O Anti-espiritismo pitoresco – Parte 1
por Tito de Souza e
Meio
Reformador
(FEB) Outubro 1939
Pascal pensava deste modo:
"A imortalidade da alma
é uma coisa que nos importa tanto, que nos toca tão profundamente, que é
preciso se tenha perdido todo sentimento para ser-se indiferente a saber o que
lhe diz respeito. O nosso
primordial interesse e o nosso principal dever é instruir-nos sobre este
assunto, do qual depende toda a nossa conduta. E é esta a razão por que, entre
aqueles que têm dúvidas a respeito, eu distingo os que trabalham com todas as
suas forças para se esclarecerem, dos que vivem sem se darem a esse trabalho e
sem em tal pensarem. Esta negligência em face de um assunto em que se trata de
si próprios, da sua eternidade, do seu todo, irrita-me muito mais que me
enternece; ela me espanta e apavorar é para mim uma monstruosidade. Eu não digo
isto pelo zelo piedoso de uma devoção espiritual. Ao contrário, entendo que se
deve ter este sentimento por um princípio de interesse humano."
Ora, muito bem. Que objetiva o Espiritismo?
Esclarecer-nos sobre a imortalidade da alma; sobre a preexistência
e a sobrevivência da individualidade humana independente do corpo material.
Fins louváveis ou reprováveis, senhores opositores?
Mas, se o Espiritismo como doutrina moral e filosófica é de alta
transcendência como objeto de pesquisas e experimentação, seja com os rigores e
cautelas da análise científica, seja com a observação pura e simples dos fenômenos,
tais como se apresentam nas sessões mediúnicas, é sempre um assunto difícil.
Tão difícil, senhores, que um experimentador do topete de Charles
Richet levou mais de 40 anos apalpando, como que atordoado entre a evidência
dos fatos e a sua explicação à luz dos próprios conhecimentos que, é de supor,
não deviam ser poucos.
Tão embaraçado se viu Richet para conciliar o insólito dos fatos
com todas as possibilidades
científicas
do seu vasto armazém de conhecimentos, que em certa fase da sua gloriosa carreira
de experimentador, apela para um hipotético "sexto sentido", como única
maneira, única forma, único jeito de procurar explicação para o que, fora da
hipótese espírita, não tinha e não tem explicação plausível.
Com o tempo, porém, Richet foi discretamente silenciando sobre o
tal "sexto sentido" e pode ter-se como certo que, quando a sua fulgurante
inteligência produziu "La Grande Espérance", ele já não acreditava
mais do que nós no seu famoso derivativo.
Por aqui se vê que a coisa não é "sopa" e que quem quer
que deseje nela meter o dente tem que estudar muito e continuamente. Pois é,
precisamente, o que não faz, se não a totalidade, pelo menos a maior parte dos
opositores do Espiritismo.
Terreno eriçado de obstáculos, onde forças sutis se atraem e se
repelem constantemente, não há nenhum espírita digno deste nome que não conheça
as dificuldade que o Espiritismo apresenta no seu aspecto experimental; da
mesma forma que nenhum espírita pode nutrir a presunção de que todos os
fenômenos que se apresentam à sua observação são lididamente espiritas.
Evidentemente, muito há que joeirar. Mas, lá porque as pepitas de
ouro se escondem entre aluviões de areia e cascalho, não se segue que deixem de
ser uma realidade palpável que recompensará o esforço daquele que se afadiga em
bateá-las. Às vezes - raras vezes - é claro - as pepitas apresentam-se à
superfície, convidando a serem apanhadas sem esforço. Assim também, algumas
vezes, os fenômenos espíritas se apresentam lídimos, convincentes e
atordoantes, sem darem lugar a dúvidas.
Mas isto não sucede sempre. Em geral, é preciso muito esforço e
tempo para observar, estudar, comparar e deduzir.
