O Diabo melhorou muito
por Carlos Imabasahy
Reformador
(FEB) Junho 1944
Há tempos, jocoso adversário da doutrina espírita,
entre outras coisas muito engraçadas, disse que o Espírito dos espiritistas era
um sujeito barbado, com ar de bode, um rabo e dois chifres.
A definição não é propriamente de Espirito, senão
de falta de espírito. Mas vá lá.
O que ele queria dizer, na sua linguagem metafórica
e hilariante, é que o Espírito que aparece em nossas sessões é o de Satã, é o
demônio em pessoa, e, para disfarçar o ousio (ousadia) da afirmativa, misturou-a com um
pouco de graça, visto que o diabo, hoje em dia, já não é levado muito a sério.
Sem sal não vai.
Não há negar que ele anda um tanto ou quanto desmoralizado.
A começar pela literatura, e esta é vasta. Basta lembrar o Fausto, de muito
êxito nas letras e na música. Aí procura Mefisto perder almas e levá-las para
seu nefando domínio. Fez
um
pacto, que cumpriu - justiça se lhe faça. Deu ao velho Fausto mocidade,
riquezas, mulheres...
Gastou com essa perdição precioso tempo e trabalho,
mas quando veio buscar o gozador, quando chegou a vez de cumprirem os outros o
que prometeram, fugiram à palavra empenhada: arranjaram uns pistolões divinos,
muniram-se de cruzes e
outros
petrechos salvadores e deixaram o pobre diabo de boca aberta.
Embaucado (enganado), não há dúvida nenhuma! Embrulhado,
mistificado, gorado (que não deu certo), ele, o pai da mistificação!..
Veja-se o que se passa na hora da morte. Há um
tratante que leva a vida inteira a fazer iniquidades, falcatruas, imoralidades
de todo o gênero, senão crimes de toda a sorte. E o demônio, satisfeito, a
esfregar as mãos de contente! Deve ser ele o causador de tudo aquilo, com suas
tentações infernais. Que trabalheira lhe não custou fazer com que se perdesse
aquela alma!
Nisto, chega a Parca (a morte) com
a sua foice fatal.
É agora! O homem tem que render a alma ao demônio.
Uma vida em pecado mortal, uma vida de crimes horrentes pede as moradas do fogo
eterno. Mas o sujeito treme. Não é pra menos. Aos suores frios da morte
juntam-se os suores gelados do
pavor.
Medo, remorso, tudo se confunde. Mas... pede um rosário, pede um padre,
confessa-se... E salva-se. Eis Satã mais uma vez ludibriado.
Entretanto, o pior, se há pior, é que o tal
está ficando caduco. Caducíssimo! Como se lhe não bastasse tanto mal sobre a
Terra, como se fosse pouca a desventura que pesa sobre nós.
"No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida.
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida."
Já dizia o Camões.
Como se tudo fora pouco, como se não sobrassem
motivos para que vivêssemos em constante engodo, ainda ficou com a sobrecarga
do Espiritismo! É de mais!
Não resta dúvida que ele tem costas largas, e
sempre foi o causador de nossos contratempos, de nossas desgraças. Haja vista
que, quando tem alguém uma contrariedade, logo diz: - Isto é o diabo!
Ele mete o nariz em tudo, entra onde não é chamado,
conspurca as coisas mais santas, induz ao pecado, diverte-se com a divindade, a
quem ludibria, desrespeita e desmoraliza; e não tendo mais que inventar, nem
sabendo como contrariar ainda
mais
o Eviterno (o eterno), deu para fingir, deu para bancar a alma do
outro mundo. E olhem, aqui baixinho para que ninguém nos ouça, aqui à puridade (pureza) para
que o escândalo não retumbe: - finge, mesmo, de santo. Aparece-nos a dar avisos
salutares e mensagens na figura de Santo Agostinho, S. Francisco de Assis, S.
Vicente de Paulo, S. Marcos, S. Lucas, S. Mateus, S. João ...
Uma velhacaria daquelas!
E sabem o método que emprega? Esta só lembrava
ao diabo! Levar-nos ao mal pelo bem. Ele agora encaminha as almas ao Averno (inferno),
obrigando os sujeitos à vida de virtudes, à uma existência exemplar. Seria
inacreditável se não se tratasse do demônio.
Sabem o que é que ele faz para danar os seres?
A apostar que não sabem. Pois já o digo: Prega a existência de Deus, a sua
bondade, a sua onisciência, a sua onipotência, a sua onipresença, a sua
eternidade. Proclama-o senhor e criador dos mundos. Manda que o amem acima de todas
as coisas.
Prega o Evangelho e ordena que o levem a toda
parte, a toda criatura.
Prega a imortalidade da alma e declara que os
bons e os justos serão recompensados, enquanto os maus, os ímprobos, os pecadores
sofrerão pelos seus pecados, por sua improbidade, por sua maldade.
Prega a paz universal, a fraternidade, a
solidariedade, o amor do próximo. Afirma que só pelo amor e pelo bem se podem
chegar a Deus.
Cura os doentes, consola os tristes, promete
aos deserdados, expulsa os colegas, aconselha os transviados, encaminha as
criaturas, e declara, e afirma,
e
assegura que a salvação está na Caridade. "Fora da Caridade não há
salvação" é este o seu lema.
O sofrimento de um lado, o altruísmo, do
outro, eis as asas potentes da redenção.
Obriga, enfim, o homem à prática das boas ações.
Leva-o pela mão dos carreiros do bem, desvia-o dos maus atos, das más palavras,
dos maus pensamentos. Torna-o simples, bom, caritativo, honesto. Purifica-lhe a
alma, adorna-o de virtude, regenera-o visceralmente, retoma-o à inocência primitiva.
E depois?.. E depois? ..
Depois manda-o para o inferno, está claro!
É com essa doutrina lógica que os nossos adversários
nos acaçapam (humilham).
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