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‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
Prefácio
Quem
quer que estude a história do Cristianismo encontrará, em seus albores, a
figura singular e inconfundível de Paulo de Tarso.
Embora não sendo um dos doze, mas
sagrado apóstolo pelo sofrimento e pelo trabalho em prol da Boa Nova do Reino
de Deus e, sobretudo, por sua fidelidade ao Cristo, foi São Paulo, dentre seus
primeiros seguidores, o que mais se destacou.
Pode-se dizer que ele completou, com
suas imortais epístolas, a obra doutrinária do Divino Mestre, sendo considerado
até como o Consolidador do Cristianismo. Se entre os que de mulher têm nascido
não apareceu. alguém maior do que João Batista, conforme disse Jesus (Mateus,
11:11), pode-se afirmar, parafraseando o Senhor, que entre os que têm nascido
do Cristianismo ainda não apareceu outro maior do que São Paulo. Ele mostrou à
Humanidade, por seu exemplo e por sua
conduta pessoal, quanto pode a fé construir no coração dos homens de boa
vontade, quando a serviço de um ideal superior. Tais construções íntimas de
ordem moral - que se manifestam pela transformação do eu e por frutos de
caridade - são as mais importantes no terreno religioso.
É certo que todos os que vieram ao
mundo com o Nazareno eram Espíritos em missão, à altura do papel que teriam de
desempenhar. O próprio Judas lscariotes correspondeu à expectativa; tinha de representar
a figura do traidor, para que a vontade do Pai Celestial se cumprisse.
Reconheceu sua hediondez e suicidou-se. Mas nem a êle podemos julgar, pois Deus
é Pai de amor e de misericórdia. Assim, os Mensageiros do Senhor têm-nos
ensinado que o perdão, suplicado generosamente no alto da cruz por Seu Filho, -
o Cordeiro lmaculado - foi ouvido pela complacência e pela misericórdia do
Criador, que permitiu novas encarnações na Terra aos algozes de Jesus, até que
retificassem seus erros, pois ele não quer que que
alguém se perca, mas que todos se salvem e tenham a vida eterna. Esta salvação,
contudo, dependerá sempre do esforço de cada um, pois cada qual é artífice de
sua queda ou de sua ascensão espiritual. Assim, persistir no pecado é escravizar-se,
enquanto que arrepender-se e corrigir-se é sinal de bons propósitos, de quem já
deseja entrar em sintonia com a lei divina, que é amor. E quem até ao fim
perseverar nessa deliberação, será salvo. (Mateus 10:22).
Destarte, os primitivos cristãos,
embora figurantes do grande drama, seja mesmo como pregadores ou
exemplificadores do Evangelho, nem por isso deixaram de ter o merecido valor,
que foi excepcional, porquanto tinham livre arbítrio - embora relativo (pois o
livre arbítrio absoluto só Deus o possui) - e todos estavam sujeitos à fraqueza
da carne e às injunções do meio ambiente em que encarnaram; mas venceram o
mundo e cumpriram sua missão gloriosa!
Foram selecionados naquela época
Espíritos de escol para baixarem à Terra, como Maria de Nazaré (que os homens
cognominaram de Rainha dos Céus), cuja pureza e cuja candura ainda hoje nos
servem de encanto e de atração.
Porém a cultura, o destemor e a fé
de Paulo de Tarso, ao lado de outras inconfundíveis virtudes, destacam sua
personalidade com uma distinção inexcedível.
Assim como Jesus foi o médium de
Deus ou "o mediador entre Deus e os homens" (I Tim., 2:5), pode-se
dizer com Cairbar Schutel que SÃO PAULO FOI O MÉDIUM DE JESUS, fiel intérprete
de seu pensamento. As quatorze epístolas que ele nos legou no-lo atestam, pois
destilam ensinamentos cristãos, que gozam de autoridade quase igual à dos
Evangelhos! Digo "quase igual" porque, se alguém porventura visse
divergência entre os ensinos de ambos, teria
de dar predominância aos de Jesus, uma vez que este é A PEDRA, isto é, o
fundador e o fundamento de sua Igreja, como São Paulo e São Pedro mesmo
reconheceram e deixaram escrito. (I Cor, 10:4 e I Pedro 2:4).
O apóstolo das gentios chegou a
sentir aquele estado de sua alma, já consumada com o Cristo de Deus, pois em
certa altura da vida, ele mesmo confessa) como se lê em Gálatas, 2:20, Vivo, não
mais eu, mas o Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na
fé do Filho de Deus".
