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quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Na senda do Cristo



Na senda do Cristo
Emmanuel por Chico Xavier
Reformador (FEB) Agosto 1957

            “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem.”Jesus em Mateus, 5:44.

            O caminho de Jesus é de vitória da luz sobre as trevas e, por isso mesmo, repleto de obstáculos a vencer.
            Senda de espinhos gerando flores, calvário e cruz indicando ressurreição...
            O próprio Mestre, desde o início do apostolado, desvenda às criaturas o roteiro da elevação pelo sacrifício.
            Sofre, renunciando ao divino esplendor do Céu, para acomodar-se à sombra terrestre na estrebaria.
            Experimenta a incompreensão de sua época.
            Auxilia sem paga.
            Serve sem recompensa.
            Padece a desconfiança dos mais amados.
            Depois de oferecer sublime espetáculo de abnegação e grandeza, é içado ao madeiro por malfeitor comum.
            Ainda assim, perdoa aos verdugos, olvida as ofensas e volta do túmulo para ajudar.
            Todos os seus companheiros de ministério, restaurados na confiança, testemunharam a Boa Nova, atravessando dificuldade e luta, martírio e flagelação.
            Inúteis, desse modo, nos círculos de nossa fé. os petitórios de protecionismo e vantagens inferiores.
            Ressurgindo no Espiritismo, o Evangelho faz-nos sentir que tornamos à carne para regenerar e reaprender.
            Com o corpo físico, retomamos nossos débitos, nossas deficiências, nossas fraquezas e nossas aversões...       
            E não superaremos os entraves da própria liberação, providenciando ajuste. Inadequado com os nossos desejos inconsequentes.
            Acusar, reclamar, queixar-se, não são verbos conjugáveis no campo de nossos princípios.
            Disse-nos o Senhor “- Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem.” Isso não quer dizer que devamos ajoelhar em pranto de penitência ao pé de nossos adversários mas sim que nos compete viver de tal modo que eles se sintam auxiliados por nossa atitude e por nosso exemplo, renovando-se para o bem, de vez que, enquanto houver crime e sofrimento, ignorância e miséria no mundo, não podemos encontrar sobre a Terra a luz do Reino do Céu.


terça-feira, 18 de agosto de 2020

Educar para libertar



Educar para libertar
Indalício Mendes
Reformador (FEB) Agosto 1957

            Bem importante é a educação espírita da criança. Cuidados pedagógicos devem ser tomados para que ela vá absorvendo lentamente, porém com segurança, os ensinamentos que lhe estiverem sendo ministrados. Desde que a instrução se faça com clareza, subordinada aos princípios mais aconselháveis pela pedagogia moderna, ter-se-á, pari passu, oportunidade de estabelecer um regime educativo que desperte progressivo interesse dos educandos. Tanto quanto possível, deve ser evitada a monotonia e o fastio. A criança precisa ter sempre sua atenção voltada para novos elementos de interesse e aí reside, sem dúvida alguma, o ponto culminante do problema educacional da infância. Mais do que se pensa, o êxito da tarefa depende muito da professora. E a verdade é que as crianças devem ter preferentemente mestras, porque as mulheres possuem natural intuição para transferir sua vontade à infância. Talvez isso seja devido ao instinto maternal.

            A educação espírita não pode nem deve ter objetivo sectário. Não nos é licito incorrer nos mesmíssimos erros de outras religiões, que educaram crianças, não para a vida verdadeiramente cristã mas para a vida materialista. Cheia de limitações e preconceitos religiosos, eivada de complexos prejudiciais ao espírito de fraternidade. O impulso que o materialismo tomou no mundo foi devido justamente à errada orientação da Igreja, que, esquecida de Jesus, cuidou-se mais de multiplicar seus interesses temporais, comprometendo-se politicamente, renunciando, embora o negue, às normas inconfundíveis do vero cristianismo, de que o Espiritismo é hoje, quer queiram, quer não queiram a única expressão real.

            A educação da criança, consoante a orientação espírita, tem de ser diferente, evangélica, mas não sectária, para que não sejam criados indivíduos que, no futuro, se mostrem despidos de tolerância, mas engolfados no egoísmo e na vaidade perniciosa. Educar com amor, porém com a disciplina evangélica, eis o caminho a seguir pelos espíritas. Temos uma missão na Terra. Devemos cumpri-la corretamente, pondo a nossa consciência a serviço das nossas ações. A trilha pedagógica que devemos seguir é completamente diversa daquela que outras religiões seguiram e que deram à Humanidade elementos para a fermentação de ódios raciais, ódios religiosos, ódios nacionais. Temos de trabalhar espiriticamente, vale dizer - evangelicamente.

            Há tantos trabalhos na seara espírita, para os que são realmente espíritas e para os que desejam sinceramente trabalhar, que não sobra tempo para devaneios nem para a colaboração com obras quiméricas. O Espiritismo não é utopia; é palpitante realidade. Não explora o Cristo crucificado nem mercantiliza seus sofrimentos no Calvário. O Espiritismo enaltece a figura de Jesus Vivo e estuda a sua dor, dela tirando ensinamentos úteis ao homem e à Humanidade. Mas não se detêm paralisado, emprestando aspectos mórbidos a uma crença que deve ser vivida compreensivamente, porque Jesus continua vivo e os objetivos da sua vinda a este Planeta são a educação moral e espiritual do homem, segundo os princípios contidos no Evangelho. Se ficamos eternizados na exaltação do crucifixo, esquecendo-nos das obras destinadas a remir a Humanidade, estaremos traindo o pensamento de Jesus e retardando os benefícios de seus maravilhosos exemplos de coragem e fé, de fraternidade e renúncia, de trabalho edificante e aprimoramento integral da personalidade humana.

