O Evangelho na solução do grande enigma
por Camillo
Silva
Reformador (FEB) Janeiro 1933
Desde as mais
remotas eras homens tem havido que procuram resolver o problema da Vida
espiritual, sem todavia encontrarem uma solução completamente satisfatória.
Os
disseminadores das verdades do além-túmulo, em todas as épocas e sob vários aspectos,
hão encontrado relativa facilidade para infiltrar nas massas humanas a crença
na existência de um Ser Soberano, que rege o Universo, e na imortalidade da
alma. Porém, a crença com que geralmente se depara na maioria das criaturas e
cheia de obscuridade, de dúvidas e de incertezas.
Não sabendo,
nem podendo explicar e, menos, justificar as múltiplas contingências dolorosas,
a que não logram esquivar-se os pobres habitantes da terra; as condições do
meio ambiente pouco salubre; as influências dos seres audaciosos ou perversos, tanto
do plano material, como do invisível; os sofrimentos morais de toda ordem, que
dilaceram as almas; as enfermidades físicas que entristecem os lares, ou enchem
os leitos dos hospitais e outros inúmeros infortúnios, diante dos quais falta
em muitos a resignação para os sofrer ou enfrentar serenamente e deles colher
bons frutos, por ignorarem que as dores do presente têm origem no passado, em
existências malbaratadas, maculadas por delitos de toda sorte, quase todos se
deixam dominar pelo desânimo ou empolgar pelo desespero, com que ainda mais
agravam a sua situação, atolando-se no pântano infecto dos vícios, mergulhando
no mar revolto das paixões más.
Prova irrefragável
é de que as religiões que o mundo já conheceu não conseguiram - pelo menos até
hoje - refrear os ímpetos do desvario humano. Brahma e Buda, na Índia; Confúcio,
na China, Moisés, no Egito; Sócrates e Platão na Grécia; Cristo, na Palestina;
Maomé, em Meca, Kardec, na França, constituem, no dizer de Victor Hugo, fachos
que surgiram no mundo a derramar luz, de acordo com as épocas e as regiões em
que foi preciso aparecessem, e com as exigências do ponto de evolução em que o
homem se encontrava.
Entretanto, malgrado
a esses luminares, a humanidade ainda é bastante pervertida e sofredora!..
Será que os
fachos de luz, a que alude o Grande Espírito de Victor Hugo, numa mensagem do
além, pelo médium Fernando de Lacerda (‘Do País da Luz’ 3° vol.) não tenham
tido a potencialidade suficiente para dissipar as trevas que envolvem as criaturas
deste Orbe?
Não, que Deus,
infinitamente sábio e misericordioso, não dá óbolos deficientes a seus filhos.
Então, qual a causa do fenômeno? Em primeiro lugar, o livre arbítrio que todos
possuem e que, embora relativo, é uma realidade, pois, do contrário, seriam os
autômatos, em vez de autônomos, visto que, sem liberdade, não pode haver
responsabilidade. Em segundo lugar, todos os indivíduos humanos, com exceção
dos missionários são Espíritos falidos, que ainda conservam o seu íntimo
fortemente influenciado pelos fatores horríveis de sua queda originária, o
orgulho, o egoísmo e seus derivados, apesar dos muitos séculos já decorridos,
fatores que predominarão até quando, pelos sofrimentos, lutas e trabalhos
incessantes, os possamos eliminar.
Do manto
tenebroso dos vícios e paixões que, animalizados, carregamos desde longas eras,
muito nos custará despojar-nos, porque é bem certo o prolóquio: - os hábitos
formam uma segunda natureza. Além disso, o esquecimento do passado, de outras
vidas precedentes, mais acentuado nos que encarnam em mundos inferiores, por
uma necessidade que a Doutrina Espírita explica perfeitamente, concorre para dificultar
a marcha ascensional da humanidade, em demanda da perfectibilidade.
Há também um
fato curioso, que sempre se verificou e ainda ocorre entre os seres terrenos: o
de prevaricar o homem a todo o momento e mostrar-se lamentavelmente baldo de
coragem ou de envergadura moral para sofrer as inevitáveis consequências das
suas prevaricações, embora sabendo que qualquer ação gera, mediata ou imediatamente,
um efeito correspondente, seja qual for a natureza dela - moral ou material.
