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sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Fora da caridade não há salvação

 

Fora da caridade não há salvação

por Arnaldo S. Thiago

Reformador (FEB) Maio 1940

                 Tomando por título deste nosso artigo a divisa do Espiritismo, de caráter universal, em contrste com a da “igreja pequena”, de intuitos restritivos e sectaristas, pretendemos chamar a atenção dos nossos confrades para as diferentes nuances da caridade, se é que se pode chamar caridade tanto ao ato meramente convencional de atirar um níquel ao chapéu do mendigo, sem a emoção íntima do sentimento, como ao sublime rasgo de abnegação de quem sacrifica a própria vida, para salvar a do próximo; tanto à ríspida vergastada da crítica que educa intimidando, como à divina delicadeza moral de quem adverte em segredo com os olhos marejados de lágrimas.

            Não confundamos coisas tão díspares. Para nós uma só é a caridade: a que tem origem no sentimento do amor ao próximo, qualquer que seja a sua manifestação externa, mesmo a que fere os preconceitos em voga...

            Contudo, reconhecemos que restrito a mui raros espíritos, desprendidos das tibiezas e dos prejuízos humanos, é esse divino conceito da caridade, exemplificada pelo Cristo, que não desdenhava da companhia das mulheres de má vida e dos publicanos, em quem muitas vezes encontrava mais nobreza de sentimentos e altaneria (capacidade de voar alto) moral, do que nos pretensos mestres da moral e dos bons costumes, fariseus hipócritas, a quem Ele vergastava com as suas palavras e admoestações veementes.

            Queremos falar da caridade, segundo o critério humano do testemunho dos atos. Neste domínio do terra-a-terra o que vemos é a proliferação da caridade material que gostaríamos de qualificar como predisposição ao bem e que consideramos, hoje mais do que nunca, em que o Estado chamou a si todas as funções de assistência social, dever comesinho do poder público, felizmente assim compreendido no atual momento histórico de nossa Pátria, com a assistência econômica ao trabalhador nacional e às respectivas famílias e com a multiplicação dos institutos de assistência – leprozários, hospitais, escolas, etc., etc.

            Essa caridade, porém, temo-lo comprovado frequentemente, envolve o conceito egoístico da retribuição do serviço prestado, seja em vaidade pessoal de haver dado, seja na escravização do beneficiado ao doador generoso, seja na presunção pessoal de se constituir o doador em centro para onde convergem todas as atenções dos mesmos beneficiados. Para esta caridade – infelizmente a mais apreciada até nos meios espíritas – não é necessário o sentimento d'alma; basta dispor de recursos de um coração vaidoso, temperado de altruísmo.

            Esta caridade não é a escola educadora do espírito para a grande renovação social que se prepara desde o advento do Consolador. Urge que se disponham as inteligências para a compreensão do Evangelho – escrínio da caridade moral.

            Tudo na vida do Cristo ressumbra delicadeza e verdade. Divina delicadeza moral em face da mulher adúltera: “Onde estão, mulher, os que te condenavam?... Eu também não te condeno. Vai e não peques mais.” Divina delicadeza moral diante da mulher de mal conceito, que lhe derramava perfume nos pés: “Porque muito amaste, perdoados serão os teus pecados.”

            Divina delicadeza moral para com aquela carinhosa Maria que lhe escutava as palavras, embevecida, ao ser repreendida pela irmã: “Marta, Marta! Que tanto te afadigas com as coisas mundanas! Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada.”

            Sublime energia da Verdade, que admoesta os grandes, sem fraquezas perniciosas: “Ide dizer a Herodes, aquela raposa...”, “Nenhum poder terias sobre mim se ele não te viesse do Alto” (retrucando a Pilatos); ou admoesta os discípulos quando se deixam contaminar pelos prejuízos humanos: “Tira-te de diante de mim, Satanás...” (verberando a Pedro um mal conselho que este lhe dava.)

            Pois aí está a caridade do Cristo, a caridade que deve brilhar no coração de todos os seus servos de boa vontade: a caridade moral, que tem delicadezas divinas para com o pecador arrependido, para aquele que se humilha, que sofre e que chora; que é capaz de erguer-se em um ímpeto varonil para expulsar os vendilhões do templo, para profligar a dureza dos corações, arrostando todas as consequências, como o Cristo arrostou, a tal ponto que o único recurso que tiveram os magnatas do seu tempo, para se virem livres dele, foi condena-lo, com astúcia e venalidade, ao suplício da cruz...

            Ainda em deliquescência o caráter, o verdadeiro caráter religioso. O que se está constituindo novamente, a pretexto de renovação moral, é um novo acervo de prejuízos e de formalidades que deixam vazio o coração e estéril o sentimento.

            Mas, os dias próximos desnudarão a verdade. Novos levitas do Evangelho descerão do céu, a reencarnar na Terra; com eles expandir-se-á entre os homens um doce magnetismo que penetrará todas as almas, tornando-as sensíveis a todos os grande movimentos do coração humano: as viragos (mulher de hábitos masculinos) desertarão do planeta para outras estâncias mais condizentes com a sua grosseria inominável, e a mulher, a verdadeira mulher, voltará a ser na sociedade a flor divina da delicadeza moral, aquela que há de saber novamente construir o mundo à sua feição, restituindo ao homem a poesia da vida que essas viragos – elas próprias – destruíram com as suas atitudes contrárias à nobre missão da mulher na sociedade.

            Nesse dia, o homem não se envergonhará de ser delicado e deixará de fazer da sua inteligência apenas um instrumento de ironia... para disfarçar as agruras da vida!