            O Espiritismo estuda, compreende e interpreta superiormente a vida de Jesus, seu inenarrável sacrifício, mas não fica aí. Segue, avança no caminho áspero, porque o Evangelho não foi feito para cristalizar-se na inércia, mas para ser vivido a todos os instantes pelos que são legitimamente discípulos do Cristo. E é isto o que temos de levar em conta na educação espírita da criança. “A verdade não pode entrar na alma humana senão pela razão; portanto, os que creem reconhecer a verdade graças à fé, e não à razão, atribuem a este um papel contrário à sua natureza: o de julgar com toda independência para saber em que doutrina, que se faz passar por certa, se deve crer. A razão não pode julgar o que é preciso crer ou não crer, mas pode, e este é seu verdadeiro papel, comprovar a exatidão do que se afirma” - escreveu o eminente cristão Léon Tolstoi. Pela razão o homem há de encontrar a compreensão da verdade, porque somente a razão levará o homem à verdade. Onde está a verdade estará a razão. A recíproca é também verdadeira. O Espiritismo não reconhece milagres, mas reconhece a razão. O Espiritismo reconhece a fé, mas quando subordinada à razão, porque o “credo quia absurdum” de Inácio de Loiola, engendra a fé sem alma, porque sem apoio na razão. “Para o Espiritismo não há milagres, no sentido de ab-rogações das leis naturais; o que implica não fazerem milagres os espíritas e ser imprópria a qualificação, que lhes dão, de taumaturgos” - esclarece Allan Kardec. Foi ainda o Codificador que afirmou, com toda a força da sua autoridade moral e intelectual: “O Espiritismo não quer ser aceito cegamente, antes pede a discussão e a luz. Em vez da fé cega, que sufoca a liberdade de pensar, ele diz: a fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da Humanidade. A fé precisa de uma base, e esta é o conhecimento perfeito do que se deve crer. Para crer, não basta ver, é preciso compreender.” (“O Evangelho segundo o Espiritismo”.)

            Em face do que determina o mestre Allan Kardec, para crer é preciso compreender, o que demonstra a necessidade de levar ao conhecimento da criança, no trabalho de educação, elementos absolutamente simples, que ela possa assimilar através da compreensão.

            Cada núcleo espírita é, por conseguinte, um posto de educação e deve criar ou pelo menos estimular, através de cursos complementares, o ensino moral da criança, tendo por base a religião espírita que é a religião do sentimento e da razão. “Para viver segundo a doutrina do Cristo, convém fugir, antes de tudo, da falsificação da fé em que se recebeu a educação. Para chegar a isto deve-se recordar que razão nos foi diretamente dada por Deus, e que só Deus pode unir todos os homens, enquanto as tradições humanas os desuniriam. Por isto, não só não se deve temer o exame da fé que nos foi inculcada na infância, mas, pelo contrário, deve-se submete-la a uma revisão minuciosa, comparando-a com outras religiões, para só admitir o que se acha de acordo com a razão, por mais antiga e solene que seja a tradição transmitida. Depois deste exame, quem quiser livrar-se da falsa religião inculcada em si, desde sua infância, deve repudiar tudo o que for contrário ao seu juízo razoável sem duvidar um só instante de que o contrário à razão não pode ser certo. Uma vez livre dessa mentira, aquele que quiser viver segundo a doutrina do Cristo, não deve, nem pela palavra, nem pelo exemplo, nem pelo silêncio, permitir o suborno das crianças; mas denunciar como lhe seja possível essa adulteração, conforme ensina o Cristo, que se apiedava dos pequenos, dos quais se ganha a confiança” - ensina com extraordinária sabedoria Léon Tolstoi, que, nessas palavras, anatematizou aqueles que se dizem cristãos e atraiçoam Jesus a cada instante, por não respeitarem as lições prodigiosas do Evangelho.

Anúncio da traição



Anúncio da traição      

 13,21  Dito isso, Jesus  falou de forma aberta: “ -Em verdade, em verdade vos digo, um de vós há de Me trair!” 
13,22  Os discípulos olhavam uns para os outros sem saber de quem falava Ele. 
13,23  Um discípulo, a quem Jesus amava, estava à mesa, reclinado ao peito de Jesus; 13,24  Simão  Pedro   acenou-Lhe,  para  dizer-Lhe: -Diz-nos de quem Ele fala! 
13,25 Reclinando-se, este mesmo discípulo, sobre o peito de Jesus, interrogou-O: -Senhor, quem é? 
13,26 Jesus respondeu: “ -É aquele  a  quem Eu der o pão embebido.” Em seguida, molhou o pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotis. 
13,27 Logo que ele o engoliu, um espírito do mal apossou-se dele. Jesus disse-lhe, então: “ -O que queres fazer, fazei-o depressa” 
13,28  Mas ninguém dos que estavam à mesa soube por que motivo lho dissera; 
13,29  pois, como Judas tinha a bolsa, pensavam alguns que Jesus lhe falava -Compra aquilo de que temos mister para a festa ou... -Dá alguma coisa para os pobres...
13,30  Tendo Jesus recebido o bocado da pão, apressou-se em sair. E era noite...


         Para Jo (13,21-30), -Anúncio da Traição - leiamos a Bittencourt Sampaio por Frederico Jr. em “Jesus perante a Cristandade”:

            “ ...E não sejam os vossos erros motivo de desânimo; lembrai-vos que o Divino Jesus, à mesa da Ceia Pascal, deu também a Judas, que o devia atraiçoar, o pão e o vinho que repartira com todos os seus discípulos; lembrai-vos que aos seus pés ele se ajoelhou, também, para lavá-los!

            E do alto da cruz, invocando o perdão para todos os que o odiavam, ele estende o seu infinito amor, a sua divina misericórdia a todos aqueles que o buscam nas asas da prece fervorosa, enveredando-os pelo luminoso carreiro que os deve conduzir, puros e limpos das máculas do pecado, aos pés do seu e nosso Criador e Pai!

            Sem nos determos, porém, nessa sublime passagem dos evangelhos em que mais se exalta Jesus, o nosso Divino Mestre, o maior dos Espíritos baixado à Terra, humilhando-se aos pés dos homens, acompanhemos a narrativa do Discípulo Amado, buscando novos ensinamentos que, dando-nos alento, nos encorajem na nova cruzada em que nos empenhamos, para o restabelecimento das verdades evangélicas.

