Dar e
Deixar
Irmão X
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Janeiro 1956
Quando Cirilo Fragoso bateu às
portas da Esfera Superior e foi atendido por um anjo que velava, solícito, com
surpresa verificou que seu nome não constava entre os esperados do dia.
- Fiz muita caridade - alegou,
irritadiço -, doei quanto pude. Protegi os pobres
e os doentes, amparei as viúvas e os órfãos. Quanto fiz lhes pertence. 0h! Deus, onde a esperança dos que se entregaram às promessas do Cristo?
e os doentes, amparei as viúvas e os órfãos. Quanto fiz lhes pertence. 0h! Deus, onde a esperança dos que se entregaram às promessas do Cristo?
E passou a choramingar em desespero,
enquanto o funcionário celestial, compadecidamente, lhe observava os gestos.
Fragoso traduzia o próprio pesar com
a boca, no entanto, a consciência, como que instalada agora em seus ouvidos,
instava com ele a recordar.
Inegavelmente, amontoara vultosos
bens. Atingira retumbante êxito nos negócios a que se afeiçoara e
desprendera-se do corpo terrestre no cadastro dos proprietários de grande
expressão. Não conseguira visitar pessoalmente os necessitados, porque o tempo
lhe minguava cada dia, na laboriosa tarefa de preservação da própria fortuna,
jamais obtivera folgas para ouvir um indigente, nunca pudera dispensar um
minuto às mulheres infelizes que lhe recorriam à casa, entretanto, prevendo a
morte que se avizinhava, inflexível, organizara generoso testamento. E assim,
agindo à pressa, não se esquecera das instituições piedosas das quais possuía
vago conhecimento, inclusive as que ele pretendia criar. Por isso, em quatro
dias, dotara-as todas com expressivos recursos, encomendando- se-lhes às
preces.
Não se desfizera, pois, de tudo,
para exercer o auxílio ao próximo ? Não teria sido, porém, mais aconselhável
praticar a beneficência antes da atribulada viagem para o túmulo?
Notando que o coração e a consciência
duelavam dentro dele, rogou à entidade angélica tomasse em consideração a
legitimidade das suas demonstrações de virtude, reafirmando que a caridade por
ele efetuada deveria ser passaporte justo no acesso ao paraíso.
O benfeitor espiritual declarou
respeitar-lhe o argumento, informando, porém, que só mediante provas tangíveis
advogar-lhe-ia a causa, junto aos poderes celestes. Trouxesse Fragoso a
documentação positiva daquilo que verbalmente apontava e defender-lhe-ia a
entrada no Paço da Eterna Luz.
Cirilo deu-se pressa em voltar à
Terra e, aflito, extraiu as notas mais importantes, com referência aos legados
que fizera às associações pias, presentes e futuras, nas derradeiras horas do
corpo, e retornou à presença do amigo espiritual, diante de quem leu em voz
firme e confiante:
Para os velhinhos de diversos
refúgios, deixei quatrocentos mil cruzeiros.
Para os doentes de várias
agremiações, deixei oitocentos mil cruzeiros.
Para a instalação de um hospital de
câncer, deixei seiscentos mil cruzeiros.
Para a fundação do Instituto São
Damião, em favor dos leprosos, deixei trezen-
tos mil cruzeiros.
tos mil cruzeiros.
Para a assistência à infância
desvalida, deixei quinhentos mil cruzeiros.
Para meus empregados deixei quatro
casas e seis lotes de terras, no valor de um milhão e duzentos mil cruzeiros.
Em mãos de meu testamenteiro,
deixei, desse modo, a importância total de três milhões e oitocentos mil
cruzeiros, para a realização de boas obras.
Terminada a leitura, reparou que o
anjo não se mostrava satisfeito.
Em razão disso, perguntou, ansioso:
- Não terei cumprido, assim, os
preceitos de Jesus?
O interpelado, porém, aclarou,
triste:
- Fragoso, é preciso pensar. Segundo
o Evangelho, bem-aventurado é aquele que dá com alegria. Mas, realmente, você
não deu. Suas anotações não deixam margem a qualquer dúvida. Você simplesmente
deixou. Deixou, porque não podia trazer.
E porque Cirilo entrasse em aflitiva
expectação, o anjo rematou:
- Infelizmente, seu lugar, por
enquanto, ainda não é aqui"
De conformidade com os ensinamentos
do Mestre Divino, onde situamos o tesouro de nossa vida aí guardaremos a
própria alma. Seu testamento não exprime libertação. Quem dá, serve e passa.
Quem deixa, larga provisoriamente. Você ainda não se exonerou das
responsabilidades para com o dinheiro. Volte ao mundo e ampare aqueles a quem
você confiou os bens que lhe foram emprestados pela Providência Divina e
ajudando-os a usá-los na caridade verdadeira, você conhecerá, com experiência
própria, o desprendimento da posse. A morte obrigou-o a deixar. Agora, meu
amigo, cabe- lhe exercitar a ciência de dar com alma e coração.
Foi assim que Cirilo Fragoso, embora
acabrunhado, regressou à esfera dos homens, em espírito, a fim de aprender a
beneficência com alicerces na renúncia.
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