Assim fizeram sempre aqueles que desde Kardec, se tornaram depois
adeptos da nova doutrina. Não creiam os senhores opositores que foi por ouvir
dizer que Denis, Delanne, Flamarion, Geley, Crookes, Barrett, Lodge, Wallace,
Hyslop, James, Conan Doyle, Sousa Couto, Oliveira Feijão, Bezerra de Menezes, Vianna
de Carvalho, Bittencourt Sampaio e tantos outros se tornaram defensores do
Espiritismo.
Pois o mesmo tem de fazer todo aquele que deseje ser espírita com
convicção, como também todo aquele que deseje negar e combater o Espiritismo.
Infelizmente, estes últimos não o fazem nunca. É certo que muito
frequentemente aparecem adversários do Espiritismo que apregoam aos quatro
ventos conhecê-lo muito bem, dizendo que por isso o combatem. Conversa fiada.
Meia dúzia de afirmações insubsistentes, quase sempre truncadas e outras tantas
citações em falso bastam para nos dar uma ideia rápida e segura de que o
ilustre opositor nada entende do riscado.
Eis porque, quase sempre, o anti-espiritismo é de um pitoresco
extraordinário, quer nas suas
objurgatórias,
quer nas suas explicações dos fenômenos que nós outros atribuímos à ação dos
Espíritos desencarnados, entidades que o materialismo empavezado e o
espiritualismo rançoso, em conúbio de interesses, se negam a admitir.
Vamos ver se nos próximos artigos podemos dar ao leitor uma fraca
ideia desse pitoresco
anti-espiritismo.
O Anti-espiritismo pitoresco – Parte 2
por Tito de Souza e
Meio
Reformador
(FEB) Novembro 1939
Quantas vezes não temos perguntado a nós mesmos porque é que criaturas
inteligentes, de
razoável
cultura científica, ou filosófica, ou literária e até mesmo cerebrações de privilégio
se mostram tão refratárias a admitir a possibilidade da existência de forças e
energias imponderáveis, ao serviço de inteligências extraterrenas, atuando
normalmente nos diversos mundos e nos espaços interplanetários.
Repare-se que tais senhores aceitarão como viáveis os maiores
absurdos em matéria de hipóteses no campo psíquico, contanto que as causas presumíveis
possam situar-se no âmbito planetário. Mas se, ao contrário, para admitirem a
viabilidade de uma hipótese, investigando sobre as causas prováveis, tiverem de
alongar o pensamento para além das fronteiras do orbe, para esse espaço
infinito, onde, entretanto, seus olhos podem admirar coisas tão reais como a
luz suave e polarizada da Lua e as cintilações brilhantes do Cruzeiro, de Orion,
da Grande Ursa e do Sete-Estrelo, então é de ver-se que não só os tais se
recusam a perder tempo com semelhantes questões de nonada, como não raro aconselham se investigue da sanidade mental de quem tiver a temeridade de
aventar semelhantes hipóteses, para eles simples disparates, merecedores,
quando muito, de olímpico desdém.
E não valerá a pena indagar da razão de ser dessa intolerância,
dessa espécie de fobia malsã
contra
tudo o que não é passível, normalmente, de ser visto, cheirado e apalpado?
Pois não é estranhamente curioso que homens afeitos ao labor
cientifico ou cultural, quase sempre propício ao desenvolvimento dos pendores
analíticos, conhecendo, pelas próprias exigências dos estudos, que estão
cercados de potentíssimas forças invisíveis e imponderáveis, de vibrações de
que não se apercebem senão de forma indireta e de influências psíquicas indefiníveis,
mas, reais, evidentes, manifestas, sentidas e muitas vezes, até, temidas; não é
curioso, dizemos, que tais homens oponham sempre uma negação formal e sistemática
a mais que possibilidade de existirem no Universo infinito forças inteligentes
que interfiram de forma geral em todo ele, e de forma particular em
determinadas esferas?
Sem dúvida, não é fácil explicar de maneira completamente satisfatória
a razão de tal relutância, manifestada até por metapsiquistas de alto valor,
durante anos e anos de labor experimental. Contudo, não será temeridade afirmar
que ela tem suas principais raízes em velhas taras geocentristas, das quais a
humanidade apenas em teoria se libertou.
Ora, vejamos: há pouco mais de 400 anos, a Terra era ainda
considerada o centro do Universo. Pelas teorias astronômicas e cosmográficas de
Claudio Ptolomeu, que foram aceitas durante toda a Idade Média, o Sol e os
Planetas fariam a sua rodada em volta da Terra, que estaria fixa e imóvel no
centro do sistema.
Quanto ao firmamento, este era, segundo Aristóteles, o 8.º céu
(outros diziam ser o 7º), tido como uma abóbada de cristal em que as estrelas
estariam engastadas. Acima dele existiria, apenas o Empíreo, ou a região
celeste da Bem-aventurança.
Guerra Junqueiro, verdadeiro condor da poesia filosófica, criticou
com certa irreverência, mas com muita graça, no poemeto da Velhice, "A Gênese",
esta simplista concepção do Universo. O certo é, porém, que, até há muito pouco
tempo, segundo a ideia geralmente aceita, a Terra era o centro e a principal
razão de ser desse mesmo Universo, sendo tudo mais simples acessório para uso e
gozo do primata terrícola.
Cabe nesta altura um parêntese destinado a chamar a atenção para o
fato de que, frequentemente, grandes cerebrações se mostram fechadas à
penetração de grandes incógnitas científicas. Assim é que Aristóteles, uma das
mais maravilhosas e precursoras inteligências de todos os tempos, nada
suspeitou da verdade heliocêntrica, comportando-se, no assunto, em flagrante
contraste com a genialidade das suas concepções em outros departamentos do
saber e conhecimento humanos.
E, não obstante, parece certo que, muito antes dele, Filolaus
(filósofo pré-socrático), discípulo de Pitágoras, teve a intuição da realidade,
pois que sustentou a teoria que apresentava a Terra e os planetas girando em
volta do Sol, teoria tão avançada para a sua época, que só dois mil anos mais
tarde Copérnico e Galileu
deveriam fazê-la triunfar e, assim mesmo, através de quantas dificuldades!
Isto serve para ilustrar a assertiva de que, em todas as épocas,
certas hipóteses que o tempo transformará em leis, são absolutamente incompreendidas
por cerebrações potentes, que nem as concebem, nem as aceitam, enquanto que
elas se revelam intuitivamente, como realidades objetivas, a inteligências
aparentemente mais modestas.
Eis porque, lá onde a genialidade assombrosa do Estagirita assombrou,
nada suspeitando, nada aprendendo,
o poder de intuição do pitagórico, sem dúvida desenvolvido pelo aprendizado
espiritual com o seu grande mestre, descobriu uma realidade que só dois milênios
mais tarde teria a sua consagração.
Continuando, porém, veremos que o geocentrismo dominou e
predominou sempre, até que no século
XVI, Nicolau Copérnico adquiriu a convicção de que a Terra, além do seu
movimento de rotação, tinha ainda outro, de translação, em volta do Sol.
Contudo, ele sabia tão arraigado o conceito geocentrista, que se arredou, por
muito tempo, de dar publicidade à sua obra "Revolução dos Orbes
Celestes", que só veio a público nos próprios dias da sua morte.
Apesar de Copérnico, temeroso das consequências de suas ousadas
concepções, ter prudentemente dedicado seu trabalho ao papa Paulo III, isso de
nada lhe valeu, pois que a primeira edição foi
quase toda destruída por ordem da Santa Inquisição.
Mas, como a coisa tinha verdade no seu âmago e a verdade acaba
sempre por vir à tona, com a oposição ou sem a oposição (quase sempre ainda
melhor com a oposição) das camarilhas mais ou menos inquisitoriais e dogmáticas
- é o que acontece com o Espiritismo - não tardou que Kepler, Galileu, Cassini,
Newton, Laplace, Arago e muitos outros acabassem teoricamente com o geocentrismo
e firmassem definitivamente as teorias que hoje permanecem como leis,
relativamente à gênese do movimento dos mundos e da mecânica celeste.
E a Igreja? Qual a sua atitude em face das novas concepções
cosmográficas? Vamos ver.