            E, visto que não podemos, de modo algum, tomar ao pé da letra aquilo que se encontra nos Evangelhos, cumpre nos esforcemos para, interpretando em espírito e vida os sublimes ensinamentos, bem compreendermos a Boa Nova de N.S. Jesus Cristo.

            Diz-nos o Discípulo Amado que, depois que o Senhor deu a Judas o pão molhado, nele entrou Satanás, que devia, na Terra, levá-lo à prática da negra traição ao Divino Mestre.

             Se interpretarmos à letra as palavras do evangelista, cairemos no absurdo de admitir que N.S. Jesus Cristo dava ao espírito das trevas a posse de Judas, no alimento que lhe oferecera à mesa da Ceia Pascal.

            Essas palavras, porém - entrou nele Satanás -, são figuradas e apenas significam que no espírito de Judas germinava a idéia do crime, que então se fazia resolução.

            Era chegado o momento de se realizarem as profecias; cumpria que o Manso Cordeiro fosse levado ao sacrifício, para redenção dos homens!

            E, folheando os Evangelhos, encontrareis, cristãos em Cristo, em muitas passagens, o nosso Divino Mestre perseguido pelas multidões que tentam tirar-lhe a vida, encobrindo-se às suas vistas, pois que o seu momento ainda não era chegado, o que em abundância prova que o corpo que o revestia era de natureza fluídica.

            O príncipe deste mundo, isto é, o mal, não podia ainda ter acesso naqueles que deviam levar à morte o Amantíssimo Cordeiro; rodeava-o uma atmosfera de luz onde não podiam penetrar os maus - aqueles que odiavam a Jesus e aos seus queridos discípulos, os encarregados de espalhar sobre a superfície da Terra a santa doutrina do amor e de perdão que Ele pregara.

            Findo o banquete divino, tendo o Senhor feito o seu testamento, isto é, tendo dado aos seus discípulos as instruções necessárias para que eles pudessem desempenhar a santa missão de que os incumbira na Terra, desfaz-se essa atmosfera de luz, por ação da sua divina vontade, principiando, então, o reinado das trevas; e, perfeitamente livres, os pérfidos e ingratos atuam sobre aqueles nos quais encontram os elementos necessários para o sacrifício do Divino Redentor!


segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Prá pensar


“...Sofre? É por que fez sofrer.
O remédio? -Espera com paciência a remissão da dívida... 
Se não quer esperar, se prefere desesperar, lamentamo-lhe 
o gosto, e é só o que nos resta fazer, na nossa fraqueza, na nossa impotência de velhos pecadores também.”

De um artigo de Carlos Imbassahy
Reformador (FEB)  15.03.1929

domingo, 16 de agosto de 2020

O túmulo é vigiado..



O Túmulo é Vigiado

27,62 No dia seguinte - isto é, o dia seguinte da preparação - os sacerdotes e os fariseus dirigiram-se, todos juntos, à casa de Pilatos 
27,63  E disseram-lhe: -Senhor, nós nos lembramos do que Aquele impostor disse, enquanto vivia: “ - Depois de três dias, ressuscitarei!” 
27,64 Ordena, pois, que seu sepulcro seja vigiado até o terceiro dia. Os seus discípulos poderiam vir roubar o corpo e dizer ao povo: 
          "- Ressuscitou dos mortos!" E esta impostura seria pior que a primeira. 
27,65 Respondeu Pilatos: - Tendes uma guarda. Ide e guardai-O como o entendeis. 
27,66 Foram, pois, e selaram o sepulcro com uma pedra e colocaram guardas.  

          Para Mt (27,62-66) -O Túmulo é Vigiadoleiamos  a  Antônio  Luiz  Sayão, em
 “Elucidações Evangélicas”:

            “Os Judeus haviam percebido a importância das palavras de Jesus e a voz íntima de suas consciências lhes fazia temer fossem verdadeiras tais palavras. Daí o cuidado que tiveram de vigiar o sepulcro.

            A guarda deste, porém, foi confiada a soldados da milícia romana, pois que os Judeus não dispunham de exército, nem comando militar.

            Os sacerdotes e os fariseus, que sabiam haver Jesus dito que “ressuscitaria” três dias depois de sua “morte”, tinham o maior interesse em lhe conservar o corpo, como peça de convicção, como elemento de prova, a fim de poderem confundir o Mestre e seus discípulos, mostrando o cadáver do primeiro ao povo, caso estes últimos tentassem espalhar o boato da ressurreição. Tomaram, pois, todas as precauções para uma vigilância eficaz, esperando passasse a festa do sábado, para obterem que a autoridade assumisse o encargo de vigiar a gruta. Assim, quando foram falar a Pilatos, sabiam muito bem que o corpo estava no sepulcro e, só depois de verificarem que lá estava, foi que selaram a pedra e postaram os guardas a vigiá-lo. Exatamente porque tinham verificado que o corpo continuava no sepulcro, foi que, quando alguns guardas lhes relataram o que ocorrera, eles, os sacerdote e os fariseus, se reuniram aos anciães e combinaram dar grande soma de dinheiro aos soldados, para que espalhassem que, durante a noite, enquanto dormiam, o corpo de Jesus fora subtraído pelos seus discípulos.

            Portanto, não pode ser posta em dúvida a permanência do corpo no sepulcro, ao serem colocados os guardas, nem o emprego de todas as cautelas, por parte dos encarniçados inimigos do Senhor e por parte de quantos se denunciavam interessados em apontá-lo como embusteiro, para que não se desse a subtração do mesmo corpo.”

Prá pensar



“Os abusos, como os dentes,
nunca se arrancam sem dores.”

Marquês de Maricá   in Reformador (FEB) 16.3.1917



Haja o que ouver, aconteça o que acontecer, seja o Evangelho o vosso bordão.

