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sexta-feira, 22 de maio de 2015

Cursilhos de Espiritismo



      "Mas uma tal escola não necessita de outro chefe que o bom senso das massas e a sabedoria dos bons Espíritos; aspiramos apenas ao modesto titulo de divulgador."
                        (Allan Kardec, "Revue Spirite" de janeiro de 1861.)

            " ... Só de fato por milagre é que os modernos métodos de ensino ainda não liquidaram inteiramente a sagrada curiosidade da pesquisa; pois essa delicada plantazinha, além de certa estimulação, necessita, sobretudo, de liberdade; sem esta, estiola-se e morre fatalmente." (Albert Einstein, apud "Freedom to Learn", de Carl R. Rogers, 1969)


                        São muitas recordações que me ficaram do tradicional Colégio Pedro lI,
a começar pelos velhos mestres que, depois de meu pai, foram os que me ajudaram a ser alguma coisa na vida, ainda que tão pouca.

            O Colégio talvez não me tenha esquecido, porque fui, ali, dos mais encapetados, embora sempre muito estimado. Tive a sorte, além de tudo, de ter sido aluno dum José de Oiticica, notável professor de Português, tão erudito quanto extravagante. (Um dia, mandou-me apanhar o giz e fazer uma quadra para em seguida analisá-la. Ficou fulo: rimei rouco com ... louco.) Depois, tive como mestre Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, hoje membro da Academia Brasileira de Letras e de quem, bem mais tarde, fui ser colega de trabalho na Redação do "Diário de Notícias". Seu dicionário (em minha opinião, o melhor), tenho-o na minha estante devidamente autografado:  "Ao caro amigo e ex-aluno Luciano dos Anjos, com os votos mais cordiais de feliz Ano Novo." E não me esqueço da prova de História que fiz toda em decassílabos; ou do diálogo entre mim e minha consciência, na
prova de Francês, através do qual eu me censurava por não saber as questões, mas que, no fim, resultou num sensacional grau 10. Ou, ainda, aquele dia de agitação e greve em que o Diretor ia me degolar (eu era um dos líderes do movimento) e consegui, numa reviravolta de 48 horas, eleger-me Diretor Cultural do Grêmio Científico e Literário - cargo meio místico que, no mínimo, assegurava a impunidade... Mexer em diretor do Grêmio era incendiar os ânimos de todo o Colégio! Foi ali, no Imperial Colégio de Dom Pedro II (seu nome primitivo), que lancei "O Pensador", jornal de fibra (concessa venia... ) cujos artigos deram pano para muita manga comprida de punho duplo! Por causa deles, certa vez um inspetor me apontou determinada sala na qual aconteciam, no passado, coisas horríveis com alunos do meu tipo. Disse-me então:

            É pena. Em outros tempos você estaria lá dentro, ajoelhado no milho e no meio da escuridão. Hoje, com essa liberdade, a bagunça é geral...
           
            Bem, graças a Deus, à minha época, milho era bom, mesmo, para fazer pipoca.
E minhas esqueléticas e descalcificadas rótulas não chegaram a provar o tenebroso castigo. Quanto tempo aquele velho inspetor viveu, ainda, lamentando o fim da tortura? Não sei. Certo é que sua época tinha passado, os métodos tinham mudado, os sistemas foram aprimorados, as técnicas já haviam evoluído e ele, coitado, se deixou ficar cristalizado em suas ideias, obnubilado por um passado que já se fora e que não cabia mais no painel moderno da educação. Como a Carolina de olhos tristes, o tempo passou na janela e só ele não viu...

            Outras décadas se escoaram. "O Pensador" é apenas recordação. A sala escura do milho nem sei se ainda está de pé. O velho inspetor provavelmente já partiu e talvez esteja outra vez por aí, no corpo de algum vendedor de pipoca. E quem falar sobre aqueles métodos vai, no mínimo, obrigar a quem escuta a levar a mão à boca num gesto de horror e asco. Contudo... naquele tempo era o método recomendado, inclusive para quem não sabia a lição, como bom também era o sistema de se decorar os afluentes do Amazonas encaixando-os, por ordem alfabética, numa certa canção que nem ao menos servia para se dançar. Não sei se alguém aproveitava. Tirante o Xingu, o Madeira, o Tapajós e o Negro, quem sabe dos outros? Eu, cá por mim, nem desconfio... E quando precisar saber farei algo bem mais simples, que nunca ocorreu, àquela época, aos educadores: em vez de mandar decorar canção de péssimo gosto, inservível sequer para ser dançada (isso é imperdoável!), melhor fariam se ensinassem aos alunos a consultar o globo terrestre; ou uma enciclopédia. Simples, não? Mas o diabo do método era aquele e ninguém podia ousar enxergar mais longe. E enquanto o método dos idos mais remotos (que não cheguei a pegar) machucava os joelhos, o método dos idos mais recentes machucava os ouvidos. Aquela canção era uma parada...  

