro dos fortes coroando-lhe a fronte em fúlgidos diademas.

            As farpas da inveja e da calúnia, a baba dos preconceitos, os gritos dos interesses inconfessáveis feridos em seus redutos, debalde se insurgiram contra os salutares princípios enfaixados possantemente por sua lógica de bronze.

            Esses embates sem norte se estilhaçavam de encontro à couraça de suas convicções luminosas.

            É que ele era a viva encarnação da tenacidade posta ao serviço de sentimentos puríssimos.

            Por fim as tubas do triunfo desatavam já as suas festivas notas, quando a morte o surpreendeu no retinir das pelejas.

            O estrênuo lidador caiu como o cedro da floresta ao sopro dos furacões, mas o seu Espírito ascendeu mais refulgente aos visos da imortalidade.

***

            Mestre, a esta hora, por toda a parte, hinos de gratidão se evolam em torno de tua memória estrelejada de bênçãos.

            A família espírita universal curva-se agradecida pelos benefícios que nos legaste, legando-nos também o exemplo fecundo de tantas abnegações dignas somente dos missionários da Verdade.

            A doutrina que pregaste - a mesma de Jesus - continua de pé, como o rochedo que no alto mar a fúria das vagas desafia.
           
            Não prevaleceram contra ela os golpes arremessados pelos ódios e injustiças venenosas de teus contemporâneos.

            É a própria Ciência que se impõe o dever de proclamar, pela voz de seus luzeiros, a inquebrantável solidez do Espiritismo.

            Somente, ainda não soou o instante de nossa completa regeneração.

            Até hoje os espíritas não se penetraram suficientemente desses raios vivificantes, que são o amor, a justiça e o perdão...


            Ajuda-nos, pois, a transpor os abismos interpostos entre a nossa tristíssima condição de degradados e a inalterável felicidade destinada a todas as criaturas pela misericórdia sem términos do Pai Celestial.