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sábado, 28 de março de 2020

De direito e de fato



De direito e de fato
M. Quintão
Reformador (FEB) Outubro de 1937

Recebemos constantemente jornais, panfletos e revistas, assinalados, em que se contêm diatribes (críticas) mais ou menos estultas (insensatas) e aleivosias (fraudes) transparentes, bolsadas à doutrina espiritista e aos seus adeptos.

Adivinhamos a intenção dos remetentes, quase sempre anônimos, a presumir neles o amor da verdade e um justíssimo zelo de causa, que só pode suscitar apreço.

Nada obstante, quiséramos de uma vez por todas acentuar que essa campanha é velha quanto inócua e não deve ser, em boa tese, considerada um malefício capaz de alterar o desenvolvimento normal da doutrina, que, de direito e de fato, não nos pertence, porque é de Jesus.

A crença, qualquer crença, se bem o considerarmos, corresponde menos a quaisquer sistematizações de ideias preconcebidas e de plano inculcadas, do que a um estado de consciência intrínseco, ou, seja, aptidão psíquica e patrimonial, que traduzimos por capital realizado do Espírito em evolução.

Querer galvanizar na sequência dos séculos um sistema religioso ou filosófico é absurdo que atenta contra a verdade histórica de toda a nossa chamada civilização.

As religiões são meios ocasionais, transitórios, de progresso e nunca finalidades definitivas e acabadas no tempo e no espaço.

Como tais, podem elas justificar se em função de um periodismo relativo, mas nunca, jamais, impedir a ascese e o ritmo da evolução global, providencial e indefinita.

A recalcitrância na exação (exigência) dessa lei, em função de um livre arbítrio parcial, mas, sotoposto (posto por baixo) sempre a um determinismo superior, pelo enquadrar tiranias abomináveis e até crimes ignóbeis - quais o registra o sectarismo fanático de todos os tempos e matizes, não deixa de, em sentido mais lato, corresponder àqueles meios reparadores que a Providência utiliza para o progresso do Espírito na trama das reencarnações sucessivas. E são assim, de paralelo, aqueles escândalos necessários, propiciados ao resgate do último centil.

Em armadilhas de lobo só caem lobos - disse Jesus: de sorte que, entrevistos pelo prisma da nossa confissão genuinamente evangélica, esses pobres foliculários (jornalistas) que julgam poder arrasar consciências e modelar prosélitos à força de contumélias (desfeitas) e baldões (trabalhos sem utilidade), não passam mesmo de meros visionários, enquadrados a preceito no capítulo dos cegos condutores de cegos, destinados ao barranco.

E acompanha-los nos seus processos já não seria, então, apenas, ombrear com eles na inópia ou na maldade, para negarmos de público o fundamento de fé evangélica e uma superioridade moral imprescindente aos nossos atos, mas perder de sobejo um tempo e vasa (vazante) preciosos na edificação do próximo. Quanto de nós mesmos.

Abstração feita do cunho individual, variável ao infinito, podemos classificar em duas categorias os antagonismos da Revelação Espírita: - conscientes e inconscientes.

Entre os primeiros, destacam-se pela desenvoltura e filáucia (amor desmedido de si próprio) das atitudes, os sacerdotes católicos e protestantes, empatranhados (repleto de mentiras) nos seus dogmas caducários (caducas) e ciosos de um regalismo (interferência de ‘reis’ nas religiões) tradicional. Misoneistas (hostis para com o novo), oportunistas, por índole e por hábito.

Jogando de mão a partida com os naipes da ingenuidade e negligência humanas, entretendo e explorando essa quase indiferença das massas por tudo que não diz com a solução do problema biofísico - (Voltaire já dizia que três quartos do gênero humano não se preocupam com o ser pensante) - é de ver-se lhes, a sequela dos acomodatícios, que não creem muito nem pouco mas caminham de plano e defendem, unguibus et rostro (com garras e bico), as posições conquistadas.

A esses que tais, inútil fora o tentar de qualquer forma convencê-los. São os cegos que não querem ver, e nós outros sabemos que nem Deus em sua onipotência violenta o livre arbítrio da criatura. Só o tempo provido de experiência amarga e sofrimentos longos poderá desbastar lhes a ganga do orgulho, estratificado e cultivado de muitas gerações.

Quanto aos outros, os da segunda categoria, ou, sejam, precisamente, os componentes da massa a que nos referimos, será lícito esclarece-los, trabalhar por eles e para eles, sem contudo os escandalizar com a intransigência e a severidade de nossas atitudes, como quem sabe que tudo vem a seu tempo e tem uma razão de ser. Mais: como quem sabe que só Deus tem o poder de fazer das pedras filhos de Abraão.

Não haverá, supomos, um só confrade consciencioso, capaz de negar seja Jesus o Pastor do rebanho, cuias ovelhas se hão de salvar sem perda de uma só. Dizendo ele que o pegureiro (pastor) deixaria as ovelhas sãs para curar a doente e tresmalhada, nós outros, ovelhas convalescentes e que mal ensaiamos os primeiros passos de retorno ao Aprisco, não devemos objurgar os que, nossos comparsas de ontem, hoje nos detraem, mesmo os de má fé, que são por isso mesmo os mais lastimáveis.

