Ser
ou não ser...
por José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador
(FEB) Julho 1946
Não há nada que mais descoroçoe um
Espírito do que a dúvida. Aquele que duvida, experimenta todas as torturas infernais.
Torna-se presa da imaginação exacerbada, transforma em montanhas míseros grãos
de areia, apavora-se diante de anãos, como se estes fossem gigantes...
Espanta-se com a própria sombra, que a luz bruxuleante duma vela faz
adquirir proporções enormes... Mergulha na treva das conjeturas incongruentes e
supõe gritar, quando apenas sua garganta emite sons abafados e ininteligíveis.
*
A dúvida tem feito maior mal à
Humanidade do que a estupidez humana. Ela destrói a tranquilidade, envenena a
alma, subverte o amor, transformando-o em ódio, e faz do homem um monstro, De
Tomé, que duvidava estivesse diante do Cristo ressurgido, a Hamlet, espicaçado
pela incerteza do “ser ou não ser”, dista um passo. A dúvida é servida pela
dor moral e pelo despeito. A inconformação arma o braço do homem que vacila,
sob a influência da incerteza. Duvidar é descrer; descrer é abjurar a vida,
renunciando ao que ela possui de mais belo e sagrado: a paz de espírito.
*
Crer é confiar. A descrença vive
parede e meia com o desespero. O que sustenta a ilusão de felicidade que o
homem precisa para suportar as asperezas da vida é a esperança, Não há
esperança no coração dos que duvidam, como não pode haver confiança no coração
dos que descreem. A descrença não é apenas um estado d’alma: é um estado mórbido.
O homem, partícula ínfima do cosmos, só é feliz quando se põe em conformidade
com o ritmo universal, Já dizia Bassuet: "O Espírito é feito para conhecer
a verdade" .
*
Tudo na Natureza é harmonia. Tudo
obedece a leis sábias e inflexíveis, que transcendem o entendimento humano.
Essa incapacidade de compreender exaspera o homem divorciado da harmonia
cósmica. Como não compreende, prefere negar a curvar humildemente a cabeça ante
o Incompreensível. A sua negativa, porém, não tem força para alterar o tono das
leis universais. Apesar disto, atira-se às vezes contra a Verdade, para
concluir, paradoxalmente, com Lange, que há uma "psicologia sem alma...".
*
Toda negação provém da dúvida. É ela
que retarda o advento da felicidade humana, porque corroí os sentimentos mais
nobres do homem. Aquele que duvida é como se fora cego, surdo e paralítico: não
vê, não ouve, não caminha... Acorrenta-se a convicções absurdas e para no meio
da estrada, enquanto os outros, estugando o passo, avançam, progridem, evoluem...
*
Uma "psicologia sem alma"
é como uma "filosofia sem sabedoria", um corpo sem vida. Hoje, não mais
é possível perder tempo com jogos de palavras, porque os problemas psíquicos já
encontraram, em muitos casos, explicação racional. O "credo quia absurdum” cedeu lugar à meditação arejada pelo raciocínio
liberto de dogmas, de preconceitos, de atitudes
espirituais instáveis, porque fundamentadas no artifício. Para compreender
melhor, o homem deve apelar-se na lógica, pois esta nos ensina a alcançar a
plenitude da razão pela justeza das conclusões a que induz o raciocínio. Onde a
razão toma a pé, a dúvida deserta. Tanto assim que, segundo Cícero, "assim que a razão conhece a verdade, a alma prende-se a
ela e ama-a".
*
O mundo se contorce de dores e se
agita, num desespero interminável, porque ainda duvida. E há de permanecer
vacilante como Hamlet, filando a macabra caveira da incerteza, enquanto não permitir
que a luz da Verdade lhe penetre o entendimento. E assim, com voz soturna,
continuará dizendo, sombriamente, num solilóquio arrepiante:
- Ser ou não ser, eis a questão...
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