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‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
Empolgado pela individualidade
notável de Paulo de Tarso e por sua obra ímpar, construtiva e gigantesca, no
seio do Cristianismo, tão cheia de ensinamentos e de exemplos, porque ele pregou
não só pelas palavras mas pela conduta irrepreensível, cujos atos deram o
testemunho de sua fé; admirando a firmeza de suas convicções, manifestada por
uma abnegação sem limites, coroada por sofrimentos contínuos, de várias
espécies, que culminaram com sua decapitação em Roma, ao longo da via Ápia, sem
jamais negar ou falsear a doutrina do Divino Mestre; admirando a Paulo, não
somente por ter sido um grande intelectual, cujas epístolas têm um encanto
eterno, sendo possuidor ainda de uma coragem inaudita, que o levou ao martírio,
em face do atraso e da intolerância dos homens de seu tempo; mas apreciando-o
sobretudo por ser um grande cristão, resolvi escrever para o "Reformador",
órgão da "Federação Espírita Brasileira"), uma série de trinta e oito
artigos em torno
de suas epístolas, que agora condenso neste livro e que ora public, graças aos
irmãos da "Federação Espírita do Rio Grande do Sul", Estado que é a
sentinela avançada da pátria e também do Espiritismo cristão, em cuja capital
tive ocasião de conhecer grandes e modelares obras de caridade, como o
"Hospital Espírita de Porto Alegre" o "Lar do Amigo
Germano" e o "Instituto Espírita Dias da Cruz", que honram e
distinguem a atividade de nossos confrades gaúchos. Notei ali - e realço com
prazer - a influência benfazeja do Espírito de Bezerra de Menezes) antigo
presidente da FEBJ e que se acha ligado a inúmeras realizações espíritas em
todo o Brasil! A falange dos que trabalharam na "Federação Espírita
Brasileira", desde a sua fundação, continua a orientar e a dirigir, sob as
ordens do anjo Ismael e com a supervisão de Jesus, o movimento espírita em
nossa terra, cuja influência benemérita já se faz sentir nos países vizinhos e
até em outros continentes...
Se neste livro me desviei, por vezes
aparentemente, do conteúdo das Epístolas de São Paulo, foi para digresssionar
pelos Evangelhos ou também em torno do Antigo Testamento, que é a fonte subsidiaria
do Novo, e cujos salmos, provérbios e alguns pensamentos de seus profetas, têm
ainda seduções ou atrativos, pela profundeza dos ensinamentos ou pelo encanto
da linguagem, que eram até, em alguns casos) hinos de louvores ao Deus único e
verdadeiro, cultuado pelo povo de Israel, e que é o mesmo que hoje adoramos...
Ou então, para tecer considerações paralelas, servindo-me dos ensinamentos
espíritas ou das lições do Espírito Santo, que procura tirar "da letra que
mata o espírito que vivifica". O fato é que tais
artigos
foram publicados naquela excelente revista carioca, pela bondade de seus
diretores, de maio de 1953 a fevereiro de 1957.
E por falar em "Reformador"
- a mais antiga revista de Espiritismo cristão do país, cujas edições já sobem
a mais de 35.000 exemplares - quero recordar com a saudade de meu
reconhecimento e de meu apreço... o Espírito bondoso de Guillon Ribeiro, que
foi um de seus diretores, a quem devo lições inesquecíveis e a orientação em
meus primeiros estudos doutrinários.
Resumi nestes comentários tudo o que
aprendi por mais de três lustros de estudos contínuos e de observação pessoal sobre
tudo o que diz respeito a Espiritismo (e sei que ainda é pouco) dando-me a
convicção inabalável de que se trata, realmente, da Terceira Revelação de Deus,
o que é crido também por mais de um milhão de brasileiros alfabetizados,
conforme estatísticas. Todos sabem os que as revelações divinas são sucessivas,
manifestadas à medida que a Humanidade evolui, sendo que a primeira foi dada
aos homens por Moisés, que é a do monoteísmo; a, sequnda, a de Jeeus, que é a
do amor; e a terceira e última, por este anunciada nos capítulos 14 e 16 do
Evangelho de João, a do Consolador ou do Espírito Santo, que nos ensina "todas
as coisas" (idem, 14:26) e que, por isso mesmo, é conhecida como a
revelação divina da verdade.
Escrevi com o coração, mas com
raciocínio. A fé cega é de concepção medieval, pois que leva ao fanatismo e
quase que só manifesta atraso ou intolerância. A Humanidade caminha para a fase
do racionalismo, como Huberto Rhoden bem acentua, e ninguém poderá deter sua
marcha evolutiva, porque a lei do progresso material, intelectual e espiritual
é de Deus. Há também regressões aparentes, que são nuances da própria lei da
evolução, que se objetiva em forma de elípse; com avanços e recuos; mas, com
efeito, se a Humanidade às vezes retrocede, é para ser impulsionada depois para
um ponto mais alto, inatingido ainda. Pietro Ubaldi explica o processamento deste
fenômeno, até com gráficos, em sua obra "A Grande Síntese", sendo que
o livro “Ciência Divina”, de Jayme Braga, editado pela FEB, também aborda o
assunto, de forma muito interessante.
