Inspirações
– 4
por Angel Aquarod
Reformador (FEB) Junho 1923
“ESCÓRIA” e “PURITANISMO”
Vamos falar, conforme desejas, da “escória” espírita,
constituída, conforme a opinião dos “puritanos”, pelos
adeptos que não ajustam sua conduta, estritamente,
aos ditados da moral evangélica.
Quantos reproches, quantos anátemas não se
lançam contra os da “escória”! Porém, veja-se a inconsequência dos exprobradores (censores) e lançadores dos anátemas.
Costumam eles mostrar-se os mais zelosos pelo
proselitismo; desejariam atrair para seu credo a todo o mundo, parecendo-lhes
uma insensatez que haja pessoas remissas à aceitação do novo ideal, e impacientam-se
por vê-lo imperar no mundo, como soberano.
Não perdem ocasião de falar,
a quem quer que seja, de suas crenças, dos fenômenos espíritas, da comunicação
com os espíritos, e, se podem, não deixam de oferecer ao seu catecúmeno a
oportunidade de presenciar alguma sessão em que possa ter uma prova pessoal da
verdade da comunicação ultraterrena. Com as portas abertas para todo mundo,
dão-se por muito satisfeitos quando veem que por elas entram, de tropel, gente
de toda procedência.
Não deveriam esses beneméritos adeptos
lembrar-se de que, só pelo fato de haverem sido iniciadas essas multidões no
Espiritismo, não se poderia esperar delas um conhecimento imediato e perfeito
da ideia e, menos ainda, que conformassem seu proceder tornando-o imáculo, às suas
prescrições? Muito sensatamente, eles aceitam e transmitem o ensino revelado pelo
mundo invisível, segundo o qual o espírito, quando desencarna, se encontra no
espaço unicamente com o patrimônio que levou da terra, em inteligência e em
bondade, patrimônio de que não lhe é dado separar-se e a que não pode
acrescentar, ou diminuir, um átomo sequer, senão por mérito próprio, sejam quais
forem o lugar onde se encontre e as alterações de estado e de situação a que se
veja submetido. Ora, se a mudança de condição da vida, resultante da volta ao espaço pelo fenômeno
natural chamado “morte”, não modifica, intrinsecamente, o modo de ver dos
espíritos, não lhes dá direito a enriquecer-se com virtudes que não conseguiram
adquirir antes, como se poderá razoavelmente pretender que os neófitos do
Espiritismo, os quais, em regra geral, são verdadeiros condenados a galé, se
mostrem ao mesmo tempo profundos conhecedores do ideal e modelos de virtude e
de pureza? Não se repele a ideia do milagre, por implicar a derrogação de
alguma lei natural? Mas, que milagre não seria, com exclusão de toda lei, de
toda lógica e de toda justiça, se apenas pelo fato de abraçarem o Espiritismo,
os novos adeptos logo se sentissem fundamentalmente transformados em “outros
homens”, regenerados por completo?
Não é possível. E não se alegue que nem todos
os da “escória” são neófitos; porque, em realidade, são neófitos no ideal
espírita, não só os da “escória”, mas também os “puritanos”. O próprio “puritanismo”
de que estes fazem garbo, os denuncia, como denunciavam os fariseus, ao tempo
de Jesus, o excessivo apego à letra da Lei, a ausência de reais virtudes.
Para que o espírito modele sua individualidade
moral - que tem de ser obra sua - necessita do concurso do tempo, e de muito tempo se a bagagem de suas imperfeições
for importante, apesar de toda sua boa vontade e de seus esforços por se
melhorar, sendo-lhe difícil tornar sensível, seu melhoramento, aos olhos dos
homens, de modo que possa receber destes a patente de virtuoso, por grandes que
sejam seus méritos aos olhos de Deus, que não julga as ações de seus filhos
segundo o defeituoso juízo humano.
Não é possível que somente “virtuosos” militem
no campo espírita. As religiões havidas até o presente não puderam ver-se
livres da “escória”. Tão pouco poderá ver-se livre dela o Espiritismo. E como há
de poder, se, como Jesus, ele não veio ao mundo para recrutar justos - que já
estão nele - senão pecadores? É assim que o seu apelo ele o dirige a todos os náufragos
da vida, a todos os aflitos, a quantos o peso do infortúnio abate, aos que o
passado de uma vida delituosa, submergiu no abismo do remorso, - Bem vindos sejam
todos esses filhos pródigos à casa do Pai, ao seio do Espiritismo e bem vindos
sejam, não para receber exprobrações, nem ser inexoravelmente tratados por seus
irmãos maiores, mas para receber destes o pão bendito da piedade, saturado de
amor fraternal, conselhos que edifiquem e exemplos sãos, que os estimulem ao
próprio aperfeiçoamento, a ir para Deus nas asas do conhecimento e da virtude.
E, se o Espiritismo não veio ao mundo para
recrutar justos - que já são seus, seja qual for o campo em que militem - senão
pecadores, porque estes são os que prementemente necessitam dele, tende, ó espíritas,
em muita conta esses indispensáveis fatores como parte integrante de vossas
fileiras e não penseis que tendam a diminuir, não. Longe disso, irão
aumentando, à medida que o Espiritismo abra passagem na sociedade humana. E
contra este fato não valerão exprobrações, censuras, apóstrofes, desprezos, nem
excomunhões dos “puritanos”. Contra todo poder e vontade humanos, o fato “se
dará”. Sendo isto inegável, é preciso que os ‘leaders’ do Espiritismo pensem
seriamente no problema que o “caso” lhes traça.
Isso os obrigará a modelar e organizar de tal
maneira o Espiritismo, a formular o seu credo de modo tão especial que, sem que
haja atentado à verdade e à pureza do ideal e sem que este sofra coisa alguma
pela ação de adeptos que o observem deficientemente, possa quem quer que seja
sentir-se abrigado sob o amplo, piedoso e redentor manto da Nova Revelação.
Se o Espiritismo, por improcedentes escrúpulos
e puritanismos, se empenhasse em não reconhecer a legitimidade do iniciado
espirita que não pudesse apresentar-se em seus festins de comunhão espiritual
com as alvas vestimentas de bodas antes que tivesse tido tempo de purificar-se,
não faltaria quem, utilizando os seletos materiais que ele oferece, tomando-lhe
o lugar e prescindindo de sua denominação, formasse um credo religioso que
acolheria todos os deserdados. E, a estes acompanharia uma infinidade de bons
trabalhadores que, ao serviço dos Diretores da evolução humana, se
constituiriam pastores do novo rebanho.
O plano divino tem que se realizar; o rebanho
humano, seja qual for a categoria dos que o compõem, tem que ser apascentado,
porque o Mestre não quer que nenhuma de suas ovelhas se perca. A redenção do gênero
humano se há de tornar efetiva. O Espiritismo reúne em si todas as condições
para esta obra; mas, se não a realizasse, não faltaria quem o fizesse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário