sexta-feira, 16 de junho de 2017

O Anti-Espiritismo pitoresco


O Anti-espiritismo pitoresco – Parte 1
por Tito de Souza e Meio
Reformador (FEB) Outubro 1939


Pascal pensava deste modo:

"A imortalidade da alma é uma coisa que nos importa tanto, que nos toca tão profundamente, que é preciso se tenha perdido todo sentimento para ser-se indiferente a saber o que lhe diz respeito. O nosso primordial interesse e o nosso principal dever é instruir-nos sobre este assunto, do qual depende toda a nossa conduta. E é esta a razão por que, entre aqueles que têm dúvidas a respeito, eu distingo os que trabalham com todas as suas forças para se esclarecerem, dos que vivem sem se darem a esse trabalho e sem em tal pensarem. Esta negligência em face de um assunto em que se trata de si próprios, da sua eternidade, do seu todo, irrita-me muito mais que me enternece; ela me espanta e apavorar é para mim uma monstruosidade. Eu não digo isto pelo zelo piedoso de uma devoção espiritual. Ao contrário, entendo que se deve ter este sentimento por um princípio de interesse humano."

Ora, muito bem. Que objetiva o Espiritismo?

Esclarecer-nos sobre a imortalidade da alma; sobre a preexistência e a sobrevivência da individualidade humana independente do corpo material.

Fins louváveis ou reprováveis, senhores opositores?

Mas, se o Espiritismo como doutrina moral e filosófica é de alta transcendência como objeto de pesquisas e experimentação, seja com os rigores e cautelas da análise científica, seja com a observação pura e simples dos fenômenos, tais como se apresentam nas sessões mediúnicas, é sempre um assunto difícil.

Tão difícil, senhores, que um experimentador do topete de Charles Richet levou mais de 40 anos apalpando, como que atordoado entre a evidência dos fatos e a sua explicação à luz dos próprios conhecimentos que, é de supor, não deviam ser poucos.

Tão embaraçado se viu Richet para conciliar o insólito dos fatos com todas as possibilidades
científicas do seu vasto armazém de conhecimentos, que em certa fase da sua gloriosa carreira de experimentador, apela para um hipotético "sexto sentido", como única maneira, única forma, único jeito de procurar explicação para o que, fora da hipótese espírita, não tinha e não tem explicação plausível.

Com o tempo, porém, Richet foi discretamente silenciando sobre o tal "sexto sentido" e pode ter-se como certo que, quando a sua fulgurante inteligência produziu "La Grande Espérance", ele já não acreditava mais do que nós no seu famoso derivativo.

Por aqui se vê que a coisa não é "sopa" e que quem quer que deseje nela meter o dente tem que estudar muito e continuamente. Pois é, precisamente, o que não faz, se não a totalidade, pelo menos a maior parte dos opositores do Espiritismo.

Terreno eriçado de obstáculos, onde forças sutis se atraem e se repelem constantemente, não há nenhum espírita digno deste nome que não conheça as dificuldade que o Espiritismo apresenta no seu aspecto experimental; da mesma forma que nenhum espírita pode nutrir a presunção de que todos os fenômenos que se apresentam à sua observação são lididamente espiritas.

Evidentemente, muito há que joeirar. Mas, lá porque as pepitas de ouro se escondem entre aluviões de areia e cascalho, não se segue que deixem de ser uma realidade palpável que recompensará o esforço daquele que se afadiga em bateá-las. Às vezes - raras vezes - é claro - as pepitas apresentam-se à superfície, convidando a serem apanhadas sem esforço. Assim também, algumas vezes, os fenômenos espíritas se apresentam lídimos, convincentes e atordoantes, sem darem lugar a dúvidas.

Mas isto não sucede sempre. Em geral, é preciso muito esforço e tempo para observar, estudar, comparar e deduzir.

