terça-feira, 2 de julho de 2019

O Evangelho na solução do grande enigma


O Evangelho na solução do grande enigma
por Camillo Silva

Reformador (FEB) Janeiro 1933

Desde as mais remotas eras homens tem havido que procuram resolver o problema da Vida espiritual, sem todavia encontrarem uma solução completamente satisfatória.

Os disseminadores das verdades do além-túmulo, em todas as épocas e sob vários aspectos, hão encontrado relativa facilidade para infiltrar nas massas humanas a crença na existência de um Ser Soberano, que rege o Universo, e na imortalidade da alma. Porém, a crença com que geralmente se depara na maioria das criaturas e cheia de obscuridade, de dúvidas e de incertezas.

Não sabendo, nem podendo explicar e, menos, justificar as múltiplas contingências dolorosas, a que não logram esquivar-se os pobres habitantes da terra; as condições do meio ambiente pouco salubre; as influências dos seres audaciosos ou perversos, tanto do plano material, como do invisível; os sofrimentos morais de toda ordem, que dilaceram as almas; as enfermidades físicas que entristecem os lares, ou enchem os leitos dos hospitais e outros inúmeros infortúnios, diante dos quais falta em muitos a resignação para os sofrer ou enfrentar serenamente e deles colher bons frutos, por ignorarem que as dores do presente têm origem no passado, em existências malbaratadas, maculadas por delitos de toda sorte, quase todos se deixam dominar pelo desânimo ou empolgar pelo desespero, com que ainda mais agravam a sua situação, atolando-se no pântano infecto dos vícios, mergulhando no mar revolto das paixões más.

Prova irrefragável é de que as religiões que o mundo já conheceu não conseguiram - pelo menos até hoje - refrear os ímpetos do desvario humano. Brahma e Buda, na Índia; Confúcio, na China, Moisés, no Egito; Sócrates e Platão na Grécia; Cristo, na Palestina; Maomé, em Meca, Kardec, na França, constituem, no dizer de Victor Hugo, fachos que surgiram no mundo a derramar luz, de acordo com as épocas e as regiões em que foi preciso aparecessem, e com as exigências do ponto de evolução em que o homem se encontrava.

Entretanto, malgrado a esses luminares, a humanidade ainda é bastante pervertida e sofredora!..

Será que os fachos de luz, a que alude o Grande Espírito de Victor Hugo, numa mensagem do além, pelo médium Fernando de Lacerda (‘Do País da Luz’ 3° vol.) não tenham tido a potencialidade suficiente para dissipar as trevas que envolvem as criaturas deste Orbe?

Não, que Deus, infinitamente sábio e misericordioso, não dá óbolos deficientes a seus filhos. Então, qual a causa do fenômeno? Em primeiro lugar, o livre arbítrio que todos possuem e que, embora relativo, é uma realidade, pois, do contrário, seriam os autômatos, em vez de autônomos, visto que, sem liberdade, não pode haver responsabilidade. Em segundo lugar, todos os indivíduos humanos, com exceção dos missionários são Espíritos falidos, que ainda conservam o seu íntimo fortemente influenciado pelos fatores horríveis de sua queda originária, o orgulho, o egoísmo e seus derivados, apesar dos muitos séculos já decorridos, fatores que predominarão até quando, pelos sofrimentos, lutas e trabalhos incessantes, os possamos eliminar.

Do manto tenebroso dos vícios e paixões que, animalizados, carregamos desde longas eras, muito nos custará despojar-nos, porque é bem certo o prolóquio: - os hábitos formam uma segunda natureza. Além disso, o esquecimento do passado, de outras vidas precedentes, mais acentuado nos que encarnam em mundos inferiores, por uma necessidade que a Doutrina Espírita explica perfeitamente, concorre para dificultar a marcha ascensional da humanidade, em demanda da perfectibilidade.

Há também um fato curioso, que sempre se verificou e ainda ocorre entre os seres terrenos: o de prevaricar o homem a todo o momento e mostrar-se lamentavelmente baldo de coragem ou de envergadura moral para sofrer as inevitáveis consequências das suas prevaricações, embora sabendo que qualquer ação gera, mediata ou imediatamente, um efeito correspondente, seja qual for a natureza dela - moral ou material.