Casos e Coisas

 

M. Quintão

Casos e coisas

por Manoel Quintão

Reformador (FEB) Janeiro 1940

                 Nota: Quem lê Quintão sabe que em seus textos são inseridas palavras de rara utilização. Se você se sente confortável para alterar nossas anotações feitas entre parênteses por favor, sinta-se à vontade. Envie-nos as devidas correções para o nosso email: gckauffman@gmail.com. e o texto será revisto. Grato. Gustavo

             Confrades solícitos e quiçá escandalizados escrevem-nos constantemente e nos enviam recortes de jornais, para que respondamos às críticas mais ou menos pitorescas, quando não parvas (pouco inteligentes), aí surgidas agora, como broto abortivo da campanha médico-clerical.

            Não se precatam (acautelam-se), esses amáveis confrades, de que o jogo é velho e feito sempre com as mesmas cartas. O que muda é a parceria, quando muda.

            Em se tratando do Parnaso de Além Túmulo, vale então dizer que essa crítica veio tarde e a más horas, pois esse livro, maravilhoso e único nos anais da bibliografia espírita, apareceu há oito anos, está na terceira edição quase esgotada e, por conseguinte, consagrado no conceito público.

            O público, é bem de ver, não se conta aqui pelas tasquinhas (pedacinhos) da peraltice literária, esfatiada ao gosto de mentalidades seminaristas e mais ou menos cavadoras de notoriedade, em achegas de revistas mais ou menos esportivas. Não é, tampouco, o que ajuiza de conta alheia. Esse público nós o damos sem ágio aos mercadores de roupas feitas, para que se vista à vontade e acompanhe o terço e a missa que melhor lhe saiba. Não temos a pretensão de aposentar Panurgo (designação irônica dos que só procedem por espírito de imitação.) Nosso público é de outra marca, não se improvisa, não se requesta. A convicção não se lhe faz ab extrinseco ( apresentar a fé impondo-se à alma unicamente do exterior e por via autoritária), mediante garabulhos (asperezas) de convicção, mas, ex intimis, (do mais íntimo...) em penhor de madureza espiritual, que os “Saint-Beuvesinhos” (Saint Beuve: crítico literário francês) de arribada (ato ou efeito de arribar, de chegar à margem) jamais poderiam conceber na sua psicologia materialista, salvo o paradoxo. Então, que querem os confrades missivistas? É deixa-los com a sua psicose e aguardar que o Tempo, o grande mestre da vida, se encarregar de lourejar (amarelecer) as searas, como quem sabe que não crê quem quer, mas, quem pode.

 *

             Pelo que nos diz respeito a nós, os do pariato (é um sistema de títulos da aristocracia, historicamente usado em muitos sistemas monárquicos de governo. O termo "pariato" tecnicamente se refere a um subconjunto do sistema completo de títulos da nobreza, e o significado varia de país para país.) intelectual no conceito deles detentores da ciência qye nem sempre é consciência e, menos ainda, consciência divina, o que importa é prismar a questão e fixá-la nos seguintes termos: Francisco Cãndido Xavier é uma criatura de carne e osso, não mítica, nascida, criada, educada ali assim em “Pedro Leopoldo”, onde vive pobre, modesta e virtuisamente. Todos os seus conterrâneos o estimam, exaltam-lhe as virtudes e sabem que ele não teve outra instrução além da rudimentar, ministrada em nossas escolas primárias, da roça. Precisando ganhar a vida, adolesceu (tornou-se adolescente), esfregando balcão de taverna e ainda hoje exerce um insignificante cargo de copista datilógrafo. Nunca teve dinheiro para comprar livros e, ainda que lhos ofertassem, não lhes sobraria tempo de os ler e, menos ainda, meditar.

            Não teve, outrossim, o convívio e o estímulo de rodas intelectuais e literárias, não foi tipógrafo, qual Machado de Assis, nunca fixou de plano qualquer problema filosófico, social, moral, científico ou religioso... Isso ele mesmo o diz, melhor que nós, no proêmio do Parnaso e é o que a crítica honesta competiria considerar antes de criticar.

            Pois bem: esse moço, que não escreve quando quer nem como quer, e nunca para ganhar dinheiro – pois que nada aufere da sua recolta (ato ou efeito de colher, recolher) mediúnica e os próprios elogios o constrangem e intimidam – esse moço nos vem dando de improviso, vertiginosamente, sem intermitência de quaisquer elucubrações embrionárias, ou de plano preconcebido, obras de relêvo literário, não somentte, mas de fundo filosófico e científico, só frutecentes ( que dê frutos) em cerebrações      (atividade mental) privilegiadas e adubadas de copiosa e intensa cultura.

            E na prosa como no verso afloram estilos, modismos, dialéticas, hermenêuticas pessoais inconfundíveis e mais – inconcebíveis, porque tudo isso ele ignora. É a História trabalhada em veios ricos de poderosa síntese, é o Romance entretecido em bastidores de fina tela psicológica, a preceito técnico, é a Filosofia condensada, pasteurizada à luz de todas as conquistas do pensamento humano.

            Em toda essa obra multifária (variada) e cambiante (modulada), desbordam teorias, fatos, doutrinas e conclusões, que o médium não ruminou, não poderia ter imaginado, induzido ou deduzido jamais. Alega-se que há falahs nessa obra? Perrfeitamente; mas, antes de tudo, é preciso focalizar no seu conjnto e atender às circunstâncias em que se nos ela oferece. Que nos dizem os críticos, por exemplo, desse alfabeto de cegos, coisa que o médium nunca viu, por ele grafado a ponta de alfinete? Que dizem da escrita invertida e, ao demais, em inglês, idioma desconhecido do médium? E das mensagens de caráter íntimo, concernentes a episódios remotos, totalmente ignorados do médium e esquecidos do consulente?

