sábado, 3 de agosto de 2013

2a. 2b. 2c. 'Apreciando a Paulo'



2a
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958

Prefácio

            Quem quer que estude a história do Cristianismo encontrará, em seus albores, a figura singular e inconfundível de Paulo de Tarso.

            Embora não sendo um dos doze, mas sagrado apóstolo pelo sofrimento e pelo trabalho em prol da Boa Nova do Reino de Deus e, sobretudo, por sua fidelidade ao Cristo, foi São Paulo, dentre seus primeiros seguidores, o que mais se destacou.

            Pode-se dizer que ele completou, com suas imortais epístolas, a obra doutrinária do Divino Mestre, sendo considerado até como o Consolidador do Cristianismo. Se entre os que de mulher têm nascido não apareceu. alguém maior do que João Batista, conforme disse Jesus (Mateus, 11:11), pode-se afirmar, parafraseando o Senhor, que entre os que têm nascido do Cristianismo ainda não apareceu outro maior do que São Paulo. Ele mostrou à Humanidade,  por seu exemplo e por sua conduta pessoal, quanto pode a fé construir no coração dos homens de boa vontade, quando a serviço de um ideal superior. Tais construções íntimas de ordem moral - que se manifestam pela transformação do eu e por frutos de caridade - são as mais importantes no terreno religioso.

            É certo que todos os que vieram ao mundo com o Nazareno eram Espíritos em missão, à altura do papel que teriam de desempenhar. O próprio Judas lscariotes correspondeu à expectativa; tinha de representar a figura do traidor, para que a vontade do Pai Celestial se cumprisse. Reconheceu sua hediondez e suicidou-se. Mas nem a êle podemos julgar, pois Deus é Pai de amor e de misericórdia. Assim, os Mensageiros do Senhor têm-nos ensinado que o perdão, suplicado generosamente no alto da cruz por Seu Filho, - o Cordeiro lmaculado - foi ouvido pela complacência e pela misericórdia do Criador, que permitiu novas encarnações na Terra aos algozes de Jesus, até que retificassem seus erros, pois ele não quer que que alguém se perca, mas que todos se salvem e tenham a vida eterna. Esta salvação, contudo, dependerá sempre do esforço de cada um, pois cada qual é artífice de sua queda ou de sua ascensão espiritual. Assim, persistir no pecado é escravizar-se, enquanto que arrepender-se e corrigir-se é sinal de bons propósitos, de quem já deseja entrar em sintonia com a lei divina, que é amor. E quem até ao fim perseverar nessa deliberação, será salvo. (Mateus 10:22).

            Destarte, os primitivos cristãos, embora figurantes do grande drama, seja mesmo como pregadores ou exemplificadores do Evangelho, nem por isso deixaram de ter o merecido valor, que foi excepcional, porquanto tinham livre arbítrio - embora relativo (pois o livre arbítrio absoluto só Deus o possui) - e todos estavam sujeitos à fraqueza da carne e às injunções do meio ambiente em que encarnaram; mas venceram o mundo e cumpriram sua missão gloriosa!

            Foram selecionados naquela época Espíritos de escol para baixarem à Terra, como Maria de Nazaré (que os homens cognominaram de Rainha dos Céus), cuja pureza e cuja candura ainda hoje nos servem de encanto e de atração.

            Porém a cultura, o destemor e a fé de Paulo de Tarso, ao lado de outras inconfundíveis virtudes, destacam sua personalidade com uma distinção inexcedível.

            Assim como Jesus foi o médium de Deus ou "o mediador entre Deus e os homens" (I Tim., 2:5), pode-se dizer com Cairbar Schutel que SÃO PAULO FOI O MÉDIUM DE JESUS, fiel intérprete de seu pensamento. As quatorze epístolas que ele nos legou no-lo atestam, pois destilam ensinamentos cristãos, que gozam de autoridade quase igual à dos Evangelhos! Digo "quase igual" porque, se alguém porventura visse divergência entre os ensinos de ambos, teria de dar predominância aos de Jesus, uma vez que este é A PEDRA, isto é, o fundador e o fundamento de sua Igreja, como São Paulo e São Pedro mesmo reconheceram e deixaram escrito. (I Cor, 10:4 e I Pedro 2:4).

            O apóstolo das gentios chegou a sentir aquele estado de sua alma, já consumada com o Cristo de Deus, pois em certa altura da vida, ele mesmo confessa) como se lê em Gálatas, 2:20, Vivo, não mais eu, mas o Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus".


