III
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“A cerca dos dons espirituais, não
quero, irmãos, que sejais ignorantes.
Vós bem sabeis que éreis gentios,
levados aos ídolos mudos, conforme
éreis guiados.
Portanto quero fazer-vos compreender
que ninguém que
fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é
anátema,
e ninguém pode dizer que Jesus é o
Senhor, senão pelo Espírito Santo.
Ora, há diversidade de dons, mas o
Espírito é o mesmo.
E há diversidade de ministérios, mas
o Senhor é o mesmo.
E há diversidade de operações, mas é
o mesmo Deus que opera tudo em todos.
Mas a manifestação do Espírito é
dada a cada um, para o que for útil.
Porque a um pelo Espírito é dada a
palavra da sabedoria.
E a outro, pelo mesmo Espirito, a
palavra da Ciência;
E a outro, pelo mesmo Espírito, a
fé; e a outros, pelo mesmo
Espirito, os dons de curar; E a
outro a operação de maravilhas;
e a outro a profecia; e a outro o
dom de discernir os espíritos;
e a outro a variedade de línguas; e
a outro a interpretação das línguas.
Mas um só e o mesmo Espirito opera todas
essas coisas,
repartindo particularmente a cada um
como quer”.
Primeira Epístola aos
Coríntios, 12:1 a 11
Paulo
de Tarso, o iluminado apóstolo dos gentios, fala aqui a respeito dos dons
espirituais, que são múltiplos e admiráveis. Deus “os reparte particularmente a cada um, como quer”.
Há diversidade de dons, mas “o Espírito que se manifesta é o mesmo”,
pois que é o Espírito Santo.
Todo guia que se comunica, externa
uma nuança do Espírito Santo, que tem muitos dons divinos. Assim, cada médium
possui também dons especiais e até peculiaridades próprias.
“Há
diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos”,
através de seus mensageiros, encarregados de divulgar a verdade e de provar que
o Espírito é eterno, servindo sempre à causa de Jesus Cristo, que consiste no
amor. Mesmo os profetas, que o antecederam, estavam a seu serviço ou ao serviço
de Deus ou da Verdade.
É aquele amor divino que impele o
Espírito Santo à prática do bem, à manifestação de seus diversos dons, que
Paulo tão acertadamente soube sintetizar:
“Porque
a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo
Espírito, a palavra da ciência; E a outro, pelo mesmo Espírito, a fé; e a
outro, pelo mesmo Espírito, os dons
de curar.”
Ora, esses dons de curar Jesus mesmo
outorgou a seus discípulos, consoante se vê em Marcos, 10:8:
“Curai
os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios,
de graça recebestes, de graça dai.”
E Paulo de Tarso reconheceu, no
versículo retro citado desta Primeira Epístola aos Coríntios, que ainda seria
dado tal mérito a outras pessoas, por meio do Espírito Santo. São “os médiuns curadores” que têm essa
faculdade, e que a devem exercitar de graça, pois é dádiva gratuita de Deus.
Assim, os dons espirituais, como as
coisas religiosas, quaisquer que sejam, não devem ser objeto de comércio, isto
é, de lucro ou de interesse. Quem os possui, porque de graça os recebeu, assim
os deve dar a seus irmãos necessitados, sob pena de assumir graves responsabilidades
perante o Senhor, que os outorgou gratuitamente. E não deve também “enterrar o talento”, deixando de
trabalhar pela causa divina, o que será pecar por negligência, que é a falta de
cumprimento do dever, digna de punição.
As coisas santas não podem ser
objeto de mercancia, de compra e venda, de troca, de vantagens materiais, seja
qual for o pretexto, a razão ou o motivo determinante. O próprio recolhimento
do dízimo, prescrito no Velho Testamento, não mais se justifica, porque “a lei
e os profetas duraram até João” (Lucas, 16 :16) .
É verdade que Jesus não revogou a
lei e os profetas, mas deu-lhes cumprimento. E isto no que se refere à lei do
amor, que é o essencial. Fora daí, as demais prescrições foram abolidas, como a
circuncisão, a guarda do sábado, as ofertas ao tabernáculo etc., pois o Cristo
de Deus a nada disso se referiu em sua nova mensagem.
Portanto, como desprezar hoje em dia
certas prescrições da lei antiga e achar que só outras estão em vigor? Quem
autorizou os intérpretes da lei divina a fazer distinções, dando valor a alguns
preceitos do Velho Testamento e negando validade a outros?