            Conosco mesmo, ainda há pouco, em sofrermos um acidente que nos levou ao leito por 30 dias, o médium vibrou a 650 km distante e deu o alarme com uma mensagem espontânea de Emmanuel (seu Guia-Espiritual), absolutamente sintonizada com o nosso estado de alma, reproduzindo ipsis verbis (literalmente) pensamentos nossos em face do acontecimento, quando, por si, nada sabia nem poderia presumir!

            São provas documentais, nítidas, incontáveis, que se não infirmam com paroleiras (imposturas) mais ou menos áticas (despojadas) e bizantinas (especulativas). Noutro país, elas seriam dignas de estudo conspícuo, qual o fizeram na Inglaterra a Sociedade Dialética de Londres e, na Frnaça, o Instituto Metapsíquico.

            Entre nós, com a nossa mentalidade moitante (brincalhona)-desportivo-carnavalesca, vai tudo à conta dos Pimentéis (?) e do ... “pastiche” (obra literária ou artística em que se imita abertamente o estilo de outros escritores, pintores, músicos etc.)

                Mas, como o “pastiche” pressupõe habilidade invulgar, cultura intelectual, tempo e, sobretudo, interesse, claro ou oculto, e nada disso ressalta da obra honesta do médium Xavier, já houve um preopinante que se saiu com esta: ou fenômeno genial inexplicável, ou pastiche inconsciente... Ouviram bem? – inconsciente! E aí tens, leitor confrade, uma charada sem conceito pata o teu conceito, que seria de lhe “dar com um gato morto até miar”, se o velho bichano não andasse por aí escondido com a cauda de fora. E que cauda, santo Deus!

            Portanto, convenhamos: é deixá-los examinar, até que lhes possamos repetir evangelicamente o quoerite et invenietis... (procure e você encontrará...)

            Mas até lá...


quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Pais e Filhos

 

Pais e Filhos

João por Chico Xavier

Reformador (FEB) Agosto 1963

 

                Nas vésperas da reencarnação, sou impelido a falar-vos de minha bancarrota espiritual!

            Instrutores e guardiães recomendam-me destacar a importância do ouvido...

            Conseguiria, no entanto, ensinar alguma coisa?

            Devo compreender a razão dessa ordem.

            Nada possuo de bom para dar; contudo, as vítimas da calúnia conseguem reter o doloroso privilégio de exibir a própria falência!...

            Ó Deus de Amor, dai-me forças para confessar a verdade, apenas a verdade!..

            Pedreiro modesto, órfão de mãe desde a meninice, casei-me por amor, embora contra os desígnios de emus irmãos, que me reservavam noiva diferente. Garantindo-me a escolha, porém, estava nosso pai a meu lado – o abnegado pai que amadurecera o raciocínio nas dificuldades do mundo e iluminara o coração no conhecimento do Espiritismo. Carinhoso, assegurou-me o enlace, aprovou-me as decisões e intentou preparar-me, diante da vida, dispensando-me ensinamentos que eu simulava aceitar, de modo a lhe não perder a complacência e a ternura...

            Seis anos passaram, sem que a hostilidade familiar contra a minha mulher esmorecesse, seis anos de maledicência na base da perseguição cordial...

            Alice, a companheira inexperiente, proporcionara-me dois filhos queridos, quando se engravidou pela terceira vez.

            Nessa época, o veneno já me corroera a confiança.

            Apontava-me amigo nosso de infãncia como sendo o responsável pelos supostos desacertos daquela que a Providência Divina me colocara nas mãos por esposa leal.

            Circunstâncias provocadas pelos que mostravam interesse em nossa desunião, falsos testemunhos, bilhetes anônimos e difamações fantasiadas de bons conselhos acabaram por arruinar-me...

            Discutimos.

            Acusei-a, defendeu-se. Chorou, escarneci...

            E, para fiscalizar-lhe a conduta, transferi-me para acasa paterna, ameaçando tomar-lhe as crianças, através do desquite. Para isso, porém, queria provas, tinha fome de confirmações do inexistente.

            Meu pai surgia conciliador:

            - Meu filho, paternidade é compromisso, perante Deus...

            - Você não tem o direito de proceder assim...

            - Onde a caridade para com a esposa ingêenua?

            - Mesmo que ela errasse, constituiria isso motivo para uma sentença de abandono implacável?

            - Há compromissos ditados por desequilíbrios espirituais que não conhecemos na origem...

            Pense nas tragédias da obsessão que campeiam no mundo...

            E os pequenos? Terão eles a culpa de nossas perturbações?

            - Recorramos a prece, meu filho!.. A prece nos clareará o caminho...

            Silenciava, ao recolher-lhe as advertências, em face da veneração que lhe tributava, mas, no íntimo, articulava minhas respostas imanifestas: “orarei pela boca do revólver”, “pobre pai”, “bobo de velho com setenta e seis anos”, “cabeça tonta”, “caduco”, “fanático”...

            E, noite a dentro, espreitava, de longe, os movimentos de Alice, á feição da serpente vigiando a furna de que aparentemente desertara.

            Duas semanas decorreram, normais, quando sobreveio o momento em que lobriguei o vulto de um homem que saía de nossas casa...

            Seria o rival...

            Guardei segredo e prossegui na tocaia.

            Mais quatro dias e o mesmo homem chegou de caro, despediu-se do motorista e entrou...

            Puxei o relógio. Onze horas e quinze minutos. Noite quente.

            Prevenido, acerquei-me da moradia, que se localizava em subusbio remoto.

            Encontraram-se os dois com mostras de intimidade e, a distância, notei que se acomidavam num banco de pedra do pátio lateral, que a sombra envolvia. Conversavam sugerindo carinho mútuo. Enxergava-lhes o perfil, mergulhado em penunbra, conquanto não lhes ouvisse as palavras, e estudei, friamente, a posição que ocupavam na peça estreita.