2b
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958


            Empolgado pela individualidade notável de Paulo de Tarso e por sua obra ímpar, construtiva e gigantesca, no seio do Cristianismo, tão cheia de ensinamentos e de exemplos, porque ele pregou não só pelas palavras mas pela conduta irrepreensível, cujos atos deram o testemunho de sua fé; admirando a firmeza de suas convicções, manifestada por uma abnegação sem limites, coroada por sofrimentos contínuos, de várias espécies, que culminaram com sua decapitação em Roma, ao longo da via Ápia, sem jamais negar ou falsear a doutrina do Divino Mestre; admirando a Paulo, não somente por ter sido um grande intelectual, cujas epístolas têm um encanto eterno, sendo possuidor ainda de uma coragem inaudita, que o levou ao martírio, em face do atraso e da intolerância dos homens de seu tempo; mas apreciando-o sobretudo por ser um grande cristão, resolvi escrever para o "Reformador", órgão da "Federação Espírita Brasileira"), uma série de trinta e oito artigos em torno de suas epístolas, que agora condenso neste livro e que ora public, graças aos irmãos da "Federação Espírita do Rio Grande do Sul", Estado que é a sentinela avançada da pátria e também do Espiritismo cristão, em cuja capital tive ocasião de conhecer grandes e modelares obras de caridade, como o "Hospital Espírita de Porto Alegre" o "Lar do Amigo Germano" e o "Instituto Espírita Dias da Cruz", que honram e distinguem a atividade de nossos confrades gaúchos. Notei ali - e realço com prazer - a influência benfazeja do Espírito de Bezerra de Menezes) antigo presidente da FEBJ e que se acha ligado a inúmeras realizações espíritas em todo o Brasil! A falange dos que trabalharam na "Federação Espírita Brasileira", desde a sua fundação, continua a orientar e a dirigir, sob as ordens do anjo Ismael e com a supervisão de Jesus, o movimento espírita em nossa terra, cuja influência benemérita já se faz sentir nos países vizinhos e até em outros continentes...

            Se neste livro me desviei, por vezes aparentemente, do conteúdo das Epístolas de São Paulo, foi para digresssionar pelos Evangelhos ou também em torno do Antigo Testamento, que é a fonte subsidiaria do Novo, e cujos salmos, provérbios e alguns pensamentos de seus profetas, têm ainda seduções ou atrativos, pela profundeza dos ensinamentos ou pelo encanto da linguagem, que eram até, em alguns casos) hinos de louvores ao Deus único e verdadeiro, cultuado pelo povo de Israel, e que é o mesmo que hoje adoramos... Ou então, para tecer considerações paralelas, servindo-me dos ensinamentos espíritas ou das lições do Espírito Santo, que procura tirar "da letra que mata o espírito que vivifica". O fato é que tais
artigos foram publicados naquela excelente revista carioca, pela bondade de seus diretores, de maio de 1953 a fevereiro de 1957.

            E por falar em "Reformador" - a mais antiga revista de Espiritismo cristão do país, cujas edições já sobem a mais de 35.000 exemplares - quero recordar com a saudade de meu reconhecimento e de meu apreço... o Espírito bondoso de Guillon Ribeiro, que foi um de seus diretores, a quem devo lições inesquecíveis e a orientação em meus primeiros estudos doutrinários.

            Resumi nestes comentários tudo o que aprendi por mais de três lustros de estudos contínuos e de observação pessoal sobre tudo o que diz respeito a Espiritismo (e sei que ainda é pouco) dando-me a convicção inabalável de que se trata, realmente, da Terceira Revelação de Deus, o que é crido também por mais de um milhão de brasileiros alfabetizados, conforme estatísticas. Todos sabem os que as revelações divinas são sucessivas, manifestadas à medida que a Humanidade evolui, sendo que a primeira foi dada aos homens por Moisés, que é a do monoteísmo; a, sequnda, a de Jeeus, que é a do amor; e a terceira e última, por este anunciada nos capítulos 14 e 16 do Evangelho de João, a do Consolador ou do Espírito Santo, que nos ensina "todas as coisas" (idem, 14:26) e que, por isso mesmo, é conhecida como a revelação divina da verdade.

            Escrevi com o coração, mas com raciocínio. A fé cega é de concepção medieval, pois que leva ao fanatismo e quase que só manifesta atraso ou intolerância. A Humanidade caminha para a fase do racionalismo, como Huberto Rhoden bem acentua, e ninguém poderá deter sua marcha evolutiva, porque a lei do progresso material, intelectual e espiritual é de Deus. Há também regressões aparentes, que são nuances da própria lei da evolução, que se objetiva em forma de elípse; com avanços e recuos; mas, com efeito, se a Humanidade às vezes retrocede, é para ser impulsionada depois para um ponto mais alto, inatingido ainda. Pietro Ubaldi explica o processamento deste fenômeno, até com gráficos, em sua obra "A Grande Síntese", sendo que o livro “Ciência Divina”, de Jayme Braga, editado pela FEB, também aborda o assunto, de forma muito interessante.

