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terça-feira, 23 de julho de 2019

Inspirações - 4


Inspirações – 4
por Angel Aquarod
Reformador (FEB) Junho 1923

“ESCÓRIA” e “PURITANISMO”

Vamos falar, conforme desejas, da “escória” espírita, constituída, conforme a opinião dos “puritanos”, pelos adeptos que não ajustam sua conduta, estritamente, aos ditados da moral evangélica.

Quantos reproches, quantos anátemas não se lançam contra os da “escória”! Porém, veja-se a inconsequência dos exprobradores (censores) e lançadores dos anátemas.

Costumam eles mostrar-se os mais zelosos pelo proselitismo; desejariam atrair para seu credo a todo o mundo, parecendo-lhes uma insensatez que haja pessoas remissas à aceitação do novo ideal, e impacientam-se por vê-lo imperar no mundo, como soberano.

            Não perdem ocasião de falar, a quem quer que seja, de suas crenças, dos fenômenos espíritas, da comunicação com os espíritos, e, se podem, não deixam de oferecer ao seu catecúmeno a oportunidade de presenciar alguma sessão em que possa ter uma prova pessoal da verdade da comunicação ultraterrena. Com as portas abertas para todo mundo, dão-se por muito satisfeitos quando veem que por elas entram, de tropel, gente de toda procedência.

Não deveriam esses beneméritos adeptos lembrar-se de que, só pelo fato de haverem sido iniciadas essas multidões no Espiritismo, não se poderia esperar delas um conhecimento imediato e perfeito da ideia e, menos ainda, que conformassem seu proceder tornando-o imáculo, às suas prescrições? Muito sensatamente, eles aceitam e transmitem o ensino revelado pelo mundo invisível, segundo o qual o espírito, quando desencarna, se encontra no espaço unicamente com o patrimônio que levou da terra, em inteligência e em bondade, patrimônio de que não lhe é dado separar-se e a que não pode acrescentar, ou diminuir, um átomo sequer, senão por mérito próprio, sejam quais forem o lugar onde se encontre e as alterações de estado e de situação a que se veja submetido. Ora, se a mudança de condição da vida, resultante da volta ao espaço pelo fenômeno natural chamado “morte”, não modifica, intrinsecamente, o modo de ver dos espíritos, não lhes dá direito a enriquecer-se com virtudes que não conseguiram adquirir antes, como se poderá razoavelmente pretender que os neófitos do Espiritismo, os quais, em regra geral, são verdadeiros condenados a galé, se mostrem ao mesmo tempo profundos conhecedores do ideal e modelos de virtude e de pureza? Não se repele a ideia do milagre, por implicar a derrogação de alguma lei natural? Mas, que milagre não seria, com exclusão de toda lei, de toda lógica e de toda justiça, se apenas pelo fato de abraçarem o Espiritismo, os novos adeptos logo se sentissem fundamentalmente transformados em “outros homens”, regenerados por completo?

Não é possível. E não se alegue que nem todos os da “escória” são neófitos; porque, em realidade, são neófitos no ideal espírita, não só os da “escória”, mas também os “puritanos”. O próprio “puritanismo” de que estes fazem garbo, os denuncia, como denunciavam os fariseus, ao tempo de Jesus, o excessivo apego à letra da Lei, a ausência de reais virtudes.

Para que o espírito modele sua individualidade moral - que tem de ser obra sua - necessita do concurso do tempo, e de muito tempo se a bagagem de suas imperfeições for importante, apesar de toda sua boa vontade e de seus esforços por se melhorar, sendo-lhe difícil tornar sensível, seu melhoramento, aos olhos dos homens, de modo que possa receber destes a patente de virtuoso, por grandes que sejam seus méritos aos olhos de Deus, que não julga as ações de seus filhos segundo o defeituoso juízo humano.

Não é possível que somente “virtuosos” militem no campo espírita. As religiões havidas até o presente não puderam ver-se livres da “escória”. Tão pouco poderá ver-se livre dela o Espiritismo. E como há de poder, se, como Jesus, ele não veio ao mundo para recrutar justos - que já estão nele - senão pecadores? É assim que o seu apelo ele o dirige a todos os náufragos da vida, a todos os aflitos, a quantos o peso do infortúnio abate, aos que o passado de uma vida delituosa, submergiu no abismo do remorso, - Bem vindos sejam todos esses filhos pródigos à casa do Pai, ao seio do Espiritismo e bem vindos sejam, não para receber exprobrações, nem ser inexoravelmente tratados por seus irmãos maiores, mas para receber destes o pão bendito da piedade, saturado de amor fraternal, conselhos que edifiquem e exemplos sãos, que os estimulem ao próprio aperfeiçoamento, a ir para Deus nas asas do conhecimento e da virtude.

E, se o Espiritismo não veio ao mundo para recrutar justos - que já são seus, seja qual for o campo em que militem - senão pecadores, porque estes são os que prementemente necessitam dele, tende, ó espíritas, em muita conta esses indispensáveis fatores como parte integrante de vossas fileiras e não penseis que tendam a diminuir, não. Longe disso, irão aumentando, à medida que o Espiritismo abra passagem na sociedade humana. E contra este fato não valerão exprobrações, censuras, apóstrofes, desprezos, nem excomunhões dos “puritanos”. Contra todo poder e vontade humanos, o fato “se dará”. Sendo isto inegável, é preciso que os ‘leaders’ do Espiritismo pensem seriamente no problema que o “caso” lhes traça.

Isso os obrigará a modelar e organizar de tal maneira o Espiritismo, a formular o seu credo de modo tão especial que, sem que haja atentado à verdade e à pureza do ideal e sem que este sofra coisa alguma pela ação de adeptos que o observem deficientemente, possa quem quer que seja sentir-se abrigado sob o amplo, piedoso e redentor manto da Nova Revelação.

Se o Espiritismo, por improcedentes escrúpulos e puritanismos, se empenhasse em não reconhecer a legitimidade do iniciado espirita que não pudesse apresentar-se em seus festins de comunhão espiritual com as alvas vestimentas de bodas antes que tivesse tido tempo de purificar-se, não faltaria quem, utilizando os seletos materiais que ele oferece, tomando-lhe o lugar e prescindindo de sua denominação, formasse um credo religioso que acolheria todos os deserdados. E, a estes acompanharia uma infinidade de bons trabalhadores que, ao serviço dos Diretores da evolução humana, se constituiriam pastores do novo rebanho.

O plano divino tem que se realizar; o rebanho humano, seja qual for a categoria dos que o compõem, tem que ser apascentado, porque o Mestre não quer que nenhuma de suas ovelhas se perca. A redenção do gênero humano se há de tornar efetiva. O Espiritismo reúne em si todas as condições para esta obra; mas, se não a realizasse, não faltaria quem o fizesse.






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