"Mas uma tal escola não necessita de outro chefe que o bom senso das massas e a sabedoria dos bons Espíritos; aspiramos apenas ao modesto titulo de divulgador."
(Allan Kardec,
"Revue Spirite" de janeiro de 1861.)
"
... Só de fato por milagre é que os modernos métodos de ensino ainda não liquidaram
inteiramente a sagrada curiosidade da pesquisa; pois essa delicada plantazinha,
além de certa estimulação, necessita, sobretudo, de liberdade; sem esta,
estiola-se e morre fatalmente." (Albert Einstein,
apud "Freedom to Learn", de Carl R. Rogers, 1969)
São muitas recordações
que me ficaram do tradicional Colégio Pedro lI,
a
começar pelos velhos mestres que, depois de meu pai, foram os que me ajudaram a
ser alguma
coisa na vida, ainda que tão pouca.
O Colégio talvez não me tenha
esquecido, porque fui, ali, dos mais encapetados, embora sempre muito estimado.
Tive a sorte, além de tudo, de ter sido aluno dum José de Oiticica, notável
professor de Português, tão erudito quanto extravagante. (Um dia, mandou-me
apanhar o giz e fazer uma quadra para em seguida analisá-la. Ficou fulo: rimei
rouco com ... louco.) Depois, tive como mestre Aurélio Buarque de Hollanda
Ferreira, hoje membro da Academia Brasileira de Letras e de quem, bem mais
tarde, fui ser colega de trabalho na Redação do "Diário de Notícias".
Seu dicionário (em minha opinião, o melhor), tenho-o na minha estante
devidamente autografado: "Ao caro
amigo e ex-aluno Luciano dos Anjos, com os votos mais cordiais de feliz Ano
Novo." E não me esqueço da prova de História que fiz toda em decassílabos;
ou do diálogo entre mim e minha consciência, na
prova
de Francês, através do qual eu me censurava por não saber as questões, mas que, no
fim, resultou num sensacional grau 10. Ou, ainda, aquele dia de agitação e
greve em que o
Diretor ia me degolar (eu era um dos líderes do movimento) e consegui, numa
reviravolta de 48 horas, eleger-me Diretor Cultural do Grêmio Científico e
Literário - cargo meio místico
que, no mínimo, assegurava a impunidade... Mexer em diretor do Grêmio era incendiar
os ânimos de todo o Colégio! Foi ali, no Imperial Colégio de Dom Pedro II (seu nome
primitivo), que lancei "O Pensador", jornal de fibra (concessa venia... ) cujos artigos deram
pano para muita manga comprida de punho duplo! Por causa deles, certa vez um
inspetor me apontou determinada sala na qual aconteciam, no passado, coisas
horríveis com
alunos do meu tipo. Disse-me então:
É pena. Em outros tempos você
estaria lá dentro, ajoelhado no milho e no meio da
escuridão. Hoje, com essa liberdade, a bagunça é geral...
Bem, graças a Deus, à minha época,
milho era bom, mesmo, para fazer pipoca.
E
minhas esqueléticas e descalcificadas rótulas não chegaram a provar o tenebroso
castigo. Quanto tempo aquele velho inspetor viveu, ainda, lamentando o fim da
tortura? Não sei. Certo é que sua época tinha passado, os métodos tinham mudado,
os sistemas foram aprimorados, as técnicas já haviam evoluído e ele, coitado,
se deixou ficar cristalizado em suas ideias, obnubilado por um passado que já
se fora e que não cabia mais no painel moderno da educação. Como a Carolina de
olhos tristes, o tempo passou na janela e só ele não viu...