 Bittencourt Sampaio 
Reformador(FEB) 16.6.1915


O dever é a necessidade de
 cumprir uma obrigação moral.
 A alegria é a felicidade
 de a haver cumprido.

 Emile Christofle 
Reformador (FEB)  15.1.1914


Estudemos
que Deus nos iluminará.

Pedro Richard 
Reformador (FEB) 1.6.1914


Nascer, Morrer, Renascer ainda
e progredir sempre. Tal é a lei. 

Inscrição no túmulo de Allan Kardec


sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Dias Felizes



Dias  Felizes

            Não consideres feliz o dia que hajas empregado
 em teus gozos pessoais, que, por puros que sejam, 
estarão bem próximos do egoísmo, 
se tuas alegrias não refletirem a de outros seres,
 por tuas boas obras.

            Não consideres feliz o dia
 em que não tenhas podido enxugar alguma lágrima, 
   dar um conselho útil, reparar alguma falta  
ou perdoar de coração a uma ofensa.

      Não consideres feliz o dia
 em que ainda existam em teu coração as más paixões, 
sem lutares por vencê-las.

El Siglo Espírita

Reformador (FEB) 15.11.1906

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Res, Non Verba (III, IV e V)



Res Non Verba (Fatos e não palavras)
por Souza do Prado
Reformador (FEB) Setembro 1943

III


Um que vivia sonhando...