O Anti-espiritismo pitoresco – Parte 3
por Tito de Souza e
Meio
Reformador
(FEB) Dezembro 1939
Logicamente, seria de esperar que, provada a esfericidade da Terra
pela viagem de circunavegação de Fernão de Magalhães, em 1521, a Igreja, que
possuía nesse tempo o monopólio do saber oficioso, se mostrasse benevolente e
cautelosa quando, 22 anos mais tarde, Copérnico tornou conhecidas as suas novas
teorias, ou, pelo menos, quando, 97 anos depois, Kepler as confirmou.
O que se viu, porém, é que, em 1633, ou, seja, 112 anos depois de
Magalhães, 90 depois de Copérnico e 15 depois de Kepler, ela, a Igreja,
arrastava Galileu ao cárcere e o obrigava a abjurar aquilo que
os santos e doutos ministros chamavam "a heresia do movimento da
Terra."
E o gigante de Pisa, o sábio genial, que foi o verdadeiro criador
da física experimental; que descobriu
as leis da gravidade; que inventou o pêndulo e o telescópio, mudando destarte a
face da astronomia, ele, o gigante da intuição, outro remédio não teve senão
curvar-se ante as sentenças daquelas últimas vergônteas da Escolástica, tão
cheias de bafio, intolerância e fanatismo, quão vastas de genialidade, mas que –
ó irrisão! - ao tempo, tinham poder de baraço e cutelo sobre aquilo que, para o
ser consciente, é, ou deve ser, o maior bem; a liberdade de pensar.
Saudosos tempos que o ilustre S. J. José M. Natuzzi gostaria de
ver ressurrectos "ad majorem
Dei
gloriam," conforme se depreende de um artigo sobre o "Conhecimento e
a Honra de Deus na Vida Pública" que o referido S. J., publicou há pouco
no venerando "Jornal do Comercio".
E, como dizem que a história se repete, de estranhar não é que
ainda hoje seja do agrado de muitas "coteries" científicas o
arrogarem-se o papel dos Inquisidores de Pisa ou de Florença, ondenando à irrisão
pública, sem exame e sem estudo, novas verdades científicas, filosóficas ou religiosas,
só porque elas lhes arranham o misoneísmo teimoso, ou lhes ameaça dar em
pantana com o dogmatismo enfatuado.
Ora, pois, Galileu pagou com a prisão o grande crime de ter ideias
à revelia dos santos varões
da
Escolástica ou dos frades de S. Domingos. Contudo, mesmo depois de as ter
abjurado, para evitar
a
tortura e a morte infamante na fogueira, ele murmurava a curta frase que havia
de passar à história e permanecer eternamente como um estigma condenatório de
todas as intolerâncias, tonsuradas ou não: - "Eppur si muove...”
Também, séculos depois, alguns experimentadores, trabalhando na
seara neo-espiritualista, atordoados pela crítica hostil dos corifeus da ciência
oficial, haviam de dizer honestamente: "e, todavia, os
fatos existem..."
Anos passaram, depois de Copérnico, Kepler e Galileu, vieram
Cassini, Newton, Laplace, Arago e
outros. A Igreja já então os não mandava para a prisão, nem fazia autos de fé
das suas obras.
A
"heresia do movimento da Terra" deixara de ser heresia e os luminares
da Santa Madre abateram bandeiras, já que não havia outro remédio. Pensar,
porém, que a Igreja confessaria o erro dos seus cânones, tácita ou
expressamente - que esperança!
Ela fez o que sempre faz. Foi deixando, manhosamente, que o tempo
se encarregasse de resolver as coisas com suavidade, sem arranhões sacrílegos
no prestígio da sua decantada infalibilidade.
E foi assim que, durante largos anos, melhor dizendo, por séculos,
enquanto fora dos púlpitos e confessionários
o geocentrismo era assunto liquidado, na treva escura das sacristias ainda se combatiam as novas teorias da mecânica celeste, não por uma declarada e franca
oposição, mas pela exteriorização de uma dúvida, matreiramente insinuada, que
já não seria talvez sincera nos ministros da Igreja, mas que servia à maravilha
aos interesses de Roma.