            Desvairado, consultei o portão de entrada, verificando-o semiaberto. Acesso fácil.

            Com a sagacidade de um felino, avancei, descarregando a arma nos dois.

            Ouvi gritos, mas ocultei-me na vizinhança, para fugir em seguida, a sentir-me vingado.

            Não vacilaria arrostar a polícia, se necessário.

            Tentando refrigerar a cabeça, procurei descansar algumas horas em praia deserta. Entreguei o revólver à lama do esgoto esquecido e voltei a casa para saber, aterrado, que eu não apenas assassinara minha esposa, mas também meu abnegado pai que a socorria...

            Não acreditei.

            Corri ao necrotério e, ao reconhecê-los, tornei ao lar, atormentado pelo remorso, e enforquei-me, sem dar outra impressão que não fosse a de um homem que a dor fizera delirar, atirando-o ao suicídio...

            Exilado por minha própria crueldade, em vales tenebrosos, nunca mais vi os que amo...

            Entendereis o que sofro?

            Quantos anos se passaram sobre os meus crimes? Não sei... Os que choram sem o controle do tempo não sabem contar as horas...

            Misericórdia, meu Deus!

            Dai-me a reencarnação, os empeços da Terra, a luta, a provação e o esquecimento, mas ainda que eu padeça humilhação e surdez, durante séculos, permiti Senhor, que eu aprenda a escutar!...


Ensinos de Emmanuel

 

Ensinos de Emmanuel

Livro: “O Consolador” (Ed. FEB)

Destaques constantes da revista ‘Reformador’ (FEB) Outubro 1944


1. “O Espiritismo não deve nutrir a pretensão de disputar um lugar no banquete dos Estados do mundo. A sua missão divina há de cumprir-se junto das almas, nos legítimos fundamentos do Reino de Jesus.”

2. "O êxito dos esforços do plano espiritual, em favor do Cristianismo redivivo, não depende da quantidade de homens que o busquem, mas da qualidade dos trabalhadores que militam em sua fileiras."

 3. "No Espiritismo é sempre de bom aviso evitar-se a consecução de iniciativas tendentes a estabelecer uma nova classe sacerdotal no mundo."


A Libertação do Homem

 

Léon Denis

A libertação do homem

por Léon Denis

Reformador (FEB) Outubro 1944

             “O livre arbítrio é a expansão da personalidade e da consciência. Para sermos livres é necessário querer sê-lo e fazer esforço para vir a sê-lo, libertando-nos da escravidão da ignorância e das paixões baixas, substituindo o império das sensações e dos instintos pelo da razão. Isto só se pode obter, por uma educação e uma preparação prolongada das faculdades humanas: libertação física pela limitação dos apetites; libertação intelectual pela conquista da verdade; libertação moral pela procura da virtude.”


quarta-feira, 24 de novembro de 2021

A família Fox

 

A família Fox

A Redação

Reformador (FEB) Outubro 1944

             Um dos exemplos mais admiráveis da brusca invasão dos fenômenos espíritas e da maneira pela qual se impõe a força em atividade, apesar de todas as oposições e da resistência dos médoiuns, apresentou-se no começo do movimento espírita. Trata-se da mediunidade dos filhos da família Fox, em 1848. É inútil recordar todos os episódios dessa série de manifestações, pois qye estão narradas circunstanciadamente nas obras especiais: “Modern Spiritualism”, its Facts and Fanaticisms”.pelo Sr. Capron, Boston, 1885; “The Missing Link in Modern Spiritualism”, por Lea Underhill, “Uma das irmãs Fox”, New York, 1885. Farei, apenas, ligeira exposição cronológica dos principais incidentes dessa curiosa série de fenômenos.

            Foi em 1848, em Hydesville, que se ouviram as pancadas pela primeira vez; elas se repetiam todos os dias, não deixando a família descansar e intimidando as crianças. Como não se pudessem conservar em segredo essas manifestações, os vizinhos vão presencia-las, e as perseguições começam. Pouco depois, os Fox são denunciados como impostores e por fazerem comércio com o diabo. A igreja episcopal metodista, da qual os Fox eram adeptos notáveis, os excomunga. Descobre-se a natureza inteligente das pancadas, visto revelarem que um assassinato fora cometido na casa e que a vítima fora sepultada na adega, o que foi verificado mais tarde.

            Em abril de 1848, a família Fox transporta-se para Rochester, para a casa da Sra. Fish, filha mais velha do Sr. E da Sra. Fox, que era professora de música. Os fenômenos reproduzem-se e mesmo se desenvolvem consideravelmente. Às pancadas juntam-se o deslocamento e  a projeção de toda espécie de objetos, aparições, contatos de mãos, etc. Curiosos invadem a casa de manhã à noite e são testemunhas desses fenômenos. A desordem  torna-se tão grande que a Sra. Fish não pode continuar a dar lições de música e tornou-se impossível se ocuparem com o serviço doméstico.” (Capron, pág. 63). “Um ministro metodista propôs-se a exorcisar os espíritos” (pág. 60), mas isso nada adiantou. Finalmente, o acaso fez descobrir a possibilidadede se comunicarem com os Espíritos, pelo alfabeto. Depois de ter declarado, com grande surpresa da família “que eles eram amigos e parentes” (Capron, pág. 64), os Espíritos exigiram que o estudo dos fenômenos se tornassem público. “Deveis proclamar estas verdades ao mundo”. Tal foi a primeira comunicação (Missing Link, pág. 48). Ao que a família Fox se recusou obstinadamente.

