terça-feira, 4 de novembro de 2014

2d. AntiCristo senhor do mundo


AntiCristo Senhor do Mundo
por Leopoldo Cirne
Edição  – 1935

2d

            Multiplicavam-se as conversões de gentios e judeus, entre estes contando-se mesmo sacerdotes do Mosaísmo, não servindo as perseguições, como a primeira levada a efeito em larga escala contra a família cristã, logo após a sumária execução de Estevão, seguida a breve trecho da de Tiago, morto a espada por ordem de Herodes, senão para ampliar cada vez mais a difusão da ideia, à semelhança de grãos maduros que um vento impetuoso dispersa para longe.

            É assim que, lançados fora de Jerusalém, segundo referem os Atos, "pela tribulação que houve por causa de Estevão" e terá provavelmente sido a mencionada na historia, como ocorrida no ano 42, movida por Agripa, sobrinho de Herodes, o qual, chegado a Jerusalém, “ganhou a simpatia dos seus compatriotas perseguindo os cristãos e restabelecendo os antigos costumes", se encaminharam os discípulos à Fenícia, Chipre e Antióquia, permanecendo um ano inteiro nessa última cidade, onde "pela primeira vez foram chamados cristãos". Aí se lhes reuniu Paulo, que Barnabé, "homem bom e cheio do Espírito Santo e de fé", havia expressamente ido buscar o Tarso, para os secundar na propaganda.

            Porque, compartilhada embora a tarefa por outros valorosos companheiros, como Filipe, João Marcos, Timóteo, Silas, além de, inicialmente, João e Pedro, que era o mais acatado no colégio apostólico por sua autoridade moral, intimamente vinculada ao prestigio decorrente da privança que desfrutara junto ao Mestre, é sobretudo em torno da singular figura do "apóstolo dos gentios" e graças ao seu infatigável espírito de organização e de iniciativa que se opera o grande movimento de proselitismo, do mesmo modo que se lhe devem os primeiros desenvolvimentos éticos da doutrina, expressos nas quatorze epístolas endereçadas aos crentes das principais cidades em que aprofundara raízes à ideia cristã, desde os Coríntios aos Romanos, aos quais transmite sucessivamente os ensinamentos e exortações de grande iniciado, que viera a ser.

            Indicar, pois, sumariamente, como nos propomos, a sua trajetória, inçada de vicissitudes, em direção a Roma, arvorando na palavra, nas atitudes e na ação as transfiguradoras promessas do Evangelho, é indicar a marcha da própria ideia naquele predestinado rumo.

            De Antióquia, acompanhado de Barnabé, encaminha-se Paulo a Icônia e, em seguida, a Listra, onde, por instigação de alguns judeus, é apedrejado e deixado por morto fora da cidade. Levantando-se, porém, tanto que o rodearam os discípulos, ali volta novamente, para, no dia imediato, empreender, ainda com Barnabé, mais um turno de evangelização, com escalas em Derbe e na Panfília, depois de atravessar a Psídia, demorando-se em Perga, a anunciar a palavra, descendo em seguida a Atalia, daí outra vez navegando rumo de Antioquia, para regressarem juntos a Jerusalém.

            E assim, sucessivamente, percorrendo as principais cidades em que seu entusiasmo comunicativo ora estimulava os crentes à perseverança e multiplicava o número dos prosélitos, ora provocava reações violentas, como na cidade macedônica de Filipos, em que é açoitado e preso com Silas, que então o acompanhava, prossegue no indefeso apostolado, visitando. repetidamente Corinto, Êfeso, Tessalônica, Mileto, Bereia e Atenas, em cujo Areópago prega o "Deus desconhecido", surpreendendo os amáveis cultores do aticismo (elegância e sobriedade de linguagem) com a originalidade e arrojo de sua doutrina e atitudes.

            De regresso mais uma vez a Jerusalém, depois de haver enviado à Macedônia os discípulos Timóteo e Erasto e de haver novamente evangelizado não somente aí, mas na Grécia e em Tiro e Cesareia, é envolvido na mais grave sublevação, que o havia de compelir, pelas tumultuárias vicissitudes de que se revestiu, à culminância providencial do seu apostolado.

            Estando ele no templo, uns judeus "vindos da Ásia", tanto que o viram, entraram a bradar, acusando-o de pregar contra o povo, contra a lei e contra o lugar santo, que - estrugiam - profanara, nele introduzindo gregos.