            - Ué! ... O senhor já chegou?! ...
            - Como?! ... Se eu já cheguei?! ... Mas... que quer dizer com isso? ... Então, eu passo cinco anos fora do Rio; e, quando acabo de chegar, sem qualquer aviso, o boa-noite que você me dá é perguntar-me se já cheguei?! ... É boa! ... Que história é essa?!
            - É.. O senhor Cardoso já nos tinha dito que o senhor ia voltar...
            Esse diálogo tinha-se estabelecido entre o guarda-noturno de serviço na esquina das ruas do General Câmara e da Quitanda - o velho Marques -, e o Oliveira, que, às onze horas de uma noite de abril de 1919, acabava de desembarcar do Gelria, depois de uma viagem, em que morreram de gripe dezessete passageiros.
            E, daí a nada, chegava o Cardoso, que repetia a pergunta, com a mesma entonação com que o             fizera o Marques: 
            - Ué! ... Você já chegou?! ...
            O Oliveira ficou com cara de parvo.
            - Mas... que diabo de história! ... Já o Marques me perguntou a mesma coisa: e eu não estou percebendo nada... Você não quererá explicar-me o que isso significa? ...
            - É simples... Eu sonhei...
            - Mas... que história de sonho é essa?! Você está maluco?!... Que é que você sonhou! ... De que é que vale você ter sonhado?!
            - ...eu sonhei - continuou o Cardoso - que você se meteu numa revolução, em Matozinhos, chefiando um grupo de civis; que, perdida a revolução, você foi preso perto de Braga; e, tendo escapado, por milagre, de ser fuzilado, conseguiu, por fim, fugir para Espanha. Estava você, então, em Vigo, com intenções de embarcar para o Rio novamente.
            O Oliveira não cabia em si! Estava boquiaberto, com cara de bobo, completamente aparvalhado! ...
            - Mas - ... francamente... é extraordinário que se possa dar um acaso desses! ... - Ele chamava-lhe acaso ..., - Realmente, parece que você andou atrás de mim, há três meses a esta parte! Você tem estado sempre no Rio?! ...
            - Claro ... ainda daqui não saí, desde que, há mais de cinco anos, você embarcou para Portugal...
            Em 1913 para 1914, o Oliveira e o Cardoso tinham sido colegas de escritório, em uma companhia de seguros de vida, à rua da Carioca; e companheiros de quarto, em uma casa de família, à rua do General Câmara. Um dia, no quarto, brigaram os dois. O Cardoso vangloriara-se de ter praticado uma proeza donjuanesca, que, além de naturalmente nojenta, encerrava uma grande covardia; e o Oliveira, indignado, após uma pequena discussão, em que lhe verberara o procedimento, ameaçado por ele, de boxe, quebrara-lhe a cara!
            Com a intervenção das pessoas da casa, a questão ficou por isso mesmo; e os dois, mais tarde, fizeram as pazes, embora não tivesse voltado a reinar entre eles a amizade quase fraternal, que, até ali, os unira.
            O Oliveira, que sempre havia sido muito estimado por todas as pessoas da família, com quem os dois viviam, partira para Portugal, tempos depois, forçado pela doença; e acabava, agora, de voltar ao Rio, novamente, como emigrado político, após uma ausência de mais de cinco anos.
            Na noite da sua chegada, dormiu ele no quarto do Cardoso, por ser, já, demasiado tarde para procurar acomodações noutra parte. No dia seguinte, a dona da casa -- Mme. Louisá - referiu--lhe, como uma confirmação do que ele ouvira na véspera, que, haveria, cerca de um mês, o Cardoso contara, que tinha sonhado com ele, Oliveira, e descrevera, com as mais ínfimas minudências, a revolução em que este tomara parte, o fracasso dessa revolução, a sua prisão perto de Braga, a ameaça de fuzilamento, a fuga para Espanha, e, o que é mais, a própria intenção com que estava de voltar para o Rio!
            E, então - concluiu Mme. Louisá - manifestou um certo receio de que o senhor viesse novamente questionar com ele.
            - Bom; madame, Eu não venho com intenções de brigar com ninguém. O que houve, entre mim e o Cardoso, foi uma questão toda acidental, e provocada por ele. A infâmia que ele me contou fez-me mal aos nervos: a ameaça de me agredir a boxe aumentou a minha irritação, e, então, não me contendo, fui-lhe para a cara. Mas, isso já passou há muito. E a senhora sabe que eu não brigo com ninguém. Só quando me obrigam a isso, É caso liquidado ... O que me está preocupando agora é a história do sonho! É uma coincidência espantosa ... Ter ele sonhado precisamente o que se passou comigo! ... Veja a senhora o que é o acaso! ... 
            - Acaso, coisa nenhuma, seu Oliveira. O Cardoso tem constantemente sonhos dessa espécie, que se confirmam de uma forma surpreendente! Até parece obra do demônio! ...
            - Realmente; madame. - Se assim é, só mesmo por obra do demo.
            - Olhe; o senhor quer ver? Há tempos, o Cardoso contou-nos que tinha sonhado que a sua casa, em Portugal, ardera. Descreveu o incêndio em todas as suas fases; a atuação dos bombeiros e das autoridades policiais; os percalços por que, então, passou a família; tudo, enfim, como se em pessoa, lá tivesse estado! Pois bem. Não se passou um mês, e chega uma carta de Portugal, comunicando que a casa ardera, e descrevendo o incêndio quase pelas mesmas palavras de que ele se servira para nos contar o sonho! De outra ocasião, sonhou ele que o irmão havia morrido. Descreveu o enterro; disse nomes de parentes e de pessoas que lá se encontravam; revelou o percurso seguido pelo préstimo fúnebre ... Tomamos nota de tudo, incluindo os nomes das pessoas, por não se já a primeira vez que ele tinha desses sonhos; e, precisamente três semanas depois, chegou uma, carta, tarjada de luto, com a repetição, quase palavra por palavra, do que ele havia contado!!! ... Só o demônio! ... Concluiu a madame.
            - Só o demônio! ... -- Concordou o Oliveira.
            O Oliveira, como as demais pessoas que participaram dos fatos que estamos narrando, era católico.
            Alguns anos depois, a hora dele chegou ... Queremos dizer: O Oliveira, trazido pelo sofrimento, converteu-se ao Espiritismo. Estudou muito. E, então, achava imensa graça aquele demônio por meio do qual os sonhos do Cardoso davam assim tão certos ...