            E o método anterior ao milho? Nem imagino. E o posterior à canção? Bem, esse conhecemos todos. Depois da chamada Reforma Capanema veio a de Diretrizes e Bases e, ainda ontem, a grande revolução do Ministro Jarbas Passarinho. E amanhã? Felizes os que puderem se antecipar... Bem-aventurados os que puderem ser capazes de poupar, hoje, os eventuais equívocos que amanhã serão deplorados... Certo é que já há um movimento a que se tem chamado "desescolarização" do ensino. Um dos seus corifeus é Carl R. Rogers, eminente psicólogo, autor de várias obras, dentre as quais "On Becoming a Person" (Boston, 1961) e onde se podem ler os seguintes moderníssimos conceitos:

            a) Para definir, desde logo, minha posição em relação ao tema proposto, começarei dizendo que: Minha experiência pessoal ensina-me que ninguém ensina a ninguém como ensinar. Considero, pois, pura perda de tempo a teimosia dos mestres nesse sentido.

            b) Acho, portanto, que o que quer que seja, que se consiga ensinar a outrem, não é o bastante para produzir resultados apreciáveis, e pouca ou nenhuma influência terá na conduta alheia. Chocante e descabida proposição. Ao formulá-la, não posso deixar de pedir-lhes seja ela anotada como questão que merece ser examinada em ulteriores debates.

            c) Constatei, outrossim, que o meu interesse pelo assunto é limitado e se restringe à aprendizagem que produz efeitos significativos na conduta. Admito, porém, que isso decorra de uma idiossincrasia pessoal.

            d) Logo, entendo que só existe uma aprendizagem capaz de exercer influência decisiva na conduta; aquela que o indivíduo sente como necessária e realiza por esforço próprio.

            e) O autodidata, que satisfaz suas carências através de experiências devidamente incorporadas, não fica contudo apto para transmitir diretamente a outrem o que aprendeu. Sempre que um indivíduo, com justificado entusiasmo, tenta comunicar suas experiências, arma-se a conhecida posição de ensino. Irrelevantes, todavia, são os efeitos que em nós produz o conhecimento da experiência alheia, no que se refere às mudanças de atitude. Faz mais de um século, e isso é digno de nota, que um filósofo dinamarquês, Sören Kierkegaard, chegou a essas mesmas conclusões a respeito de suas experiências pessoais. Vale, pois, invocarmos sua autoridade, para atenuarmos os efeitos de tão escandalosas afirmativas.

            f) Isso posto, concluí que: O mais acertado, para mim, é não querer bancar o professor.

            g) Todas as vezes em que me meti a ensinar, e isso me ocorreu em muitas ocasiões, os resultados obtidos deixaram-me apreensivo. A rigor, não devemos dizer que os efeitos do ensino são nulos, já que, se nos atribuem alguma autoridade, influímos de fato na conduta dos outros. Mas acontece que, em todas as coisas em que pude aferir resultados, acabei verificando que a minha interferência nos negócios alheios era sempre perniciosa. Dir-se-ia que o ensino leva o aluno a desconfiar de suas próprias experiências, debilitando sua capacidade de aprender. Portanto: OU O ENSINO É INOPERANTE, OU PREJUDICIAL.

            h) Eis o que verifico invariavelmente, quando repasso os resultados da minha atuação como professor: ou perdi meu tempo, inutilmente, malhando em ferro frio; ou causei sérios embaraços aos alunos, criando situações problemáticas, desnecessárias. Natural, pois, que eu me sinta confuso.

            i) Daí a decisão que tomei de só me ocupar com a aprendizagem, optando sempre pelo que possa ter algum interesse imediato e que exerça influência significativa na minha conduta.

            j) Aprendi que aprender é sobremodo compensador, tanto quando os aprendizes são  os participantes de um grupo, como quando são o cliente de um lado e o clínico do outro.

            k) Descobri que o mais acertado, embora seja um dos caminhos mais difíceis de
trilharmos, é tentarmos refrear os mecanismos de defesa do eu, ainda que por um curto prazo, como esforço para vermos se conseguimos compreender o que pensam e sentem os outros a respeito de suas próprias experiências. Entretanto, quando me ponho a pensar nas consequências imediatas dessa minha atitude, chego a sentir calafrios e é então que percebo o quanto me afastei desse mundo convencional e pacato em que nos acomodamos para viver. Prevejo mesmo o que acontecerá, se outros mais corroborarem minhas experiências, admitindo a validez de minhas interpretações. Com isso teríamos:

            1) Em primeiro lugar, a supressão do ensino, porque as pessoas passariam a fazer reuniões para aprender em grupos.

            2) Não haveria mais exames, nem provas, uma vez que estes são instrumentos de avaliação daquele tipo de aprendizagem que consideramos inócua.

            3) Pelas mesmas razões, já não teria mais sentido fornecer certificados ou diplomas.

            4) Nem a graduação servirá mais como medida da competência, em parte pelo que já se disse, em parte porque graduação significa arremate ou conclusão e a aprendizagem é um processo que não tem fim.

            5) E, como ninguém chega a aprender o bastante para considerar-se formado no que quer que seja, não haveria mais doutores. (*)

            (*) Apud "Mestres, Escolas e Escolástica", de Abelardo Idalgo Magalhães, in "Reformador" de julho de 1971, págs. 21/22.

            Nada obstante, compreende-se que, em termos de ensino leigo, condicionemo-nos, até onde a disciplina o exija, aos métodos empregados pela maioria, aparentemente certos ou obviamente errados. Primeiro, porque há leis que regulam o assunto, as quais, embora do mundo, por isso mesmo tem de ser respeitadas. Segundo, porque os métodos são elaborados - dentro dum esquema globalizado, no qual está previsto também o fim último, cujas características são as do próprio mundo. Em outras palavras: bacharela-se um médico sem a preocupação de lhe inculcar a ideia do Espírito ou de Deus, porque ele vai lidar, no mundo, com males que só são aceitos, academicamente, como originados, desenvolvidos e terminados na esfera da matéria. Se, desde cedo, aspirar a sonhos metafísicos será, talvez, ridicularizado e, depois, preterido. Diminuir-se-lhe-ão as chances.