O Amor, só o Amor edifica, e, se a triste e grande verdade é que nós, que tanto o apregoamos, ainda o não temos para recompensar aos nossos inimigos, compreendamos, entretanto, a necessidade de uma indulgência razoável, como premissa de fidelidade à palavra que diz; - amai aos vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam; orai pelos que vos perseguem e caluniam (Mt. CV-44).

Ao invés, portanto, de torneios literários em revides e pegadilhas, uma prece, uma
vibração de amor é o que devemos reservar aos nossos pervicazes (teimosos) agressores. E não esquecer, ao demais, que eles são preciosos auxiliares do nosso progresso real, com o facultar-nos o ensejo de praticar, de fato, a Caridade, que tanto apregoamos de direito.

A humanidade contemporânea, em labores de acelerada transição, está referta de teorias, de simbologias e ficções balefas (amplas, largas): e se o Espiritismo é, iniludivelmente, a Ciência cheia da Vida e a Religião da Verdade, não devem seus adeptos rebater na incude (bigorna) das paixões, que tem forjado e forjam ao presente, mais talvez que nunca, a desgraça do mundo.

De resto, será essa uma cavilosa (ardilosa) tática dos nossos invisíveis quão argutos inimigos, tendente a despertar e a entreter com discrimes (traduções) e polêmicas menos edificantes os nossos mal extintos pruridos de homem velho.

A luta, bem o sabemos, é necessária e até indispensável. No campo fecundo dos idealismos, é nela e por ela que acendramos (purificamos) a fé e aclaramos a razão; mas, convenhamos em que as nossas armas só lograrão triunfos definitivos, se modeladas na têmpera evangélica.

Espalhar a semente onde a charrua da dor haja revolvido a terra, regá-la de exemplos é dever de todos nós, precípuo, inelutável; a fecundação e germinação da semente, porém, pertencem ao Senhor da Seara que, só Ele, penetra o sacrário das consciências e lhes gradua a luz divina, sem agravo de maiores responsabilidades.

sexta-feira, 27 de março de 2020

E assim nasceu a Esperança...



E assim nasceu a Esperança...
por José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Junho 1947

            A vida corria mansamente na verdejante planície de Ben-Nazam. As ovelhas pastavam, tranquilas, e os pastores iam trauteando (cantarolando) alegres melodias, fruindo a doce paz daquele ambiente bucólico. Todos os dias, ao cair da tarde, o pastor Isael tangia os anhos (filhote de ovelha) e o aIfeire (rebanho), rumo ao aprisco, e demandava o lar feliz, onde Lucânia, sua esposa, e Aydala, o enlevo de sua alma, o recebiam alegremente. Nunca o sorriso de Aydala deixava de florir no pitoresco colmado (pequena casa coberta de colmo (palha comprida)) de Isael.

*

            Um dia, porém, quando estava para levar as ovelhas ao redil (curral), o pastor sentiu inexplicável amargura no coração. Olhou para a planície demoradamente, passeou, os olhos pela silhueta esbatida (de tom pálido) do monte Hermon e tornou ao lar querido. Dessa vez Isael não voltara cantarolando. Caminhou silenciosamente, sem compreender porque se operara tão súbita metamorfose no seu espírito folgazão. E, ao beijar a filha, notou que a tristeza pusera lhe na face o palor (palidez) do sofrimento. Sobressaltado, Isael fitou-a e ela não pôde resistir ao olhar indagador do pai, pois duas pérolas, traindo-lhe o segredo, se evadiram de seus lindos olhos, já avermelhados pelo pranto.

*

            No descuidoso encanto de seus dezoito anos, Aydala amara a um jovem, que, a princípio, parecera corresponder à sinceridade de seu afeto, tanto que conquistara também a amizade de Isael e Lucânia, os quais abençoavam a pureza daquele amor inocente. Mas a Desventura, como o lobo que ronda o aprisco, à cata de uma ovelha desprevenida, vive sempre, espreitante e maldosa, rodeando a Felicidade, pronta a dilacerá-la no primeiro ensejo. Foi o que sucedeu. O jovem, que era cheio de solicitude, passou a demonstrar algente (gélida) indiferença, como se houvera sorvido enfeitiçado filtro ou cedido a sortilégios (magias) impuros de espíritos trevosos. Mentindo a si mesmo, foi rareando suas visitas, até fugir dos olhos belos de Aydala, deixando um vazio imenso no coraçãozinho dela. Antes que o Desespero lhe batesse à porta, Lucânia, com a intuição que Deus conferiu ao espírito feminino, decidiu levar a filhinha à presença do velho Matias, cuja experiência era um fanal (‘farol’) de consolação para os que sentiam a alma farpeada (ferida com farpas) pela dor.

