Inspirações – 1
por Angel
Aquarod
Reformador
(FEB) Março 1923
ESPIRITISMO
DEVE SER CRISTÃO?
Queres que te manifeste meu
parecer sobre a controvertida questão de ser ou não cristão o Espiritismo.
O Espiritismo está ainda em
formação e as diferentes tendências que em seu campo se
refletem não são mais do que elaborações parciais, fragmentarias, para a
constituição, um dia, de um todo solidário e harmônico.
Bem disseram os antigos
definidores da ideia que o Espiritismo não era uma ciência, nem uma filosofia,
nem uma moral, nem uma religião, senão, como aspiração para o futuro, a Ciência,
a Filosofia, a Moral e a Religião, com o que, não se especializando em formas
particulares, que excluam o que de verdade possam conter outras formas de
expressão do ideal supremo, e marchando sempre de braço com o progresso, tem
assegurada a sua durabilidade.
O Espiritismo, em verdade, é
só Espiritismo, porque, sendo eclético, como o têm proclamado, na elaboração de
seu corpo doutrinário, se bem se ligue, por este fato, a todas as escolas, das
quais extra materiais para sua constituição, não concede exclusivismo a
nenhuma. Da ciência toma os métodos de investigação e se nutre com suas
verdades demonstradas; dos diferentes sistemas filosóficos seleciona quantos princípios
que não chocam a razão ou não contradizem as verdades científicas; dos predicados
morais existentes em ambos os mundos, o terrestre
e o espiritual, manifestados ou quintessenciados, forma a sua ética. O
sentimento religioso, puro, que em cataratas de luz desce das Alturas, sem
forma alguma definida e menos exclusiva, de manifestação, e que, em maior ou
menor desenvolvimento existe no íntimo da alma humana, o caracteriza como
religião: religião da consciência, religião do sentimento, religião do amor; sem
ritos, imagens, sacramentos, hierarquias sacerdotais, nem dogmas encobertos e
indiscutíveis.
Deste modo, ainda que o
Espiritismo seja só Espiritismo, enquanto permanece no período de sua formação,
não vem fora de propósito qualquer adjetivo que se lhe adicione, para
significar aquele de seus aspectos a que se faz referência, e, por conseguinte,
tendo em conta o aspecto que de preferência cultiva um adepto, que ele aplique
a si mesmo (ou lhe apliquem) o adjetivo com que se qualifica e determina esse
aspecto.
Se, pois, não é fora de
propósito, nem envolve impropriedade alguma que os espíritas, que
cultivam principalmente o Espiritismo sob sua face científica, se denominem de científicos,
não será tampouco heresia qualificar-se, respectivamente, os outros de psiquistas,
filosóficos, humanitaristas, sociológicos, racionalistas, ecléticos, ou cristãos,
segundo o aspecto (dos vários que integram o Espiritismo) que lhes mereçam
preferência para ser cultivado e professado, ou a tendência ideológica predominante
em suas almas para manifestar seus sentimentos. Assim, poderá ser cristão o
Espiritismo? Como não há de poder sê-lo - respondo - se se pode
afirmar, sem que seja possível demonstrar o contrário que ele é o complemento
necessário do Cristianismo, já anunciado pelo Divino Mestre com o nome de “Consolador”?
Negar caráter cristão ao
Espiritismo é negar-lhe o principal fundamento; é, além disso, decapita-lo, uma
vez que a obra de Kardec - toda ela - assenta sobre o ideal cristão. Porque, é
de supor que não se pretenda fique o Espiritismo circunscrito ao fenômeno físico,
afastadas as consequências naturais e indeclináveis, isto é, as revelações e
ensinos de caráter filosófico, moral e religioso, obtidos dos Espíritos,
mediante o fenômeno mediúnico.
Todo o Espiritismo
kardecista, e não kardecista, é uma solene e categórica afirmação cristã, e
quem não queira reconhecer esta verdade está no seu direito, porém sua negação
jamais destruirá a verdade afirmada e de maneira alguma chegará a constituir
estado no campo espírita.
Poderá alegar-se ser problemática
a existência do Cristo histórico. Pode, para muitos, ser problemática tal existência;
porém, esses muitos não podem pretender formar escola dentro do próprio
Espiritismo, com pretexto tal, pois que se encontram ante o dilema de, ou
reconhecer que o Cristo existiu, ou repelir, totalmente, o Espiritismo em cujo
nome pretendam repudiar o ideal cristão de seu seio. Se o Cristo não existiu,
noventa por cento, quando menos, dos testemunhos dos Espíritos, em suas
manifestações de além-túmulo, seriam falsos; porque não menos que a indicada é
a proporção dos desencarnados que afirmam a existência do Cristo,
declarando-se, muitos deles, testemunhas oculares da passagem do Redentor pela Terra
e seus próprios discípulos. Não são poucos, igualmente, os que afirmam estar a
seu serviço, que o veem, recebem suas ordens, acrescentando alguns que não só a
direção invisível do Espiritismo está nele vinculada como também a da evolução
do planeta, do qual o apontam como supremo Governador.
Ante a sã razão, um
espírita, dos que possam chamar-se “de corpo e alma”, não pode sustentar
um critério anticristão, nem menos pretender que renunciem os adeptos no título
de cristãos, desde que o Espiritismo é o continuador do Cristianismo, seu
complemento, como já disse, que o desenvolve, explica e esclarece, tirando-o do
domínio da letra, para elevá-lo ao domínio do espírito, rasgando o véu de todos
os mistérios, segundo testemunhos dos Espíritos desencarnados.
Portanto o dilema é: ou
aceitar o Cristianismo como fundamento do Espiritismo, e
sobretudo nos seus aspectos filosófico, moral e religioso, ou declarar que o
Espiritismo é uma enorme mistificação e fugir dele como de algo que empesta.
Porque, a não ser cristão, falsas seriam as comunicações dos Espíritos que o
fundaram e dos que depois têm continuado a manifestar-se, ratificando a
doutrina daqueles, e então em desagravo à verdade e à justiça, se impunha a
necessidade de um soleníssimo “auto de fé”, em uma praça pública, para reduzir
a cinzas numa pira, a quase totalidade das obras e publicações espíritas, que
sustentam e defendam a mesma doutrina, por falsários.
Eis aí o dilema em toda sua
terrível nudez.
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