A doutrina do Padre Alta
Lino
Teles (Ismael Gomes Braga)
Reformador
(FEB) Janeiro 1952
Um dos livros notáveis deste século
é, sem favor algum, O Cristianismo de Cristo e o dos seus Vigários, do Padre Mélinge,
que o publicou com o pseudônimo de Padre Alta.
Grande erudito e muito inspirado,
conhecedor das línguas clássicas que guardam os originais e as primeiras
traduções da Bíblia, isto é, hebraico, grego e latim, o ilustre sacerdote
francês nos dá, em linguagem fácil, atraente, encantadora, uma quantidade
enorme de ensinamentos do mais alto valor filosófico e religioso.
O livro todo é formado de vinte
conferências realizadas pelo autor e depois enfeixadas em volume de
quatrocentas páginas. Sua imensa bondade ameniza de multo a crítica que tinha
ele de fazer dos erros e desvios doutrinários cometidos primeiramente pelos
judeus, organizados em ortodoxia, e, depois, pelos cristãos igualmente ortodoxos.
Ortodoxia, explica-nos ele, quer dizer anátema, perseguição aos que pensem de
modo diferente, é negação da lei de amor que forma o fundamento mesmo do Cristianismo.
Consequentemente, uma ortodoxia cristã é. pois, uma contradição. Mais inconcebível, por
certo, seria uma ortodoxia espírita, acrescentamos nós, porque, em Espiritismo,
tudo é evolução e todos sabemos que a parcela de verdade que possuímos é muito
incompleta, e por isso mesmo, multo mutável. Não podemos estabelecer limites
ortodoxos nem mesmo para uma só pessoa, porque, pela evolução, essa mesma
pessoa se tornaria herege um dia.
Logo, arrepiam-se nos os cabelos quando vemos um espírita escrever a palavra
"heresia" ou pretender de alguma sorte traçar limites ao pensamento.
Nosso intento não é fazer a crítica
do excelente livro do padre Alta mas simplesmente mostrar qual é a doutrina
cristã que ele nos apresenta. Primeiramente, desentulha ele o espírito do
Cristianismo de todo esse amontoado, dessa pirâmide imensa de interpretações, dogmas,
doutrinas, comentários, sofismas, teorias, Interpelações, discussões teológicas.
Vai conosco à fonte primitiva de onde jorra a água viva e não ao caudaloso rio
que vem recolhendo em seu longo curso as impurezas de mil regatos lamacentos,
de mil canos de esgoto. Lá, nessa fonte primitiva, o que encontramos é a vida
mesma em todo o seu divino encanto. Não necessitamos do auxílio de intérpretes
nem mediadores para entender e sorver o líquido vivificante desse manancial de
vida eterna. Todas as dosagens da sabedoria médica aí são desnecessárias. A
vida fala diretamente a todos os seres vivos uma linguagem inconfundível, sem
palavras nem gramática.
Esse Cristianismo do Cristo,
desentulhado pelo Padre Alta, é tão atraente, tão encantador, tão natural, tão
vivo, tão comunicativo que sobreviveu debaixo de todo esse aluvião de areia das
sistematizações, das guerras religiosas, das lutas eclesiásticas. Não houve
forças contrárias que o pudessem matar!
É simplesmente a força invencível do
amor em toda a sua pureza, em todo o seu ardor espiritual: o grande incêndio
que veio abrasar a Terra e levantar os homens amortecidos, elevando--os para
Deus, a fonte de todo o amor, a fonte mesma da vida
de
todos os seres.
O Cristianismo do Cristo é essa
chama de vida que enche de ardor as criaturas e as liga ao Criador; que, transbordante
de Vida e felicidade, ignora todas as dores, todos os sacrifícios; desconhece
todos os temores e todas as dúvidas; não crê na morte nem poderia conceber a
morte, porque é a vida eterna com o mesmo Criador da vida.
Depois de desentulhar o Cristianismo
primitivo, o Padre Alta se revela um pensador do século vinte e tem a bravura
desassombrada de nos ensinar a lei das reencarnações sucessivas, rumo à perfeição;
ensina-nos as influências que o Mundo dos Espíritos exerce sobre o nosso mundo;
faz-nos um excelente curso de Espiritismo puro. Toda a sua doutrina é puramente
kardeciana; mas vem revestida de grande autoridade, porque sai dos lábios de um
sacerdote eruditíssimo em assuntos religiosos.
Semelhante aos positivistas, o Padre
Alta tem uma veneração imensa pelo Apóstolo doa Gentios. S. Paulo é para ele o
único que compreendeu o universalismo do Cristianismo e soube defendê-lo contra
todas as tendências judaístas dos outros apóstolos. Só ele teve a compreensão e
a bravura de quebrar o círculo de aço que pretendia encadear o Cristianismo ao
Judaísmo.