*
            Ao chegarem, o ancião escutava com paciência um doutor em leis e rico mercador de tapetes de Istambul. Dizia o mercador: - “O que tem de ser, será. Sou fatalista, creio na força inexorável e trágica do destino, à qual ninguém escapa, por que o destino de todos já está traçado antecipadamente, Não adianta gritar, correr, lutar, porque o que tem de ser, será.” Matias esboçou um sorriso benevolente e, voltando-se para Lucânia, perguntou-lhe:

*

            - “Você está de acordo com isso, minha filha?”

            A mãe de Aydala abriu mais os olhos lúcidos e ponderou com humildade:

            - “Eu e minha filha, bom amigo, cremos na existência de uma força oculta e poderosa. Sentimo-la dentro de nós, mas não sabemos defini-la.”

            Matias fez um gesto de quase imperceptível assentimento e murmurou:

            - “Sim.., sim... porque Deus é indefinível... “

            E perguntou ao doutor em leis, homem culto, viajado, transudando (transbordando) sabedoria que opinião formulava a respeito.

            - “Eu não creio em fatalismo e muito menos em forças ocultas. Nada há no homem senão a realidade física. Os fenômenos da chamada vida espiritual são meras formas de atividade da matéria, porque, meu caro Matias, tudo é matéria. O resto é loucura.”

            Largo sorriso de complacência iluminou o rosto do ancião, que, dirigindo-se de preferência a Aydala, começou a falar pausadamente:

            - “O fatalismo entorpece o espírito; é uma ilusão nociva, porque perverte a alma e endurece o coração. A sabedoria e a justiça de Deus permitem que nós mesmos construamos o nosso futuro, reparando, no presente, os erros do passado. O materialismo é um veneno terrível, Corrompe o espírito e dá aos homens falsa noção da vida. Se viemos do nada e para ele voltamos, que somos: finalmente, senão... nada? Mas não é assim. Caso contrário, que adiantaria cultivarmos as virtudes morais, como o amor, a caridade, a tolerância, se tudo se reduziria a nada? Que valeria o esforço, o progresso do homem nas ciências e nas artes, se tudo teria de terminar, irremissivelmente, no volutabro (lamaçal) a que nos condena a concepção materialista? Não, o Espírito é tudo. Ele “é a força oculta que governa e dirige a matéria e lhe dá a vida.” Não depreciemos o valor da matéria mas exalcemos (exaltemos) a função superior do Espírito, porque ele recebeu de Deus o toque da imortalidade. O fatalista é um derrotado, antes mesmo de entrar em luta; o materialista, um cego que caminha à borda do despenhadeiro. Apesar disso, o Espírito imortal que vive neles se iluminará um dia, mostrando-se despido do orgulho e dos preconceitos herdados de processos educativos defeituosos.”

*

            Matias puxou para perto de si a jovem Aydala e segredou-lhe ao pé do ouvido:
- “Menina: carrego nas costas mais de noventa invernos rigorosos. Conheço um pouco os homens e a vida. Sofreste um desengano que te parece irremediável. É natural, porque, na tua idade, as coisas se mostram às vezes com aspectos exagerados, Tens a impressão de que o mundo se abriu diante de teus pés, tragando-te a felicidade. É por isso que tu‘alma vibra de intensa dor. Todavia, Aydala, nada está perdido. Lembra-te de que não há acaso, pois tudo tem sua razão de ser, ainda que não compreendamos os sábios desígnios d' Aquele que tudo vê e tudo sabe. Às vezes, Aydala, o que supomos um grande mal, revela-se, com o correr do tempo, um grande bem: Se Jesus nos aconselhou a amarmos até aos nossos inimigos, porque não amarmos a nós mesmos, perdoando àqueles que ofendem a pureza do nosso afeto? Conforta-me o saber que não faltaste ao teu compromisso moral, porque, como disse Paulo em sua Epístola aos Romanos, “o amor é o cumprimento da lei”. Entretanto, tens o dever de continuar fiel a ti mesma, exercendo o suave direito do perdão. Perdoar a quem nos faz mal, fazendo-lhe todo o bem, é concorrer para a regeneração do Espírito que se desvia do bom caminho. Amor é renúncia, é altruísmo, é sacrifício. Portanto, Aydala, perdoa. Perdoa sempre e sentirás o coração reconfortado e cicatrizada a chaga aberta pela ingratidão. Ninguém sofreu mais do que Jesus, que foi todo amor c bondade. E já na cruz, ouvindo as imprecações (xingamentos) e as torpes injúrias da populaça imbecil, ainda pediu a Deus por seus algozes, porque compreendeu que eles não sabiam o que estavam fazendo. Esquece a afronta e volta o teu Espírito para o bem, sem olvidares no entanto, que “o perdão não exclui a necessidade da vigilância, como o amor não prescinde da verdade. A paz é um patrimônio que cada coração está obrigado a defender para bem trabalhar no serviço divino que lhe foi confiado.” Assim, Aydala, defende a tua paz, minha filha...