            Nossa formação, portanto (de todos nós, sem exceção), foi sempre materialista. Fomos todos formados na escola pragmática do mundo. Os métodos que usaram conosco são fruto da mentalidade que retrata o próprio mundo. Fomos preparados para viver nele e... dele. Exceção, é claro, do regime escolástico da Idade Média; mas, nesse ponto, já não sei o que seria melhor: se o método pragmático, porém aberto, ou o patrístico, porém obscurantista. A escolástica ensinou, sim, a fé em Deus; mas... "à Ia carte". Ao assumir sua cadeira, na Câmara dos Pares da França, Victor Cousin ainda repetia, parodiando Leibniz: "Entregai-me a instrução pública durante um século e eu me comprometo a dominar o mundo."

            Eis que surge a codificação espírita. Indiscutível a necessidade de ser transmitida transferindo seu saber, os que sabem mais aos que sabem menos. Tal como Kardec fez a seus discípulos. Como os Espíritos fizeram, fazem e continuarão ainda por muito tempo a fazer com todos nós. Mas - aqui emerge a questão -, como executar essa transmissão de conhecimentos? Para início de conversa, há que se atentar bem no fato de que, em termos de Espiritismo, não se vai bacharelar ninguém para ganhar o pão de cada dia. O bacharelato é outro, puramente moral e o pão a ganhar é exclusivamente o espiritual. Também não se há de pretender a formação escolástica de bacharéis cegos, robotizados, acarneirados, prontos para beber misticamente água fluidificada e receber fanaticamente as prestâncias do médium passista.

            Contudo, esses resultados são sempre inevitáveis, se se escolariza o ensino. Quem faz um curso sai formado em alguma coisa. Alega-se que há exagero e que ninguém pretende formar ninguém em Espiritismo, concedendo ou não certificados ou diplomas. Alega-se que, a rigor, não se pretende propriamente um regime universitário, acadêmico. Alega-se que não se cogita de professores nem de mestres. Alega-se que por trás de tudo há um imenso idealismo e que ninguém cogita de ganhar nada em troca. Alega-se que é tudo onda da oposição. Bem, penso que o exagero está, ao contrário, na preocupação de se negar o exagero. Ou de frustrar a "onda" antes que ela desmanche, com as vagas do bom senso e da razão, as pretensões dos que sonham com a posição de futuros magníficos reitores ou
no mínimo, conspícuos catedráticos. Para prová-lo, dou apenas uma amostra. Eis o que uma publicação espírita propõe:

            "Temos de encarar o problema do ensino espírita em si, com todas as implicações decorrentes de uma interpretação puramente cultural humana. As Escolas Espíritas exigem professores de Espiritismo, graus espíritas de ensino, diplomas de aprendizado espírita." “O diretor, os professores e os funcionários das Escolas de Espiritismo não podem nem devem funcionar de maneira gratuita.” As Escolas de Espiritismo devem ser organizadas como verdadeiras unidades do ensino superior, com todas as suas características." "Os professores terão de ser forçosamente, obrigatoriamente,  de nível universitário. Os alunos terão de apresentar certificados de conclusão do ensino secundário ou equivalente ou superior. As matérias e os processos de ensino terão tratamento universitário.”  “O regime escolar terá todas oe exigências do regime universitário, acrescidas ainda do mais absoluto rigor nas avaliações de aproveitamento, pois a finalidade do ensino não é utilitária no sentido comum, mas num sentido mais alto, referente à formação espiritual do homem." "Como não será possível a oficialização do ensino ou a sua subvenção, ele terá de ser pago. É da cobrança das taxas que sairá a renda necessária à manutenção da Escola e os pagamentos de diretores, professores e funcionários;" "Os professores de cada cadeira terão de ser espíritas e formados em Universidades na matéria que vão lecionar:" “As Escolas de Espiritismo formarão aos poucos os seus próprios mestres." "Os vencimentos de professores e funcionários obedecerão a um critério de sacrifício nas fases iniciais. Mas logo que possível, os vencimentos deverão corresponder ao padrão profissional, para que o padrão de ensino não venha a sofrer, pois, a verdade é que os professores e os funcionários, por mais dedicados que forem, não desempenharão suas funções a contento se estiverem preocupados com problemas financeiros angustiantes.” “O desenvolvimento de um programa assim estruturado, para um curso de quatro anos, é ainda insuficiente para o estudo realmente profundo e minucioso da Doutrina Espírita. Mas as Escolas de Espiritismo podem criar também cursos de especialização ou de pós-graduação, de dois ou três anos, conforme as necessidades da matéria." ("Educação Espírita", coletânea de diversos autores, ed. Edicel, 1970, págs. 62, 63, 64, 65, 66, 69, 76 e 77.)

