IV
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
E ainda que eu falasse as línguas
dos homens e dos anjos, e não
tivesse caridade, seria como o metal
que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de
profecia e
conhecesse todos os mistérios e toda
a ciência,
e ainda que tivesse toda a fé,
de maneira tal que transportasse os
montes,
e não tivesse caridade, nada seria.
E ainda que distribuísse toda a
minha fortuna para sustento dos
pobres, e ainda que entregasse meu
corpo para ser queimado,
e não tivesse caridade, nada disso
me aproveitaria.
A caridade é sofredora, é benigna; a
caridade não é invejosa;
a caridade não trata com leviandade,
não se ensoberbece.
Não se porta com Indecência, não
busca os seus interesses,
não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a Injustiça, mas folga
com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera,
tudo suporta.”
(1ª Epístola aos Coríntios,
13:1 a 7)
O amor espiritual, que a caridade
manifesta, é a mais pura expressão do sentimento humano. Tudo o que fazemos com
amor agrada a Deus, que lê nos corações e conhece a nobreza das atitudes.
Se praticarmos um ato bom por
orgulho ou vaidade, ele perderá para nós sua importância moral, porque a
realização do bem deve ser impregnada, de amor, esse sentimento puro que eleva
e constrói.
Portanto, mesmo falando a doce
linguagem dos anjos, com blandícia e generosidade, mas sem amor, seremos “como o metal que soa ou como o sino que tine”,
ecoando com vibração aparente, mas sem encanto, sem sentimento ou força
construtiva, porque sem caridade.
O problema não é somente ter fé,
como irmãos de certas seitas supõem, baseados em outra epístola de Paulo, pois
Jesus mesmo disse, repetindo as lições do Velho Testamento: “A cada um será dado segundo as suas obras.”
(Mateus, 16:27) Isto o apóstolo dos gentios também confirmou, em sua Epístola
aos Romanos, 2:6. Aqui ele reafirma: mesmo que tenhamos toda a fé, o dom de
profecia, o conhecimento dos mistérios e de toda a ciência, mas se
não possuirmos o coração ungido de caridade ou de amor, nossos atos e nossas
palavras nada representarão aos olhos do Pai Celestial.
E ainda que distribuindo toda a
nossa fortuna aos pobres e entregando o corpo aos mais pesados sofrimentos,
nada disto nos servirá se o não fizermos com sentimento, isto é, como
manifestação legítima do coração, que jorra espontânea do íntimo do ser, qual
um sorriso da própria alma.
“A
caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é invejosa.” Vai até a
renúncia, se necessário for, mas, quando sincera, não vê nisso sacrifício,
antes se rejubila na prática do bem, agindo com alegria e por elevação
espiritual.
Tudo o que é feito com sentimento de
sacrifício ou com má vontade, não é amor. Jesus mesmo disse: “misericórdia quero e não sacrifício”. O
bem tem de ser espontâneo para ser manifestação do reino de Deus, que há dentro
de nós.
A caridade, prossegue o apóstolo, é
benigna, tolerante, serena e não invejosa. Age sem alarde para não humilhar,
porém com prudência. “A caridade não
trata com leviandade”, pois esta fere, em vez de aliviar, e “não se ensoberbece”, antes lhe apraz a
oportunidade de servir.
Assim, não pode ser rumorosa, já que
“a esquerda não deve saber o que a
direita faz”. Se houver alarde na prática do bem, o pretenso caridoso terá
a sua recompensa no louvor dos homens, que provocou por vaidade ou por orgulho.
Foi o que ensinou o Divino Mestre,
conforme Mateus, 6:1 a 4:
“Guardai-vos
de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles; aliás
não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus.
Quando pois deres esmola, não faças
tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas,
para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o
seu galardão.
Mas, quando deres esmola, não saiba
a tua mão esquerda o que faz a tua direita; e para que a tua esmola seja dada
ocultamente; e teu Pai, que vê em segredo, te recompensará publicamente.”
A caridade não se irrita e não
suspeita mal.
