AntiCristo Senhor do Mundo
por Leopoldo Cirne
Edição – 1935
2d
Multiplicavam-se as conversões de
gentios e judeus, entre estes contando-se mesmo sacerdotes do Mosaísmo, não
servindo as perseguições, como a primeira levada a efeito em larga escala
contra a família cristã, logo após a sumária execução de Estevão, seguida a
breve trecho da de Tiago, morto a espada por ordem de Herodes, senão para
ampliar cada vez mais a difusão da ideia, à semelhança de grãos maduros que um
vento impetuoso dispersa para longe.
É assim que, lançados fora de
Jerusalém, segundo referem os Atos, "pela
tribulação que houve por causa de Estevão" e terá provavelmente sido a
mencionada na historia, como
ocorrida no ano 42, movida por Agripa, sobrinho de Herodes, o qual, chegado a
Jerusalém, “ganhou a simpatia dos seus
compatriotas perseguindo os cristãos e restabelecendo os antigos costumes",
se encaminharam os discípulos à Fenícia, Chipre e Antióquia, permanecendo um
ano inteiro nessa última cidade, onde "pela
primeira vez foram chamados cristãos". Aí se lhes reuniu Paulo, que
Barnabé, "homem bom e cheio do
Espírito Santo e de fé", havia expressamente ido buscar o Tarso, para
os secundar na propaganda.
Porque, compartilhada embora a
tarefa por outros valorosos companheiros, como Filipe, João Marcos, Timóteo, Silas, além de, inicialmente, João
e Pedro, que era o mais acatado no
colégio apostólico por sua autoridade moral, intimamente vinculada ao prestigio
decorrente da privança que desfrutara junto ao Mestre, é sobretudo em torno da
singular figura do "apóstolo dos
gentios" e graças ao seu infatigável espírito de organização e de
iniciativa que se opera o grande movimento de proselitismo, do mesmo modo que
se lhe
devem os primeiros desenvolvimentos éticos da doutrina, expressos nas quatorze
epístolas endereçadas aos crentes das principais cidades em que aprofundara raízes
à ideia cristã, desde os Coríntios aos Romanos, aos quais transmite
sucessivamente os ensinamentos e exortações de grande iniciado, que viera a
ser.
Indicar, pois, sumariamente, como
nos propomos, a sua trajetória, inçada de vicissitudes, em direção a Roma,
arvorando na palavra, nas atitudes e na ação as transfiguradoras promessas do
Evangelho, é indicar a marcha da própria ideia naquele predestinado rumo.
De Antióquia, acompanhado de Barnabé, encaminha-se Paulo a Icônia e, em seguida, a Listra,
onde, por instigação de alguns judeus, é apedrejado e deixado por morto fora da cidade.
Levantando-se, porém, tanto que o rodearam os discípulos, ali volta novamente,
para, no dia imediato, empreender, ainda com Barnabé, mais um turno de evangelização, com
escalas em Derbe e na Panfília, depois de atravessar a Psídia, demorando-se em
Perga, a anunciar a palavra, descendo em seguida a Atalia, daí outra vez
navegando rumo de Antioquia, para regressarem juntos a Jerusalém.
E assim, sucessivamente, percorrendo
as principais cidades em que seu entusiasmo comunicativo ora estimulava os
crentes à perseverança e multiplicava o número dos prosélitos,
ora provocava reações violentas, como na cidade macedônica de Filipos, em que é
açoitado e preso com Silas, que
então o acompanhava, prossegue no indefeso apostolado, visitando. repetidamente
Corinto, Êfeso, Tessalônica, Mileto, Bereia e Atenas, em cujo Areópago prega o
"Deus desconhecido",
surpreendendo os amáveis cultores do aticismo (elegância e sobriedade de
linguagem)
com a originalidade e arrojo de sua doutrina e atitudes.
De regresso mais uma vez a Jerusalém,
depois de haver enviado à Macedônia os discípulos Timóteo e Erasto e de
haver novamente evangelizado não somente aí, mas na Grécia e em Tiro e Cesareia,
é envolvido na mais grave sublevação, que o havia de compelir, pelas tumultuárias
vicissitudes de que se revestiu, à culminância providencial do seu apostolado.
Estando ele no templo, uns judeus
"vindos da Ásia", tanto que o viram, entraram a bradar, acusando-o de
pregar contra o povo, contra a lei e contra o lugar santo, que - estrugiam -
profanara, nele introduzindo gregos.
