Sejamos tolerantes
Editorial
Reformador (FEB) Julho 1925
O homem tende, por
natureza, a exagerar as coisas e, quanto maior a deficiência de espírito e especulativo,
mais acentuada é essa sua tendência. Subordina a miúdo seu critério de maneira
assaz pueril e, às vezes, tão acomodaticiamente, que bem patenteia atraso e lassidão
moral.
Dificilmente as gerações
se orientam por verdadeiros princípios e isto porque, além da pobreza de suas perspectivas,
em grande parte as influências de velhas tradições ainda predominantes, os
prejuízos de educação e a debilidade moral lhes estorvam o passo.
Todavia, compreendemos
que tudo tem sua razão de ser e muito sabiamente o progresso não se faz aos
saltos. A mesma lei física que preside à germinação, ao crescimento, à florescência
e frutificação das árvores se repete no Espírito humano e se repete enquanto
não vence a fase de seu desenvolvimento, não poderá apreender a sabedoria dos ensinamentos
que fazem parte do patrimônio da humanidade. Em cada etapa de progresso
necessidades novas, meios outros de nutrição, capacidades diferentes, velando
se a verdade na medida da relatividade da compreensão.
O pensar de uma geração
obedece sempre ao grau de evolução realizada e não se deve esperar de um período
embrionário, de obscurantismo, as ideias brilhantes e o alto critério de um
estado de superior cultura e progresso. Daí a linguagem apropriada a cada
época, respeito às crenças humanas, as diferentes linguagens de que usaram os
precursores da ciência humana e divina.
E do atraso sendo
principal rebento a intolerância, observamos o formidável dissídio que separa
os homens, no dilatado campo do pensamento religioso e filosófico, porque ainda
não quiseram atentar em que nem todos possuem a mesmas capacidades, nem todas
as almas são gêmeas no sentimento e no saber. E não quiseram ainda compreender
que, de homem a homem, de alma a alma, muita vez há distâncias infinitas, distinguindo-os
sempre a gradação progressiva, manifestando-se diversidade tal, entre as inteligências
e os Espíritos humanizados que se poderia compará-los a das folhas de uma árvore
mesma, jamais absolutamente iguais, todas parecidas, do mesmo aspecto e
conformação, porém de grandeza diferentes.
De que modo pois o
entendimento se poderá dar entre Espíritos de possibilidades tão diversas e
qual a maneira da coadjuvação dos mais esclarecidos? Difícil não será a solução
de problema tão sério, pois na tolerância encontramos o seguro respeito às crenças
sinceras e o instrumento de desbravamento das inteligências débeis. Porque
tenhamos alcançado maior progresso e mais ciência, de desembaraçando nos das
andadeiras, devemos por isso condená-las e destruí-las? Pois que! Possuindo
mais luz, os Espíritos teriam ficado cegos? Não vêm que a outros é mister que as
andadeiras lhe prestem apoio aos movimentos? Como reprovar a experiência do
velho apóstolo dos Gentios quando dizia: “Leite vos dei, por não poderdes
suportar nutrição mais sólida”?
E, chegados que somos a este
ponto, é ocasião de dizermos aos espíritas, repetindo as palavras dos Espíritos
reveladores: “Não censureis os que erroneamente interpretaram as palavras de Jesus.
Tudo tem a sua razão de ser. As falsas interpretações humanas, devida ao estado
das inteligências, as necessidades da época e dos tempos que se seguiram,
serviram, como condição e meio de progresso, à atualidade de então e prepararam
o futuro que se abre ante vós pela nova revelação.”
Há uma tendência, que é
preciso corrigir em o nosso Espírito: a de não apreciarmos sempre as coisas
debaixo do elevado ponto de vista do providencialismo, que governa e regula a
marcha dos acontecimentos e do progresso humanos. Se Jesus outrora não veio destruir
a lei mas cumpri-la, muito menos o Espiritismo a vem destruir hoje. A missão dos
seus adeptos é cumpri-la, trabalhando pelo advento do Reino de Deus na terra. E
como este não consiste em fatos, disse Jesus, nem em gestos exteriores e porque
está no coração do homem, cumpre a cada um de nós propugnar pela sua
realização, predicando a moral evangélica, exemplificando-a sinceramente em
toda parte.
Dos lábios do espírita
não devem cair palavras que não traduzam as excelências do tesouro que a sua
alma guarda, varrida esta das iconoclastias que não tenham por objeto a
destruição do mal, da impureza e da miséria moral que se alojaram no coração.
E se não nos devemos
conformar ou transigir com os erros ou faltas, estejamos bardados de ferro, mas
com um coração fraterno, porque o cristão deve ser um justo que sabe combater (‘Justice’,
pg. 25 ed. Nova, C. Wagner) “falando com doçura e severidade, apropriando sua linguagem
ao caráter e disposição de cada um”. (Quatro Evangelhos, tomo II, Roustaing)
Respeitemos as crenças
sinceras, jamais as choquemos inutilmente, “enquanto possam conciliar-se com o
progresso da humanidade; mas desde que os Espíritos fracos se apeguem
fortemente a tal ou tal dogma, a tal ou tal cerimônia – digamo-lhes: “O culto
que agrada o Senhor é unicamente o
culto que vem do coração, a seus olhos
nenhum valor tem os atos exteriores,
não vos descuideis do culto da alma, grato ao Senhor.” (Obra citada)
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