Assim fizeram sempre aqueles que desde Kardec, se tornaram depois adeptos da nova doutrina. Não creiam os senhores opositores que foi por ouvir dizer que Denis, Delanne, Flamarion, Geley, Crookes, Barrett, Lodge, Wallace, Hyslop, James, Conan Doyle, Sousa Couto, Oliveira Feijão, Bezerra de Menezes, Vianna de Carvalho, Bittencourt Sampaio e tantos outros se tornaram defensores do Espiritismo.

Pois o mesmo tem de fazer todo aquele que deseje ser espírita com convicção, como também todo aquele que deseje negar e combater o Espiritismo.

Infelizmente, estes últimos não o fazem nunca. É certo que muito frequentemente aparecem adversários do Espiritismo que apregoam aos quatro ventos conhecê-lo muito bem, dizendo que por isso o combatem. Conversa fiada. Meia dúzia de afirmações insubsistentes, quase sempre truncadas e outras tantas citações em falso bastam para nos dar uma ideia rápida e segura de que o ilustre opositor nada entende do riscado.

Eis porque, quase sempre, o anti-espiritismo é de um pitoresco extraordinário, quer nas suas
objurgatórias, quer nas suas explicações dos fenômenos que nós outros atribuímos à ação dos Espíritos desencarnados, entidades que o materialismo empavezado e o espiritualismo rançoso, em conúbio de interesses, se negam a admitir.

Vamos ver se nos próximos artigos podemos dar ao leitor uma fraca ideia desse pitoresco
anti-espiritismo.


O Anti-espiritismo pitoresco – Parte 2
por Tito de Souza e Meio
Reformador (FEB) Novembro 1939

Quantas vezes não temos perguntado a nós mesmos porque é que criaturas inteligentes, de
razoável cultura científica, ou filosófica, ou literária e até mesmo cerebrações de privilégio se mostram tão refratárias a admitir a possibilidade da existência de forças e energias imponderáveis, ao serviço de inteligências extraterrenas, atuando normalmente nos diversos mundos e nos espaços interplanetários.

Repare-se que tais senhores aceitarão como viáveis os maiores absurdos em matéria de hipóteses no campo psíquico, contanto que as causas presumíveis possam situar-se no âmbito planetário. Mas se, ao contrário, para admitirem a viabilidade de uma hipótese, investigando sobre as causas prováveis, tiverem de alongar o pensamento para além das fronteiras do orbe, para esse espaço infinito, onde, entretanto, seus olhos podem admirar coisas tão reais como a luz suave e polarizada da Lua e as cintilações brilhantes do Cruzeiro, de Orion, da Grande Ursa e do Sete-Estrelo, então é de ver-se que não só os tais se recusam a perder tempo com semelhantes questões de nonada, como não raro aconselham se investigue da sanidade mental de quem tiver a temeridade de aventar semelhantes hipóteses, para eles simples disparates, merecedores, quando muito, de olímpico desdém.

E não valerá a pena indagar da razão de ser dessa intolerância, dessa espécie de fobia malsã
contra tudo o que não é passível, normalmente, de ser visto, cheirado e apalpado?

Pois não é estranhamente curioso que homens afeitos ao labor cientifico ou cultural, quase sempre propício ao desenvolvimento dos pendores analíticos, conhecendo, pelas próprias exigências dos estudos, que estão cercados de potentíssimas forças invisíveis e imponderáveis, de vibrações de que não se apercebem senão de forma indireta e de influências psíquicas indefiníveis, mas, reais, evidentes, manifestas, sentidas e muitas vezes, até, temidas; não é curioso, dizemos, que tais homens oponham sempre uma negação formal e sistemática a mais que possibilidade de existirem no Universo infinito forças inteligentes que interfiram de forma geral em todo ele, e de forma particular em determinadas esferas?

Sem dúvida, não é fácil explicar de maneira completamente satisfatória a razão de tal relutância, manifestada até por metapsiquistas de alto valor, durante anos e anos de labor experimental. Contudo, não será temeridade afirmar que ela tem suas principais raízes em velhas taras geocentristas, das quais a humanidade apenas em teoria se libertou.