"Alvoroçou-se
toda a cidade" - a narrativa dos Atos é expressiva - "e houve ajuntamento do povo, e agarrando a Paulo, o arrastaram para fora do
templo. E imediatamente foram fechadas as portas. E, procurando eles mata-lo, o
tribuno da coorte foi avisado de que toda Jerusalém estava amotinada, e este,
levando logo soldados e centuriões com sigo, correu a eles; os quais, tendo
visto o Tribuno e os soldados, cessaram de espancar a Paulo. Então, chegando-se o Tribuno, o prendeu e ordenou que fosse
acorrentado com duas cadeias e perguntou-lhe quem era e o que havia feito. Na
multidão uns gritavam de um modo, outros de outro; e não podendo, por causa do
tumulto, saber a verdade, mandou que fosse Paulo
recolhido à cidadela. Ao chegar às escadas, foi ele carregado pelos soldados,
por causa da violência do povo, pois a multidão o seguia, gritando: Mata-o!"
Em vão tentou Paulo defender-se, com permissão do tribuno arengando ao povo, que
excitado cada vez mais exigia a sua morte. Recolhido à cidadela, escapou de ser
açoitado, graças a ter invocado a sua qualidade de cidadão romano, com o que
logrou, daí em diante, a proteção do tribuno, que não somente lhe garantiu
ainda uma vez a vida, quando, no dia seguinte o mandou, já livre, mas
escoltado, apresentar ao Sinédrio, como sobretudo, informado de uma cilada que
ao intrépido apóstolo preparavam os judeus, o enviou logo depois, com uma carta
de recomendação, a Felix, governador de Cesareia, fazendo-o acompanhar de
numerosa escolta de infantaria, lanceiros e cavalaria.
Ali permaneceu Paulo durante dois anos, constrangido em sua liberdade, até que,
substituído Felix pelo novo governador, Pórcio Festo, ao ser perante este
acusado pelos judeus, que haviam para esse fim descido de Jerusalém, terminou
sua contestação apelando para o Cesar.
Dias depois, conduzido à presença do
rei Agripa, que fora a Cesareia saudar o novo governador, teve Paulo ocasião de, perante ele,
articular com vigor a própria defesa, fazendo
uma eloquente síntese do seu apostolado. E teria sido imediatamente posto em
liberdade, no consenso uniforme daqueles magnatas, "se não tivesse apelado para o Cesar". Essa
afortunada circunstância, todavia, longe de haver sido habilidade de homem,
para sair-se do apuro em que estivera, como na aparência o faria supor
semelhante gesto, outra coisa não fora realmente senão o resultado da assistência
espiritual do Mestre, que em todas as emergências o inspirava, e para que se
realizassem os desígnios de que, em
visão anterior, o cientificara.
Referem, com efeito, os Atos que, na
noite imediata ao seu encarceramento, dois anos antes, em Jerusalém, o Senhor
apareceu visivelmente a Paulo e, "pondo-se
ao seu lado, lhe disse:
Tem bom ânimo; pois assim como deste testemunho de mim em Jerusalém, importa
que também o dês em Roma".
Ordenada, portanto, a partida do
intimorato apóstolo para a Itália, com alguns outros presos, sob a guarda de um
centurião, foi empreendida a memorável e acidentada viagem, ao começo com boa
fortuna até ao porto de Mira, daí em diante, porém, convertida em adversa,
acossado que foi por temporais o veleiro, para que ali haviam sido
transbordados, e que veio a soçobrar em frente à ilha de Malta, onde tiveram de
permanecer três meses, mas dando essas mesmas vicissitudes ocasião a que Paulo patenteasse a clarividência de
seus dons e desse testemunho do Poder divino, que incessantemente o sustentava.
É assim que, ora advertia o piloto dos perigos da travessia, prosseguida em
inoportuna ocasião, não obstante a aparência favorável do tempo, logo tornado
borrascoso, ora reanimava os companheiros, na angustiosa emergência do naufrágio,
assegurando, tranquilizado por suas visões, que nenhum seria vitimado, mas só
haveria perdas materiais - o que, de fato, se verificou - ora, durante a
estadia em Malta, efetuava numerosas curas, aplicando unicamente as mãos sobre
os enfermos.
Embarcados num terceiro navio, que
os conduziu a um porto da península, chegou Paulo finalmente a Roma.
Aí já encontrou sem duvida em
germinação a ideia cristã, que em sua impalpável irradiação o havia precedido,
como se infere claramente da própria narrativa dos Atos, que alude a
"alguns irmãos", com que travara conhecimento no trajeto para a
cidade eterna, e a alguns outros que o foram receber, conduzindo-o "até a praça de Apio e as Três Vendas".
Mas a sua presença ali, como a sua “permanência
durante dois anos em um aposento alugado, onde recebia todos os que vinham ter
com ele, pregando o reino de Deus e ensinando as coisas concernentes ao Senhor
Jesus Cristo", seriam, consoante mesmo os desígnios do Alto, a que
aludimos, indispensável coroamento da dupla obra de evangelização e de
organização a que o seu verbo iluminado imprimira estrutura e diretrizes, que
reclamavam, para sua plena eficiência, fossem rematadas naquele amplo teatro da
então capital do mundo.
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