O homem que não se Irritava
Irmão X por Chico
Xavier
Reformador
(FEB) Novembro 1951
Existiu
um rei, amigo da sabedoria, que, depois de grande trabalho para subjugar a
natureza interior, convidou um filósofo para socorrê-lo no aperfeiçoamento da
palavra. Conseguira indiscutível progresso na arte de sublimar-se. Fizera-se
portador de primorosa cultura e, tanto no ministério público, quanto na vida
privada, caracterizava-se por largos gestos de bondade e inteligência. Fazia
quanto lhe era possível para exercer a justiça, segundo os padrões da reta
consciência, e demonstrava inexcedível carinho na defesa e proteção do povo,
através de reiteradas distribuições de lã e trigo, a fim de que as pessoas
menos favorecidas pela fortuna não sofressem frio ou fome. Não sabia acumular
tesouros exclusivamente para si e, em razão disso obedecendo às virtudes
sociais de que se fizera o exemplo vivo, instituíra escolas e abrigos e
incentivara a indústria e a lavoura, desejando que todos os
súditos, ainda os mais humildes, encontrassem acesso à educação e à prosperidade.
No círculo das manifestações pessoais, contudo, o valoroso monarca
se sentia atrasado e hesitante. Não sabia disfarçar a cólera, não continha a
franqueza rude e nem sopitava o mau humor. Admirado e querido pelas qualidades
sublimes que pudera fixar na personalidade, sofria, no entanto, a mágoa e a
desconfiança de muitos que passaram a temer-lhe a frase contundente.
Interessado, porém, na própria melhoria, solicitou ao filósofo que
lhe acompanhasse a lide cotidiana.
Quando se descontrolava, caindo nas amargas consequências do verbo
impensado, o orientador observava, com humildade:
- Poderoso senhor, tenha paciência e continue trabalhando no
aprimoramento das próprias manifestações. A expressão serena e sábia revela
grandeza interior que reclama tempo para ser devidamente consolidada. Quem
alcança a ciência de falar pode conviver com os anjos, porque a palavra é, sem
dúvida, a continuação de nós mesmos.
O monarca não se conformava e, em desespero passivo, confiava-se a
rigoroso silêncio, que prejudicava consideravelmente os negócios do reino.
De semelhante posição vinha rouba-lo o filósofo, advertindo,
respeitoso:
- Amado soberano, a extrema quietude pode traduzir traição aos
nossos deveres. A pretexto de nos reformarmos espiritualmente, não será lícito
desprezar os nossos compromissos com o progresso comum. Fale sempre e não desdenhe
agir! O verbo é a projeção do pensamento criador.
O rei voltava a conversar, beneficiando o extenso domínio que lhe
cabia dirigir, mas lá chegava outro momento em que se perdia na indignação
excessiva, humilhando e ferindo ministros e vassalos que desejaria ajudar sinceramente.
Lamentando-se, aflito, vinha o filósofo conselheiral, afirmando,
prestimoso:
- Grande soberano, tenha paciência consigo mesmo. O reajustamento
da alma não é obra para um dia. Prossiga, esforçando-se. Toda realização pede o
concurso abençoado das horas... O rio deixaria de existir sem a congregação das
gotas... Guarde calma, muita calma. e não se desanime...
O monarca, no entanto, desacoroçoado, depois de regular
experimentação com o filósofo, exonerou-o das funções que ocupava e expediu
dois emissários às suas províncias extensas para que lhe trouxessem a palácio
algum homem incapaz de se irritar. Pretendia entrar em contato com o espírito
mais equilibrado de suas terras, a fim de melhor orientar-se no auto-burilamento.
Os mensageiros iniciaram as investigações, mas Impacientavam-se
desiludidos. O homem que observavam ponderado na via pública era colérico no
lar. Quem se revelava gentil em casa, costumava irar-se na rua. Alguns se
mostravam distintos e agradáveis junto da família consanguínea, todavia, eram
azedos no trato social. Diversos exibiam formosa máscara de serenidade com os
estranhos, no entanto, dirigiam-se aos domésticos com deplorável aspereza.
Depois de trinta dias de porfiada pesquisa, descobriram,
jubilosos, o homem que nunca se exasperava.
Seguiram-no, cuidadosamente, em toda parte. Nunca falava alto e
mantinha silêncio comovedor, no domicílio que lhe era próprio e fora dele.
Durante quatro semanas foi examinado sob atenção vigilante, não
perdendo um til na conduta irrepreensível.
Trabalhava, movimentava-se, alimentava-se e atendia aos menores
deveres; imperturbavelmente.
Apressaram-se os mensageiros em levar a boa nova ao monarca e o
rei, satisfeito, convocou assessores e áulicos de sua casa para receber a
personagem admirável, com a dignidade que lhe era devida.
O vassalo venturoso foi trazido à real presença, entretanto,
quando o soberano lhe dirigiu a palavra, esperando encontrar um anjo num corpo
de carne, verificou, sob Indefinível assombro, que o homem incapaz de irritar-se
era mudo.
Sob o respeito manifesto de todos, o rei sorriu, desapontado, e
mandou buscar novamente o filósofo resignando-se a ter paciência consigo mesmo,
a fim de aprender a conquistar-se pouco a pouco.
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