Ora, vejamos: há pouco mais de 400 anos, a Terra era ainda considerada o centro do Universo. Pelas teorias astronômicas e cosmográficas de Claudio Ptolomeu, que foram aceitas durante toda a Idade Média, o Sol e os Planetas fariam a sua rodada em volta da Terra, que estaria fixa e imóvel no centro do sistema.

Quanto ao firmamento, este era, segundo Aristóteles, o 8.º céu (outros diziam ser o 7º), tido como uma abóbada de cristal em que as estrelas estariam engastadas. Acima dele existiria, apenas o Empíreo, ou a região celeste da Bem-aventurança.

Guerra Junqueiro, verdadeiro condor da poesia filosófica, criticou com certa irreverência, mas com muita graça, no poemeto da Velhice, "A Gênese", esta simplista concepção do Universo. O certo é, porém, que, até há muito pouco tempo, segundo a ideia geralmente aceita, a Terra era o centro e a principal razão de ser desse mesmo Universo, sendo tudo mais simples acessório para uso e gozo do primata terrícola.

Cabe nesta altura um parêntese destinado a chamar a atenção para o fato de que, frequentemente, grandes cerebrações se mostram fechadas à penetração de grandes incógnitas científicas. Assim é que Aristóteles, uma das mais maravilhosas e precursoras inteligências de todos os tempos, nada suspeitou da verdade heliocêntrica, comportando-se, no assunto, em flagrante contraste com a genialidade das suas concepções em outros departamentos do saber e conhecimento humanos.

E, não obstante, parece certo que, muito antes dele, Filolaus (filósofo pré-socrático), discípulo de Pitágoras, teve a intuição da realidade, pois que sustentou a teoria que apresentava a Terra e os planetas girando em volta do Sol, teoria tão avançada para a sua época, que só dois mil anos mais tarde Copérnico e Galileu deveriam fazê-la triunfar e, assim mesmo, através de quantas dificuldades!

Isto serve para ilustrar a assertiva de que, em todas as épocas, certas hipóteses que o tempo transformará em leis, são absolutamente incompreendidas por cerebrações potentes, que nem as concebem, nem as aceitam, enquanto que elas se revelam intuitivamente, como realidades objetivas, a inteligências aparentemente mais modestas.

Eis porque, lá onde a genialidade assombrosa do Estagirita assombrou, nada suspeitando, nada aprendendo, o poder de intuição do pitagórico, sem dúvida desenvolvido pelo aprendizado espiritual com o seu grande mestre, descobriu uma realidade que só dois milênios mais tarde teria a sua consagração.

Continuando, porém, veremos que o geocentrismo dominou e predominou sempre, até que no século XVI, Nicolau Copérnico adquiriu a convicção de que a Terra, além do seu movimento de rotação, tinha ainda outro, de translação, em volta do Sol. Contudo, ele sabia tão arraigado o conceito geocentrista, que se arredou, por muito tempo, de dar publicidade à sua obra "Revolução dos Orbes Celestes", que só veio a público nos próprios dias da sua morte.

Apesar de Copérnico, temeroso das consequências de suas ousadas concepções, ter prudentemente dedicado seu trabalho ao papa Paulo III, isso de nada lhe valeu, pois que a primeira edição foi quase toda destruída por ordem da Santa Inquisição.

Mas, como a coisa tinha verdade no seu âmago e a verdade acaba sempre por vir à tona, com a oposição ou sem a oposição (quase sempre ainda melhor com a oposição) das camarilhas mais ou menos inquisitoriais e dogmáticas - é o que acontece com o Espiritismo - não tardou que Kepler, Galileu, Cassini, Newton, Laplace, Arago e muitos outros acabassem teoricamente com o geocentrismo e firmassem definitivamente as teorias que hoje permanecem como leis, relativamente à gênese do movimento dos mundos e da mecânica celeste.