Ensina Bezerra de Menezes, generoso
guia, que o Espírito, simbolicamente, tem duas asas, que precisam crescer, até
que ele atinja a pureza angelical: uma é a asa do amor e outra a da ciência,
pois é a moral e o conhecimento que elevam a criatura ao Criador. É claro que esta explicação é em sentido
figurado, mas nos dá a ideia exata de que precisamos evolucionar, não somente
em amor, mas também em conhecimento. O livro de Provérbios, 4:7, chega a
afirmar que "a sabedoria é a coisa
principal", mas em verdade, ela precisa completar-se com o amor, que
resume as leis e os profetas (Mateu,s, 22:4o). Mas, se examinarmos bem, veremos
que a sabedoria é conquistada pelo amor que demonstramos a nós mesmos pois
temos a obrigação de procurar a verdade, que liberta (João 8.:32). Portanto, as
duas asas, quando bem desenvolvidas, dão uma só finalidade: a ascensão para
Deus, que só se consegue através do amor a nós mesmos (pela sabedoria posta em
exercício, e que leva
a transformação moral ou à aquisição de virtudes pessoais) e através do amor a
nosso próximo, que se manifesta pela amizade (sentimento fraternal) e pela
caridade, que também são expressões do amor. Portanto, tudo se resume no amor,
sendo que o próprio Deus também é amor (I João 4:8).
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‘Apreciando a Paulo’
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das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
Mas o Espiritismo atende àqueles
dois aspectos evolutivos da alma humana e, por isso mesmo, sua doutrina satisfaz
plenamente, resolvendo todas as dúvidas filosóficas ou religiosas do homem,
enquanto que as crenças ortodoxas, embora recomendem o amor ao semelhante,
pecam com relação ao problema da verdade, dificultando o conhecimento ou a
sabedoria das coisas divinas. Contudo, como se trata de graus de entendimento ou
do problema da percepção dos Espíritos, nós não as podemos condenar, pois elas
expressam aqueles degraus da escada que ascende aos céus (e que Jacó viu em
sonho) e por onde quase todos terão de passar, em sua marcha evolutiva na
Terra, através das vidas sucessivas. Uns já atravessaram o catolicismo ou o
protestantismo, enquanto que outros ainda estão neles... e muitos lutam por
suas convicções com sinceridade, sendo dignos de nosso respeito, embora devamos
combater seus erros, por amor à verdade, porém jamais descendo para o terreno
das retaliações pessoais ou da intolerância, porque todos somos irmãos e dignos
da liberdade de ensinamento, como filhos de Deus que é o primeiro a considerar
nosso livre arbítrio. Assim, não
devemos jamais impor nosso ponto de vista, nem ameaçar o semelhante com
castigos eternos, para rende-lo pelo temor, visando subjugar consciências, pois
o Senhor é nosso Deus de amor e de misericórdia, como Jesus ensinou, perdoando
até os seus algozes, quando no alto da cruz.
A doutrina espírita é
fundamentalmente cristã e, por isso mesmo, fundamentalmente lógica. Ela encara
de frente a razão, sem subterfúgios, sem casuísmos ou sutilezas escolásticas,
que conduzem a uma teologia complicada, pois o Espiritismo prima pela
simplicidade, aquela mesma que Nosso Senhor recomendou (Mateus, 10:16) e a que
Paulo também se refere (Li Cor., 1:12 e Col., 3:22). O Espiritismo detesta o
sofisma, as argumentações obscuras e capciosas, nem admite "mistérios
impenetráveis" erigidos em dogmas de fé, que trancam o raciocínio e
pretendem escravizar as consciências a decisões de concílios que, sem a menor
prova, afirmam haver contado com a cooperação do Espírito Santo, o que, em
verdade, é uma afirmação
herética, pois o Paracleto não iria contribuir para a escravidão mental da
Humanidade, nem para a grandeza e o poderio de uma igreja, que cada vez mais se
distancia do amor a seus semelhantes, a muitos dos quais já queimou em
fogueiras, "ad maiorem Dei gloriam"!
para
maior glória de Deus "
O Espiritismo afirma que sua fenomenologia é natural, pois o sobrenatural não
existe. O universo gravita no pensamento de Deus, que o transcende, mas tudo é
real, embora haja coisas visíveis e invisíveis, dignas de nosso estudo e de
nosso respeito científico.
Assim, aqueles dogmas bojudos de
"mistérios impenetráveis", são falseamentos dos Evangelhos, pois o
próprio Cristo de Deus afirmou, em Mateus, 10:26 e em Lucas, 12:2: “NADA HÁ DE
ENCOBERTO QUE NÃO HAJA DE REVELAR-SE, NEM OCULTO QUE NÃO HAJA DE SABER-SE”.
Por consequência, igreja alguma tem
o direito de falsear os ensinamentos de Jesus e criar em seu nome “mistérios impenetráveis” como princípios
ou dogmas de fé, trancando ainda o raciocínio ou o livre arbítrio, uma vez que
proíbe sua análise ou discussão.
Mas os mistérios só existem como
fruto de nossa ignorância. À medida que o homem for investigando e sabendo -
pois a ciência vem de Deus - os mistérios irão desaparecendo, espancados pela
luz do entendimento e da realidade. Portanto, nada impede que procuremos desvendar
os mistérios com pureza de sentimentos e para nossa própria edificação, e em
nome da sabedoria ou da verdade que, como vimos, é algo excelente. É necessário
apenas que as investigações sejam feitas com inteira liberdade de ação e com
honestidade de propósitos, vale dizer, sem restrições mentais ou de seitas, e
sem medo, pois o medo é um grande óbice à evolução do Espírito.
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