O Começo da
História sem Fim
Reformador (FEB) Abril 1956
Na noite de 28 de Março de 1848, nas
paredes de madeira do barracão de John D. Fox, começaram a soar pancadas
incomodativas, perturbando o sono da família, toda ela metodista.
As meninas Katherine (Katie ou Kate)
, de nove anos de idade, e Margaretta, de doze anos (1), correram para o
quarto dos pais, assustadas com os golpes fortes nas paredes e teto de seu
quarto.
(1) Há, com relação a essas idades,
pequenas diferenças entre os autores, seja para menos, seja para mais, As
idades que anotamos são devidas a Robert Dale Owen, e parecem ser as corretas.
(Veja-se a obra "Katie Fox", de W. G. Langworthy Taylor, 1933, págs.
47-48.)
Esse barracão, na aldeia de
Hydesville, no Condado de Wayne, perto de Nova Iorque, era construído em
terreno pantanoso. Os alicerces eram de pedra e tijolos até à altura da adega e
daí para cima surgiam paredes de tábuas.
Seus últimos ocupantes haviam sido
os Weekmans, que posteriormente também confessaram ter ouvido ali batidas na
porta, passos na adega e fenômenos outros inexplicáveis.
No dia 31 de Março de 1848 a família
Fox deitou-se mais cedo do que de costume, pois havia três noites seguidas que
não podiam conciliar o sono. Foi severamente recomendado às crianças, agora
dormindo no quarto dos pais, que não se referissem aos tais ruídos, mesmo que elas
os ouvissem.
Nada, porém, obstou a que pouco
depois as pancadas voltassem, tornando-se às vezes em verdadeiros estrondos,
que faziam tremer até os móveis do quarto.
As meninas assentaram-se na cama, e
o Sr. John Fox resolveu dar uma busca completa pelo interior e pelo exterior da
pequena vivenda, mas nada encontraram que explicasse aquele mistério.
Kate, a filha mais jovem do casal,
muito viva e já um tanto acostumada ao fenômeno, pôs-se
em dado momento a imitar as pancadas, batendo com os seus dedos sobre um móvel,
enquanto exclamava em direção ao ponto onde os ruídos eram mais constantes: “Vamos, Old Splitfoot, faça o que eu faço.”
Prontamente as pancadas do “desconhecido”
se fizeram ouvir, em igual número, e paravam quando a menina também parava.
Margaretta, brincando, disse: “Agora, faça o mesmo que eu: conte um, dois,
três, quatro”, e ao mesmo tempo dava pequenas pancadas com os dedos.
Foi-lhe plenamente satisfeito esse pedido, deixando a todos estupefatos e
medrosos.
Estava estabelecida a comunicação
dos vivos com os mortos e assentada uma nova era de mais dilatadas esperanças,
com a prova provada da continuidade da vida além do túmulo.
Naquela mesma noite de 31 de Março
várias perguntas foram feitas pelos donos da humilde casa e por alguns dos
inúmeros vizinhos ali chamados, obtendo-se sempre, por meio de certo número de
pancadas, respostas exatas às questões formuladas. O comunicante invisível forneceu
ainda a sua história: fora um vendedor ambulante, que antigos moradores daquela
casa assassinaram, havia uns cinco anos, para furtar-lhe o dinheiro que trazia;
seu corpo se achava sepultado no porão do barraco, a dez pés de profundidade.
No barracão havia residido, em 1844,
o casal Bell, sem filhos, e que só tinha uma criadinha, Lucretia Pulver, que
não raro dormia fora, em casa dos pais. Feito um inquérito, foi ouvida a
criadinha, pois o casal já havia desaparecido do lugar. Ela se lembrava de um vendedor
ambulante que certo dia aparecera no barracão, e que os patrões a mandaram
dormir na casa dos pais, para que o hóspede pernoitasse no quarto dela. Pela
manhã compareceu ela em casa dos patrões e soube que o vendedor partira muito
cedo.
Diante do depoimento obtido pelos
golpes do batedor invisível, foram feitas escavações no porão, mas era tempo de
chuvas e, como a água enchia logo a fossa que se abria no terreno pantanoso,
resolveram realizar a busca em época propícia. No verão, continuaram a escavação
e, a cinco pés de profundidade, foram encontrados carvão, cal e alguns ossos
humanos.
Por ser muito incompleto o achado,
os incrédulos teceram suas dúvidas sobre a verdade da revelação.
As pancadas continuavam, tendo-as
testemunhado várias centenas de curiosos. A pouco e pouco foram estabelecendo
uma convenção para receberem respostas mais detalhadas às perguntas que se
faziam aos autores invisíveis. Convencionou-se um alfabeto em que cada letra representaria
determinado número de batidas: o A seria uma, o B seria duas, o C três, e assim
por diante.