E a Igreja? Qual a sua atitude em face das novas concepções cosmográficas? Vamos ver.


O Anti-espiritismo pitoresco – Parte 3
por Tito de Souza e Meio
Reformador (FEB) Dezembro 1939


Logicamente, seria de esperar que, provada a esfericidade da Terra pela viagem de circunavegação de Fernão de Magalhães, em 1521, a Igreja, que possuía nesse tempo o monopólio do saber oficioso, se mostrasse benevolente e cautelosa quando, 22 anos mais tarde, Copérnico tornou conhecidas as suas novas teorias, ou, pelo menos, quando, 97 anos depois, Kepler as confirmou.

O que se viu, porém, é que, em 1633, ou, seja, 112 anos depois de Magalhães, 90 depois de Copérnico e 15 depois de Kepler, ela, a Igreja, arrastava Galileu ao cárcere e o obrigava a abjurar aquilo que os santos e doutos ministros chamavam "a heresia do movimento da Terra."

E o gigante de Pisa, o sábio genial, que foi o verdadeiro criador da física experimental; que  descobriu as leis da gravidade; que inventou o pêndulo e o telescópio, mudando destarte a face da astronomia, ele, o gigante da intuição, outro remédio não teve senão curvar-se ante as sentenças daquelas últimas vergônteas da Escolástica, tão cheias de bafio, intolerância e fanatismo, quão vastas de genialidade, mas que – ó irrisão! - ao tempo, tinham poder de baraço e cutelo sobre aquilo que, para o ser consciente, é, ou deve ser, o maior bem; a liberdade de pensar.

Saudosos tempos que o ilustre S. J. José M. Natuzzi gostaria de ver ressurrectos "ad majorem
Dei gloriam," conforme se depreende de um artigo sobre o "Conhecimento e a Honra de Deus na Vida Pública" que o referido S. J., publicou há pouco no venerando "Jornal do Comercio".

E, como dizem que a história se repete, de estranhar não é que ainda hoje seja do agrado de muitas "coteries" científicas o arrogarem-se o papel dos Inquisidores de Pisa ou de Florença, ondenando à irrisão pública, sem exame e sem estudo, novas verdades científicas, filosóficas ou religiosas, só porque elas lhes arranham o misoneísmo teimoso, ou lhes ameaça dar em pantana com o dogmatismo enfatuado.

Ora, pois, Galileu pagou com a prisão o grande crime de ter ideias à revelia dos santos varões
da Escolástica ou dos frades de S. Domingos. Contudo, mesmo depois de as ter abjurado, para evitar
a tortura e a morte infamante na fogueira, ele murmurava a curta frase que havia de passar à história e permanecer eternamente como um estigma condenatório de todas as intolerâncias, tonsuradas ou não: - "Eppur si muove...”

Também, séculos depois, alguns experimentadores, trabalhando na seara neo-espiritualista, atordoados pela crítica hostil dos corifeus da ciência oficial, haviam de dizer honestamente: "e, todavia, os fatos existem..."

Anos passaram, depois de Copérnico, Kepler e Galileu, vieram Cassini, Newton, Laplace, Arago e outros. A Igreja já então os não mandava para a prisão, nem fazia autos de fé das suas obras.
A "heresia do movimento da Terra" deixara de ser heresia e os luminares da Santa Madre abateram bandeiras, já que não havia outro remédio. Pensar, porém, que a Igreja confessaria o erro dos seus cânones, tácita ou expressamente - que esperança!

Ela fez o que sempre faz. Foi deixando, manhosamente, que o tempo se encarregasse de resolver as coisas com suavidade, sem arranhões sacrílegos no prestígio da sua decantada infalibilidade.

E foi assim que, durante largos anos, melhor dizendo, por séculos, enquanto fora dos púlpitos e confessionários o geocentrismo era assunto liquidado, na treva escura das sacristias ainda se combatiam as novas teorias da mecânica celeste, não por uma declarada e franca oposição, mas pela exteriorização de uma dúvida, matreiramente insinuada, que já não seria talvez sincera nos ministros da Igreja, mas que servia à maravilha aos interesses de Roma.