*

            A meiga donzela soluçava baixinho, temendo perturbar a palavra de Matias, que, depois de olhá-la com paternal ternura, prosseguiu:

            - “Coragem! Quando Deus fez a Terra, há muitos milênios, chegou ao céu o vago ruído, provocado pelo pranto de uma criaturinha como tu, que também havia perdido o seu primeiro amor. Nunca se verificara semelhante ocorrência neste planeta. O Pai determinou que seus arcanjos reunissem um raio de sol, algo do opalescente (do que possui reflexos matizados, tal como a opala) fulgor da Lua, o brilho diamantino das estrelas, muito Amor e muita Caridade. E essa mistura foi espalhada por todos os recantos da Terra, para que os corações humanos a absorvessem. E desse modo, Aydala, nasceu a Esperança.”

*

            O velho silenciou alguns instantes, afagando a jovem. Em seguida, acrescentou: - “Vai para casa. Leva a Esperança contigo. Coloca-a no melhor lugar do teu coraçãozinho bem formado e procura recobrar o sorriso que alumia a vida de teus pais. Esquece o passado sem guardar ressentimento e olha confiante, para o ridente futuro que te aguarda. Aproveita a dor, porque estás tendo a primeira grande experiência da vida, e aprende que não se vive sem sofrimento e sem luta. Assim é para o nosso próprio benefício. Glorifica o teu amor com o culto sincero da Caridade, que é a mãe do Perdão. Retém em tua lembrança estas palavras do Apóstolo Paulo: "A Caridade é longânima, é benigna; a Caridade não é invejosa, não se jacta, não se ensoberbece, não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal. não se regozija com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo sofre.”

*

            Vai, Aydala, na santa paz ele Deus! Não te apartes jamais da Esperança. Abraça-te a ela. Ora e confia; confia e espera..”

*

            E quando, no dia imediato, o céu se apresentou novamente límpido, todo vestido de azul puríssimo, Isael foi visto na planície de Ben-Nazam, trauteando outra vez alegres melodias pastoris...

Tende fé em Deus



Tende fé em Deus
Emmanuel por Chico Xavier

Avoluma-se a prova que lembra angústia inarredável...
Mas Deus determina e surge um remédio.

................

Por mais áspera a crise, por maior a consternação, não percas o otimismo e trabalha, confiante.
Ouçamos, nós todos, a indicação de Jesus:
- "Tende fé em Deus."

Trechos da mensagem de número 163 do livro “Palavras de Vida eterna” – 9ª Edição CEC - 1986

quinta-feira, 26 de março de 2020

O Corpo de Jesus




O Corpo de Jesus
Victor Hugo por Zilda Gama
Reformador (FEB) Maio 1946

            Jesus não possuía o organismo tangível ou carnal - sujeito às contingências fisiológicas - mas um organismo sideral, de sensibilidade quintessenciada, no qual os pensamentos cruéis de seus adversários atuavam maleficamente ocasionando-lhe sofrimentos e torturas morais indefinidos. Como, porém, já estava de posse de todos os atributos, Ele os exteriorizava como se, realmente, os seus tecidos fossem materiais: apresentava equimoses, chagas, perfurações nos membros superiores e inferiores. Tudo isso, que não passava de reprodução psíquica, Ele o padeceu, porque seu corpo tangível estava em contato com o ambiente terreno. Se Ele o quisesse, não sofreria nenhuma dor, insulando-o pelo poder da volição, que, logo, eliminou todos os vestígios dos martírios por que passou, novamente patenteados na presença do incrédulo Tomé; mas a sua missão era bem outra, não a de convencer pelos olhos, qual se fora um mago, mas pelo coração e pela Fé; e, ao mesmo tempo, deixou o eterno exemplo de como se pode conquistar a redenção: praticando o bem, padecendo injustiças, calúnias, traições, tendo na alma piedade infinita por todos os delinquentes; e, em permuta, receber escárnios e bofetadas, sem ter, no plano material, dedicados amigos que com Ele sofressem e que ficassem vigilantes nos momentos de dor infinita... Tudo isso, Pedro, se passou diante de teus olhos... E não ouviste: Também tu o abandonaste e lhe foste infiel... o que ora relembro, não para te censurar, mas apenas avivando o passado e a realidade. Não te comovas assim, até às lágrimas, irmão! Escuta-me: de Jesus foi encerrado no sepulcro apenas seu corpo condensado ou materializado, amortecido voluntariamente, e, mal se achou insulado, logo despertou.

            Jesus não era um ser igual aos entes humanos, porquanto, quando baixou ao Planeta de Sofrimento, já possuía todos os atributos espirituais, muitos dos quais ainda ignorados pelos que o conheceram. Mais tarde, porém, todos os sucessos relativos ao nascimento e à morte, isto é, ao início e ao termo da missão do Nazareno, serão elucidados plenamente, na Terra. Algo direi sobre o que tanta admiração te causa: a derradeira cena do Calvário.