            Para que o leitor possa capacitar-se da situação em que a família se achava naquela época, vou reproduzir uma parte da narração de Mrs. Lea Underhill:

         Desejaria por em evidência que os sentimentos de toda a família, de todos nós, eram hostis a essas coisas bizarras e incongruentes; nós as considerávamos uma desgraça, uma espécie de calamidade que caía sobre nós, sem saber donde, nem porquê! De acordo com as opiniões que no chegavam de fora, nossas próprias inclinações e as ideias que nos tinham sido inoculadas na infância nos levavam a atribuir aqueles acontecimentos ao “Espírito maligno”; eles nos tornavam perplexos e nos atormentavam ; de mais, lançavam sobre nós um certo descrédito na localidade. Tínhamos resistido àquela obsessão e lutado contra ela, fazendo preces fervorosas para a nossa libertação, entretanto, estávamos como que fascinados por essas maravilhosas manifestações, que nos faziam suportar, contra a nossa vontade, forças e agentes invisíveis, aos quais érqmos impotentes para resistir e que não podíamos dominar ou compreender. Se nossas vontade, nossos mais sinceros desejos e nossas preces tivessem preponderância, todas essas coisas teriam terminado naquela mesma ocasião, e ninguém, além da nossa vizinhança mais próxima, jamai teria ouvido falar dos “Espíritos batedores” de Rochester, nem da desventurada família Fox. Mas não estava em nosso poder deter ou dominar os acontecimentos.” (Pág. 55)

             “Em novembro de 1848, os “Espíritos” informaram a família de que não podiam lutar contra a resistência que lhes opunhm, e que, em consequência da insubmissão dos médiuns às perguntas dos Espíritos, estes seriam obrigados a deixá-los. Os médiuns responderam que não tinham objeção alguma a fazer, e que nada lhes poderia ser mais agradável e até mesmo só desejavam que os Espíritos os deixassem.” (Capron, pág. 88). Efetivamente, as manifestações detiveram-se e durante doze dias manifestações detiveram-se e durante doze dias não se ouviu uma só pancada. Mas, nesse ínterim, produziu-se uma brusca mudança nas ideias dos membros da família. Tiverm profundo pesar por sacrificarem às considerações mundanas um dever que lhes tinha sido imposto em nome da verdade, e, a pedido de um amigo, as pancadas soaram de novo, e foram saudadas com alegria.

             “Parecia que recebíamos antigos amigos, escreve Lea Underhill; amigos que não tínhamos sabido apreciar dantes, como era preciso” (página 60). Entretanto, do mesmo modo que outrora, as pancadas não deixavam de repetir, imperiosamente: “Tendes um dever a cumprir; queremos que torneis públicas as coisas de que sois testemunhas” (Capron, pág. 90). Os interlocutores invisíveis traçaram o plano de operações que devíamos adotar, com minuciosos pormenores; era preciso alugar a grande sala pública “Corinthian Hall”; os médiuns deviam subir ao estrado em companhia de alguns amigos; as pessoas designadas para ler a conferência foram G. Willets e C. W. Capron (autor do livro citado acima); este último devia fazer o histórico das manifestações; uma junta composta de cinco pessoas, deisgnadas pela assistência, devia fazer uma investigação nessa matéria e redigir um relatório que seria lido na sessão seguinte. Os Espíritos prometiam patentear-se de maneira a serem ouvidos em todas as partes da sala. Essa proposta teve a nossa recusa categórica.” Não tínhamos, de maneira alguma, o desejo, diz o Sr. Capron, de nos expor ao riso público e não queríamos angariar uma celebridade desse gênero... Mas, garantiram-nos que era o melhor meio de impor silêncio às calúnias e de mostra a verdade, e que prepararíamos, desse modo, o terreno para o desnvolvimento das comunicações espirituais, que se efetuariam em futuro próximo.” (Páginas 90 e 91).

             Mas o temor da opinião pública preponderava sempre, e ninguém se decidir a tomar a iniciativa dessas sessões. Então, os “Espíritos” propuseram estabelecer audiências em casas particulares, em grandes salas, para que se convencessem de sua faculdade de dar pancadas, perante um público mui diverso. Decorreu um ano inteiro, antes que as instâncias e as exortações de uns triunfassem das escusas dos outros. Finalmente, fez-se o ensaio, e o Sr. Capron começou as experiências em casas particulares; “elas deram bom resultado, e as manifestações foram sempre interessantes e distintas” (página 91). Foi, só então, após numerosos ensaios, que decidiram tentar a grande prova, e um “meeting” público foi anunciado para a noite de 14 de novembro de 1849, no “Corinthian Hall”, em Rochester. O êxito foi completo. Três “meetings” consecutivos deram os mesmos resultados, e o movimento espirítico nasceu!..   





Hydesville

De Leôncio Correia por W. Vieira

Reformador (FEB) Março 1977

 

“Recordas a Belém de nossa fé. Mangedoura feliz do Espiritismo!”

 

Na telas sucessivas da verdade,

Brilharás como estrela para os povos

Na alegria recôndita que invade

A existência ideal dos homens novos!

 

Todo o roteiro espírita cristão

Algo de teu caminho nos descerra;

Concha acústica da Revelação,

Teus raps ecoaram pela Terra!

 

Contigo, um lar humilde e ignorado

Trouxe o verbo do Além. Serenoe forte

Revelando às Nações, em grande brado,

Para a glória da vida que há na morte.

 

Três jovens médiuns contra os preconceitos

Venceram emboscadas e sofismas,

Mostrando aos olhos cegos e imperfeitos

Lições da Antiguidade noutros prismas.

 

Fulguras como excelsa encruzilhada

Aos destinos humanos sofredores,

E és ainda a baliza iluminada

Por doce lenitivo às nosss dores.

 

Hydesville! Saudamo-te de pé,

Na luta contra as sombras do ateísmo!