Para se ter uma ideia de quanto o fetichismo geocentrista está arraigado nos meios reacionários e de como está sempre pronto a repontar à superfície, quando se enseja clima propicio, referir-nos-emos a um interessante acontecimento que se deu em França, ainda no começo deste século, ou, tanto vale dizer, em nossos dias.

Aí por volta de 1903, Henri Poincaré, o conhecido sábio francês, numa dissertação metafisica sobre a relatividade dos movimentos, afirmou, mais ou menos, que entre as duas proposições: "A Terra gira" e "é mais cômodo supor que a Terra se move", não havia diferença alguma e que ambas tinham o mesmo sentido.

Foi quanto bastou para que o sebastianismo geocentrista embandeirasse em arco e a imprensa reacionária desse largas à sua satisfação pela "nova descoberta de Poincaré."

Edouard Drumont, na "Libre Parole" de 9 de Janeiro de 1904, escrevia:

"Não está inteiramente demonstrado que a Terra se mova, como pretende Galileu e que ela não seja o centro do sistema planetário. O Sr. Henri Poincaré, etc. etc."

Outros jornais acompanharam o terço, especialmente as inúmeras "Croix" espalhadas pela nobre terra de França; mas, a palma deve ter pertencido à "Croix du Nord" que se saiu com esta:

"Aqueles que afirmam o movimento da Terra nada sabem a esse respeito. Dizem que a Terra
gira, por pensarem que isso aborrece profundamente aos católicos."

O pior é que H. Poincaré ficou altamente amolado com a interpretação que deram às suas
palavras e com a especulação que pretenderam fazer em torno delas, tendo mesmo dirigido uma carta muito significativa a Camille Flammarion, que lhe deu publicidade na Revista da Sociedade
Astronômica de França.

Este interessante episódio poderá ser examinado em pormenores no livro de Flammarion "A
Morte e seu Mistério", volume 2º, páginas 25 e seguintes. (Edição F. Briguiet - Rio, 1923).

Que diz o leitor de tudo isto? Pois não é extravagante que, já em pleno século XX, publicistas, católicos embora, mas publicistas, enfim, venham dizer que não está inteiramente demonstrado que a Terra não seja o centro do sistema planetário?

Do que não pode haver a menor dúvida é de que o episódio demonstra à saciedade que, se ainda em 1904 as coisas se passavam deste modo, nos dois séculos anteriores a força da inércia clerical, oposta à teoria heliocêntrica deve ter sido colossal.

E, como o uso do cachimbo faz a boca torta ...


O Anti-espiritismo pitoresco – Parte 4
por Tito de Souza e Meio
Reformador (FEB) Janeiro 1940


Como o uso do cachimbo faz a boca torta, o homem, o tal bípede implume de Platão, ou frango depenado de Diógenes, mal grado a todas as afirmações em contrário, continua medularmente fiel ao geocentrismo de antanho. É por isso que vemos, inexplicavelmente, homens de elevada cultura intelectual e cientifica recusarem-se a aceitar, já não diremos como provável, mas apenas como possível, a interferência, nos fenômenos psíquicos, de forças exteriores, que escapam à física terrestre e às possibilidades psico-fisiológicas do ser humano, ao mesmo tempo que engendram, para explicar tais fenômenos, as mais pitorescas e - porque não dize-lo- as mais infantis hipóteses.

Qualquer outra hipótese, porém, embora cem por cento mais racional e mais logica, que
implique na ação de forças invisíveis, imponderáveis e inteligentes, fora da concepção mecânica da vida, e que, consequentemente, admita, aprioristicamente ou não, a existência de seres inteligentes fora da Terra (é claro que não tratamos dos anjos do Céu nem dos diabos do Inferno), capazes de dirigirem e utilizarem essas forças, como nós aqui dirigimos e utilizamos as que nos são conhecidas, quais o vapor, a eletricidade, as ondas eletromagnéticas, a luz e o calor; qualquer outra hipótese, dizemos, encontrará pela proa ou a muralha da China do obscurantismo religioso, ou as hostes agressivas e não menos intolerantes do ceticismo materialista.