            "Alvoroçou-se toda a cidade" - a narrativa dos Atos é expressiva - "e houve ajuntamento do povo, e agarrando a Paulo, o arrastaram para fora do templo. E imediatamente foram fechadas as portas. E, procurando eles mata-lo, o tribuno da coorte foi avisado de que toda Jerusalém estava amotinada, e este, levando logo soldados e centuriões com sigo, correu a eles; os quais, tendo visto o Tribuno e os soldados, cessaram de espancar a Paulo. Então, chegando-se o Tribuno, o prendeu e ordenou que fosse acorrentado com duas cadeias e perguntou-lhe quem era e o que havia feito. Na multidão uns gritavam de um modo, outros de outro; e não podendo, por causa do tumulto, saber a verdade, mandou que fosse Paulo recolhido à cidadela. Ao chegar às escadas, foi ele carregado pelos soldados, por causa da violência do povo, pois a multidão o seguia, gritando: Mata-o!"

            Em vão tentou Paulo defender-se, com permissão do tribuno arengando ao povo, que excitado cada vez mais exigia a sua morte. Recolhido à cidadela, escapou de ser açoitado, graças a ter invocado a sua qualidade de cidadão romano, com o que logrou, daí em diante, a proteção do tribuno, que não somente lhe garantiu ainda uma vez a vida, quando, no dia seguinte o mandou, já livre, mas escoltado, apresentar ao Sinédrio, como sobretudo, informado de uma cilada que ao intrépido apóstolo preparavam os judeus, o enviou logo depois, com uma carta de recomendação, a Felix, governador de Cesareia, fazendo-o acompanhar de numerosa escolta de infantaria, lanceiros e cavalaria.

            Ali permaneceu Paulo durante dois anos, constrangido em sua liberdade, até que, substituído Felix pelo novo governador, Pórcio Festo, ao ser perante este acusado pelos judeus, que haviam para esse fim descido de Jerusalém, terminou sua contestação apelando para o Cesar.

            Dias depois, conduzido à presença do rei Agripa, que fora a Cesareia saudar o novo governador, teve Paulo ocasião de, perante ele, articular com vigor a própria defesa, fazendo uma eloquente síntese do seu apostolado. E teria sido imediatamente posto em liberdade, no consenso uniforme daqueles magnatas, "se não tivesse apelado para o Cesar". Essa afortunada circunstância, todavia, longe de haver sido habilidade de homem, para sair-se do apuro em que estivera, como na aparência o faria supor semelhante gesto, outra coisa não fora realmente senão o resultado da assistência espiritual do Mestre, que em todas as emergências o inspirava, e para que se realizassem os desígnios de que, em visão anterior, o cientificara.

            Referem, com efeito, os Atos que, na noite imediata ao seu encarceramento, dois anos antes, em Jerusalém, o Senhor apareceu visivelmente a Paulo e, "pondo-se ao seu lado, lhe disse: Tem bom ânimo; pois assim como deste testemunho de mim em Jerusalém, importa que também o dês em Roma".

            Ordenada, portanto, a partida do intimorato apóstolo para a Itália, com alguns outros presos, sob a guarda de um centurião, foi empreendida a memorável e acidentada viagem, ao começo com boa fortuna até ao porto de Mira, daí em diante, porém, convertida em adversa, acossado que foi por temporais o veleiro, para que ali haviam sido transbordados, e que veio a soçobrar em frente à ilha de Malta, onde tiveram de permanecer três meses, mas dando essas mesmas vicissitudes ocasião a que Paulo patenteasse a clarividência de seus dons e desse testemunho do Poder divino, que incessantemente o sustentava. É assim que, ora advertia o piloto dos perigos da travessia, prosseguida em inoportuna ocasião, não obstante a aparência favorável do tempo, logo tornado borrascoso, ora reanimava os companheiros, na angustiosa emergência do naufrágio, assegurando, tranquilizado por suas visões, que nenhum seria vitimado, mas só haveria perdas materiais - o que, de fato, se verificou - ora, durante a estadia em Malta, efetuava numerosas curas, aplicando unicamente as mãos sobre os enfermos.
 
            Embarcados num terceiro navio, que os conduziu a um porto da península, chegou Paulo finalmente a Roma.


            Aí já encontrou sem duvida em germinação a ideia cristã, que em sua impalpável irradiação o havia precedido, como se infere claramente da própria narrativa dos Atos, que alude a "alguns irmãos", com que travara conhecimento no trajeto para a cidade eterna, e a alguns outros que o foram receber, conduzindo-o "até a praça de Apio e as Três Vendas". Mas a sua presença ali, como a sua “permanência durante dois anos em um aposento alugado, onde recebia todos os que vinham ter com ele, pregando o reino de Deus e ensinando as coisas concernentes ao Senhor Jesus Cristo", seriam, consoante mesmo os desígnios do Alto, a que aludimos, indispensável coroamento da dupla obra de evangelização e de organização a que o seu verbo iluminado imprimira estrutura e diretrizes, que reclamavam, para sua plena eficiência, fossem rematadas naquele amplo teatro da então capital do mundo. 

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