Recordas a Belém de nossa fé,

Manjedoura feliz do Espiritismo!



terça-feira, 23 de novembro de 2021

Cirne em face de Roustaing

 

‘Cirne em face de Roustaing’

por  Luciano dos Anjos

                                                         Reformador (FEB) Dezembro 1962

            Não fora a própria natureza do Espiritismo, qua a todos permite agir e pensar livremente e não saberíamos compreender o comportamento de alguns confrades que tanto se apartam dos mais ordinários postulados doutrinários. Só por isso há os que, por exemplo, chegam ao extremo de usar os mesmos métodos desleais dos que, lá fora, acerba e acriminiosamente têm tentado destruir o Espiritismo. Infelizmente, não raro, temos de lamentar a intemperança dos adversários externos e... também internos. Enfim, nenhuma Doutrina é mais liberal do que o Espiritismo e a cada qual se reserva o direito de agir como melhor lhe aprouver. Deixá-los pensar até que evoluam é apanágio inerente à própria Doutrina. Antes dessa ascensão evolutiva jamais lhes poderemos esperar melhor conduta e nem do Alto lhes será fácil, por acréscimo de misericórdia, receber a intuição precisa do entendimento das coisas. A Lei do Campo Mental (V. “Mecanismos da Mediunidade”, pág. 116 (ed. da FEB, 1960) é inflexível como qualquer outra lei, e o inesquecível Manuel Quintão já dizia, no “Reformador” de Novembro de 1942, pág. 262: “Ninguém será assistido e esclarecido extralimites do seu próprio esforço e capacidade intelectual e moral.”

            Nas obras de combate à Nova Revelação deparamos amiúde com as célebres transcrições pela metade, truncadas, mutiladas e até, às vezes, apresentadas fria, ousada e desabridamente a par de conclusões que de forma alguma se lhes poderiam inferir. Esse sistema, terrivelmente demolidor, encontramos também em trabalho d alguns confrades sôfregos por aluir (abalar) a obra de Roustaing. É o chamado “vale tudo” dialético, desde que se não deixe ninguém crer na “Revelação da Revelação”. O maranhão (grande mentira) é apresentado e fantasiado com tal desplante que custa a ser desfeito. E, ao contrário, por força de repetição – o eficiente sistema hitlerista – leva, às vezes, séculos para ser desmascarado. Durante a última hecatombe mundial o “fuehrer” explorou com galhardia esse abominável método e ele mesmo proclamava, como bom entendedor do assunto: “Uma mentira, à força de repetição, acaba sendo aceita como verdade”... Quiçá nem em “O Príncipe” se terá lido tão caviloso prolóquio...

            Uma das muitas “histórias mal contadas” é, sem dúvida, a posição do talentoso Leopoldo Cirne em face da obra de J. B. Roustaing. O ex-presidente da FEB, depois de publicar notável defesa daquela revelação, teria recuado no seu ponto de vista e desmentido tudo o que afirmara antes. Já por si só esse comportamento seria de tal jeito incompatível com o talento de Leopoldo Cirne, que talvez bastasse para ser levada à conta de calúnia a asserção. Afinal, em apenas alguns anos ninguém, da estofa intelectual de Leopoldo Cirne, reformaria tão radicalmente um ponto de vista. Recuo dessa natureza exigiria muito maior tempo, meditação, estudo aprofundado, lucubrações redobradas, cujas conclusões possivelmente só noutra encarnação aflorariam. Leopoldo Cirne não era um leviano capaz de, repentinament, “mudar a casaca”. Seu trabalho, divulgado no ano de 1903 através do “Reformador”, exatamente quando exercia  a presidência da Federação, não era um simples suelto (notícia solta, boato), mas substanciosa defesa de tese que implicitamente revelava o emprego de longo e acurado estudo filosófico. Ali, sua posição é de tal modo posta que se torna invisível crê-lo, alguns poucos anos depois, pensando diferentemente, e em termos diametralmente opostos, que torna a guinada sobremaneira absurda e ilógica. Seria quase o mesmo que, também a súbitas, passasse ele a descrer na imortalidade da alma... Nossa surpresa não seria menor. Depois, é preciso entender que a evolução espiritual conduz a uma determinada segurança interior na conceituação dos problemas filosóficos. Leopoldo Cirne tinha o necessário talento e  indispensável envergadura moral para emprestarem ao seu espírito evolucionado uma certa estabilidade consciencial e, por consequência, conceptual. A ser verdadeiro, em que lógica, dentre as cinco sugeridas por Gustave Le Bon (“As Opiniões e as Crenças”, ed. da Cia. Brasil Editora de São Paulo), se poderia enquadrar esse comportamento esdrúxulo? Em nenhuma, talvez, eis que tal comportamento não seria lógico. Assim, à sombra da própria ciência humana e oficial, temos carradas de razões para supor o absurdo da atitude que Leopoldo Cirne, de resto, nunca adotou.

            Por tudo isso, nunca poderíamos aceitar a reviravolta do pensamento de Leopoldo Cirne, como nos querem apresentar, capciosamente, alguns confrades menos sensatos. Todavia, a questão não se permite colocar em termos de aceitar ou não essa reviravolta. Isto porque, em nenhum tempo Leopoldo Cirne insinuou sequer uma alteração no seu ponto de vista. O que ocorre – e veremos a seguir – é a exploração leviana de determinado trecho da sua obra “Anticristo, Senhor do Mundo”, exploração lamentável feita pelos adversários acérrimos da doutrina rustenista. Mas nem ao menos é um trecho que comporte duas interpretções. Ele é claríssimo, cristalino e somente a técnica da mentira racionalizada, repetida assiduamente, tem tentado apresentá-lo com o sentido que Leopoldo Cirne nunca lhe emprestou. Senão, vejamos:

