quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Sejamos tolerantes



Sejamos tolerantes
Editorial
Reformador (FEB) Julho 1925

            O homem tende, por natureza, a exagerar as coisas e, quanto maior a deficiência de espírito e especulativo, mais acentuada é essa sua tendência. Subordina a miúdo seu critério de maneira assaz pueril e, às vezes, tão acomodaticiamente, que bem patenteia atraso e lassidão moral.

            Dificilmente as gerações se orientam por verdadeiros princípios e isto porque, além da pobreza de suas perspectivas, em grande parte as influências de velhas tradições ainda predominantes, os prejuízos de educação e a debilidade moral lhes estorvam o passo.

            Todavia, compreendemos que tudo tem sua razão de ser e muito sabiamente o progresso não se faz aos saltos. A mesma lei física que preside à germinação, ao crescimento, à florescência e frutificação das árvores se repete no Espírito humano e se repete enquanto não vence a fase de seu desenvolvimento, não poderá apreender a sabedoria dos ensinamentos que fazem parte do patrimônio da humanidade. Em cada etapa de progresso necessidades novas, meios outros de nutrição, capacidades diferentes, velando se a verdade na medida da relatividade da compreensão.

            O pensar de uma geração obedece sempre ao grau de evolução realizada e não se deve esperar de um período embrionário, de obscurantismo, as ideias brilhantes e o alto critério de um estado de superior cultura e progresso. Daí a linguagem apropriada a cada época, respeito às crenças humanas, as diferentes linguagens de que usaram os precursores da ciência humana e divina.

            E do atraso sendo principal rebento a intolerância, observamos o formidável dissídio que separa os homens, no dilatado campo do pensamento religioso e filosófico, porque ainda não quiseram atentar em que nem todos possuem a mesmas capacidades, nem todas as almas são gêmeas no sentimento e no saber. E não quiseram ainda compreender que, de homem a homem, de alma a alma, muita vez há distâncias infinitas, distinguindo-os sempre a gradação progressiva, manifestando-se diversidade tal, entre as inteligências e os Espíritos humanizados que se poderia compará-los a das folhas de uma árvore mesma, jamais absolutamente iguais, todas parecidas, do mesmo aspecto e conformação, porém de grandeza diferentes.

            De que modo pois o entendimento se poderá dar entre Espíritos de possibilidades tão diversas e qual a maneira da coadjuvação dos mais esclarecidos? Difícil não será a solução de problema tão sério, pois na tolerância encontramos o seguro respeito às crenças sinceras e o instrumento de desbravamento das inteligências débeis. Porque tenhamos alcançado maior progresso e mais ciência, de desembaraçando nos das andadeiras, devemos por isso condená-las e destruí-las? Pois que! Possuindo mais luz, os Espíritos teriam ficado cegos? Não vêm que a outros é mister que as andadeiras lhe prestem apoio aos movimentos? Como reprovar a experiência do velho apóstolo dos Gentios quando dizia: “Leite vos dei, por não poderdes suportar nutrição mais sólida”?

            E, chegados que somos a este ponto, é ocasião de dizermos aos espíritas, repetindo as palavras dos Espíritos reveladores: “Não censureis os que erroneamente interpretaram as palavras de Jesus. Tudo tem a sua razão de ser. As falsas interpretações humanas, devida ao estado das inteligências, as necessidades da época e dos tempos que se seguiram, serviram, como condição e meio de progresso, à atualidade de então e prepararam o futuro que se abre ante vós pela nova revelação.”

            Há uma tendência, que é preciso corrigir em o nosso Espírito: a de não apreciarmos sempre as coisas debaixo do elevado ponto de vista do providencialismo, que governa e regula a marcha dos acontecimentos e do progresso humanos. Se Jesus outrora não veio destruir a lei mas cumpri-la, muito menos o Espiritismo a vem destruir hoje. A missão dos seus adeptos é cumpri-la, trabalhando pelo advento do Reino de Deus na terra. E como este não consiste em fatos, disse Jesus, nem em gestos exteriores e porque está no coração do homem, cumpre a cada um de nós propugnar pela sua realização, predicando a moral evangélica, exemplificando-a sinceramente em toda parte.

            Dos lábios do espírita não devem cair palavras que não traduzam as excelências do tesouro que a sua alma guarda, varrida esta das iconoclastias que não tenham por objeto a destruição do mal, da impureza e da miséria moral que se alojaram no coração.

            E se não nos devemos conformar ou transigir com os erros ou faltas, estejamos bardados de ferro, mas com um coração fraterno, porque o cristão deve ser um justo que sabe combater (‘Justice’, pg. 25 ed. Nova, C. Wagner) “falando com doçura e severidade, apropriando sua linguagem ao caráter e disposição de cada um”. (Quatro Evangelhos, tomo II, Roustaing)

            Respeitemos as crenças sinceras, jamais as choquemos inutilmente, “enquanto possam conciliar-se com o progresso da humanidade; mas desde que os Espíritos fracos se apeguem fortemente a tal ou tal dogma, a tal ou tal cerimônia – digamo-lhes: “O culto que agrada o Senhor é unicamente o culto que vem do coração, a seus olhos nenhum valor tem os atos exteriores, não vos descuideis do culto da alma, grato ao Senhor.” (Obra citada)

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