Por isso mesmo, o Autor menciona a cada
momento as Epístolas. Toma-as pelo documento mais autêntico de toda a Bíblia.
Demonstra que a Incompreensão dos discípulos
de Jesus era desconcertante durante toda a Missão terrena do Divino Mestre, e
que a sua manifestação puramente espírita a Paulo, na estrada de Damasco,
chamando-o para o apostolado, foi um momento de mais significação do que todos os
esforços de Jesus em vida. Espírito ardoroso, o Padre Alta toma partido nos
debates entre Paulo de Tarso e os outros apóstolos, demonstrando que toda a
razão estava com Paulo e que os outros, se deixados entregues a si mesmos,
teriam feito do Cristianismo universal uma simples seita do Judaísmo oficial.
Comentando com grande inspiração os
textos evangélicos, o Padre Alta nos demonstra que o narrador evangélico
confundiu a profecia de Jesus sobre o fim do mundo com a outra profecia sobre a
queda de Jerusalém, e reuniu as duas numa só narração, fazendo aparecer o
disparate: "Esta geração não passará, sem que essas coisas se
cumpram". A queda de Jerusalém, de fato, ocorreu somente 37 anos depois da
crucificação de Jesus, no ano 70, logo, dentro daquela geração. Nunca havíamos
encontrado explicação tão satisfatória para aquelas palavras.
O Padre Alta proclama a doutrina da
liberdade de pensamento, qual a entendia S. Paulo, interpretando os ensinos de
Jesus. Só o amor religa os homens, só o amor é religião, mas não é possível impor-se
o amor sob severas penas, como pretendem as ortodoxias. O amor só medra dentro
da liberdade de consciência. Ortodoxia é uma forma de domínio, de escravização;
pode ser uma arte, uma política, uma forma de administração, mas nunca uma
religião. É de Paris que nos fala o Padre Alta, no ano cheio de liberdade de
1922. Não conheceu, portanto, as formas de tirania do pensamento que vieram
depois de 1933 e chegaram a culminar em diversos países da Europa e notadamente
na França. Suas teorias se confirmam na vida infeliz que os europeus estão
levando em nossos dias.
Não nos queremos furtar ao prazer de
repetir o apelo final que o Autor faz às igrejas para que regressem no Cristianismo
de liberdade e vida. Eis as últimas linhas do livro:
"O
que digo com relação à Igreja Romana, digo-o das outras igrejas: que cada uma,
na Vida que lhe é peculiar, facilite cada vez mais a livre expansão dos pensamentos
e das obras e pense, em seguida, nas ouras igrejas que, juntas todas, compõem o
jardim variegado do Catolicismo, isto é, do Universalismo. “Toda árvore que não
dá bom fruto Será cortada e
lançada ao fogo” diz Jesus Cristo, e “o fruto do Espírito é a Caridade, a
alegria, a paz", diz S. Paulo aos Gálatas, não os anátemas recíprocos.
"Os
antagonismos das ortodoxias rivais obstam, sem dúvida, a esse preceito divino
de paz e união fraterna; mas, um meio haveria, parece-me, de fazer que cessem
as competições e que desaparecessem as divisões entre as igrejas. O Catolicismo
Romano é reconhecido como sendo o de maior número de súditos conta, entre os que
se dizem ao serviço do Cristo;
que, pois, o papa de Roma convide fraternalmente, em nome do Cristo, os chefes supremos
das outras igrejas para uma conferência fraterna numa cidade qualquer; que, depois
de uma apresentação recíproca e de uma conversação afetuosa, leiam juntos a Didaquê, catecismo cristão anterior
a Constantino; que todos solenemente comprometam a não
impor a seus fiéis nenhum outro dogma posterior a essa primitiva dogmática; que todos, em seguida, abdiquem das
suas pretensões rivais de superioridade recíproca; que cada um coloque seu nome
numa urna, e um menino com os olhos vendados, tire à sorte o nome do predestinado
que o Espírito de Deus escolher para reconstituir, com a
livre cooperação dos outros, o Catolicismo verdadeiro, na simplicidade dogmática
de S. Paulo, e a sua liberdade disciplinar ou científica, absolutamente alheio às
disputas das escolas e dos concílios.
"Somente a esse preço o Cristianismo
se tornará o Catolicismo, isto é, Universalismo, e cada árvore diferente do jardim do Cristo
será a árvore prometida pelo Evangelho, onde os pássaros do céu farão seus ninhos,
como diz S. Mateus, pássaros e árvores de espécies diversas.
“Ouça quem tiver ouvidos de ouvir o
que o Espírito diz às igrejas, pois que o tempo se aproxima!” declara o Apocalipse.”
Todos os estudiosos de Espiritismo
deveriam não só ler, mas estudar muito calmamente os ensinos do Padre Alta, Ele
é um grande reformador, um restaurador do Cristianismo.
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