             “Devemos acrescentar, a propósito da “Revelação da Revelação”, que, reconhecendo embora a profundeza de muitos de seus ensinamentos, a par da magnitude do plano verdadeiramente original, em que foi plasmada, não temos dúvida em admitir que a forma expositiva, recheada de fatigantes repetições, denuncia suspeita colaboração oculta”. “Sob essa mesma epígrafe (“Espiritismo Cristão”) é que foi publicada a “Revelação da Revelação” – outro título pretencioso, constituindo uma das suspeitas inspirações que, a nosso ver, logrou o inimigo insinuar nessa obra admirável, fazendo-a um misto de luz e sombras e tornando assim necessário que, para aceitação dos magníficos ensinamentos que contém, seja empreendido um considerável trabalho de joeiramento (peneiramento) e síntese, que, eliminando as ociosas repetições do mesmo modo que certas excessivas pormenorizações, conserve em suas linhas estruturais o pensamento superior que lhe deu origem. Esse trabalho – não o duvidamos – será um dia realizado com o amor e a humildade que requer, sob a indispensável inspiração do Alto.” (“Anticristo, Senhor do Mundo”, páginas 290/291/292, 1935. Todos os grifos são nossos.)

             Ora, tais palavras não dão margem a duas interpretações. Leopoldo Cirne apenas passou a achar que houve “uma suspeita colaboração oculta” na “forma expositiva” do trabalho. Apenas na forma expositiva, que contém “ociosas repetições e excessivas pormenorizações”. Contudo, dentro do mesmo trecho, Leopoldo Cirne reconhece na obra de Roustainga profundeza de muitos de seus ensinamentos, a par da magnitude do plano, verdadeiramente original, em que foi plasmada”. E mais: “magníficos ensinamentos que contém” e “o pensamento superior que lhe deu origem”. Sugere, enfim, um trabalho de síntese para melhorar a forma expositiva. Essa sinopse, aliás, chegou a ser feita, alguns anos antes, por Antônio Luís Sayão e se intitula “Elucidações Evangélicas”. Não seria difícil explicar as razões das repetições e pormenorizações encontradas na “Revelação da Revelação”, bastando argumentar com a época e a natureza profunda do novo ensinamento, apenas assimilável se exposto, mesmo, com minúcia e repetição aclaradoras. Uma questão simples de imagem conceptual interior, necessária á apreensão do leitor. Lembramos aqui, a guisa de exemplo, o trabalho do filósofo Louis Lavelle, intitulado “Traité de Valeurs”, cujas repetições e pormenorizações se por um lado tornaram-no enfadonho, nem por isso lhe apoucaram o valor do conteúdo intríseco. O autor, assim agindo, visou a tornar claras e compreensíveis as novas ideias lançadas ao mundo. Da mesma forma, “O Capital”, de Karl Marx, pode ser considerdo excessivamente prolixo e repassado de repetições, sem que nada lhe houvesse roubado a importancia das ideias esquadrinhadas. De Emmanuel Kant as obras fundamentais; “Crítica da Razão Pura”, “Crítica da Razão Prática” ou “A Religião Dentro dos limites da Mera Razão”, podem ser igualmente incluídas ao mesmo caso. Um outro exemplo se contém, sem dúvida, na obra de Pietro UbaldiA Grande Síntese”, onde a prolixidade, a par dum sistema expositivo arrastado, são fatores incontestáveis sem que nada implique, entretanto, no inquinamento da profunda mensagem filosófica que encerra. Finalmente, os três Evangelhos  chamados sinóticos, de Mateus, Marcos e Lucas, por se repetirem, nem por isso denunciam “uma suspeita colaboração oculta”.

             Deixemos de lado, porém, esse aspecto que, se existiu, já foi corrigido pelo não menos talentoso Antônio Luís Sayão, quem sabe, até, “inspirado pelo Alto”, como era do desejo do seu confrade Leopoldo Cirne. No mais, não devemos esquecer nunca o consagrado aforismo francês: “tout est bien qui finit bien”...

            Passemos, pois, ao que mais importa. Vemos, do exposto, que Leopoldo Cirne não rejeitou a obra de Roustaing. No próprio “Anticristo, Senhor do Mundo”, pouco antes de chegar àquele malsinado trecho (pág. 290), podemos ler, sobre a natureza do corpo de Jesus, o seguinte conceito do autor:

         “Por nossa parte, não poderíamos, nem podemos, sem irreverência, compreender (a figura do Mestre) sujeita às mesmas grosseiras necessidades e contingências do comum dos homens, não menos indispensável sendo, por isso, atribuir-lhe uma corporeidade particular, a fim de não somente serem entendidas certas expressões, aparentemente enigmáticas, relativas á sua própria pessoa, mas alguns fatos capitais de sua vida, inexplicáveis a não admitir-se tal corporeidade.”

             Ora, mais claro e definitivo do que isso Leopoldo Cirne não poderia ter sido. Aliás, já à pág. 204, assim se expressava:

             “Num trabalho anterior, conformando-nos benévola e discretamente, com as explicações contidas na “Revelação da Revelação”, decorrentes da natureza do Cristo, de sua hierarquia e sua missão divinas, que aceitamos nos termos em que alí se encontra... (Grifos nossos)

             E, à pág. 280:

             “... a propósito da revelação,contemporânea de Allan Kardec, recebida igualmente na França, por J. B. Roustaing, com o concurso da médium Sra. Collignon, a qual, enfeixando admiráveis ensinamentos acerca da evolução geral dos seres, com uma profundeza e transcendência que se não encontram nas obras fundamentais codificadas pelo primeiro, e empreendendo uma explicação integral dos Evangelhos, “em espírito e verdade”, não apenas em sua parte moral, mas abrangendo, uma a uma, todas as passagens, postas em concordãncia, nos três sinóticos, relativas, inclusivamente, aos fatos da vida de Jesus e aos denominados “milagres”.”