            - É que, realmente – dizia-nos ele - a história do demônio não pode explicar nada daquilo, por dois motivos principais, além de outros secundários: o primeiro é que, como nós sabemos o demônio não existe; o segundo é que, mesmo que ele existisse, é claro que não lucraria coisa nenhuma com essa brincadeira, e não iria perder o seu precioso tempo com coisas que lhe não dessem proveito. Qual seria o seu lucro em vir contar aqui fatos que se estavam passando a milhares de quilômetros de distância, e que, uma vez confirmadas serviriam tão bem aos espíritas para propagarem as suas teorias? ...
            A psicanálise, por sua vez -- é o Oliveira quem continua falando - só nos explica, com base segura, aqueles mesmos sonhos cuja explicação todos nós já sabíamos sem o auxílio das teorias de Breuer, ampliadas e propaladas por Freud; isto é: os que são o reflexo das proclamações do espírito, o produto daquilo que pensamos insistentemente durante o dia; e uns outros, que são tudo quanto há de mais absurdo e, consequentemente, menos explicável, e em que, portanto, a explicação se limita a indicar a causa que os produz. São os que provém do fato de nos deitarmos com o estômago sobrecarregado. Não há muito, por exemplo - é ainda o Oliveira que fala - eu sonhei que estava no Palácio do Ingá, em conversa muito agradável e muito íntima com o ilustre interventor Amaral Peixoto enquanto sua extremosa esposa, com extraordinária gentileza, e com a maior amabilidade, nos servia chá com biscoitos! Ora, como você compreende, isto é tudo quanto há ele mais tolo; é uma bobagem que não podia estar no meu subconsciente, pelo motivo simplíssimo de que eu nunca pensara em semelhante coisa. Como explicar, então, esse sonho? É que eu comera bem e me deitara logo em seguida; na véspera, assistira, em um cinema, a passagem de uma fita, em que aparecia o Comandante Amaral Peixoto, em visita a uma exposição, em Petrópolis, se a memória me não falha, E, então, em virtude da perturbação digestiva, o espírito associou e misturou todas essas coisas, produzindo, como resultado final, aquele disparate. É aí está o sonho razoavelmente explicado, com psicanálise, ou sem ela... Como explicar, porém, que uma pessoa, que está dormindo no Rio de Janeiro, possa ver, nitidamente e com toda a precisão, o que se está passando em Portugal, chegando até a adivinhar os pensamentos e as intenções das pessoas que lá estão!? É claro que não há psicanálise, nem perturbações digestivas que o expliquem. Telepatia, dirá a ciência. Mas, que é telepatia. É a transmissão do pensamento, à distância, responderá, ainda, a ciência, dando-nos o significado do vocábulo, sem nos poder explicar o fenômeno... Realmente, tal esclarecimento precisa de ser esclarecido; não adianta explicar uma palavra com um jogo de palavras, que não dizem mais nem menos... Adiantaria saber-se como o fenômeno se processa. Mas isso... só o Espiritismo o sabe e pode explicar.
            O Oliveira tinha razão. Realmente, a psicanálise, embora explicando alguma coisa, está muito longe de poder explicar tudo; e o seu mal maior é querer enquadrar todos os sonhos em teorias que estão longe de os poder abranger. No caso dos sonhos do Cardoso, por exemplo, a psicanálise falha inteiramente. E, então, só nos resta abrir o Livro dos Espíritos, no seu oitavo capítulo, e ir lendo o que os Espíritos nos ensinam:
            O Espírito jamais está inativo. Durante o sono afrouxam-se os laços que o prendem ao corpo, e, não precisando este, então, da sua presença, lança-se pelo espaço, e entra em relação mais direta com os outros Espíritos. Quando o corpo repousa tem o Espírito mais faculdades do que no estado de vigília. Lembra-se do passado, e, algumas vezes, prevê até o futuro. Adquire maior potencialidade, e pode pôr-se em comunicação com os demais Espíritos, quer desse mundo, quer do outro. Um sonho extravagante, um sonho horrível é, amiúde, uma recordação dos lugares e das coisas que vemos, que vimos, ou que amua haveremos de ver, em outras existências, ou em outras ocasiões. Quando dorme, o homem encontra-se, por algum tempo, no mesmo estado em que fica permanentemente quando morre.
            O capítulo é muito longo, e não poderíamos traze-lo todo pura aqui, limitando-nos, por isso, a aconselhar a sua leitura aos interessados. Mas, o pouquíssimo que aí fica, é bastante para podermos compreender os sonhos do Cardoso.
            Aliás, os Espíritos têm confirmado em muitos pontos essas lições que Allan Kardec nos transmitiu.
            Emmanuel, por exemplo, em seu livro "O Consolador", que nos deu, por intermédio de Francisco Cândido Xavier, assim se manifesta a esse respeito:
            Em determinadas circunstâncias, como nos fenômenos premonitórios, ou nos de sonambulismo, em, que a alma encarcerada alcança elevada percentagem de desprendimento parcial, o sonho representa a liberdade relativa do Espírito prisioneiro na Terra. É então que se pode verificar a comunicação inter vivos, e as visões proféticas. (Página 37).
            E, referindo-se à psicanálise freudiana, faz o seguinte comentário, repleto de sabedoria:  
            Essas escolas do mundo constituem sempre grandes tentativas para a aquisição das profundas verdades espirituais, mas os seus mestres, com raras exceções, perdem-se na, vaidade dos títulos acadêmicos, ou nas falsas apreciações de valores convencionais. Os preconceitos científicos, por enquanto, impossibilitam a aproximação legítima da psicologia oficial e do Espiritismo. Os processos da primeira falam da parte desconhecida do mundo mental, e chamam-lhe subconsciência, sem definir essa cripta misteriosa da personalidade humana, examinando-a apenas na classificação pomposa das palavras. Entretanto, somente à luz do Espiritismo, poderão os métodos psicológicos aprender que essa zona oculta, da esfera psíquica de cada um, é o reservatório profundo das experiências do passado, em existências múltiplas da criatura, arquivo maravilhoso, onde todas as conquistas do pretérito são depositadas em energias potenciais de modo a ressurgirem no momento oportuno,
            E assim se explicam, claramente certos sonhos, que, de outra forma não teriam nenhuma explicação; e se fica fazendo uma ideia do que seja o subconsciente, de que muitos falam, por aí, sem nos saberem explicar o que isso seja, e sem compreenderem mesmo, o que querem dizer.
            É a tal explicação de palavras com outras palavras, como acima dissemos, em que os fenômenos ficam sem explicação nenhuma...
                                                                                                                                 3-X-1943