Ora, isto
forçosamente há de também contribuir para obscurecer os cérebros e perturbar as
almas, e contribui, de fato, a ponto de impedir, de modo bem sensível, a
assimilação da luz celestial, espargida pelos missionários que Deus envia ao
mundo, o que faz parecer à primeira vista - quando em realidade assim não é - deficiente
essa luz para esclarecer os Espíritos humanos, com o conhecimento dos altos destinos
e esplêndidas perspectivas que lhes estão reservados.
Pois que o
século que atravessamos, mais exigente se mostra do que os anteriores, no que
concerne à observação e à análise, não há negar que a doutrina codificada por
Allan Kardec é a que contém luz mais intensa para esclarecer e encaminhar os
calcetas terrenos pela verdadeira estrada do progresso, traçada por Deus.
Porém, nesta
doutrina, que é a Terceira Revelação, embora todos os seus adeptos estejam de
pleno acordo quanto à sua base e a sua finalidade, nem todos, infelizmente,
reconhecem o tríplice aspecto que a caracteriza de forma inequívoca e, ao mesmo
tempo, encantadora: Ciência, Filosofia, Religião.
Assim é que
alguns querem seja ela apenas ciência, outros, filosofia, e ainda outros, religião.
Temos observado até censuras e críticas aos que pregam o Espiritismo pelo
prisma moral, evangélico, feitas pelos que apenas o reconhecem pelo lado científico.
São estes, principalmente - pois os que a aceitam como filosofia se mostram
mais complacentes- os que, por vezes, classificam os que pregam o Evangelho de
indivíduos possuídos de excessivo misticismo. Os que assim pensam, isto é, os
que só admitem o Espiritismo como “uma ciência”, podem, não o duvidamos, estar
bem intencionados; porém, a boa intenção nem sempre é documento bastante a
garantir, de modo absoluto, a posse de um tesouro, mesmo em se tratando de
enorme acervo de lucubrações intelectuais referentes a qualquer ramo de ciência,
pois que os sábios de séculos anteriores foram, em muitas de suas concepções e
afirmativas, rebatidos e contraditados de forma positiva pelos sábios de outros
séculos mais recentes. A terra tem sido palmilhada desde todos os tempos por
cientistas e filósofos, embora a maioria seja, no dizer de um alto Espírito: - “a
do falso saber”. No entanto, a felicidade, a paz, a que todas as criaturas
aspiram, até hoje não passou de delicioso sonho... de quimera, de utopia.
O Cristo, que
é o Mestre dos mestres, quando veio ao mundo, apenas ministrou lições de amor
fraternal e espiritual. Porque assim procedeu Ele, quando, sendo o maior dos sábios,
tantas coisas transcendentais, sobre ciências e filosofias, nos poderia ter
ensinado? Porque assim procedeu, quando vemos explicado
sucintamente na obra de Roustaing que os Diretores de outros planetas, quando a
estes descem, são recebidos festivamente pelas humanidades que os habitam, e
recebem deles os mais preciosos ensinamentos e revelações de alto valor científico,
filosófico etc.? É que nesses mundos, mais felizes do que o nosso, já não
existe a ignorância que se gera do orgulho, do egoísmo, do materialismo!
Naqueles
tempos, como infelizmente ainda hoje, o de que a humanidade mais necessitava
era do conhecimento da terapêutica divina, capaz só ela de lhe curar as
doloridas chagas da alma, chagas que nunca nenhum dos mais eminentes cientistas
que o nosso mundo tem conhecido pode cicatrizar.
Portanto,
aquele que procura seguir o roteiro traçado pelo Divino Mestre há vinte séculos,
na Palestina, e hoje avivado pela luz brilhante da Terceira Revelação, não é místico,
porém um ser inteligente, criterioso e esclarecido, que se esforça por cumprir
os seus deveres para com Deus, que lhe fala através da consciência, e para com
seus irmãos que habitam todos os planos materiais e siderais.