             Fora impossível, sem dúvida, ser mais explícito. Quanto a discordar da epígrafe “Espiritismo Cristão” e do título “Revelação da Revelação” era um direito que lhe assistia e cuja externação revestia caráter meramente opiniático. Deixemos também de comentar, por um dever de caridade e respeito, os motivos inglórios que o levaram a admitir, em má hora, determinados conceitos sobre outros problemas doutrinários insertos em “Anticristo, Senhor do Mundo”. Onde se encontra já terá, por certo, compreendido seu doloroso equívoco, fruto de efêmeras desinteligencias com alguns confrades, logo após o seu afastamento da presidência da Casa de Ismael, onde deixou extraordinária folha de serviços.

             Mas, voltemos ao nosso tema. Na sua obra anterior intitulada “Doutrina e Prática do Espiritismo”, editada em 1920, como se comporta o pensamento filosófio de Leopoldo Cirne? Verifiquemos rapidamente. À pág. 279 do vol I, diz-nos ele:

             “A obra, que sob esse título (“Revelação da Revelação”) e com o subtítulo “Os Quatro Evangelhos, explicados em espírito e verdade pelos Evangelistas, com assistência dos Apóstolos”, foi recebida em forma de ditados e publicada por J. B. Roustaing (edição, traduzida, da Federação Espírita Brasileira), tem sido objeto de veementes impugnações, a pretexto e em virtude da singularidade, aos olhos de muitos inadmissível, com que é atribuída ao Cristo uma corporeidade, fora da leis da encarnação humana, constituída pela absorção e condensação de fluidos que lhe davam ao perispírito o aspecto e as condições de uma longa tangibilidade, semelhante à de Katie King (experiências de William Crookes), única entretanto compatível, na opinião de alguns que partilhamos, com a pureza e peregrina elevação daquele Espírito. À parte contudo esse ponto, em que é lícita a controvérsia, conforme o prisma por que seja individualmente examinado e contanto que dele não se faça um motivo de divisão e hostilidade, a aludida Revelação contém, de par com uma explicação minuciosa, trecho a trecho, dos textos evangélicos, sendo assim uma obra única em seu gênero, contém – dizíamos – ensinos de uma admirável transcendência, sobre os quais bem andariam os espíritas, sem ideia preconcebida, em meditar detidamente, tanto mais que se avantajam a alguns dos codificados por Allan Kardec, como por exemplo os que se referem à evolução dos seres, ali apresentada numa síntese integral, como não se encontra semelhantemente nem com tamanha clareza n’ “O Livro dos Espíritos”, em que esse ensino é ministrado sob uma forma velada e incompleta.”

             Mais adiante, à pág. 191 do vol II, lemos:

             “A explicação que dessa passagem (tentação de Jesus) se encontra na “Revelação da Revelação”, apoiada na lógica, em harmonia com o conhecimento da natureza do Cristo, da sua hierarquia e missão divinas, demonstra satisfatoriamente a “... etc.

             Restaria apenas uma consulta ligeira à última e mais recente obra de Leopoldo Cirne, intitulada ‘O Homem colaborador de Deus”, edição póstuma da Gráfica Mundo Espírita, datada de 1949. À pág. 64, deparamos:

             “Era  seus traços gerais, transitando por último do reino animal para a Humanidade, não direta e imediatamente, mas consoante os razoáveis ensinamentos da “Revelação da Revelação”.

             Logo adiante:

             “Verbo de Deus, tornado objetivo aos humanos olhares, o Senhor Jesus, cuja missão”... etc. (pág. 136.)

             À pág. 140, afirma o autor:

             “Até para Espíritos de ordem mais elevada como, por exemplo, o Senhor Jesus, a ligação a um corpo, mesmo de composição especial em harmonia com a sua pureza e sua perfeição – segundo a concepção, que se nos afigura a mais acertada e constitui, divergente embora respeitável corrente entre os espíritas -, representa sempre uma restrição, pelo menos, de seus poderes e capacidade operativa.”

             Notem bem que Leopoldo Cirne considera, para si, a mais acertada concepção, e isto no seu último livro, traduzindo, afinal, o seu último ponto de vista.

             Bem, fiquemos por aqui. Esta é a real posição de Leopoldo Cirne em face de Roustaing. E estamos certos de que, mercê do Alto, não vingarão por muito tempo os métodos desleais de que vêm fazendo uso alguns daqueles que ainda não entenderam a mensagem rustenista – ou, o que é pior – nem mesmo a kardecista-cristã... Ademais, lembremos sempre que a Verdade pe eterna e nada teme. Em artigo publicado em 18 de Março de 1953, na extinta “Vanguarda”, afirmava o insquecível Fred. Fígner: “A verdade não pode ser vencida, os vencidos somos nós que não oramos e vigiamos.”

            SURSUM CORDA! (corações ao Alto!) (*)

  (*) Aquele leitor de São Paulo (rua Dr. Coutinho, 72 – Penha), que nos escreveu aconsehando a leitura de certas obras, queremos responder, a bem da verdade, que tivemos oportunidade de as ler há muito tempo e até nos desvanecemos de possuir o “Anticristo, Senhor do Mundo”, autografada pelo próprio autor. Não tem razão o nosso leitor quando nos considera desinteressados da Verdade. Nossa vida tem sido e há-de ser uma constante preocupação pelo estudo, a fim de não cometermos erros doutrinários e, em contrapartida, encontrarmos os elos doutrinários que nos dão a chave dos magnos problemas, forrando-nos assim à intolerância dos que só querem... Kardec e não Roustaing.