            Não conheces, Pedro, a vida do pequeno inseto que fabrica a seda, a maravilha dos tecidos feitos com elementos gerados nas entranhas de uma das espécies do bombyx-mori? (O bicho-da-seda é a larva ou lagarta da mariposa doméstica Bombyx mori). Pois bem, não fica ele entorpecido, durante algum tempo, no próprio estojo que engenhou, e os homens mais cultos e inteligentes procuram vãmente imitar? Onde se ocultam as suas asas que, durante a letargia, se desagregam de seu próprio organismo, pétalas que desabrochassem em um cálice de flor, para, então, a falena (mariposa) já desperta, ansiosa por liberdade, ébria de amplidão, corroendo o envoltório que a constringia, expandir os seus adejos (o bater de asas ligeiros para manter-se no ar) sobre as mais encantadoras filhas dos jardins e dos prados?..

            Assim, Pedro, no paralelo do mágico produtor da seda, calcula o que se passou
com o Mestre bem-amado que já era um dos Emissários divinos.

            Tomado o seu corpo de um torpor ou de um esmorecimento que Lhe deu a aparência de rígido cadáver, foi levado ao sepulcro. Mas realizado seu despertar, dissolveu-se o envoltório materializado, recobrando o Espírito todas as suas portentosas faculdades.

            (Extraído da obra Dor Suprema - Livro VIII, capítulo VIII, obra essa recebida de Victor Hugo, Espírito, pela médium brasileira -- Zilda Gama, a quem os espíritas devemos inúmeros trabalhos recebidos mediunicamente, todos de grande valor doutrinário e literário).


Carta aos jovens



Carta aos Jovens  
por Fontes da Luz
Reformador (FEB) Novembro 1947

            Irmãos de minh'alma:

            Viva o Espírito do Cristo em nossos corações e nos dos nossos companheiros.

            Somos jovens, porque os milênios não nos decrepitam, mas renovam; e porque nossos espíritos imortais apenas começaram sua vida eterna.

            A vida eterna é patrimônio do Eterno Pai, que no-la deu. Tomemo-la com reconhecimento e entremos na sua posse.

            A posse da vida eterna é a paz e a alegria do coração, mas o pecado é a morte da alma. O pecado é a transgressão da Lei; e a Lei é boa, porque Amor.

            Amemos, e teremos paz, e a paz nos dará alegria e a alegria da paz interior nos encherá de felicidade a vida do espírito.  

            A alegria é luz interior que vem de dentro; o riso que vem de fora é engodo do mundo; e o mundo mente.

            Precatai-vos pois da mentira do mundo, porque a mentira ilude e a ilusão leva ao erro, e o erro perde.

            Pregais o bem, e o bem seduz as almas, e as almas vos aplaudem. Cuidai, porém, que os aplausos que sobem da Terra vos não fechem os ouvidos do espírito à voz que desce do céu.

            Porque a voz que sobe da Terra fala do que se vê na Terra, e na Terra só se vê o exterior; mas o Alto penetra o interior dos sentimentos.             

            O interior é o real; o aparente é fictício, e o fictício é o engano.

            O engano traz a decepção e a decepção trás a amargura, e a amargura tira a paz e a alegria do coração.            

            Sede pois, em essência, como o mundo vos vê e vos celebra, para que não suceda que sejais aos olhos do Senhor como os sepulcros caiados ou os falsos profetas.

            Tende cuidado que a sede de parecerdes bons vos não leve a agirdes bem aos olhos humanos; mas procurai que a virtude dos vossos corações determine vossas boas obras.

            Porque é pelo fruto que se conhece a árvore; mas não pela beleza exterior do fruto, e sim pela sua sanidade interior.

            A dor dos homens vos convida à caridade. Eu, porém, não desejo que sejais simplesmente caridosos, mas, sim, cheios de amor.

            Porque onde existe amor não pode haver a caridade que se exterioriza na prática mecânica de um gesto comum.

            Essa caridade custa e dói; o amor lene (é brando), suaviza e redime.

            Jesus não foi nunca caridoso, no sentido restrito da palavra, porque sempre amou; e jamais falou em caridade. Porque a caridade entre os homens se faz de cima para baixo, mas o amor se manifesta nivelando planos.

            Tendes a seiva do entusiasmo e o sol da mocidade. Purificai a seiva e dosai o Sol, para que não se dê que a seiva se desperdice e o Sol vos queime.

            Sede esclarecidos na fé, equilibrados na esperança e incondicionais no amor.

            Porque a fé cega leva ao fanatismo, a esperança desequilibrada conduz a fantasmagoria, mas o amor condicionado traz as malquerenças e as disputas.

            Não busqueis fundar a vossa obra nas palavras que proferis, mas no trabalho que fazeis. Porque a vida da palavra é o ato; porque o pensamento é semente e a palavra é árvore, mas só a obra é fruto.

            Não meçais, pois, vosso trabalho pelas medidas das conveniências humanas ou do esforço menor, ou das convenções da sociedade. Mas aquilatai-o pela sua intensidade, essência e frutificação.