            E o Ministro Jarbas Passarinho com certeza deve estar sendo criticado por não ter implantado ainda essa universidade. É bem verdade que o mais absurdo (para não dizer ridículo) é a tal da diplomação. Inobstante, ainda que se não distribuíssem diplomas ou  certificados, o equívoco maior não estaria nesse particular. A tragédia é o processo, é o sistema, é a escolarização em si, com ou sem anel de grau. Na constituição dos currículos, por exemplo, a brincadeira já chegou a um ponto em que, sem sentir, os "pedagogos espíritas" inverteram por completo as coisas, num dislate que mais parece propositadamente elaborado pelas Trevas. Incluem-se nos tais cursos regulares, ora em voga, diversas disciplinas como: Psicologia, Didática, Sociologia, Lógica, Artes e... Doutrina Espírita. Aí está um dos absurdos. Doutrina Espírita aparece como uma disciplina qualquer, ao lado das demais. Então - perguntou, certa vez, muito interessado, o Presidente da FEB -, de que são esses cursos, afinal? De Espiritismo? Mas ele, o Espiritismo, que devia ser o todo aparece como parte... Além disso, avulta outra inversão mais perniciosa: em vez de se estudar a Psicologia, a Didática, a Sociologia à Luz do Espiritismo (porque isso é que interessa ao espírita), estuda-se o Espiritismo à luz da Psicologia, da Sociologia, etc. O Espiritismo é que vai buscar contribuição nas outras ciências, em vez de irem estas buscar contribuição no Espiritismo.

            Afora isso, é preciso lembrar que, quem quiser estudar Lógica, Psicologia, etc., que o faça. Mas lá fora; não dentro dos centros espíritas. É até bom e recomendável que o faça. Para isso aí estão as escolas laicas, cujos métodos, certos ou errados, não é o caso, também, de examinarmos aqui O espantalho vai ganhando tamanha distorção que já há entidades espíritas que resolveram ensinar também o Português. Ora, daqui a pouco mais o que teremos é muita gente entendida em Português, Lógica, Didática, etc., mas nenhuma entendida em Espiritismo, Amor, Caridade, Evangelho.

            E, depois, convenhamos: estamos liderando a reforma espiritual no mundo, nós, os espíritas; mas parece que há muita gente mais preocupada, com esses cursos (ou cursilhos?), em mostrar saber, confinando-se a uma permuta de conhecimentos especiosos que pouco têm a ver com os objetivos da Doutrina. Ora, a grande massa está faminta das verdades mais simples e mais humanas, que o Espiritismo guarda; gente precisando de quem lhe fale ou escreva à alma. É muito excitante e muito "dernier cri" preparar, nesses cursilhos, meia dúzia de alunos que saem dali sabendo Lógica, Psicologia (será que saem sabendo mesmo?), mas depois, chegados em casa, vão mandar os filhos para o diabo! Sim, convenhamos: há muito mais resultado, muito mais proveito, muito mais ensino numa mensagem que Chico Xavier divulga, recebida de Emmanuel ou de Maria Dolores, do que todos esses cursilhos juntos. Há muito mais efeito, salvam-se muito mais almas, tocam-se muito mais corações numa palestra de Divaldo Pereira Franco (os auditórios superlotam!) do que em todas essas pseudo-academias. Há mais espíritos redimidos e prontos a amar e entender o próximo após a leitura duma obra de Yvonne Pereira do que em todos esses currículos enroscados em pedagogismo.


            Mas, argui-se, já agora, que foi Allan Kardec quem defendeu os cursos regulares de Espiritismo. E - dogmatiza-se - a palavra dele basta.

            Primo loco, não endosso a assertiva de que a palavra do Codificador baste. Ele mesmo alertou-nos para isso, por sinal quando falava exatamente sobre o problema do ensino espírita: "Não nos cabe ser juiz e parte e não alimentamos a ridícula pretensão de ser o único distribuidor da luz" ("O Livro dos Médiuns", capo III, n.º 35).

            E, se apenas a palavra dele bastasse, deveríamos estar até hoje evocando, nas sessões de Espiritismo, os nossos pais, nossos avós, os literatos, os filósofos. Deveríamos estar acreditando, até hoje, que a peste se transmite através de um fluido ("A Gênese", capítulo II, nº 31). Deveríamos estar cheios de messias por aí, posto que foram anunciados à farta na "Revue Spirite" de fevereiro e março de 1868!

            E não vai nisso nenhum desrespeito ao missionário que nos legou a maior bênção que possuímos depois da de Jesus, mas apenas a apreciação crítica que ele mesmo nos recomendou e que não lhe faltou sequer diante do Espírito da Verdade.

            De qualquer forma, cabe aqui uma indagação: será que Kardec propugnou, mesmo, os cursos regulares de Espiritismo? Tenho o direito de levantar a dúvida. Afinal, ele tinha todas as condições de expor essa ideia quando tratou especificamente do método do ensino do Espiritismo, no cap. III de "O Livro dos Médiuns". Por que, ali, não fez o encaixe da ideia? Mas não. Ela escorrega numa única linha, lançada em... "Obras Póstumas". Porém, "Obras Póstumas" é, acaso, algum trabalho que Kardec haja elaborado e o qual, tendo desencarnado, ficara sem tempo de editar? Não. Ela é o enfeixamento de papéis e anotações encontrados em seu gabinete, sem nenhuma orientação expressa para que fossem divulgados. A Primeira Parte tem, na verdade, a aparência nítida das obras kardequianas. E, a rigor, nada inova. São desdobramentos da Codificação. Pode-se mesmo admitir que Kardec a tenha preparado para sua efetiva publicação. A Segunda Parte, entretanto, é inteiramente constituída de "extratos" e não é difícil de perceber que realmente se trata de trechos, resumos, notinhas de assuntos os mais heterogêneos. Estavam sendo reunidos para publicação? Quem pode afirmá-lo? Trata-se - repisemos - de manuscritos encontrados entre os seus papéis e é nessa Segunda Parte que está o capítulo intitulado "Projeto-1868", com os subtítulos: "Estabelecimento central", "Ensino espírita", "Publicidade", "Viagens", e um arremate explicativo de autor ignorado (provavelmente o editor).