Outras décadas se escoaram. "O Pensador" é apenas recordação. A
sala escura do milho
nem sei se ainda está de pé. O velho inspetor provavelmente já partiu e talvez
esteja outra vez por aí, no corpo de algum vendedor de pipoca. E quem falar
sobre aqueles métodos
vai, no mínimo, obrigar a quem escuta a levar a mão à boca num gesto de horror
e asco. Contudo... naquele tempo era o método recomendado, inclusive para quem
não sabia a lição, como bom também era o sistema de se decorar os afluentes do
Amazonas encaixando-os, por ordem alfabética, numa certa canção que nem ao
menos servia para se dançar. Não sei se alguém aproveitava. Tirante o Xingu, o
Madeira, o Tapajós e o Negro, quem sabe dos outros? Eu, cá por mim, nem
desconfio... E quando precisar saber farei algo bem mais simples, que nunca
ocorreu, àquela época, aos educadores: em vez de mandar decorar canção de
péssimo gosto, inservível sequer para ser dançada (isso é imperdoável!), melhor
fariam se ensinassem aos alunos a consultar o globo terrestre; ou uma
enciclopédia. Simples, não? Mas o diabo do método era aquele e ninguém podia
ousar enxergar mais longe. E enquanto o método dos idos mais remotos (que não
cheguei a pegar) machucava os joelhos, o método dos idos mais recentes
machucava os ouvidos. Aquela canção era uma parada...
E o método anterior ao milho? Nem
imagino. E o posterior à canção? Bem, esse conhecemos
todos. Depois da chamada Reforma Capanema veio a de Diretrizes e Bases e,
ainda ontem, a grande revolução do Ministro Jarbas Passarinho. E amanhã?
Felizes os que
puderem se antecipar... Bem-aventurados os que puderem ser capazes de poupar, hoje,
os eventuais equívocos que amanhã serão deplorados... Certo é que já há um movimento
a que se tem chamado "desescolarização" do ensino. Um dos seus
corifeus é Carl
R. Rogers, eminente psicólogo, autor de várias obras, dentre as quais "On Becoming a Person" (Boston,
1961) e onde se podem ler os seguintes moderníssimos conceitos:
a) Para definir, desde logo, minha
posição em relação ao tema proposto, começarei dizendo que: Minha experiência pessoal ensina-me que ninguém
ensina a ninguém como ensinar. Considero, pois, pura perda de tempo a
teimosia dos mestres nesse sentido.
b) Acho, portanto, que o que quer que seja, que se consiga ensinar a
outrem, não é o bastante para
produzir resultados apreciáveis, e pouca ou nenhuma influência terá na conduta alheia. Chocante e
descabida proposição. Ao formulá-la, não posso deixar de pedir-lhes
seja ela anotada como questão que merece ser examinada em ulteriores debates.
c) Constatei, outrossim, que o meu interesse pelo assunto é limitado e se
restringe à aprendizagem que
produz efeitos significativos na conduta. Admito, porém, que isso decorra de uma
idiossincrasia pessoal.
d) Logo, entendo que só existe uma aprendizagem capaz de exercer influência
decisiva na conduta; aquela que o indivíduo sente como necessária e realiza por
esforço próprio.
e) O autodidata, que satisfaz suas carências através de experiências devidamente incorporadas, não
fica contudo apto para transmitir diretamente a outrem o que aprendeu. Sempre que um
indivíduo, com justificado entusiasmo, tenta comunicar suas experiências, arma-se a conhecida posição de ensino.
Irrelevantes, todavia, são os efeitos que em nós produz o conhecimento da
experiência alheia, no que se refere às mudanças de atitude. Faz mais de um
século, e isso é digno de nota, que um filósofo dinamarquês, Sören Kierkegaard,
chegou a essas mesmas conclusões a respeito de suas experiências pessoais. Vale,
pois, invocarmos sua autoridade, para atenuarmos os efeitos de tão escandalosas afirmativas.
f) Isso posto, concluí que: O mais
acertado, para mim, é não querer bancar o professor.
g) Todas as vezes em que me meti a
ensinar, e isso me ocorreu em muitas ocasiões, os
resultados obtidos deixaram-me apreensivo. A rigor, não devemos dizer que os
efeitos do
ensino são nulos, já que, se nos atribuem alguma autoridade, influímos de fato
na conduta dos outros. Mas acontece que, em todas as coisas em que pude aferir
resultados, acabei verificando que a minha interferência nos negócios alheios
era sempre perniciosa. Dir-se-ia que o ensino leva o aluno a desconfiar de suas
próprias experiências, debilitando sua capacidade de aprender. Portanto: OU O
ENSINO É INOPERANTE, OU PREJUDICIAL.