            Não vos inquieteis, todavia, com as colheitas do vosso esforço, mas com o plantio das vossas mãos; porque, em verdade, ninguém colhe no dia que planta. E, às vezes, o que planta uma árvore não lhe colhe os frutos; mas das que virão por ela, no frutificar das sementes que ela der.

            Sede mansos e humildes, compreensivos e tolerantes. Porque de pugnadores o mundo já está cheio, e nem por isso é bom: mas é da mansidão que ele precisa. Sois os renovadores do mundo. A renovação do mundo é a instituição ao Amor de Jesus. Enchei-vos, pois, do Amor de Jesus, para poderdes espalhá-lo pelo mundo. Porque ninguém dá o que não tem, nem pode fazer a outrem semelhante àquilo que não é.

            Meu abraço vos dou e meu afeto. Jesus, Nosso Senhor, vos abençoe.

E Roustaing continua...



E Roustaing continua...
Túlio Tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Novembro 1947

            É necessário que os espíritas vigiemos muito rigorosamente nossas ações para não incidirmos nos erros que costumamos reconhecer em elementos que professam outros credos. O espírito de tolerância, por exemplo, foge sempre daquele que se arroga o direito de descobrir faltas alheias, em defesa de pontos de vista próprios, considerados sólidos e intangíveis por quem os esposa.

            Todas as vezes que um espírita, ou soi-disant (que se diz) espírita, entra num debate sem serenidade nem apego aos fatos, está falseando princípios indeclináveis da Doutrina kardeciana e demonstrando não ser verdadeiramente espírita e muito menos espírita-cristão. Não se deve opinar sem conhecimento real, na comentação de um assunto: “O que caracteriza um estudo sério é a continuidade que se lhe dá”, disse o Codificador. Entretanto, a maioria, senão a totalidade dos que combatem “Os Quatro Evangelhos” ou J. B. Roustaing, não podem, em sã consciência, afirmar haja feito (um estudo sério da grande e valiosa obra mediúnico-mecânica psicografada por Mme. Collignon. É preciso não confundir simples leitura com estudo, isto é, com “estudo sério”, que implica meditação e raciocínio. Para se efetuar “um estudo sério” de determinado assunto, é indispensável serenidade, isenção de ânimo e capacidade analítica.

            Ainda que, por questão de foro íntimo, os opositores de Roustaing não aceitem a ideia do “corpo fluídico” de Jesus, nem por isso deve “A Revelação da Revelação” (“Os Quatro Evangelhos”) ser condenada, uma vez que encerra ensinamentos morais muito preciosos, perfeitamente acatáveis pelos mais exigentes defensores da Doutrina Espírita, segundo a própria opinião de Kardec.

            Lamentavelmente, porém, formou-se, dentro do Espiritismo, uma corrente de negadores sistemáticos de Roustaing, que foi o coordenador de “Os Quatro Evangelhos”, corrente essa que, à simples referência do nome ilustre do bastonário de Lião (Lyon), se inflama, se irrita, se descontrola e se empolga por estranho ódio, esquecendo os preceitos de tolerância, amor e caridade constantes da Doutrina, como se, no Espiritismo, fora possível conciliar esses puros sentimentos cristãos com sentimentos que lhes são antagônicos.

            O que, porém, não podemos admitir é a pretensão de alguns incrédulos, a de terem o monopólio do bom senso e que, sem guardarem conveniências e respeitarem o valor moral de seus adversários, tachem, com desplante, de ineptos, os que não lhes seguem o parecer. Aos olhos de qualquer pessoa judiciosa, a opinião dos que, esclarecidos, observaram durante muito tempo, estudaram e meditaram uma coisa, constituirá sempre, quando não uma prova, uma presunção, no mínimo, a seu favor, visto ter logrado prender a atenção de homens respeitáveis, que não tinham interesse algum em propagar erros nem tempo a perder com futilidades.” Estas palavras de Allan Kardec podem ser aplicáveis ao caso ...

            Os que se mostram intransigentes e intolerantes acerca de Roustaing, serão, em sua vida comum, exemplos de respeito fiel aos princípios doutrinários do Espiritismo? Pelo que fazem, em relação a Roustaing e a “Os Quatro Evangelhos”, parece-nos a nós que não... Se pudessem, chamariam o Codificador de São Kardec, já que alguns o fazem “padroeiro” de batizados e casamentos, sem atentarem para a impropriedade dessa prática, que não tem agasalho no corpo da Doutrina dos Espíritos, que Kardec legou à Humanidade.

            A Federação Espírita Brasileira e os homens de responsabilidade que se encontraram e se encontram em sua direção jamais impuseram a ninguém a aceitação da teoria do “corpo fluídico” e de “Os Quatro Evangelhos”. Isto não impede, no entanto, que a aceitem e encontrem na magnífica obra mediúnico-mecânica recebida pelo “médium” Mme. Collignon e coordenada por J. B. Roustaíng, todo o encanto que, aos estudiosos e simples de coração, oferecem as verdades profundas que ela encerra.