As irmãs Fox viajaram, e também em
outras casas, onde se hospedavam, ouviam-se as tais pancadas, travavam-se novas
conversações com os Espíritos, processando-se ainda outros fenômenos
interessantíssimos. Notou-se que possuíam elas uma faculdade especial, e pouco
depois se observou que outras pessoas eram dotadas de semelhantes faculdades:
ao contato de suas mãos uma mesa se levantava, dava pancadas com os pés, e essas
pancadas respondiam com inteligência a perguntas. Nomes de respeitáveis
personalidades já falecidas assinavam belas mensagens anunciadoras de uma
revolução no campo moral das criaturas humanas, dizendo que afinal os tempos
eram chegados para que novos horizontes se descortinassem aos destinos do
homem.
Surgiu a época das mesas girantes
que se tornou epidemia no mundo, como se pode ver da interessante série de
artigos de Zêus Wantuil neste órgão.
Foram as mesas girantes, e depois
falantes, que chamaram a atenção do
Prof. Hippolyte Léon Denizard Rivail para os fenômenos espíritas.
Depois das mesas surgiu a escrita
com o lápis preso a uma cestinha de vime e, finalmente, com a mão do médium.
Servindo-se desses últimos meios, Rivail elaborou a grandiosa Codificação do
Espiritismo.
Outros casos de depoimentos pessoais
de mortos foram registrados e alguns confirmados posteriormente. Os “rappings”
e “knockings” não mais se usaram na transmissão de notícias e informações de
além-túmulo. O barracão de John Fox envelheceu e desmoronou em parte (2),
esquecido por todos, visto que surgiram fenômenos muito mais expressivos,
formas de identificação de Espíritos comunicantes muito mais convincentes que
levaram os estudiosos à certeza da continuação da vida “post-mortem”.
(2)
Em 1916, Benjamim F. Bartlett adquiriu os restos do velho barracão,
reconstruindo-o na cidade de Lily Dale, N.Y., onde é conservado até os dias
atuais. (Veja-se o “Grand Souvenir Book
of the World Centennial Celebration of Modern Spiritualism” , obra publicada nos Estados Unidos, em 1948,
pág. 12)
Passou meio século de esquecimento
sobre Hydesville. Eis senão quando, alguns escolares da aldeia, brincando no
local das ruínas do barracão, notaram que havia caído parte de uma parede
interna, junto do alicerce, deixando visível um esqueleto humano quase inteiro
e um baú de ferro. Reconfirmava-se, assim, a declaração do Espírito do vendedor
ambulante feita havia cinquenta e cinco anos. O casal Bell ocultara o cadáver e
o baú junto da parede da adega e construíra pelo lado interior outra parede. O
fato foi consignado pelo “Boston Journal” de 23 de Novembro de 1904, que disse
terem ficado assim desvanecidas as últimas sombras de dúvida ainda existentes.
Ao que tudo indica, o cadáver fora
enterrado no centro do porão. Depois, conforme argumenta Sir Arthur Conan
Doyle, alarmado o criminoso pela facilidade que havia em ser descoberto o
crime, exumou o corpo para junto do muro. Ou porque a transferência se
verificasse com muita precipitação, ou porque a luz era escassa, ficaram
vestígios da inumação anterior.
Hoje, esses ossos e o baú se acham
em Lily Dale, em um museu, registrando a triste história da inferioridade
humana, e recordando o nascimento de uma Nova História para a Humanidade.
Um mundo de novos fenômenos
mediúnicos que se seguiram ao episódio de Hydesville, abriu outros caminhos aos
estudiosos. Allan Kardec dilatou ainda mais os conhecimentos a esse respeito,
sabiamente coordenando-os para uma compreensão menos imperfeita e mais justa do
todo. Posteriormente, notáveis trabalhos, devidos a homens notáveis, trouxeram
subsídios importantes à obra da Codificação pois que esta não poderia ficar
estática em determinado tempo, terá de viver e crescer sempre, confirmada e
apoiada por novos fatos bem verificados e inteligentemente interpretados.
O começo da História do Espiritismo
é a noite de 31 de Março para 1º de Abril de 1848 mas o nascimento da
Codificação é o dia 18 de Abril de 1857. Houve nove anos de estudos e
observações dos fenômenos, antes de aparecer o primeiro livro de Allan Kardec,
e depois desse aparecimento já decorreram quase 100 anos que vão firmemente
registrando outros fatos em confirmação e ampliação dos antigos, de todos os
tempos.
Esta História teve começo, mas não
terá fim.
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