            A priori: é mesmo de Kardec esse "Projeto"? E se se tratasse de uma ideia alheia, chegada às suas mãos e por ele deixada ainda de quarentena? Ao final, lê-se o seguinte:

            "Se porventura. me estivesse reservado realizar este projeto, em cuja execução eu teria de me haver com a mesma prudência de que usei no passado, indubitavelmente alguns anos bastariam para fazer que a Doutrina avançasse de alguns séculos”.(O grifo é meu)

            Ora, sendo ou não a ideia de sua autoria, certo é que se tratava ainda de um simples "projeto", sujeito portanto até a uma integral reprovação posterior. Ou, quando menos, a ser executado "com a mesma prudência de que usei no passado". Essa prudência aconselharia, mesmo, a forma dos cursos regulares? Contudo, o mais importante está dito nas últimas linhas do trecho introdutório: " ... esse o plano que eu seguiria e cuja execução seria proporcional à importância dos meios e subordinada aos conselhos dos Espíritos". Proporcional à importância dos meios e subordinada aos conselhos dos Espíritos! Logo: os meios poderiam, afinal, não ditar nenhuma importância aos cursos e, além disso, os Espíritos, ao que se saiba, nada aconselharam! Não há uma única palavra do Alto, transcrita por Kardec, sequer sugerindo a criação de cursos regulares de Espiritismo!

            Finalmente: curso, para Kardec, teria o sentido que se lhe quer, hoje, emprestar? Ou valeria apenas para expressar o significado figurado tantas vezes usado pelos Espíritos, como Emmanuel, André Luiz, e outros, aludindo à Terra como sendo uma imensa EscoIa? (Está excluída, aqui, a referência desses mentores a cursos mesmo, realizados no Alto, sobre perispírito, eletrônica, etc. Mas, então, não se trata de Espiritismo; nem de Religião. São cursos como os temos aqui na Terra, nas escolas leigas.)

            Agora, meditemos, ainda, sem "parti pris", no seguinte: se essa forma de ensinar o Espiritismo fosse a aconselhável; se esse fosse o método correto, ideal, não tenhamos dúvida de que ele estaria expressamente definido no local onde cabia. Sponte sua ou por sugestão, ou orientação, ou até determinação dos Espíritos, o método curricular, escolar, deveria estar incluído no capítulo III de "O Livro dos Médiuns": "Do Método". Não tenhamos dúvida, repito: o Alto teria inspirado a Kardec a publicação prévia da ideia se os cursos fossem imprescindíveis à difusão ou consolidação do Espiritismo! Não ficaria, o importante aspecto, relegado pelos Espíritos Superiores a uma duvidosa e, quando menos, controvertida divulgação póstuma.

            Em "Do Método", muito pelo contrário: embora mais preocupado em examinar a importância de se ensinar primeiro a teoria e só depois a parte prática, mesmo assim o capítulo deixa transparecer claramente a inconveniência de cursos regulares.

            Vejamos os principais trechos:

            "Não se espantem os adeptos com esta palavra - ensino. Não constitui ensino  unicamente o que é dado do púlpito ou da tribuna. Há também o da simples conversação."  (Nº 18. O grifo é meu.)

            Ora, simples conversação não me parece que seja o mesmo que curso regular...

            ..."de que poderão igualmente aproveitar os que queiram instruir-se por si mesmos". (Nº 18. Grifo meu.)

            Por si mesmos acho que nada tem de curso regular...

            “Mas, para tal, muito outra é a ordem de fatos a que se há de recorrer, muito especial o ensino cabível e que, por isso mesmo, precisa ser dado por outros processos." (Nº 19. Grifo meu.)

            Ensino cabível dado por outros processos não está nem de longe definido como cursos regulares.

            "O verdadeiro espírita jamais deixará de fazer o bem. Lenir corações aflitos; consolar, acalmar desesperos, operar reformas morais, essa a sua missão. É nisso também que encontrará satisfação real. O Espiritismo ronda no ar; difunde-se pela força mesma das coisas, porque torna felizes os que o professam." (Nº 30. Grifo meu.)

            Se se difunde pela força mesma das coisas, dispensa os cursos regulares.

            "Para, no ensino do Espiritismo, preceder-se como se procederia com relação ao das ciências ordinárias, preciso fora passar revista a toda a série dos fenômenos que possam produzir-se, começando pelos mais simples, para chegar sucessivamente aos mais complexos. Ora, isso não é possível, porque possível não é fazer-se um curso de Espiritismo experimental, como se faz um curso de Física ou de Química." (Nº 31. Grifo meu.)

            Assim, não é possível, no ensino do Espiritismo, proceder-se como se procederia com relação ao das ciências ordinárias. Logo, não há lugar para cursos regulares...

            ... “e assim, também, é por experiência que dizemos consistir o melhor método de ensino espírita em se dirigir, aquele que ensina, antes à razão do que aos olhos. Esse o método que seguimos nas nossas lições e pelo qual somente temos que nos felicitar". (Nº 31. Grifo meu.)