Res Non Verba (Fatos e não palavras)
por Souza do Prado
Reformador (FEB) Janeiro 1944


IV

O senhor ganhou; e eu livrei-me de boa! ...


             - Eu queria uma receita; porque eu tenho...
            - Perdão, minha senhora; a mim, nada me interessa saber o que a senhora tem. Aliás, quem sabe o que tem pode se tratar a si mesmo, sem recorrer a terceiros...
            - Não; mas eu queria que o senhor me desse uma receita, para ver se se confirma o que o médico me disse.
            - Ah! Muito bem ... Então, a senhora fará o favor de ir bater a outra porta, porque o meu Guia tem mais que fazer, e... eu também ...
            - Mas, então, o Espiritismo não trata de doentes?!
            - Sem dúvida; daqueles que se querem tratar; não dos que vêm importunar os médiuns, para saber se o que o médico disse está certo. Nós não fazemos concorrência aos médicos, tratando dos doentes que com eles se querem tratar; limitamo-nos a cuidar daqueles que se querem tratar medianimicamente.
            Esse diálogo travava-se entre o Oliveira, e a D. Inesina Lopes de Sá, que fora procurá-lo em seu escritório, ao que parece, com o simples intuito de ver confirmado o diagnóstico, que lhe havia feito o seu médico assistente; mas que, logo de entrada, quase escangalhava tudo, pretendendo dizer o que tinha, ou, melhor: o que julgava ter...
            E, como ela insistisse em querer dizer o que tinha, já agora, ao que afirmou, para se tratar medianimicamente, o Oliveira pediu-lhe que nada dissesse, e explicou:
            - Eu sou médium intuitivo; e, como conheço alguma coisa de homeopatia, se a senhora disser o que julga ter, haverá dois prejuízos: o primeiro é que eu logo me lembraria de vários medicamentos, que poderão ser aplicáveis ao seu caso; e quando me concentrar, se o meu Guia me indicar algum desses medicamentos, não poderei saber se realmente se trata de uma sugestão sua, ou se o nome do medicamento me veio à ideia por eu já ter pensado nele; o segundo é que, como geralmente sucede, a senhora pode estar enganada, e induzir-me a erro. Ao passo que, se nada me disser, estou certo de que os medicamentos, que me vierem à mente, serão exatamente os que a senhora precisa de tomar.
            A doente conformou-se; e o Oliveira, concentrando-se, recebeu a indicação clínica aplicável ao caso. Em seguida, virando-se para a senhora, disse-lhe:
            - Pode falar, agora, à sua vontade; dizer tudo o que quiser.
            - Bom; é que eu estou com apendicite, e queria saber se é mesmo indispensável fazer a operação.
            O Oliveira encarou-a, algum tanto desapontado; e, após uma pequena pausa, disse-lhe, como quem tem plena certeza do que afirma:
            - Mas, a senhora não tem apendicite nenhuma. A única coisa terminada em ‘ite’, que a está molestando, é um princípio de sinusite...
            - Efetivamente, eu sinto, a todo o momento, dores de cabeça; e, à mais leve mudança de temperatura, ou corrente de ar, estou com o nariz correndo; mas, o que me incomoda mais é a dor que sinto aqui.
            E apontou para o lado direito do ventre.
            - Mas, isso, - disse-lhe o Oliveira - é porque o seu fígado também não está bom. No apêndice é que não há nada; posso lhe garantir.
            Então, a D. Inesina voltou-se para o Oliveira, e, com um sorriso, em que se notava uma leve ponta de ironia, respondeu-lhe:
            - É.. meu caro senhor; mas o Dr. F... e pronunciou o nome de um médico muito conhecido - já marcou o dia para a operação; e eu tenho mesmo apendicite! O resultado do exame de raios-X está aqui...
            E estendeu ao Oliveira um cartão, com data de 12-XI-1942, em que ele leu, depois do nome da doente, o seguinte: "Região examinada: Ceco-apêndice. Diagnóstico: Sinais radiológicos de triplo-apendicite, e colite do transverso."
            - Realmente, minha senhora, - disse ele, com a maior calma, e com um sorriso idêntico ao que lhe havia notado - eu conheço pessoalmente esse cirurgião e não tenho notícia de que ele tenha errado qualquer diagnóstico; mas... desta vez, enganou-se...
            - E a radiografia?! ...
            - A radiografia, minha senhora, não quer dizer coisa nenhuma... não há duas pessoas que tenham todos os órgãos colocados precisamente na mesma posição; e, além disso, eles se encontram sobrepostos, e não é possível, pois, olhando através do ventre, ver qualquer deles, ou uma de suas partes componentes, insuladamente. O apêndice aparece confundido com uma grande parte dos intestinos, por baixo do cólon transverso e à esquerda do cólon ascendente, ficando-lhe à retaguarda o rim direito. Distinguir, através de tudo isso, uma simples inflamação no apêndice é coisa um tanto problemática... A radiografia é de efeito seguro para localizar um corpo estranho, como, por exemplo, uma bala; para verificar se existe fratura de algum osso, ou coisa semelhante; para o resto... é pouco mais ou menos...
            Na sua receita não veio nenhum dos medicamentos aplicáveis aos doentes de apendicite; logo... não há apendicite... Tome esses medicamentos durante oito dias, e veja o resultado.
            A doente saiu, e o Oliveira não pensou mais no caso. Isso se passou em 20 de Novembro.
            No dia 30 desse mesmo mês, o médium foi novamente procurado pela D. Inesina, que, muito satisfeita, foi dizendo, logo de entrada:
            - O senhor ganhou; e eu livrei-me de boa!..
            - Muito me conta... - Disse-lhe o Oliveira, um tanto sarcástico. - Mas, que houve?
            - O que houve foi o seguinte: conforme o senhor me aconselhou, eu tomei os remédios daquela receita, e não senti mais nada. Então, ontem, voltei ao médico, e disse-lhe que, como o Natal está próximo, eu desejava adiar a operação para Janeiro. Ele respondeu-me que não podia ser; que o meu estado oferecia cuidados; que, de um momento para o outro, podia manifestar-se a peritonite; e, enfim, que se não responsabilizava pelo que pudesse suceder, mas, então, informei-o de que estava melhor; que não sentia mais nada; e ele respondeu-me que isso não era possível, e pediu-me que me deixasse examinar, eu acedi, e notei que, no seu rosto, se estampava, primeiro a surpresa, e depois a estupefação; e disse-me: “É extraordinário! Vamos fazer outra radiografia.”
            E a outra radiografia está aqui; veja.
            O Oliveira pegou no cartão, e leu:
            “Região examinada: Colecistografia. Diagnóstico: Aspecto normal."
            Conforme ele afirmara, a apendicite não existia...
                                                                                                                      25-XII-43

