Divisionismo e
Espiritismo
C.M.
Reformador (FEB) Dezembro 1956
É comum encontrarmos pessoas bem dotadas
de Inteligência e espírito inquisitivo que experimentam dificuldade em aceitar
fatos convincentes e comprovados. Ainda há pouco estive lendo um livro escrito
por um desses homens inteligentes e de grande cultura humanística. Ele
procurava demonstrar, a certa altura, que não existem raças inferiores e, por
conseguinte, o mito da superioridade racial é outra tolice. Sua argumentação se
desenvolve por páginas e mais páginas, citando, entre outros. o caso do grande
negro americano George Washington Carver, que dedicou sua vida e sua inteligência
a serviço da Humanidade, descobrindo, além de outras coisas, cerca de 300
aplicações diferentes para um simples produto da terra, o amendoim. Milhares de
exemplos semelhantes poderiam ser citados, pois a História está cheia deles. Em
nosso próprio país, encontraremos figuras como a de Machado de Assis, de origem
humílima, doentio mas iluminado pela fulguração do gênio. Encontraremos José do
Patrocínio, dono daquela inteligência magnífica, que tanto fez pelos homens de
sua raça. E quantos outros? Nem todos usam seus talentos na direção inequívoca
do bem. mas a grande maioria realiza, de um modo ou de outro, as coisas que
estavam em seu poder e em sua compreensão realizar. Muitos argumentos poderão
ser alinhados contra a teoria absurda e desumana da desigualdade racial.
O argumento máximo porém, e irrespondível,
é fornecido pela Doutrina Espírita. O corpo branco, negro ou amarelo - é mera
vestimenta designada por Deus. Os Espíritos não têm cor, nem nacionalidade, nem
raça, nem mesmo religião, tomada no estreito sentido com que nos acostumamos a
equacionar esse problema. Sua nacionalidade é universal, sua raça emana do
tronco único, da única fonte criadora que é Deus. Sua religião, antes de ser
católica, protestante, judaica ou budista é o culto supremo de Deus, a prática
permanente da caridade, o exercício constante do amor ao próximo.
Muitas
vezes temos ouvido que todas as religiões são boas e todos os caminhos levam a
Deus. Há mais verdade nisso do que se pensa. Mas há também alguma incompreensão.
Todos os caminhos, de fato, levam a Deus, porque Ele está sempre no
horizonte, no ponto de convergência de nossas vidas. Para Ele caminhamos todos, só que uns levam mais tempo que outros. Uns conseguem enxergar mais claro as veredas e atravessam logo o espaço que os separa de Deus. Outros se perdem na noite do pecado e do crime e vagueiam desorientados pelos atalhos. Levam muito mais tempo, mas, afinal de contas, que é a fração de tempo de nossas existências terrenas, comparada com o maravilhoso desdobramento da eternidade?
horizonte, no ponto de convergência de nossas vidas. Para Ele caminhamos todos, só que uns levam mais tempo que outros. Uns conseguem enxergar mais claro as veredas e atravessam logo o espaço que os separa de Deus. Outros se perdem na noite do pecado e do crime e vagueiam desorientados pelos atalhos. Levam muito mais tempo, mas, afinal de contas, que é a fração de tempo de nossas existências terrenas, comparada com o maravilhoso desdobramento da eternidade?
Todos esses caminhos estão abertos à
nossa frente. Nenhuma religião pode arvorar-se em proprietária absoluta da
verdade. O proprietário da verdade é Deus e Ele jamais cuidou de fundar
religiões. Nem mesmo Jesus-Cristo, seu enviado especial à Terra. preocupou-se
em fundar mais uma religião. Basta ler com atenção seus ensinamentos.
Que dizia ele?
Que não vinha destruir ou reformar a
lei antiga, Vinha reforçá-la. Vinha abrir os olhos dos povos, vinha reavivar
nos corações embotados o senso da verdadeira religiosidade.
No fundo de seu ser, o homem anseia
por Deus, como a mais forte de suas necessidades espirituais. Não é o homem que
bate no peito e diz Senhor, Senhor, que irá para a glória, dizia o Cristo, mas
todo aquele que ouve a palavra de Deus. Quanto aos ritos e fórmulas
cabalísticas, não lhos interessavam porque ele sabia, na luminosidade de seu
espírito, que os homens estavam dando mais importância às fórmulas que ao
conteúdo de sua religiosidade.
Curar no sábado? Pecado, diziam os
ortodoxos. Colher trigo no sábado? Sacrilégio, resmungavam os hipócritas. Mas a
palavra de Jesus foi clara e continua clara, dois mil anos depois: o sábado foi
feito para o homem e não o homem para o sábado. Essa frase ainda possui o mesmo
significado hoje. As fórmulas não importam, o que importa é a legitimidade do
sentimento cristão. Então, deixa-se morrer a criatura humana porque é pecado
curar no sábado?
Ninguém vai para o céu ou para o
inferno pelo simples fato de ter praticado esta religião em lugar daquela
outra. Na verdade, as grandes religiões do mundo fundamentam-se em princípios
gerais, como a prática do bem, a existência de um ente supremo, o
aperfeiçoamento moral e espiritual. Se despojar-nos as grandes religiões de
suas fórmulas e de seu processamento exterior, veremos que, fundamentalmente,
elas têm surpreendentes semelhanças. Um estudo mais profundo talvez revelasse
que emanam todas da mesma fonte suprema, embora sob inspiração às vezes
diversa.
O certo seria - e lá chegaremos um
dia. - que as religiões vivessem em co-existência harmoniosa, completando-se,
trabalhando pelo objetivo comum que é o aperfeiçoamento do Espírito e sua
preparação para novos e mais altos desígnios. Há uma tremenda perda de energia
nessas questiúnculas e polêmicas teológicas e filosóficas.
Em vez de se combaterem inutilmente
em pura perda de energia deveriam unir-se contra inimigos comuns a todas as
religiões - o crime, o erro, a dissolução social, os transviamentos políticos,
a cegueira espiritual, o ateísmo. Esse sim é o objetivo das religiões
autênticas, dignas do legado espiritual que receberam.
A diferença entre elas é mais
aparente que real. O que as torna antagônicas, por vezes, não é a força que as
inspirou e as estabeleceu no plano da Humanidade, mas os homens que vieram depois
e se confundiram em interpretações contraditórias da mesma verdade eterna.
Quiseram explicar o que já estava explicado. E em explicações de explicações, nos
perdemos pelos caminhos.
A verdade absoluta está certamente
mais na singeleza poética dos Evangelhos, que nos rótulos eventualmente
adotados pelas di versas interpretações que se chamam religiões.
Até lá, continuemos nosso trabalho
silencioso, despretensioso, sem a preocupação de sermos os únicos proprietários
da verdade, porque, do outro lado da vida, sabemos que vamos encontrar junto ao
trono de Deus todos os bons católicos, os bons judeus, os bons maometanos, os
bons protestantes. Lá estarão também os que em sua passagem pela Terra tiveram
peles brancas, pretas, amarelas ou mestiças. Todos os bons Espíritos, enfim,
purificados e evoluídos na prática do bem.
A casa do Senhor tem muitas mansões,
dizia o Mestre, Haverá, certamente, lugar para todos os que legitimamente
aspirarem à glória e trabalharem para obtê-la.
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