            Dirigir-se à razão não implica a criação de cursos regulares. Dirige-se à razão de alguém até mesmo mediante simples diálogo, como os que estão exemplificados em "O que é o Espiritismo". Inversamente, o método curricular já deixa o outro de espírito prevenido, pois que vê em quem leciona a figura "superior" do mestre e do professor, a falar "ex-cathedra", Diz, ainda, Kardec que o melhor método é aquele pelo qual se felicita e que resulta da sua própria experiência. Pois bem: leu-se, em algum lugar, que dessa experiência do Codificador consistiam cursos regulares? Kardec ministrou algum? Fala de algum? Nunca!

            "Aos que quiserem adquirir essas noções preliminares, pela leitura das nossas obras, aconselhamos que as leiam nesta ordem:

            1º Que é o Espiritismo? ( ... ) Esta primeira leitura, que muito pouco tempo consome, é uma introdução que facilita um estudo mais aprofundado, 2º O Livro dos Espíritos ( ... ). 3º O Livro dos Médiuns ( .. ,.). 4º A Revue Spirite. (Nº 35. O primeiro grifo é meu; o dos títulos de livros é de Kardec.)

            As noções preliminares referidas são, como se compreende pela leitura do capítulo, o ensino teórico. E, para que elas sejam adquiridas, que aconselha Kardec? Cursos regulares? Não: a leitura e o estudo, em ordem, dos seus livros...

            "Os que desejem tudo conhecer de uma ciência devem necessariamente ler tudo o que se ache escrito sobre a matéria, ou, pelo menos, o que haja de principal, não se limitando a um único autor. Devem mesmo ler o pró e o contra, as criticas, como as apologias, inteirar-se dos diferentes sistemas, a fim de poderem julgar por comparação." "Toca ao leitor separar o bom do mau, o verdadeiro do falso." (Nº 35 in fine.)

            Aí está o grande arremate. Para conhecer o Espiritismo, Kardec não alude, nem de leve, a cursos regulares. Recomenda que leiam, que leiam, que leiam e que leiam, a fim de julgar por comparação e separar o verdadeiro do falso. Só não digo, aqui, que para Kardec os cursos "já eram" porque, afinal, corno se viu, nunca "foram"...

            E, agora, deixando de lado, por um instante, "O Livro dos Médiuns", vamos até à "Revue Spirite", para a seleção de dois trechinhos preciosíssimos:

            “O Espiritismo teve, pois, que marchar sem qualquer apoio estranho e eis que em cinco ou seis anos vulgarizou-se com uma rapidez que toca as raias do prodígio. Onde adquiriu esta força, senão em si mesmo? É então necessário que haja em seu princípio algo muito poderoso para ser assim propagado sem os meios superexcitantes da publicidade. É que, conforme dissemos acima, quem quer que se dê ao trabalho de aprofundá-lo, nele encontra aquilo que buscava, que a razão lhe deixava entrever: uma verdade consoladora e, no final de contas, bebe aí a esperança e um verdadeiro prazer." ("Revue Spirite", setembro de 1858, "Propagação do Espiritismo") .

            Bem, acho que o que dispensa os meios superexcitantes da publicidade pode dispensar a publicidade superexcitante dos cursilhos ...

            Mas, para que se não diga que apenas faço "jeu de mots" e que isso foi em 1858, no início do aparecimento da Codificação, vamos a 10 anos depois. Da "Revue Spirite"  de 1858 passemos à de 1868, véspera da partida de Kardec, últimos momentos da sua missão terrena.       

            Na "Constituição Transitória do Espiritismo" ("Revue Spirite", dezembro de 1868), temos então um plano que é assinado por Kardec; é dele, de fato, sem nenhuma dúvida, e concebido "há muito tempo", preocupado que estava com o futuro da Doutrina. Por isso, no final do capítulo I ele esclarece:

            “O plano que segue foi concebido há muito tempo, porque sempre nos preocupamos com o futuro do Espiritismo; fizemo-lo pressentir em diversas circunstâncias, vagamente, é certo, mas suficientemente para mostrar que não é hoje uma concepção nova, e que,  trabalhando na parte técnica da obra, não negligenciaríamos o lado prático."


            Desse plano constariam: um Comitê Central. E, nele, Kardec inclui: uma biblioteca, um museu, um dispensário para consultas médicas gratuitas, uma caixa de socorro e previdência, uma casa de retiro e uma sociedade de adeptos. 

            Não cogitou, portanto, de... uma escola. Sequer de um cursinho... Ou cursilho, como queiram.

            Depois, ele expõe as Atribuições do Comitê. São quinze. A 13ª' é: "O ensino oral.” Não diz, portanto, que se trate de cursos. Poderia ter especificado: "O ensino oral através de cursos regulares". Por que não o fez? É claro que, aí, ensino oral é o que vimos fazendo na Federação Espírita Brasileira e aconselhando-o há quase um século.    

            Mais adiante, Kardec detalha sete atividades que, em consequência, serão atribuídas aos membros do Comitê. A última delas é exatamente a arregimentação de: "Oradores para o ensino oral". Ainda aqui, nada referente a professores, mestres, escolas, cursos, etc. Pura e simplesmente: oradores para o ensino oral, com o que se conclui que o meu comentário anterior está certo: ensino oral será entendido nos moldes em que o vem fazendo a FEB há quase 100 anos.

