O Universo da Alma
(Pequenos
aspectos de nossa psicologia profunda)
Manuel
Pedro Victorino do Rosário
Reformador
(FEB) Abril 1978
No
recesso mais íntimo do nosso ser oculta-se a plenitude da vida. Essa vida, da
qual pouco sabemos, transcende a tudo o que os meios sensoriais nos facultam
imaginar. Tem algo assim como o contínuo quadridimensional einsteiniano, onde
os acontecimentos se sucedem em meio diferente, fora da nossa esfera habitual
de percepção. Isto não parecerá estranho se atentarmos para o fato de que somos
observadores imperfeitos da Criação, sobretudo em seu setor maior, ou seja, no
terreno das coisas espirituais.
Com
efeito, o quadro do desconhecido aí se desdobra em amplitudes muito mais
vastas.
Quase
todos os psicólogos modernos são acordes em afirmar a estreiteza das percepções
conscientes, ao mesmo tempo em que não hesitam em proclamar o subconsciente
como o repositório infinito da alma. É ele o prodígio da natureza humana e,
quiçá, da sabedoria divina. O subconsciente não precisa pensar porque já sabe.
A segurança dos seus atos revela a inexistência de qualquer esforço
imaginativo. Não consome espaço nem tempo para se manifestar porque atua fora
dos meios físicos e são estes, justamente, que nos proporcionam tais sensações.
Não ocupa lugar algum porque isto é atributo exclusivamente material e o subconsciente é a
fina essência do psiquismo. Não tem uma extensão propriamente dita e, no
entanto, ultrapassa os limites de todo o concebível quando se manifesta em
rasgos de genialidade sublime.
Tais
são alguns dos atributos dessa faculdade sem tamanho e sem forma, mas onde tudo
cabe e tudo existe desde tempos imemoriais, quer admitamos a herança psíquica
através do plasma germinativo ou apelemos para o velho e mais lógico conceito
reencarnacionista, que dá à individualidade um cunho todo independente,
evoluindo e se aperfeiçoando na matéria.
Dir-se-á
que tudo isto é absurdo, que uma coisa, desde que exista, tem que ocupar lugar,
possuir tamanho, mover-se no espaço e no tempo, etc. Isto é verdade, sim, mas
do ponto de vista puramente nosso, para a nossa perceptibilidade tacanha e
imperfeitíssima. Hoje, todavia, sabe-se que o nosso raciocínio é falho quando
tenta explicar certos aspectos da criação, chegando-se, como consequência, à
conclusão de que o universo físico é muito diferente do que pensávamos. Que
este, em sua contextura real, complica-se extraordinariamente em dimensões
espaciais que exorbitam as três que conhecemos. E estudos recentes deixam entrever que
complexidade ainda maior possui o meio interno onde atua, vibra e sente a personalidade, ou seja: o universo da alma.
De
fato, ninguém até hoje conseguiu explicar o mecanismo da dor e da tristeza, do
ódio e do amor, da virtude e da inveja. Esses sentimentos, como todos os outros
que fazem da alma humana o mais variegado de tudo quanto existe, dizem, povoam
o nosso mundo interior, jazem nas profundezas do subconsciente, que é
considerado a zona instintiva do ser, sede dos impulsos automáticos e das criações
espontâneas, que grava com fidelidade indefectível as impressões recebidas. O
passado, o presente e o futuro existem intactos nesse universo anímico, mas de
modo imaterial, isto é, sem ocupar lugar. Sim, também o futuro, pois fatos
observados têm revelado que a mente humana possui faculdades supranormais com poderes de observar
acontecimentos porvindouros, ainda não ocorridos!
Sabe-se
que tudo isto é verdade inconteste, mas até hoje, repitamo-lo, ninguém
conseguiu explicar satisfatoriamente o mecanismo psíquico de tais coisas, ou
melhor, de que maneira elas ocorrem no espírito.
Dizer
que cada uma das nossas faculdades situa-se em regiões determinadas do cérebro
é verdade equivalente à função do instrumento musical, em que cada chave
representa uma nota, não sendo, porém, a nota, em si, a chave do instrumento,
nem se encontrando onde a chave do instrumento está.