Para se ter uma ideia de quanto o fetichismo geocentrista está arraigado
nos meios reacionários e
de como está sempre pronto a repontar à superfície, quando se enseja clima
propicio, referir-nos-emos a um interessante acontecimento que se deu em
França, ainda no começo deste século, ou, tanto vale dizer, em nossos dias.
Aí por volta de 1903, Henri Poincaré, o conhecido sábio francês,
numa dissertação metafisica sobre a relatividade dos movimentos, afirmou, mais
ou menos, que entre as duas proposições: "A Terra gira" e "é
mais cômodo supor que a Terra se move", não havia diferença alguma e que ambas
tinham o mesmo sentido.
Foi quanto bastou para que o sebastianismo geocentrista
embandeirasse em arco e a imprensa reacionária
desse largas à sua satisfação pela "nova descoberta de Poincaré."
Edouard Drumont, na "Libre Parole" de 9 de Janeiro de
1904, escrevia:
"Não está inteiramente demonstrado que a Terra se mova, como
pretende Galileu e que ela não
seja o centro do sistema planetário. O Sr. Henri Poincaré, etc. etc."
Outros jornais acompanharam o terço, especialmente as inúmeras
"Croix" espalhadas pela nobre terra de França; mas, a palma deve ter
pertencido à "Croix du Nord" que se saiu com esta:
"Aqueles que afirmam o movimento da Terra nada sabem a esse
respeito. Dizem que a Terra
gira,
por pensarem que isso aborrece profundamente aos católicos."
O pior é que H. Poincaré ficou altamente amolado com a
interpretação que deram às suas
palavras
e com a especulação que pretenderam fazer em torno delas, tendo mesmo dirigido
uma carta muito significativa a Camille Flammarion, que lhe deu publicidade na
Revista da Sociedade
Astronômica
de França.
Este interessante episódio poderá ser examinado em pormenores no
livro de Flammarion "A
Morte
e seu Mistério", volume 2º, páginas 25 e seguintes. (Edição F. Briguiet -
Rio, 1923).
Que diz o leitor de tudo isto? Pois não é extravagante que, já em
pleno século XX, publicistas, católicos embora, mas publicistas, enfim, venham
dizer que não está inteiramente demonstrado que a Terra não seja o centro do
sistema planetário?
Do que não pode haver a menor dúvida é de que o episódio demonstra
à saciedade que, se ainda em 1904 as coisas se passavam deste modo, nos dois séculos
anteriores a força da inércia clerical, oposta à teoria heliocêntrica deve ter
sido colossal.
E, como o uso do cachimbo faz a boca torta ...
O Anti-espiritismo pitoresco – Parte 4
por Tito de Souza e
Meio
Reformador
(FEB) Janeiro 1940
Como o uso do cachimbo faz a boca torta, o homem, o tal bípede
implume de Platão, ou frango depenado de Diógenes, mal grado a todas as
afirmações em contrário, continua medularmente fiel ao geocentrismo de antanho.
É por isso que vemos, inexplicavelmente, homens de elevada cultura intelectual
e cientifica recusarem-se a aceitar, já não diremos como provável, mas apenas
como possível, a interferência, nos fenômenos psíquicos, de forças exteriores,
que escapam à física terrestre e às possibilidades psico-fisiológicas do ser
humano, ao mesmo tempo que engendram, para explicar tais fenômenos, as mais
pitorescas e - porque não dize-lo- as mais infantis hipóteses.
Qualquer outra hipótese, porém, embora cem por cento mais racional
e mais logica, que
implique
na ação de forças invisíveis, imponderáveis e inteligentes, fora da concepção
mecânica da vida, e que, consequentemente, admita, aprioristicamente ou não, a
existência de seres inteligentes fora da Terra (é claro que não tratamos dos
anjos do Céu nem dos diabos do Inferno), capazes de dirigirem e utilizarem
essas forças, como nós aqui dirigimos e utilizamos as que nos são conhecidas,
quais o vapor, a eletricidade, as ondas eletromagnéticas, a luz e o calor;
qualquer outra hipótese, dizemos, encontrará pela proa ou a muralha da China do
obscurantismo religioso, ou as hostes agressivas e não menos intolerantes do
ceticismo materialista.