            Isto foi em dezembro de 1868. Três meses depois, Kardec encerrava a sua missão. Partia. Deixou-nos, portanto, de claro, de positivo, o que aí está sobre ensino, inserido em "O Livro dos Médiuns". Os tais cursos regulares das "Obras Póstumas" são discutíveis, conforme já provei. Mas, como repito sempre, assim eu e quem mais o quis aprendemos de Kardec. Quem quiser, que escolha outro caminho. Nem vai me admirar se houver quem queira ingressar nos cursilhos da Igreja Católica, para entornar logo a canjica.

            Como arremate, guardei comentário que seria dispensável, não fosse a coragem dos que, sem argumentos maiores que o do sofisma, dão como sempre uma de disco rachado, em que a agulha fica monotonamente repetindo o mesmo trecho. E então o chiado não cessa: A FEB é contra o estudo, a FEB é contra o estudo, a FEB é contra o estudo, a FEB é contra o estudo...

            Dê-me licença, leitor amigo, para suspender o "pick-up". Viremos o disco e passemos à verdade dos fatos, com uma programação ao vivo, direta do estúdio da Av. Passos. Verdade já de todos conhecida, mas que me permito retransmitir de bom grado, em ondas médias, curtas e longas.

            Nunca se ouviu dizer ou se leu em qualquer publicação da Casa-Máter do Espiritismo a mais mínima restrição ao estudo do Espiritismo. Ao ensino de qualquer natureza. Muito pelo contrário: sempre e continuamente se estimulou o estudo da Doutrina, a sua divulgação, a transmissão dos seus princípios. A reserva que a FEB faz é tão-somente quanto à metodologia empregada, à sua forma escolarizada, à sua estruturação, à sua terminologia. Enfim: a restrição não é ao estudo, mas ao processo, ao sistema. E como o texto é curtinho, vou reproduzir aqui o que "Reformador" já disse, com toda a clareza, em seu número de maio de 1972:

            "Somente a má fé pode respaldar a insinuação feita por alguns de que a Federação Espírita Brasileira seria contra o estudo do Espiritismo. Bastaria a compulsação de todos os números de "Reformador", desde 1883, para recordar a permanente preocupação da Casa de Ismael no que respeita à validade do estudo, E, na profusão de títulos de obra e multiplicação de suas edições, a FEB tem demonstrado o mais profundo cuidado pela difusão dos ensinos doutrinários. Por todos os meios e modos se tem dito, durante quase 1 século de trabalho, que o espírita não pode prescindir do estudo e que a evolução está Intimamente condicionada ao amor e ao conhecimento.
            "Apodar a FEB de ser contra o aprimoramento intelecto-moral é manobra divisionista de quem na verdade não está interessado na melhora de ninguém, mas exclusivamente em engrossar a hostilidade contra a instituição espírita que, no mundo inteiro, é a maior divulgadora dos ensinamentos espíritas.
            "Os jovens são particularmente visados nessa prática malsinada. Sabendo-os ávidos de conhecimento, é mais fácil estiolar-lhes o ânimo, a custa da distorção da verdade que, de origem anterior a esta geração, é natural que a ignorem: o intento primordial da FEB de que os espíritas se amem e se instruam.
            "O que não está nas cogitações do roteiro de lsmael é a motivação dum pretenso programa didático de salvação moral, agrilhoado a conceitos e preceitos puramente materialistas e que, antes, visa a formar intelectuais do Espiritismo, em vez de irmãos do Caminho. E isso a FEB não acolhe, porque os acadêmicos, até hoje, não deram solução a um único problema da Humanidade."

            Assim, esse "long-play" arranhado faz-me lembrar, com frouxos de risos, aquela estória do Imbassahy, por mim já referida em outro artigo, sobre a caturrice dos que, apesar de surpreendidos pela prova dos fatos, continuam a achar-se cheios de razões:

            "Conta-se - e ele mesmo é quem conta - a anedota de um sujeito que, às perguntas que lhe faziam, respondia invariavelmente - mão. Depois, o interrogador ficou mudo, mas o outro continuou a repetir o não." ( "Fantasmas, Fantasias e Fantoches", Carlos Imbassahy, pág. 104, apud "Reformador" de maio de 1972, pág. 119).

            E, se essa não basta, conto uma outra, minha mesmo.

            Dois fulanos caminhavam pelo deserto. Aí um deles, muito birrento, disse para o outro, apontando ao longe:

            - Olhe lá um oásis!

            - Não, eu conheço bem isso aqui. Aquilo não é um oásis.

            - É sim, senhor. Sou catedrático em oásis, tirei um cursilho de "oasislogia", já dirigi congressos de oásis, já escrevi às pampas sobre oásis. Você não sabe nada. Aquilo é um oásis.

            - Não é. Quer que lhe prove?

            - Quero!

            E foram perto. Aí o "professor" viu que não era mesmo um oásis. Mas continuou afirmando:

            - Olhe aí. É um oásis.

            A areia quente chegava a fazer morrinho. De água nem uma gotinha. O homem de bom senso resolveu dar uma de cientista e, para provar, abaixou-se, apanhou um pouco da areia e jogou no teimosão. Ele gritou, protegendo o rosto com as mãos:
- Que é isso! Não me molhe!