Ora, isto forçosamente há de também contribuir para obscurecer os cérebros e perturbar as almas, e contribui, de fato, a ponto de impedir, de modo bem sensível, a assimilação da luz celestial, espargida pelos missionários que Deus envia ao mundo, o que faz parecer à primeira vista - quando em realidade assim não é - deficiente essa luz para esclarecer os Espíritos humanos, com o conhecimento dos altos destinos e esplêndidas perspectivas que lhes estão reservados.

Pois que o século que atravessamos, mais exigente se mostra do que os anteriores, no que concerne à observação e à análise, não há negar que a doutrina codificada por Allan Kardec é a que contém luz mais intensa para esclarecer e encaminhar os calcetas terrenos pela verdadeira estrada do progresso, traçada por Deus.

Porém, nesta doutrina, que é a Terceira Revelação, embora todos os seus adeptos estejam de pleno acordo quanto à sua base e a sua finalidade, nem todos, infelizmente, reconhecem o tríplice aspecto que a caracteriza de forma inequívoca e, ao mesmo tempo, encantadora: Ciência, Filosofia, Religião.

Assim é que alguns querem seja ela apenas ciência, outros, filosofia, e ainda outros, religião. Temos observado até censuras e críticas aos que pregam o Espiritismo pelo prisma moral, evangélico, feitas pelos que apenas o reconhecem pelo lado científico. São estes, principalmente - pois os que a aceitam como filosofia se mostram mais complacentes- os que, por vezes, classificam os que pregam o Evangelho de indivíduos possuídos de excessivo misticismo. Os que assim pensam, isto é, os que só admitem o Espiritismo como “uma ciência”, podem, não o duvidamos, estar bem intencionados; porém, a boa intenção nem sempre é documento bastante a garantir, de modo absoluto, a posse de um tesouro, mesmo em se tratando de enorme acervo de lucubrações intelectuais referentes a qualquer ramo de ciência, pois que os sábios de séculos anteriores foram, em muitas de suas concepções e afirmativas, rebatidos e contraditados de forma positiva pelos sábios de outros séculos mais recentes. A terra tem sido palmilhada desde todos os tempos por cientistas e filósofos, embora a maioria seja, no dizer de um alto Espírito: - “a do falso saber”. No entanto, a felicidade, a paz, a que todas as criaturas aspiram, até hoje não passou de delicioso sonho... de quimera, de utopia.

O Cristo, que é o Mestre dos mestres, quando veio ao mundo, apenas ministrou lições de amor fraternal e espiritual. Porque assim procedeu Ele, quando, sendo o maior dos sábios, tantas coisas transcendentais, sobre ciências e filosofias, nos poderia ter ensinado? Porque assim procedeu, quando vemos explicado sucintamente na obra de Roustaing que os Diretores de outros planetas, quando a estes descem, são recebidos festivamente pelas humanidades que os habitam, e recebem deles os mais preciosos ensinamentos e revelações de alto valor científico, filosófico etc.? É que nesses mundos, mais felizes do que o nosso, já não existe a ignorância que se gera do orgulho, do egoísmo, do materialismo!

Naqueles tempos, como infelizmente ainda hoje, o de que a humanidade mais necessitava era do conhecimento da terapêutica divina, capaz só ela de lhe curar as doloridas chagas da alma, chagas que nunca nenhum dos mais eminentes cientistas que o nosso mundo tem conhecido pode cicatrizar.

Portanto, aquele que procura seguir o roteiro traçado pelo Divino Mestre há vinte séculos, na Palestina, e hoje avivado pela luz brilhante da Terceira Revelação, não é místico, porém um ser inteligente, criterioso e esclarecido, que se esforça por cumprir os seus deveres para com Deus, que lhe fala através da consciência, e para com seus irmãos que habitam todos os planos materiais e siderais.