De nada vale saber-se que o Universo é constituído por milhões e milhões de mundos e animado pelos dinamismos mais diversos; de nada vale, também, ser meridianamente claro que não há raciocínio nem logica, por mais tacanhos que possam ser, que não tenham de concluir pela existência, nesse Universo Infinito, de seres pensantes e, consequentemente, que deve haver, que há de haver qualquer meio de comunicação, senão entre todos esses seres indistintamente, pelo menos entre aqueles a quem incumba dar desempenho às principais tarefas da grande oficina cósmica.

É tempo de sermos razoáveis.

Se existe um Universo em que tudo é ordem e equilíbrio, maravilhoso de luz, de sons e de
vibrações outras, com tal precisão e perfeição de mecanismo que permite sejam calculados e previstos com antecedência de muitos anos o dia, a hora e os minutos e os segundos em que se verificarão os eclipses e outros fenômenos celestes, é de crer que esse Universo tenha uma inteligência Suprema a dirigi-lo. É de crer, também, que essa Inteligência Suprema transmita as suas ordens e incumba da execução das suas leis a incontáveis falanges de seres mais ou menos elevados na hierarquia espiritual. De presumir é, ainda, que, havendo mundos esparsos pela amplidão do Infinito, nesses mundos haja vida em todas as suas manifestações e seres inteligentes que necessitem de ser amparados, encaminhados, educados e auxiliados, na sua trajetória ascensional para um destino sempre melhor, por outros seres de mais experiência, de mais sabedoria, possuindo mais vastos conhecimentos do Universo e de suas leis. 

De outra forma, como poderão as suas humanidades progredir? Só pelo esforço próprio?
Impossível, ou, pelo menos, impraticável. O esforço próprio é, sem dúvida, um fator do progresso individual ou coletivo, mas não é o único fator.

Figuremos um povo selvagem, primitivo, a evolver sozinho para a civilização; como seria lenta a sua evolução! Ajudado, porém, por uma civilização mais velha e mais adiantada de outro povo, caminhará rapidamente na sua esteira, até ultrapassá-lo e superá-lo. Dispensaram jamais as nações primitivas o esforço próprio, a fim de assimilarem as civilizações superiores? Não. Se forem indolentes ou inadaptáveis, de pouco lhes valerão o exemplo e os ensinamentos que lhes vêm de fora; mas, também, sem alguém que lhes ensine a fabricar e a servir-se do ferro, do aço, do vapor, do petróleo, etc., sairão esses povos algum dia do seu estado rudimentar?

E quanto ao homem: que seríamos nós sem os ensinos dos nossos pais, dos nossos mestres,
dos livros que temos à nossa disposição? Que enormíssima soma de esforços e de inteligência não teríamos de despender para conseguirmos apenas a centésima parte do que conseguimos, valendo-nos da ajuda da experiência e dos conhecimentos dos que nos precederam? Não se costuma dizer que uma geração trepa sobre os ombros da anterior, para assim ver o seu novo horizonte?

Com isto não se sub estima o próprio esforço, nem as aptidões de cada qual. Nem isso podia ser, porque, dispondo igualmente de mestres, de livros e de conselhos, uns produzem pouco e avançam lentamente; outros produzem muito e progridem com rapidez. O que se afirma é que, mesmo os mais operosos e inteligentes (exceção feita dos gênios precursores, é claro) entregues apenas ao seu próprio esforço e discernimento, isto é, sem a ajuda dos pais, dos mestres e dos livros, não progrediriam senão em ritmo mil vezes mais lento. Assim nos homens. Assim nas coletividades. Assim nos mundos.