Sendo a ciência
- no sentido literal - o conjunto dos conhecimentos humanos baseados na
observação e no estudo, e sendo a filosofia a ciência geral dos seres, dos
princípios e das causas, segundo Jayme de
Segueir, ou: “amor da sabedoria”, conforme proclamava Pitágoras, compreende-se
que esses grandiosos campos de ação do intelecto humano preocupem sobremaneira
a todos quantos desejem desenvolver a mente. Porém, isso não basta, porque é
necessário, indispensável mesmo, um critério são, uma razão esclarecida e, diante
dessa circunstância, vemo-nos forçados a refletir nas palavras do Espírito de Michelet (‘Do País da Luz’, Fernando de
Lacerda, 1º vol.), que assim falou:
“A primeira
qualidade da razão devia ser a razoabilidade. Nos fatos de Natureza psíquica, quando
a razão não os atinja, deixe atuar o sentimento... Nos fatos de natureza física,
onde o sentimento hesite, deixe funcionar a razão. A razão é, de sua origem,
fria e serena. Resultante da observação e do conhecimento adquirido, deve limitar-se
a buscar, pacientemente, nos pecúlios que a enriqueçam. Negar o homem o que não
conhece é começar por negar-se a si próprio, visto que tudo quanto ele é e tudo
o quanto sabe foi sempre negado e repudiado.
“Ela representa
a soma do que o sentimento, essa coisa vaga, mas irresistível, que impele o progresso
humano, arrancou ao desconhecido.”
Ora, se a boa
razão só se consegue com a aquisição de sentimento e se este é a virtude por
excelência, o que quer dizer - caridade em ação; se a caridade é justamente o
que nos prescreve o Evangelho, claro está que deve ser este o escopo principal
dos crentes espíritas, dos propagandistas em geral, sem olvidarem, no entanto,
a parte científica e a filosófica, por úteis, indispensáveis mesmo, ao
esclarecimento das inteligências e dos objetivos providenciais. Mas, se em
Espiritismo a parte cientifica é o fenômeno, sob seus múltiplos aspectos e sob
todas as modalidades que reveste e que variam ao infinito, e essa parte científica
ainda está em seus primórdios, devido ao atraso moral da humanidade, é evidente
que ele ainda nos reserva muitas surpresas, para quando descerem ao mundo
(conforme ensina a obra de Roustaing, os Espíritos que no espaço se estão
preparando para vir aqui auxiliar os cientistas em suas pesquisas e investigações.
Serão os novos médiuns, possuidores de faculdades transcendentes, muito
diversas e superiores a todas aquelas que já conhecemos, para maior avanço e
progresso das ciências.
Demais, ninguém
ignora que os fenômenos espíritas já conhecidos têm sido observados por muitos
indivíduos, entre os quais se conta grande número que ainda continua a manter o
mesmo ceticismo, ou indiferença de outrora. Todos apreciam, com maior ou menor entusiasmo,
a maravilha de tais fenômenos; mas, não procuram conhecer a sua verdadeira finalidade, que é - o melhoramento,
o aperfeiçoamento dos Espíritos !..
São prejuízos
que precisam ser combatidos, pois que o Espiritismo tem por objeto destruir o
materialismo, levantar os caracteres e não, apenas, satisfazer a curiosidades.
Para tal se conseguir com bom êxito, convém que todos os propagandistas
sinceros e entusiastas procurem uma forma criteriosa de obviar aqueles
inconvenientes. Como consegui-lo?
Guardando
fidelidade ao que se acha enunciado na primeira das Conclusões há pouco votadas pejo Conselho Federativo,
constituído de representantes das Sociedades de todos os Estados do Brasil adesas
à Federação Espírita Brasileira, nos seguintes termos, que a fizeram acolhida
com imensa simpatia por todos aqueles representantes:
“Definida na
codificação kardeciana como sendo a Terceira Revelação, ou, seja, o Consolador
prometido por Jesus, as Sociedades adesas à Federação Espírita Brasileira reconhecem
e proclamam ser o Espiritismo o mesmo Cristianismo em sua pureza e com o caráter
de doutrina universal. Assim sendo e não podendo, em consequência, haver Espiritismo
sem Cristianismo e não podendo haver Cristianismo sem edificação evangélica, as
mesmas Sociedades reconhecem, como básicos para suas atividades, o estudo metódico
e a a prática dos preceitos morais do Evangelho, à luz da Revelação Espírita”
Creio não ser
preciso acrescentar mais, a fim de que se compreenda onde está a chave para a
solução do grande enigma: - a felicidade humana!
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