Sendo a ciência - no sentido literal - o conjunto dos conhecimentos humanos baseados na observação e no estudo, e sendo a filosofia a ciência geral dos seres, dos princípios e das causas, segundo Jayme de Segueir, ou: “amor da sabedoria”, conforme proclamava Pitágoras, compreende-se que esses grandiosos campos de ação do intelecto humano preocupem sobremaneira a todos quantos desejem desenvolver a mente. Porém, isso não basta, porque é necessário, indispensável mesmo, um critério são, uma razão esclarecida e, diante dessa circunstância, vemo-nos forçados a refletir nas palavras do Espírito de Michelet (‘Do País da Luz’, Fernando de Lacerda, 1º vol.), que assim falou:

“A primeira qualidade da razão devia ser a razoabilidade. Nos fatos de Natureza psíquica, quando a razão não os atinja, deixe atuar o sentimento... Nos fatos de natureza física, onde o sentimento hesite, deixe funcionar a razão. A razão é, de sua origem, fria e serena. Resultante da observação e do conhecimento adquirido, deve limitar-se a buscar, pacientemente, nos pecúlios que a enriqueçam. Negar o homem o que não conhece é começar por negar-se a si próprio, visto que tudo quanto ele é e tudo o quanto sabe foi sempre negado e repudiado.  
“Ela representa a soma do que o sentimento, essa coisa vaga, mas irresistível, que impele o progresso humano, arrancou ao desconhecido.”
 
Ora, se a boa razão só se consegue com a aquisição de sentimento e se este é a virtude por excelência, o que quer dizer - caridade em ação; se a caridade é justamente o que nos prescreve o Evangelho, claro está que deve ser este o escopo principal dos crentes espíritas, dos propagandistas em geral, sem olvidarem, no entanto, a parte científica e a filosófica, por úteis, indispensáveis mesmo, ao esclarecimento das inteligências e dos objetivos providenciais. Mas, se em Espiritismo a parte cientifica é o fenômeno, sob seus múltiplos aspectos e sob todas as modalidades que reveste e que variam ao infinito, e essa parte científica ainda está em seus primórdios, devido ao atraso moral da humanidade, é evidente que ele ainda nos reserva muitas surpresas, para quando descerem ao mundo (conforme ensina a obra de Roustaing, os Espíritos que no espaço se estão preparando para vir aqui auxiliar os cientistas em suas pesquisas e investigações. Serão os novos médiuns, possuidores de faculdades transcendentes, muito diversas e superiores a todas aquelas que já conhecemos, para maior avanço e progresso das ciências.

Demais, ninguém ignora que os fenômenos espíritas já conhecidos têm sido observados por muitos indivíduos, entre os quais se conta grande número que ainda continua a manter o mesmo ceticismo, ou indiferença de outrora. Todos apreciam, com maior ou menor entusiasmo, a maravilha de tais fenômenos; mas, não procuram conhecer a sua verdadeira finalidade, que é - o melhoramento, o aperfeiçoamento dos Espíritos !..

São prejuízos que precisam ser combatidos, pois que o Espiritismo tem por objeto destruir o materialismo, levantar os caracteres e não, apenas, satisfazer a curiosidades. Para tal se conseguir com bom êxito, convém que todos os propagandistas sinceros e entusiastas procurem uma forma criteriosa de obviar aqueles inconvenientes. Como consegui-lo?

Guardando fidelidade ao que se acha enunciado na primeira das Conclusões há pouco votadas pejo Conselho Federativo, constituído de representantes das Sociedades de todos os Estados do Brasil adesas à Federação Espírita Brasileira, nos seguintes termos, que a fizeram acolhida com imensa simpatia por todos aqueles representantes:

“Definida na codificação kardeciana como sendo a Terceira Revelação, ou, seja, o Consolador prometido por Jesus, as Sociedades adesas à Federação Espírita Brasileira reconhecem e proclamam ser o Espiritismo o mesmo Cristianismo em sua pureza e com o caráter de doutrina universal. Assim sendo e não podendo, em consequência, haver Espiritismo sem Cristianismo e não podendo haver Cristianismo sem edificação evangélica, as mesmas Sociedades reconhecem, como básicos para suas atividades, o estudo metódico e a a prática dos preceitos morais do Evangelho, à luz da Revelação Espírita”

Creio não ser preciso acrescentar mais, a fim de que se compreenda onde está a chave para a solução do grande enigma: - a felicidade humana!







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