Ora, se as humanidades dos orbes, tal como as coletividades dos continentes, precisam, para
progredir, de receber o influxo de civilizações mais velhas, há de ou não há de haver meios para que a Providência faça chegar até elas esse influxo civilizador? É racional e lógico supor que esses meios existam. E, lá porque não os conhecemos ainda, devemos sistematicamente procurar ignorá-los? Não; muito ao contrário, devemos afadigar-nos em procurar conhece-los.

É, todavia, a última coisa que pensa fazer a fina flor do mundo científico oficial, a quem
ordinariamente incumbe paraninfar o nosso progresso.

- Comunicações com o espaço, com gente de outros mundos, de outras esferas ?! dizem eles. Talvez um dia, quem sabe, isso seja possível pelo avião foguete ou pela bala cósmica, que o Wells imaginou na "Guerra dos Mundos". De outra maneira, é lá possível? Além disso - aqui para nós - você acredita mesmo que haja gente fora do nosso planeta? Hum... talvez no Céu, os santos, os anjos e as onze mil virgens; e no Inferno o Diabo e a sua tropa. Sim... talvez... mas, fora disso ...

E é pensando assim que uma multidão de homens, que se dizem e são tidos como cultores da ciência, apesar de poderem apreciar hoje, como nunca, os efeitos das poderosas forças que nos rodeiam, as quais ninguém pode ver, nem cheirar, nem apalpar, mas apenas sentir; é pensando assim que eles se recusam a investigar esse campo imenso, ainda mal desbravado, do psiquismo, onde tudo indica haver o homem apenas colocado o pé.

Daí as pitorescas e hilariantes descobertas que, desde a segunda metade do século, vêm
surgindo fresquinhas nos arraiais anti-espíritas, solícitos no seu afanoso anseio de provar a inexistência  dos fatos espiritas, os quais, não obstante, teimosos como todos os fatos e zombando da autoridade de tão conspícuos sábios, se sucedem cada dia com mais frequência, de tal sorte que cresce incessantemente - recrutados em todas as classes sociais - o número dos que, rendidos à sua evidencia meridiana, vão engrossando a grande torrente que e o Espiritismo em marcha.


O Anti-espiritismo pitoresco – Parte 5
por Tito de Souza e Meio
Reformador (FEB) Fevereiro 1940

Pelo visto, parece que não estará inteiramente sem amparo quem atribuir ao obsidiante geocentrismo, que amarra o homem ao planeta e o inutiliza lamentavelmente para concepções que ultrapassam as fronteiras siderais do nosso globo, a principal responsabilidade do fato de 4/5 da humanidade, nas suas camadas mais seletas e representativas, se recusarem a aceitar como possivelmente extraterrenas as causas determinantes da maioria dos fenômenos psíquicos.

Realmente, em parte, deve ser essa mentalidade geocentrista, teoricamente renegada, mas de fato subsistente no substrato mental da maioria, que torna possíveis todas as absurdas, extravagantes e divertidas hipóteses até hoje imaginadas para se contraporem à hipótese espírita, na explicação das causas de tais fenômenos, quando eles se revelam nitidamente espíritas e não simplesmente anímicos, como também acontece muitas vezes.

Multidões têm sido elas, tais fantasias, e, se algumas vezes são até certo ponto dignas de
benevolência, porque demonstram ser fruto de um honesto esforço para pesquisar e sondar o ignoto, não passam, contudo, na maioria dos casos, de simples tolices acadêmicas, ou, como diz Bozzano "argumentos genérico-catedráticos".

É sabido que em todas as épocas houve manifestações de caráter considerado sobrenatural e tidas por muita gente, melhor dizendo, pela maioria, como manifestações de pessoas mortas. A própria Igreja encorajava indiretamente essa crença. Mas, é evidente que devia haver, também, desde recuadas épocas, quem propusesse outras causas para os insólitos fenômenos.