De nada vale
saber-se que o Universo é constituído por milhões e milhões de mundos e animado
pelos dinamismos mais diversos; de nada vale, também, ser meridianamente claro
que não há raciocínio nem logica, por mais tacanhos que possam ser, que não
tenham de concluir pela existência, nesse Universo Infinito, de seres pensantes
e, consequentemente, que deve haver, que há de haver qualquer meio de
comunicação, senão entre todos esses seres indistintamente, pelo menos entre
aqueles a quem incumba dar desempenho às principais tarefas da grande oficina cósmica.
É tempo de sermos razoáveis.
Se existe um Universo em que tudo é ordem e equilíbrio, maravilhoso
de luz, de sons e de
vibrações
outras, com tal precisão e perfeição de mecanismo que permite sejam calculados
e previstos com antecedência de muitos anos o dia, a hora e os minutos e os
segundos em que se verificarão os eclipses e outros fenômenos celestes, é de
crer que esse Universo tenha uma inteligência Suprema a dirigi-lo. É de crer,
também, que essa Inteligência Suprema transmita as suas ordens e incumba da
execução das suas leis a incontáveis falanges de seres mais ou menos elevados
na hierarquia espiritual. De
presumir é, ainda, que, havendo mundos esparsos pela amplidão do Infinito,
nesses mundos haja vida em todas as suas manifestações e seres inteligentes que
necessitem de ser amparados, encaminhados, educados e auxiliados, na sua trajetória
ascensional para um destino sempre melhor, por outros seres de mais experiência,
de mais sabedoria, possuindo mais vastos conhecimentos do Universo e de suas
leis.
De outra forma, como poderão as suas humanidades progredir? Só
pelo esforço próprio?
Impossível,
ou, pelo menos, impraticável. O esforço próprio é, sem dúvida, um fator do progresso
individual ou coletivo, mas não é o único fator.
Figuremos um povo selvagem, primitivo, a evolver sozinho para a
civilização; como seria lenta a sua evolução! Ajudado, porém, por uma
civilização mais velha e mais adiantada de outro povo, caminhará rapidamente na
sua esteira, até ultrapassá-lo e superá-lo. Dispensaram jamais as nações
primitivas o esforço próprio, a fim de assimilarem as civilizações superiores?
Não. Se forem indolentes ou inadaptáveis, de pouco lhes valerão o exemplo e os ensinamentos
que lhes vêm de fora; mas, também, sem alguém que lhes ensine a fabricar e a servir-se
do ferro, do aço, do vapor, do petróleo, etc., sairão esses povos algum dia do
seu estado rudimentar?
E quanto ao homem: que seríamos nós sem os ensinos dos nossos
pais, dos nossos mestres,
dos
livros que temos à nossa disposição? Que enormíssima soma de esforços e de
inteligência não teríamos de despender para conseguirmos apenas a centésima
parte do que conseguimos, valendo-nos da ajuda da experiência e dos conhecimentos
dos que nos precederam? Não se costuma dizer que uma geração trepa sobre os ombros
da anterior, para assim ver o seu novo horizonte?
Com isto não se sub estima o próprio esforço, nem as aptidões de
cada qual. Nem isso podia ser, porque, dispondo igualmente de mestres, de
livros e de conselhos, uns produzem pouco e avançam lentamente; outros produzem
muito e progridem com rapidez. O que se afirma é que, mesmo os mais operosos e
inteligentes (exceção feita dos gênios precursores, é claro) entregues apenas
ao seu próprio esforço e discernimento, isto é, sem a ajuda dos pais, dos mestres
e dos livros, não progrediriam senão em
ritmo mil vezes mais lento. Assim nos homens. Assim nas coletividades. Assim
nos mundos.
