Fora da caridade não há salvação
por Arnaldo S. Thiago
Reformador (FEB) Maio 1940
Não confundamos
coisas tão díspares. Para nós uma só é a caridade: a que tem origem no
sentimento do amor ao próximo, qualquer que seja a sua manifestação externa,
mesmo a que fere os preconceitos em voga...
Contudo,
reconhecemos que restrito a mui raros espíritos, desprendidos das tibiezas e
dos prejuízos humanos, é esse divino conceito da caridade, exemplificada pelo
Cristo, que não desdenhava da companhia das mulheres de má vida e dos
publicanos, em quem muitas vezes encontrava mais nobreza de sentimentos e
altaneria (capacidade de voar alto) moral,
do que nos pretensos mestres da moral e dos bons costumes, fariseus hipócritas,
a quem Ele vergastava com as suas palavras e admoestações veementes.
Queremos
falar da caridade, segundo o critério humano do testemunho dos atos. Neste
domínio do terra-a-terra o que vemos é a proliferação da caridade material que
gostaríamos de qualificar como predisposição ao bem e que consideramos, hoje
mais do que nunca, em que o Estado chamou a si todas as funções de assistência
social, dever comesinho do poder público, felizmente assim compreendido no
atual momento histórico de nossa Pátria, com a assistência econômica ao trabalhador
nacional e às respectivas famílias e com a multiplicação dos institutos de
assistência – leprozários, hospitais, escolas, etc., etc.
Essa
caridade, porém, temo-lo comprovado frequentemente, envolve o conceito
egoístico da retribuição do serviço prestado, seja em vaidade pessoal de haver
dado, seja na escravização do beneficiado ao doador generoso, seja na presunção
pessoal de se constituir o doador em centro para onde convergem todas as
atenções dos mesmos beneficiados. Para esta caridade – infelizmente a mais apreciada
até nos meios espíritas – não é necessário o sentimento d'alma; basta dispor de
recursos de um coração vaidoso,
temperado de altruísmo.
Esta
caridade não é a escola educadora do espírito para a grande renovação social
que se prepara desde o advento do Consolador. Urge que se disponham as
inteligências para a compreensão do Evangelho – escrínio da caridade moral.
Tudo na vida
do Cristo ressumbra delicadeza e verdade. Divina delicadeza moral em face da
mulher adúltera: “Onde estão, mulher, os que te condenavam?... Eu também não
te condeno. Vai e não peques mais.” Divina delicadeza moral diante da
mulher de mal conceito, que lhe derramava perfume nos pés: “Porque muito
amaste, perdoados serão os teus pecados.”
Divina
delicadeza moral para com aquela carinhosa Maria que lhe escutava as palavras,
embevecida, ao ser repreendida pela irmã: “Marta, Marta! Que tanto te
afadigas com as coisas mundanas! Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe
será tirada.”
Sublime
energia da Verdade, que admoesta os grandes, sem fraquezas perniciosas: “Ide
dizer a Herodes, aquela raposa...”, “Nenhum poder terias sobre mim se ele não
te viesse do Alto” (retrucando a Pilatos); ou admoesta os discípulos quando se
deixam contaminar pelos prejuízos humanos: “Tira-te de diante de mim,
Satanás...” (verberando a Pedro um mal conselho que este lhe dava.)
Pois
aí está a caridade do Cristo, a caridade que deve brilhar no coração de todos
os seus servos de boa vontade: a caridade moral, que tem delicadezas divinas para
com o pecador arrependido, para aquele que se humilha, que sofre e que chora;
que é capaz de erguer-se em um ímpeto varonil para expulsar os vendilhões do
templo, para profligar a dureza dos corações, arrostando todas as consequências,
como o Cristo arrostou, a tal ponto que o único recurso que tiveram os magnatas
do seu tempo, para se virem livres dele, foi condena-lo, com astúcia e
venalidade, ao suplício da cruz...
Ainda em
deliquescência o caráter, o verdadeiro caráter religioso. O que se está constituindo
novamente, a pretexto de renovação moral, é um novo acervo de prejuízos e de
formalidades que deixam vazio o coração e estéril o sentimento.
Mas, os dias
próximos desnudarão a verdade. Novos levitas do Evangelho descerão do céu, a
reencarnar na Terra; com eles expandir-se-á entre os homens um doce magnetismo
que penetrará todas as almas, tornando-as sensíveis a todos os grande
movimentos do coração humano: as viragos (mulher de hábitos masculinos)
desertarão do planeta para outras estâncias mais condizentes com a sua grosseria
inominável, e a mulher, a verdadeira mulher, voltará a ser na sociedade a flor
divina da delicadeza moral, aquela que há de saber novamente construir o mundo
à sua feição, restituindo ao homem a poesia da vida que essas viragos – elas próprias
– destruíram com as suas atitudes contrárias à nobre missão da mulher na
sociedade.
Nesse dia, o
homem não se envergonhará de ser delicado e deixará de fazer da sua
inteligência apenas um instrumento de ironia... para disfarçar as agruras da vida!
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