            A maior demonstração da força espiritual de “Os Quatro Evangelhos” está na sua natural resistência às invectivas dos que não os estudaram e os combatem, e dos que os leram perfunctoriamente e não os compreenderam.

            Não importa. Apesar de tudo, Roustaing continua...


quarta-feira, 25 de março de 2020

O criminoso e o crime



O criminoso e o crime  
Pedro de Camargo (Vinícius)
Reformador (FEB) 15 de Janeiro de 1929

            No conceito que geralmente se faz do mal, sob seus aspectos vários, confunde-se o mal, sob seus aspectos vários, confunde-se o mal propriamente dito com aquele que o pratica. Dessa lamentável confusão advém não pequenos erros de apreciação, quanto à maneira eficiente de combater-se o mal.

            Para bem agirmos em prol do saneamento moral, precisamos partir deste princípio: o crime não é o criminoso, o vício não é o viciado, o pecado não é o pecador. Do mesmo modo e pelo mesmo critério que o doente não é a doença. Assim como se combatem as enfermidades e não os enfermos, assim também se devem combater o crime, o vício e o pecado e não o criminoso, o viciado e o pecador.
           
            O mal não é intrínseco no indivíduo, não faz parte da natureza íntima do Espírito; é, antes, uma anomalia, como o são as enfermidades. O bem, tal como a saúde, é o estado natural é a condição visceralmente inerente ao Espírito, Um corpo doente constitui um caso de desequilíbrio, precisamente como um Espírito transviado, rebelde, viciado, ou criminoso.

            Há tantas variedades de distúrbios psíquicos como de distúrbios físicos, aos quais a medicina rubrica com variadíssimas denominações. A origem do mal, quer no corpo, quer no Espírito, é a mesma: infração das leis de higiene.

            O homem frauda essa lei por ignorância, por fraqueza e, finalmente, pelo impulso de certas paixões que o dominam. Não devemos vota-lo ao desprezo por isso, nem, muito menos, malsina-lo como réprobo, pois, em tal caso, se justificaria tratar-se de igual modo os enfermos.

            Aliás, em épocas felizmente remotas, se procedeu assim com relação aos enfermos de moléstias infectuosas. Esses infelizes eram tidos como vítimas da cólera divina e, por isso, perseguidos desapiedadamente pela sociedade.

            A ignorância torna os homens capazes de todas as insânias. Pois é essa mesma ignorância, com referência aos transviados da senda nobre da vida, que gera a repulsa e mesmo o ódio contra os delinquentes. Os velhos códigos humanos, tanto civis como
religiosos, foram vazados nos moldes dessa confusão entre o ato delituoso e o seu agente.       
            Quando Jesus preconizou – amai aos vossos inimigos; fazei bem aos que vos fazem mal - não proclamou somente um preceito de alta humanidade; proferiu uma sentença profundamente pedagógica e sábia. A benevolência, contrastando com a agressão, é o único processo educativo capaz de corrigir e regenerar o pecador.

            Cumpre notar, e o declaramos, com toda a ênfase, que nada tem esta doutrina de comum com o sentimentalismo piegas, portanto, estéril e, às vezes, prejudicial. Trata-se de repor as coisas nos seus lagares.

            Para varrer-se o mal da face da Terra, é preciso que se apliquem os métodos naturais, conducentes a esse objetivo. O método natural é a educação do Espírito. Com o  velho sistema de castigar ou eliminar as vítimas do crime e do vício, nada se logrará de positivo, conforme os fatos atestam eloquentemente.

            A medicina jamais pensou na eliminação dos enfermos; toda a sua preocupação está em curar as doenças. Pois o processo deve ser o mesmo, em se tratando dos distúrbios que afetam o moral do indivíduo.

            Felizmente os primeiros pródromos de uma reforma radical neste sentido já se observam nos meios mais avançados. O único castigo capaz de produzir efeito na regeneração dos culpados é o que se traduz pela natural consequência dolorosa do erro ou mal cometido, consequência que recai fatalmente sobre o culpado. O que é preciso é fazer que o delinquente reconheça esse fato, o que se consegue por meio da instrução moral.

            Toda punição imposta de fora, como revide social, é contraproducente conforme os fatos, em sua irretorquível expressão, têm comprovado mil vezes.

            É muito fácil encarcerar ou eletrocutar um criminoso. Educa-lo é mais difícil, mais trabalhoso, demanda esforço, tempo, saber e caridade. Por isso, o Estado manda os criminosos à forca e as religiões remetem os pecadores que não são da sua grei, para o Inferno.

            Mas, se aquele é o único processo eficaz, é o que deve ser empregado e não este, anticientífico, imoral e cruel.

            A educação vence e previne o mal. O homem educado conhece o senso da vida, age conscienciosamente, com critério, com discernimento: é um valor social. É por meio da educação que se hão de vencer os vícios repugnantes (haverá algum que o não seja?), que se hão de domar as paixões tumultuarias que obliteram a inteligência e a razão. E, de tal modo, se saneará a sociedade.