Ora, se as humanidades dos orbes, tal como as coletividades dos
continentes, precisam, para
progredir,
de receber o influxo de civilizações mais velhas, há de ou não há de haver
meios para que a Providência faça chegar até elas esse influxo civilizador? É
racional e lógico supor que esses meios existam. E, lá porque não os conhecemos
ainda, devemos sistematicamente procurar ignorá-los? Não; muito ao contrário,
devemos afadigar-nos em procurar conhece-los.
É, todavia, a última coisa que pensa fazer a fina flor do mundo
científico oficial, a quem
ordinariamente
incumbe paraninfar o nosso progresso.
- Comunicações com o espaço, com gente de outros mundos, de outras
esferas ?! dizem eles. Talvez um dia, quem sabe, isso seja possível pelo avião
foguete ou pela bala cósmica, que o Wells imaginou na "Guerra dos
Mundos". De outra maneira, é lá possível? Além disso - aqui para nós -
você acredita mesmo que haja gente fora do nosso planeta? Hum... talvez no Céu,
os santos, os anjos e as onze mil virgens; e no Inferno o Diabo e a sua tropa.
Sim... talvez... mas, fora disso ...
E é pensando assim que uma multidão de homens, que se dizem e são
tidos como cultores da ciência, apesar de poderem apreciar hoje, como nunca, os
efeitos das poderosas forças que nos rodeiam, as quais ninguém pode ver, nem cheirar,
nem apalpar, mas apenas sentir; é
pensando assim que eles se recusam a investigar esse campo imenso, ainda mal
desbravado, do psiquismo, onde tudo indica haver o homem apenas colocado o pé.
Daí as pitorescas e hilariantes descobertas que, desde a segunda
metade do século, vêm
surgindo
fresquinhas nos arraiais anti-espíritas, solícitos no seu afanoso anseio de
provar a inexistência dos
fatos espiritas, os quais, não obstante, teimosos como todos os fatos e zombando
da autoridade de tão conspícuos sábios, se sucedem cada dia com mais frequência,
de tal sorte que cresce incessantemente - recrutados em todas as classes
sociais - o número dos que, rendidos à sua evidencia meridiana, vão engrossando
a grande torrente que e o Espiritismo em marcha.
O Anti-espiritismo pitoresco – Parte 5
por Tito de Souza e
Meio
Reformador
(FEB) Fevereiro 1940
Pelo visto, parece que não estará inteiramente sem amparo quem
atribuir ao obsidiante geocentrismo,
que amarra o homem ao planeta e o inutiliza lamentavelmente para concepções que
ultrapassam as fronteiras siderais do nosso globo, a principal responsabilidade
do fato de 4/5 da humanidade, nas suas camadas mais seletas e representativas,
se recusarem a aceitar como possivelmente extraterrenas as causas determinantes
da maioria dos fenômenos psíquicos.
Realmente, em parte, deve ser essa mentalidade geocentrista,
teoricamente renegada, mas de fato subsistente no substrato mental da maioria,
que torna possíveis todas as absurdas, extravagantes e divertidas hipóteses até
hoje imaginadas para se contraporem à hipótese espírita, na explicação das
causas de tais fenômenos, quando eles se revelam nitidamente espíritas e não
simplesmente anímicos, como também acontece muitas vezes.
Multidões têm sido elas, tais fantasias, e, se algumas vezes são
até certo ponto dignas de
benevolência,
porque demonstram ser fruto de um honesto esforço para pesquisar e sondar o ignoto,
não passam, contudo, na maioria dos casos, de simples tolices acadêmicas, ou, como
diz Bozzano "argumentos genérico-catedráticos".
É sabido que em todas as épocas houve manifestações de caráter
considerado sobrenatural e tidas por muita gente, melhor dizendo, pela maioria,
como manifestações de pessoas mortas. A própria Igreja encorajava indiretamente
essa crença. Mas, é evidente que devia haver, também, desde recuadas épocas,
quem propusesse outras causas para os insólitos fenômenos.