O
cérebro, esse aparelho complicadíssimo, é órgão de manifestação do Espírito e
não o mesmo Espírito, mais complicado ainda. E quando sabemos que por meios
puramente introspectivos se chegou à descoberta de leis universais, produto do
gênio quase sempre após um período mais ou menos longo de inquirição interior,
compreendemos que o nosso conteúdo anímico é bem mais vasto do que supúnhamos e
que em nossa natureza profunda, subconsciente ou ultraconsciente, tudo já
existe, de forma perfeita e acabada, inclusive fatos que ainda estão por
acontecer. Isto já bem sabia o Dr. Serge Voronoff ao afirmar que a mente humana
contém, potencialmente, todo o segredo do universo. Ampliando, poderíamos
acrescentar que existe uma identidade perfeita entre o mundo interior e a
realidade externa. O que se encontra por dentro é como o que está por fora,
diríamos ainda numa linguagem profana.
Por
certo, voltamos a insistir, não entendemos semelhante verdade. Difícil, porém,
seria negá-Ia.
É
muito habitual, numa hora qualquer, num desses dias comuns em que o vazio enche
a nossa existência, querermos, para quebra da monotonia, escrever ou criar
alguma coisa. Às vezes, tudo será em vão porque a nossa mente, de uma
relutância única, resiste tenaz e até furiosamente a todo e qualquer esforço
criador. Sobre a mesa, lápis e papel esperam inutilmente que de nossas mãos
saia alguma frase, algum período coordenado. É provável que lá fora soprem
brisas primaveris e cantem regatos cristalinos. Nossos ouvidos, porém, nada nos
dizem da conexão melódica tecida a cada instante, a toda hora, pela amena
protofonia da Natureza. Tudo em nós é apatia, languidez, mal-estar. Mas eis
que, de repente, nas profundezas do ser, alguma coisa se agita, invade e domina
a personalidade
externa. Vibram os centros nervosos e, em
borbotões, sem esforço, numa fração mínima de tempo, afluem as ideias com impetuosidade tal que
força alguma poderá detê-las. Mudou-se o quadro dos acontecimentos, a vida é
bela porque, nesse momento, está sendo observada em seu prisma real pelo homem
divino, transcendente, que é o homem real.
Quando
isto ocorre, por absurdo que pareça, mergulhamos nas profundezas das coisas e a
Natureza, que era tão obstinada e ciosa de seus segredos, entrega-nos, com
suave meiguice e incrível docilidade, uma parte do seu mistério. Todos os
gênios conheceram bem tais momentos de plenitude interior. Dobrados sobre si
mesmos,
contemplaram, por via inversa, as grandes
realidades cósmicas que trouxeram à tona sob a forma de criação artística ou equação matemática.
Todavia,
para escrevermos sobre assunto como este, faltam-nos conhecimentos maiores.
Carecemos ainda de meios próprios para exprimir o que se passa. Na verdade, não
sabemos o que realmente se passa.
Assim
e para não alongarmos por demais um tema que, por sua própria natureza, é tão
vasto e exaustivo, poderíamos apenas dizer, terminando, que o tempo e o espaço
são percepções relativas, atinentes à esfera consciente em que nos movemos. E
que, para além dessas dimensões, outras surgem, de índole absoluta ou
presumivelmente absoluta, pertencentes ao domínio exclusivo do nosso eu
superior - subconsciente ou ultraconsciente, o nome não importa - ainda pouco
explorado e muito ignorado.
A
meditação sobre esses fatos, embora esboçados toscamente, leva-nos a conceber a
alma como a síntese de algo excelso, maravilhoso, incomparável, talvez a mais
extraordinária de todas as coisas existentes.
"Conhece-te
a ti mesmo" foi a fórmula que nos deu o velho Sócrates como fonte de todo
o saber. E até agora parece não existir outra melhor. Quando soubermos o que
realmente somos, é bem possível que o universo deixará de ser um eterno mistério.
(Extº
de "Aspectos Fenomenológicos da Natureza e do Homem...")
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