            Retirem-se os delinquentes do convívio social, como se faz com o pestoso (aquele que está doente de peste) que ameaça a salubridade pública; mas, como a este preste-se àquele a assistência que lhe é devida: educação.

            E não se suponha, outrossim, que só os criminosos devem ser educados. A obra de educação é obra de salvação, é obra religiosa em sua alta finalidade, é obra científica e social em sua expressão verdadeira. Eduquem-se a todos, cada um na sua esfera, até que a educação se transforme, em cada indivíduo, numa autoeducação continua, ininterrupta.

            Na educação do Espírito está o senso da vida, está a solução do grande, do imensurável problema universal.

O mordomo infiel



O Mordomo infiel
Pedro de Camargo (Vinícius)
Reformador (FEB) 1º Fevereiro 1929

            “Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este lhe foi denunciado como esbanjador de seus bens. Chamou-o e perguntou-lhe: Que é isto que ouço dizer de ti? Dá conta da tua mordomia: pois já não podes mais ser meu mordomo. Disse o administrador consigo: Que hei de fazer, já que meu amo me tira a administração? Não tenho força para cavar, de mendigar tenho vergonha. Sei o que hei de fazer para que, quando for despedido do meu emprego, me recebam em suas casas. Tendo chamado cada um dos devedores do seu amo, perguntou ao primeiro: Quanto deves ao meu amo? Respondeu ele: Cem cados (vasos antigos para guardar bebidas). Disse-lhe então: Toma a tua conta, senta-te depressa e escreve oitenta. Depois perguntou a outro: E tu quanto deves? Respondeu ele: Cem coros (=450 litros = 450 quilos = 1 tonel de azeite) de trigo. Disse-lhe: Toma a tua conta e escreve oitenta. E o, amo, louvou ao administrador iníquo, por haver procedido sabiamente; porque os filhos deste mundo são mais sábios para com a sua geração do que os filhos da luz. E eu vos digo: Granjeai amigos com as riquezas da iniquidade, para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos. Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco, também é injusto no muito. Se, pois, não fostes fieis nas riquezas injustas, quem vos confiará as verdadeiras? E, se não fostes fieis no alheio, quem vos dará o que é vosso? Nenhum servo pode servir a dois senhores; porque há de aborrecer a um e amar ao outro, ou há de unir-se a um e desprezar ao outro. Não podeis servir a Deus e a Mamon.”

            Personagens da parábola:

            O amo, ou proprietário: Deus.
            O mordomo infiel: o homem.
            Os devedores beneficiados: nosso próximo. 
            A propriedade agrícola: o mundo que habitamos.
            Moralidade: O homem é mordomo infiel, porque se apodera dos bens que lhe são confiados para administrar, como se tais bens constituíssem propriedade sua. Acumula esses bens, visando exclusivamente proveitos pessoais; restringe-lhes a expansão, assenhora-se da terra cuja capacidade produtiva delimita e compromete. Enfim, todo o seu modo de agir, sem relação à propriedade que lhe foi confiada para administrar, é no sentido de monopoliza-la, segrega-la em benefício próprio, menosprezando assim os legítimos direitos do proprietário.

            Diante de tal irregularidade, o senhorio se vê na contingência de demiti-lo. Essa exoneração do cargo se verifica com a morte. Todo o Espírito que deixa a Terra é um mordomo demitido. A parábola figura um, cuja prudência louva. É aquele que, sabendo das intenções do amo a seu respeito e reconhecendo que nada lhe era dado alegar em sua defesa, procura, com os bens alheios ainda em seu poder, prevenir o futuro. E como faz? Granjeia amigos com a riqueza da iniquidade, isto é, lança mão dos bens acumulados, que representam a riqueza do amo sob sua guarda, e com ela beneficia a várias pessoas, cuja amizade, de tal forma, consegue conquistar.

            E o amo (Deus) louva a ação do mordomo (homem) que assim procede, pois esses a quem ele aqui na Terra beneficiara serão aqueles que futuramente o receberão nos tabernáculos eternos (páramos celestiais, espaço, céu, etc.).

            O grande ensinamento desta importante parábola está no seguinte: Toda riqueza é iníqua. Não há nenhuma legitima, no terreno das temporalidades. Riquezas legítimas ou verdadeiras são unicamente as de ordem intelectual e moral: o saber e a virtude. Não assiste ao homem o direito de monopolizar a terra, nem de açambarcar os bens temporais que dela derivam. Seu direito não vai além do usufruto. Como, porém, todos os homens são egoístas e querem monopolizar os bens terrenos em proveito exclusivo, o Mestre aconselha, com muita justeza, que, ao menos, façam como o mordomo infiel: granjeiem amigos com esses bens dos quais ilegalmente se apossaram.

            A parábola vertente contém, em suma, uma transcendente lição de sociologia, encerrando um libelo contra a avareza e uma belíssima apologia da liberalidade e do altruísmo, virtudes cardiais do Cristianismo.