Todavia, não foi senão depois que Allan Kardec, em 1857, publicou
o "Livro dos Espíritos", espalhando pelo mundo afirmações e conceitos
que até hoje não foram desmentidos nem pelo estudo experimental do fatos, nem
por doutrinas filosóficas de mérito; não foi, verdadeiramente, senão depois
disto, que o mundo pensante começou a preocupar-se, não tanto com o descobrir a
verdadeira causa dos fenômenos que se apresentavam insistentes e teimosos, mas,
principalmente, com o encontrar argumentos
capazes de liquidarem a nova corrente filosófica e religiosa, da qual aparentemente
desdenhava, mas que na realidade temia porque, de instinto, nela adivinhava e
pressentia a grandiosidade dos super acontecimentos que, de tempos a tempos,
surgem para modificar profundamente a fisionomia moral do planeta.
E, porque o neo-espiritualismo kardeciano não era, como tantos outros
sistemas filosóficos um mero conceito particular e restrito, talhado apenas
sobre certos ângulos do problema geral do espírito humano, mas, sim, uma filosofia
ao mesmo tempo simples e grandiosa, que vinha ao encontro dos anseios do homem
moderno e que aparecia solidamente apoiada em fatos, para levantar uma ponta do
véu que, em verdade, nos ocultava a nossa origem e o nosso destino, nada mais
natural que todas as forças de reação se mobilizassem para oferecer resistência
à nova doutrina e destruí-la, se possível. Assim é de regra acontecer, desde
que o mundo é mundo, parece que em função do equilíbrio de todas as coisas. E o
Espiritismo não poderia escapar à lei geral.
Daí a reação.
E, enquanto o padre, por pobreza de imaginação, apela
simultaneamente para a fraude e para o Diabo, o cientista, aureolado pelo fascínio
das grandes novidades achatantes e com um arsenal de hipóteses muito mais bem provido,
quando não apela para a fraude, dá curso à imaginosa fantasia e inventa para os
fenômenos - quando na impossibilidade de nega-los - as mais estapafúrdias
explicações, as quais,
de resto, vão afinal passando à história, uma após outra, sem outras consequências
além da de demonstrarem à posteridade a inópia de raciocínio de tanta
personalidade de alta cotação científica.
Pois, não é certo, em verdade, que o Mundo tem assistido, vai por
um século, às mais pitorescas tentativas para explicar aquilo que cada dia se
afirma mais inexplicável, desde que não seja pela atuação de seres e inteligências
do plano invisível?
Entre a genial e gozadíssima descoberta do Dr. Jobert de Lamballe
que, em 1859, na Academia de Medicina de Paris, atribuía a estalos do
curto-perônio as pancadas das mesas girantes, e a recente e sapientíssima
opinião do Professor Neves Manta acerca das maravilhosas faculdades do médium
Chico Xavier, quanta teoria, quanta hipótese, quanta explicação desperdiçada!
Sem dúvida; para espanto e edificação das gerações porvindouras, que, provavelmente,
sentirão uma profunda, uma infinita piedade pelos conspícuos inventores do
"estalo do perônio", da "ação magnética que se exerce de modo
ainda não determinado", do "bi-mentalismo", das
"alucinações telepáticas", da "hipótese histérico-sexual",
dos "homens discos de gramofones - débeis mentais-histeróides-super-sensíveis",
e outras muitas preciosidades.
Tal como a história do Cristianismo revelou à posteridade o nome
dos seus perseguidores para expô-los à execração geral, assim a historia do
Espiritismo apontará a essa mesma posteridade, para que não fiquem em cômodo olvido,
o nome dos que o combateram. Com a diferença de que esses nomes, em vez de
ficarem marcados como aqueles, com o ferrete ignominioso da bestialidade e da
prepotência, serão nimbados
de uma auréola de pitoresco, capaz de fazer inveja a qualquer imortal
personagem do mestre Molière.
É evidente que não cogitamos dos que apenas veem no Espiritismo
uma pilhéria, uma superstição grotesca, uma filosofia burlesca, etc., etc.,
etc. Provavelmente desses não se ocupará a História.
A História tem mais que fazer...
Nenhum comentário:
Postar um comentário