Todavia, não foi senão depois que Allan Kardec, em 1857, publicou o "Livro dos Espíritos", espalhando pelo mundo afirmações e conceitos que até hoje não foram desmentidos nem pelo estudo experimental do fatos, nem por doutrinas filosóficas de mérito; não foi, verdadeiramente, senão depois disto, que o mundo pensante começou a preocupar-se, não tanto com o descobrir a verdadeira causa dos fenômenos que se apresentavam insistentes e teimosos, mas, principalmente, com o encontrar argumentos capazes de liquidarem a nova corrente filosófica e religiosa, da qual aparentemente desdenhava, mas que na realidade temia porque, de instinto, nela adivinhava e pressentia a grandiosidade dos super acontecimentos que, de tempos a tempos, surgem para modificar profundamente a fisionomia moral do planeta.

E, porque o neo-espiritualismo kardeciano não era, como tantos outros sistemas filosóficos um mero conceito particular e restrito, talhado apenas sobre certos ângulos do problema geral do espírito humano, mas, sim, uma filosofia ao mesmo tempo simples e grandiosa, que vinha ao encontro dos anseios do homem moderno e que aparecia solidamente apoiada em fatos, para levantar uma ponta do véu que, em verdade, nos ocultava a nossa origem e o nosso destino, nada mais natural que todas as forças de reação se mobilizassem para oferecer resistência à nova doutrina e destruí-la, se possível. Assim é de regra acontecer, desde que o mundo é mundo, parece que em função do equilíbrio de todas as coisas. E o Espiritismo não poderia escapar à lei geral.

Daí a reação.

E, enquanto o padre, por pobreza de imaginação, apela simultaneamente para a fraude e para o Diabo, o cientista, aureolado pelo fascínio das grandes novidades achatantes e com um arsenal de hipóteses muito mais bem provido, quando não apela para a fraude, dá curso à imaginosa fantasia e inventa para os fenômenos - quando na impossibilidade de nega-los - as mais estapafúrdias explicações, as quais, de resto, vão afinal passando à história, uma após outra, sem outras consequências além da de demonstrarem à posteridade a inópia de raciocínio de tanta personalidade de alta cotação científica.

Pois, não é certo, em verdade, que o Mundo tem assistido, vai por um século, às mais pitorescas tentativas para explicar aquilo que cada dia se afirma mais inexplicável, desde que não seja pela atuação de seres e inteligências do plano invisível?

Entre a genial e gozadíssima descoberta do Dr. Jobert de Lamballe que, em 1859, na Academia de Medicina de Paris, atribuía a estalos do curto-perônio as pancadas das mesas girantes, e a recente e sapientíssima opinião do Professor Neves Manta acerca das maravilhosas faculdades do médium Chico Xavier, quanta teoria, quanta hipótese, quanta explicação desperdiçada! Sem dúvida; para espanto e edificação das gerações porvindouras, que, provavelmente, sentirão uma profunda, uma infinita piedade pelos conspícuos inventores do "estalo do perônio", da "ação magnética que se exerce de modo ainda não determinado", do "bi-mentalismo", das "alucinações telepáticas", da "hipótese histérico-sexual", dos "homens discos de gramofones - débeis mentais-histeróides-super-sensíveis", e outras muitas preciosidades.

Tal como a história do Cristianismo revelou à posteridade o nome dos seus perseguidores para expô-los à execração geral, assim a historia do Espiritismo apontará a essa mesma posteridade, para que não fiquem em cômodo olvido, o nome dos que o combateram. Com a diferença de que esses nomes, em vez de ficarem marcados como aqueles, com o ferrete ignominioso da bestialidade e da prepotência, serão nimbados de uma auréola de pitoresco, capaz de fazer inveja a qualquer imortal personagem do mestre Molière.

É evidente que não cogitamos dos que apenas veem no Espiritismo uma pilhéria, uma superstição grotesca, uma filosofia burlesca, etc., etc., etc. Provavelmente desses não se ocupará a História.

A História tem mais que fazer...



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