            Ensina Bezerra de Menezes, generoso guia, que o Espírito, simbolicamente, tem duas asas, que precisam crescer, até que ele atinja a pureza angelical: uma é a asa do amor e outra a da ciência, pois é a moral e o conhecimento que elevam a criatura ao Criador.  É claro que esta explicação é em sentido figurado, mas nos dá a ideia exata de que precisamos evolucionar, não somente em amor, mas também em conhecimento. O livro de Provérbios, 4:7, chega a afirmar que "a sabedoria é a coisa principal", mas em verdade, ela precisa completar-se com o amor, que resume as leis e os profetas (Mateu,s, 22:4o). Mas, se examinarmos bem, veremos que a sabedoria é conquistada pelo amor que demonstramos a nós mesmos pois temos a obrigação de procurar a verdade, que liberta (João 8.:32). Portanto, as duas asas, quando bem desenvolvidas, dão uma só finalidade: a ascensão para Deus, que só se consegue através do amor a nós mesmos (pela sabedoria posta em exercício, e que leva a transformação moral ou à aquisição de virtudes pessoais) e através do amor a nosso próximo, que se manifesta pela amizade (sentimento fraternal) e pela caridade, que também são expressões do amor. Portanto, tudo se resume no amor, sendo que o próprio Deus também é amor (I João 4:8).


2c
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec - 1958

            Mas o Espiritismo atende àqueles dois aspectos evolutivos da alma humana e, por isso mesmo, sua doutrina satisfaz plenamente, resolvendo todas as dúvidas filosóficas ou religiosas do homem, enquanto que as crenças ortodoxas, embora recomendem o amor ao semelhante, pecam com relação ao problema da verdade, dificultando o conhecimento ou a sabedoria das coisas divinas. Contudo, como se trata de graus de entendimento ou do problema da percepção dos Espíritos, nós não as podemos condenar, pois elas expressam aqueles degraus da escada que ascende aos céus (e que Jacó viu em sonho) e por onde quase todos terão de passar, em sua marcha evolutiva na Terra, através das vidas sucessivas. Uns já atravessaram o catolicismo ou o protestantismo, enquanto que outros ainda estão neles... e muitos lutam por suas convicções com sinceridade, sendo dignos de nosso respeito, embora devamos combater seus erros, por amor à verdade, porém jamais descendo para o terreno das retaliações pessoais ou da intolerância, porque todos somos irmãos e dignos da liberdade de ensinamento, como filhos de Deus que é o primeiro a considerar nosso livre arbítrio. Assim, não devemos jamais impor nosso ponto de vista, nem ameaçar o semelhante com castigos eternos, para rende-lo pelo temor, visando subjugar consciências, pois o Senhor é nosso Deus de amor e de misericórdia, como Jesus ensinou, perdoando até os seus algozes, quando no alto da cruz.

            A doutrina espírita é fundamentalmente cristã e, por isso mesmo, fundamentalmente lógica. Ela encara de frente a razão, sem subterfúgios, sem casuísmos ou sutilezas escolásticas, que conduzem a uma teologia complicada, pois o Espiritismo prima pela simplicidade, aquela mesma que Nosso Senhor recomendou (Mateus, 10:16) e a que Paulo também se refere (Li Cor., 1:12 e Col., 3:22). O Espiritismo detesta o sofisma, as argumentações obscuras e capciosas, nem admite "mistérios impenetráveis" erigidos em dogmas de fé, que trancam o raciocínio e pretendem escravizar as consciências a decisões de concílios que, sem a menor prova, afirmam haver contado com a cooperação do Espírito Santo, o que, em verdade, é uma afirmação herética, pois o Paracleto não iria contribuir para a escravidão mental da Humanidade, nem para a grandeza e o poderio de uma igreja, que cada vez mais se distancia do amor a seus semelhantes, a muitos dos quais já queimou em fogueiras, "ad maiorem Dei gloriam"! para maior glória de Deus " O Espiritismo afirma que sua fenomenologia é natural, pois o sobrenatural não existe. O universo gravita no pensamento de Deus, que o transcende, mas tudo é real, embora haja coisas visíveis e invisíveis, dignas de nosso estudo e de nosso respeito científico.

            Assim, aqueles dogmas bojudos de "mistérios impenetráveis", são falseamentos dos Evangelhos, pois o próprio Cristo de Deus afirmou, em Mateus, 10:26 e em Lucas, 12:2: “NADA HÁ DE ENCOBERTO QUE NÃO HAJA DE REVELAR-SE, NEM OCULTO QUE NÃO HAJA DE SABER-SE”.

            Por consequência, igreja alguma tem o direito de falsear os ensinamentos de Jesus e criar em seu nome “mistérios impenetráveis” como princípios ou dogmas de fé, trancando ainda o raciocínio ou o livre arbítrio, uma vez que proíbe sua análise ou discussão.

            Mas os mistérios só existem como fruto de nossa ignorância. À medida que o homem for investigando e sabendo - pois a ciência vem de Deus - os mistérios irão desaparecendo, espancados pela luz do entendimento e da realidade. Portanto, nada impede que procuremos desvendar os mistérios com pureza de sentimentos e para nossa própria edificação, e em nome da sabedoria ou da verdade que, como vimos, é algo excelente. É necessário apenas que as investigações sejam feitas com inteira liberdade de ação e com honestidade de propósitos, vale dizer, sem restrições mentais ou de seitas, e sem medo, pois o medo é um grande óbice à evolução do Espírito.


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