A
Doutrina Espírita provoca nos que lhe transpõem os umbrais imediato desejo de
transformação. Isso é muito compreensível, já que este é o objetivo primordial
da Doutrina: transformar o homem. Kardec, por isso mesmo, afirma:
"Conhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral."
Assim, com os primeiros adeptos que
surgiram no nosso país, veio a ideia de que a Doutrina exige de todos a
aplicação imediata de seus conceitos. Ainda mais que a bandeira do Espiritismo
é a CARIDADE, a virtude por excelência, conforme Paulo.
Surgiu daí, pois, a ideia da criação
de casas assistenciais, com os mais diversos objetivos, para o amparo das
criaturas necessitadas da Terra. Vieram os asilos, os lares, as creches, os
orfanatos, as casas de saúde, os hospitais, os sanatórios, casas de sopa, casas
de mãe pobre, educandários, etc ... Foi uma proliferação de entidades por todo
o Brasil, fazendo com que o Espiritismo ficasse assentado sobre sólidas bases
assistenciais. Era a manifestação patente de que o Espiritismo é Jesus de novo,
o Consolador prometido, trazendo bálsamo para os humanos sofrimentos.
Louve-se aqui o trabalho dos
pioneiros da Doutrina, que se lançaram a esta faina, enfrentando tudo e todos,
para introduzir o Espiritismo no Brasil. Achamos, mesmo, que de outra forma a
Doutrina não se teria implantado em nossa nação.
Passada esta fase, contudo, os
pioneiros começaram a voltar ao plano espiritual, deixando na retaguarda os seus
continuadores, para a conservação e ampliação do trabalho edificado.
Com o surgimento das novas gerações
de espíritas ocorreram, porém, os primeiros choques; os mesmos que explodiam
entre as gerações da sociedade. E os choques surgiram porque os pioneiros
construíram antes as obras de ação social, e deixaram para depois a
edificação do novo homem recomendado pelo Codificador.
Dizendo isto, não estamos criticando
os precursores do atual movimento doutrinário, já que eles realizaram a sua
missão aqui na face da Terra. Estamos tentando analisar a causa
da crise que está rondando as nossas entidades assistenciais. Crise porque se
cuidou de edificar as paredes, fizeram-se campanhas as mais diversas para
colocar a cobertura, "bolaram-se" os planos mais diferentes para a
pintura e para o acabamento, mas esqueceu-se do recheio que deve ser colocado
dentro das entidades espíritas: exatamente o Espiritismo.
Vemos, então, o presidente que briga
com os novos profitentes por causa dos azulejos que "ele fez campanha para
colocar". Vemos o dirigente do Centro que doou o terreno para a edificação
da entidade e quer ser agora o presidente vitalício do grupo. Vemos
o confrade que coloca a sua opinião acima da própria sociedade que o elegeu, ou
o dirigente que faz questão do seu cargo, como autoridade máxima. Enfim,
briga-se por tudo.
Cada qual achando que é dono disso ou daquilo, quando não acha que é
"dono" da Doutrina Espírita e que sua palavra é lei.
Mas, não é o cúmulo?
Vemos, pois, que a crise das
entidades espíritas não é propriamente delas, isto é, não lhes falta o
alimento, não lhes falta o remédio, não lhes faltam os recursos monetários; faltam-lhes
os verdadeiros espíritas, que vivam o que ensinam.
Achamos que já passou a hora de
vivermos em choque, acreditando que algo que tenhamos edificado, reunido ou
criado seja realmente nosso. Tudo vem de Deus, que nos deu as chances de
trabalhar para o aprimoramento e adestramento espirituais.
Quer dizer, não podemos esquecer-nos
de que o principal de uma obra assistencial espírita é a Doutrina Espírita, sentida
por todos os diretores, associados, participantes e beneficiados.
Às vezes, um confrade nos mostra
extensa lista de pessoas assistidas: 12.000 pessoas, 1.000 famílias, 20.000
quilos de arroz ... e tudo o mais. E nós perguntamos: e quanto de Espiritismo
foi distribuído? Junto do pão material, quanto do pão espiritual foi ofertado?
Enfim, precisamos nos preocupar com
o principal de uma entidade assistencial espírita: a Doutrina Espírita. Seja
exemplificando-a no exercício dos cargos para que fomos eleitos, seja
mostrando-a aos que procuram a entidade como meio de salvação, isto é,
como meio de redenção da criatura. Em suma: é a vivência do Evangelho, que
tanto pregamos e que tão pouco exercitamos...
Mesmo porque, podemos levantar
inúmeras obras assistenciais espíritas, sem ter incutido o Espiritismo em nós
mesmos.
Afinal, de que nos adiantará
construir uma obra espírita se ainda não vencemos os nossos maiores inimigos: o
orgulho, a vaidade, o egoísmo, a presunção, o autoritarismo, a cólera, a inveja
... e tudo o mais?
Instituições em crise
Filipe Salomão
Reformador (FEB) Outubro 1972
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