Res Non Verba (Fatos e não palavras)
por Souza do Prado
Reformador (FEB) Fevereiro 1944

V

Duas curas a um só tempo

            No escritório do Oliveira, entrou um cavalheiro, todo enfatuado, com ares de “sabe com quem está falando!”, e em atitude de quem vai dar ao médium a honra de lhe pedir uma receita; e, empertigando-se o mais que lhe foi possível, começou:
            O meu amigo, Júlio Taveira, disse-me que, se eu aqui viesse, o senhor me daria remédio para a minha doença.
            - Eu, não - que não sou médico -; mas o meu bom Guia espiritual poderá, realmente, indicar-lhe o tratamento que o senhor precisa fazer.
            - O senhor quer, então, ver uma receita para mim?
            - Pois não; com todo o prazer. Como se chama o senhor?
            - Chamo-me Doutor Benedito Ferreira.
            - Nome esquisito. - Disse o Oliveira, que, tendo notado o ar excessivamente pretencioso do visitante, decidira ridicularizá-lo, por entender que era esse o melhor meio de cura para aquela espécie de doença psíquica...
            - Nome esquisito?!... Porquê?
            - Porque eu nunca conheci ninguém, que se chamasse Doutor...
            - Pois, eu não me chamo Doutor! - Retrucou o homenzinho, já meio irritado. - Mas, sou advogado.
            - Ah! bom ... Mas eu não lhe perguntei pela profissão. Só desejava saber como o senhor se chama, para poder tirar a receita.
            Quer dizer, então, que o senhor se chama Benedito Ferreira. Pois, multo bem, senhor Benedito; vamos ver o que me sugere o meu Guia, para o seu caso.
            E o Oliveira, concentrando-se, recebeu, do seu Guia espiritual, as indicações necessárias ao tratamento daquele homem duplamente enfermo...
            - Prontinho; senhor Benedito. O senhor toma esses medicamentos, e Deus há de permitir que o senhor melhore.
            - E, para que servem esses medicamentos?
            - Para tomar dois tabletes, de hora, em hora, alternando...
            - Não é isso! - Voltou o doutor, cujo irritação aumentava, à medida que mais se convencia de que o médium lhe não ligava toda a importância a que ele se julgava com direito. - O que eu quero saber é para que doença são esses medicamentos.
            - Ah! bom ... Agora compreendo. O que o senhor quer é um diagnóstico.
            - Perfeitamente.
            - Pois, muito bem, meu caro senhor Benedito. Em Homeopatia, não há doenças, há doentes; por isso, e por vários outros motivos, que levaria tempo a explicar-lhe, os Espíritos, como os médicos homeopatas conscienciosos, só em raríssimos casos, fornecem diagnósticos clínicos. Tome, meu amigo, esses medicamentos, e verá o resultado. Mesmo, porque, em última análise, o que poderá curá-lo são os remédios, e não os diagnósticos...
            - Mas, é que, como o senhor poderá compreender, se eu obtivesse um diagnóstico certo, naturalmente, me interessaria pelo estudo do Espiritismo; e isso, para a Doutrina, que o senhor adota, seria bastante proveitoso...
            Como se vê, o Dr. Benedito era muito mais tolo do que parecia à primeira vista! Isso fez que o Oliveira reconhecesse a necessidade de ampliar a lição, que já começara a dar-lhe, e com esse intuito, então, respondeu-lhe:             
            - Isso quer dizer que o senhor se convenceu de que o Espiritismo está precisando da sua muita importância?! ... Não, meu amigo; no Espiritismo há pessoas muito mais importantes que o senhor e a Doutrina não depende delas para nada. Como o senhor poderá compreender, Deus não precisa de nós; nos é que precisamos de Deus.
            - Mas, - disse o homenzinho, visivelmente humilhado, e tendo perdido, já pelo menos, a metade da pose com que começara - como me hei de me convencer de que é verdade o que afirmam os espíritas? Só vendo fatos que me demonstrem...
            - E eu lamento sinceramente ter de lhe dizer que o senhor não assistirá a nenhum fato que possa convencê-lo. Os Espíritos não são lacaios que estejam às nossas ordens quando nós queremos, e para o que nós queremos. l!;, depois, eu creio que ao contrário do que o senhor parece supor, eles não estarão assim tão interessados em conseguir a sua adesão a uma Doutrina, que, até agora tem vivido perfeitamente, e progredido de um modo extraordinário, sem o seu importante concurso...
            O caminho terá que ser outro. Desde que o único interessado é o senhor, eu lhe aconselho que vá à Livraria da Federação Espírita, e adquira e leia ‘O Livro dos Espíritos’ e o ‘Livro dos Médiuns’, de Allan Kardec, que são as obras básicas da Doutrina.
            - Allan Kardec?..
            - Sim; Allan Kardec. Esse missionário iluminado, predestinado por Deus para receber dos Espíritos, e coligi as elucidações que serviram de base à Doutrina da Terceira Revelação; esse missionário iluminado, que, não sendo, é claro, um Deus, a quem devamos prestar culto de adoração - visto que é simplesmente um irmão nosso, embora já em outro plano de adiantamento - é, no entanto, e será sempre, a figura primacial do Espiritismo, como seu fundador e codificador. É de seus livros que derivaram, e continuam derivando, todas as outras obras espíritas e, o que estiver em desacordo com eles não será Espiritismo. 
            Em seguida, se, como é provável, o senhor vier a interessar-se pela parte religiosa do Espiritismo, poderá ler, com grande proveito, ‘0s Quatro Evangelhos’, igualmente ditados pelos Espíritos, e recebidos e coligidos por J. B. Roustaing - outro missionário iluminado - cuja obra, segundo palavras do próprio Allan Kardec, “tem o mérito ele não estar, em ponto algum, em contradição com a doutrina ensinada pelo ‘Livro dos Espíritos’ e com o ‘Livro dos Médiuns’; e só não é o complemento da do Codificador, porque, sendo o Espiritismo uma Revelação progressiva, não pode ter um complemento, que, como é lógico, viria pôr um termo no seu desenvolvimento e ao seu progresso.
            O Dr. Benedito saiu completamente desapontado! ... Não era aquilo que ele esperava...
            Mas, como a ciência oficial já o havia desenganado, e ele não tinha mais para quem apelar, resolveu descer do alto das tamancas da sua muita importância, e tomar os medicamentos que um nosso bom
            Melhorou tanto, que resolveu seguir o conselho do médium, quanto à leitura das obras básicas do Espiritismo!..
            Isto foi há dois anos. Hoje, o Dr. Benedito Ferreira está completamente curado da sua doença física; e, quanto à doença psíquica a mudança foi tão radical, que já não diz a ninguém que se chama Doutor e, aquele ar pretensioso, que o tornava extremamente caricato, desapareceu por completo, permitindo-lhe transformar-se numa criatura extraordinariamente simples, amável e boa.
            É, hoje, um grande amigo do médium, e um excelente confrade de todos nós...
            Nesta narração - absolutamente autêntica, como as anteriores - por motivos facilmente compreensíveis, substituímos, por um nome suposto, o verdadeiro nome da personagem principal.

                                                                                                                      30-1-944.

            Post scriptum - Alguém telefonou para a redação do REFORMADOR, afirmando, ao que parece, por indicação de um médico, que, no nosso quarto artigo desta série, havia um grave erro, porquanto colecistografia é a radiografia da vesícula e não do apêndice.
            Ora, antes do mais, nós desejamos deixar bem claro que, ao narrar estes fatos - absolutamente autênticos -, não nos move qualquer intuito de menosprezar esta ou aquela classe; caso em que, aliás, nem o REFORMADOR os publicaria. O nosso escopo é demonstrar, ainda uma vez, que o Espiritismo se baseia em fatos; e que os espíritos; e que os espíritos desencarnados podem acertar com tanta facilidade, como os encarnados podem errar, por maior que seja a sua real sabedoria ou prosápia científica.
            Posto isso, seja nos permitido reafirmar que da nossa narrativa, absolutamente autêntica, como acima dizemos, se verifica que, realmente, a doente não tinha apendicite; tanto que o cirurgião, depois de novo exame, mandou fazer outra radiografia, para melhor verificar se havia, ou não, erro no seu diagnóstico anterior; e acabou não operando a doente.
            E nós, que somos jornalista, e nada entendemos de medicina, não conhecendo, pois, a terminologia médica; não sabemos o verdadeiro significado do vocábulo colecistografia, nem dispomos, no momento, de elementos para o decifrar. O que é verdade, porém, é que, se o cirurgião pediu um exame, errado para o caso, ou se o radiologista errou ao fornecer-lhe o exame que ele pediu, há, então, mais esse erro a juntar ao diagnóstico, e a corroborar a sentença errare humanum est.