Por exemplo, toda a vez que
suportamos as impertinências de um doente, mas com irritação, faltamos à
caridade cristã, pois o amor é bondoso e tolerante, paciente e cheio de
generosidade.
Se, por outro lado, suspeitamos de
nosso semelhante ou damos curso a algum boato maldoso a ele referente, mesmo
que verdadeiro, estamos exercitando a maledicência e faltando à caridade. Quem
sabe se em igual circunstância teríamos procedido pior? Por que escarnecer e
para que julgar? Que ganharemos com isto, senão manchar a reputação alheia?
Quem ama, diz por fim o apóstolo
Paulo, “o vaso escolhido” do Senhor,
tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
Mesmo no auge do sofrimento, na dor
das provações, sob o guante da injustiça ou da ingratidão, o cristão continua a
crer, espera e confia. É a hora da provação ou do testemunho. Aí é que provará
o grau de sua fé, a confiança na justiça de Deus que, quando tarda, vem em
caminho.
“A
caridade nunca falha”; é, de todas, a virtude por excelência, como a
expressão genuína do amor. E como Deus é a própria caridade (I João, 4:8) ou o
amor, ele estará presente, para sarar as chagas de nosso espírito, consolando-o
e purificando-o.
Como sabemos, há a caridade material
e a caridade moral. Aquela é a mais fácil de ser praticada, pois, quase sempre,
é simples dádiva daquilo que nos sobra. Mas a caridade moral é excelsa.
Palavras de consolo ou um bom conselho, proferidos com amor, servem para elevar
um espírito abatido ou para desviar do mal ou do abismo das trevas uma criatura
de Deus. Lembremo-nos sempre de que somos responsáveis não somente pelos erros
que praticamos, mas também pelo bem que deixamos de fazer.
O cristão é o sal da terra, como
disse o Cristo, Nosso Senhor. E le deve
estar atento na vida de relação, procurando ser caridoso, toda a vez que houver
oportunidade. Nesse particular, ajamos sem timidez, varonilmente, pois a covardia
moral é defeito indesculpável.
Nós, que cremos nos ensinamentos do
Messias, devemos procurar segui-los com amor. É natural que cada um trate de
seu progresso material e espiritual e que procure a felicidade dos seus. Mas
fechar-se exclusivamente no círculo da família, é egoísmo. Não basta fazer o
bem aos que nos são caros, mas é preciso também servir à sociedade, à comunhão
humana, pois todos somos irmãos.
À medida que o Espírito evolui, ele
vai perdendo as limitações de sentimentos, seu amor se vai estendendo a todos,
indistintamente, a bons e maus, justos e injustos, pois nossa família é a
Humanidade inteira.
Paulo exalta o amor nesta epístola
aos Coríntios. Dá os seus lídimos característicos, ensina o que o Divino Mestre
lhe incutira no coração, depois que com ele se encontrara na estrada de
Damasco.
Jesus fizera uma renovação em sua
alma, transformara seu coração e seu entendimento. O “homem velho”, que
perseguia os cristãos, supondo servir à Lei de Deus, desaparecera em contato
com a magia divina daquele olhar que o cegara! Paulo passou a crer
na sublimidade dos ensinamentos do Profeta de Nazaré, que se imolara na cruz,
em prol da Humanidade. Sentiu que a Boa Nova do Reino de Deus é amor; amor ao
Pai sobre todas as coisas, e ao próximo como a nós mesmos. Compreendeu que,
perseguindo ou injuriando alguém, mesmo sob o pretexto de servir a Deus,
estamos negando-O.
Realmente, a intolerância religiosa
é um erro profundo, pois todos somos irmãos. As seitas não devem servir para
desunir os homens, mas para estreitá-los no amor divino. Se cada um tem o seu
grau de entendimento, só o amor constrói para a eternidade!
Ele “não folga com a injustiça, mas folga com a verdade”. E a suprema
verdade é o bem, cuja síntese está em nos amarmos uns aos outros, como Jesus
nos amou.
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