            Bem, adiemos o bom humor e prossigamos, agora para acentuar, também, que já deve estar mais que evidenciado que todas essas restrições não se dirigem às instituições que se dedicam ao ensino laico, criadas, dirigidas ou subvencionadas por espíritas. Isso é outra conversa e, sobre ela, também já me pronunciei, de certa feita, no Conselho Federativo Nacional. "Reformador" de março de 1972, pág. 66, registrou o resumo de minhas palavras, assim expressas:

            ... “teve oportunidade de dar esclarecimentos sobre rumores de que a FEB faria restrições a iniciativas como o Instituto Lins de Vasconcelos, do Paraná, e o Instituto Pestalozzi, de São Paulo, O fato não tem nenhum fundamento, pois a Casa de Ismael vê com imensa simpatia educandários desse tipo, onde o ensino leigo é ministrado com competência e responsabilidade, sob a direção de espíritas verdadeiramente idealistas. As restrições da FEB – expostas em mais de um Editorial de “Reformador” - são apenas em relação a escolas ou entidades de ensino do Espiritismo, onde pontificam os “mestres" e os "doutores", e nas quais se esboça a ressureição da famigerada Escolástica.”

            Portanto, parece-me bem definido o pensamento da FEB, que vem sendo endossado por esclarecidos companheiros e de cujo acerto como sempre, o tempo dirá a última palavra. A FEB sabe esperar. Sempre soube. Não lhe compreendem, às vezes, a posição, mas o futuro sempre veio coonestar-lhe a orientação. Não fosse ela o "Santuário de Ismael", como acentuou Irmão X na mensagem que se encontra em nosso número de junho deste ano, pág. 7.

            De tempos em tempos ela é vítima dos que, no fundo, estão enristando contra o próprio Espiritismo e contra o Evangelho, posto que seu único objetivo tem sido, em quase 1 século de trabalho, a difusão da Codificação e da Boa Nova. Quantas vezes já foi vituperada, achincalhada, ofendida, caluniada, injuriada, espezinhada! Não importa. Os vituperadores, achincalhadores, ofensores, caluniadores, injuriadores, espezinhadores passaram e ela foi ficando, intangível na sua grandeza moral e no apanágio sublime que lhe reservou o Cristo, de orientadora da fé sobre a face da Terra; eterna, imbatível.

            Não faz muito tempo, um grande movimento espocou pelos cantos mil deste país, empolgando os espíritas, inclusive alguns dos mais sensatos. Era o novo messias que chamava as criaturas à união ecumênica, era o enviado celeste que, com promessas de boa vontade, universalizaria a Doutrina Espírita! Era o novo líder que presidiria ao movimento e ... aos cidadãos também. Houve cartas (fechadas e abertas) aos montões para a FEB, houve reclamações, insultos, houve o diabo! Debandaram muitos, indignaram-se inúmeros. Desertaram vários... A FEB ficou sozinha. Alguns poucos, apenas, na solidariedade iluminada, que engrandece e glorifica. Ismael, porém, pedia paciência... Como o Espírito da Verdade a pedira a Kardec, logo após o auto-de-fé de Barcelona... Bezerra, Bittencourt, Guillon, traziam aos remanescentes a sua palavra de confiança. E então... então a densa névoa fuliginosa que enceguecera a tanta gente começou a desvanecer-se...  A grande catarata se liquefazia. O panorama foi-se clarificando... Os propósitos do "grande" movimento foram-se delineando. Como na estória de Robert Louis Stevenson, o nosso Dr. Jeckyll tinha tomado a sua poção efervescente... Então, os filhos pródigos voltaram e a Casa de Ismael recebeu-os de braços abertos... Porque esse tem sido o seu destino e, se nunca perde, é porque sabe esperar e porfiar. Tolera os erros e os empolgamentos dos sonhadores ingênuos, mas não transige em seus princípios. Apedrejada, como o foi Jesus, pela Jerusalém de Tibério, também como Jesus repete, humildemente, na poética de Eduardo Garrido: "E bem que vais matar-me, de ti eu me condoo, e te perdoo"...

            Todavia, ainda como o Mestre, tantas vezes a crucifiquem, tantas outras ela ressurgirá do túmulo vazio!

            A FEB está empenhada, por agora, em obstar a que transformem o Espiritismo numa nova Igreja, estruturado ao gosto duma nova escolástica e pomposamente infestado de mestres, doutores da lei, catedráticos pedantes e presunçosos. Vai pagar o preço que a intransigência e a má fé dos seus adversários gratuitos exigirem. Paga sempre. "Mas, ao final, um ensino ao menos inscreverá mais uma vez nos anais da história do Espiritismo: que não se ensina impunemente a desfigurar a Terceira Revelação através do ensino que desensina...

            E agora, enquanto acabo de ler um novo original de Yvonne Pereira e saio para assistir a uma palestra de Divaldo Franco com algumas mensagens de Chico Xavier no bolso - boa-noite, muito boa-noite para quem vai fazer seu cursilho de Espiritismo. Enquanto para lá me dirijo, voltam-me à lembrança as passadas aventuras no Imperial Colégio de Dom Pedro TI... Se alguém tem curiosidade, visite-o e indague se a sala do milho ainda existe mesmo. Quem sabe os cursilhos não encontrem, lá, melhor ambiente? E... o "professor" que leve o milho no bolso. Se não o tiver, que peça à Marisa Raja Gabaglia, antes que ela dê todo o que ganhou para a Dona Mariquinha. Eu, por mim, vou de pipoca.

        Cursilhos de Espiritismo ... Ora, pipocas! 


Cursilhos de Espiritismo

Luciano dos Anjos

 Reformador (FEB)  Outubro 1972


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