É certo, por exemplo, que no tempo
de Moisés e dos profetas havia a poligamia; porém Jesus estabeleceu a
monogamia, tolerando que os casamentos se dissolvessem, apenas no caso de
infidelidade conjugal (Mateus, 5:32). A propósito de certas carnes e outros
alimentos, que eram proibidos aos judeus, Ele esclareceu: “O que contamina o homem não é o que entra pela boca mas o que sai da boca
isso é o que contamina o homem.” (Mateus 15 :11) Assim, a proibição de
comer carne, em certos dias da “semana santa”, não, tem razão de ser, em face
dos Evangelhos de Jesus.
Mas se o Divino Mestre regulou tais
assuntos, silenciou sobre muitas outras proibições antigas, que se não
conciliam com o culto interno que ele instituiu, isto é, com “a adoração de Deus em espírito e verdade.”
(João, 4:23)
Para adorarmos a Deus em Espírito,
não necessitamos, sequer, de templos, nem de paramentos ou de rituais, que são
cópias das religiões antigas e até do paganismo; nem precisamos tão pouco de
dogmas prescritos a preço fixo ou do pagamento de dízimos. Empreguemos esta
importância na prática direta da caridade, que é amor, e assim estaremos
fazendo o que Jesus prescreveu, dando melhor efetivação aos nossos deveres de
cristãos, já inteiramente
libertos da lei velha ou de convenções caducas, que foram superadas pelo
Cristo, porém permaneçamos jungidos à Boa Nova do Reino de Deus, e tal nos será
suficiente.
Paulo fala ainda, como vimos, no dom
da profecia, na operação de maravilhas e na faculdade de “discernir os espíritos”; aqui ele emprega este substantivo no
plural, o que merece ponderação, pois o grande apóstolo da cristandade proclama
e reconhece a existência de “espíritos”,
que manifestam certos dons divinos.
Onde se estuda, se observa e se
constata, comumente, o dom de curar, o de profetizar, o de “discernir os espíritos”, senão à luz do
Espiritismo, que é a terceira revelação de Deus?
É nele também onde vemos os médiuns
poliglotas falarem línguas, sem as conhecerem - fenômeno chamado de xenoglossia
- confirmando a palavra iluminada de Paulo de Tarso e os seus ensinamentos, sobre
esses dons maravilhosos.
O Espiritismo, portanto,
fundamenta-se na Bíblia e, sobretudo, no Novo Testamento.
Nós, espíritas, também achamos que
aquele livro consagra a verdade, mas os Mensageiros de Deus, como Paulo,
aconselham-nos “a tirar da letra que mata
o espírito que vivifica". Assim, baseando-nos no “livro dos livros”, não lhe damos, porém, uma interpretação humana
ou arbitrária, mas decorrente dos ensinamentos do Espírito Santo, que já se
comunica com os homens, de acordo com a promessa do Cristo de Deus:
“Mas
aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos
ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito.”
(João, 14:26.)
O Consolador prometido por Jesus
Cristo; nosso Mestre e Senhor, é o Espiritismo-cristão.
Através dele manifestam-se, com frequência
“os dons espirituais” a que o
apóstolo faz menção, e a propósito dos quais deseja que não sejamos ignorantes.
“Se
éramos gentios, levados aos ídolos mudos”, que muitos de nossos irmãos
ainda hoje veneram, baseados “nas
tradições que afogam”, somos agora guiados pelo Espírito Santo, que nos
conduz ao conhecimento das verdades eternas, despojadas de dogmas e de
preconceitos, convictos de que o amor espiritual, somente ele, renova os
corações, desde que haja o propósito sincero do arrependimento ou da
regeneração.
E a certeza dessa verdade nos
liberta do erro e do medo, ou seja, das vestes espirituais do “homem velho”, fazendo-nos ressurgir,
reformados, para encontrar a Jesus!
A jornada é longa e a subida é
áspera, pois o caminho é cheio de urzes, de vez que é estreita a porta que nos
leva à salvação (Mateus 7:13). Mas lembremo-nos de que, como está escrito: “Quem pega na charrua e olha para trás, não é
digno de ser considerado filho de Deus.” (Lucas, 9:62.)
Persistamos em busca dos dons
espirituais e eles descerão dos céus sobre nossas cabeças, a exemplo do que
sucedeu com os apóstolos no dia de Pentecostes. Se demorarem, é porque ainda
não nos fizemos dignos dessa graça ou porque estamos sendo provados na fé.
Se não “línguas de fogo”, pelo menos outras manifestações legítimas do
plano celestial, vemo-las de vez em quando, atestando que o Espírito Santo já
habita entre os homens de fé e de boa vontade. Portanto, sejamos merecedores
dessa assistência e teremos então o amparo divino, pois, como afirma Paulo, “se há diversidade de operações, é o mesmo
Deus que opera tudo em todos”, para nossa perfeição!
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