h) Eis o que verifico
invariavelmente, quando repasso os resultados da minha atuação como professor:
ou perdi meu tempo, inutilmente, malhando em ferro frio; ou causei sérios embaraços
aos alunos, criando situações problemáticas, desnecessárias. Natural, pois, que
eu me sinta confuso.
i) Daí a decisão que tomei de só me ocupar com a aprendizagem, optando
sempre pelo que possa ter
algum interesse imediato e que exerça influência significativa na minha conduta.
j) Aprendi que aprender é sobremodo compensador, tanto quando os
aprendizes são os
participantes de um grupo, como quando são o cliente de um lado e o clínico do
outro.
k) Descobri que o mais acertado, embora seja um dos caminhos mais difíceis
de
trilharmos, é
tentarmos refrear os mecanismos de defesa do eu, ainda que por um curto prazo, como esforço
para vermos se conseguimos compreender o que pensam e sentem os outros a
respeito de suas próprias experiências. Entretanto, quando me ponho a pensar nas
consequências imediatas dessa minha atitude, chego a sentir calafrios e é então
que percebo
o quanto me afastei desse mundo convencional e pacato em que nos acomodamos
para viver. Prevejo mesmo o que acontecerá, se outros mais corroborarem minhas experiências,
admitindo a validez de minhas interpretações. Com isso teríamos:
1) Em primeiro lugar, a supressão do
ensino, porque as pessoas passariam a fazer reuniões
para aprender em grupos.
2) Não haveria mais exames, nem
provas, uma vez que estes são instrumentos de avaliação
daquele tipo de aprendizagem que consideramos inócua.
3) Pelas mesmas razões, já não teria
mais sentido fornecer certificados ou diplomas.
4) Nem a graduação servirá mais como
medida da competência, em parte pelo que já se
disse, em parte porque graduação
significa arremate ou conclusão e a aprendizagem é um processo que não
tem fim.
5) E, como ninguém chega a aprender
o bastante para considerar-se formado no que quer
que seja, não haveria mais doutores. (*)
(*) Apud "Mestres, Escolas e Escolástica", de
Abelardo Idalgo Magalhães, in "Reformador" de julho de 1971, págs.
21/22.
Nada obstante, compreende-se que, em
termos de ensino leigo, condicionemo-nos, até onde a disciplina o exija, aos
métodos empregados pela maioria, aparentemente certos ou
obviamente errados. Primeiro, porque há leis que regulam o assunto, as quais,
embora do
mundo, por isso mesmo tem de ser respeitadas. Segundo, porque os métodos são
elaborados - dentro dum esquema globalizado, no qual está previsto também o fim
último, cujas características são as do próprio mundo. Em outras palavras:
bacharela-se um médico sem a preocupação de lhe inculcar a ideia do Espírito ou
de Deus, porque ele vai lidar, no mundo,
com males que só são aceitos, academicamente, como originados, desenvolvidos e terminados
na esfera da matéria. Se, desde cedo, aspirar a sonhos metafísicos será,
talvez, ridicularizado e, depois, preterido. Diminuir-se-lhe-ão as chances.
Nossa formação, portanto (de todos
nós, sem exceção), foi sempre materialista. Fomos todos formados na escola
pragmática do mundo. Os métodos que usaram conosco são fruto da mentalidade que
retrata o próprio mundo. Fomos preparados para viver nele e... dele. Exceção, é
claro, do regime escolástico da Idade Média; mas, nesse ponto, já não sei o que
seria melhor: se o método pragmático, porém aberto, ou o patrístico, porém
obscurantista. A escolástica ensinou, sim, a fé em Deus; mas... "à Ia
carte". Ao assumir sua cadeira,
na Câmara dos Pares da França, Victor Cousin ainda repetia, parodiando Leibniz:
"Entregai-me a instrução pública
durante um século e eu me comprometo a dominar o mundo."
Eis que surge a codificação
espírita. Indiscutível a necessidade de ser transmitida transferindo
seu saber, os que sabem mais aos que sabem menos. Tal como Kardec fez a
seus discípulos. Como os Espíritos fizeram, fazem e continuarão ainda por muito
tempo a
fazer com todos nós. Mas - aqui emerge a questão -, como executar essa transmissão
de conhecimentos? Para início de conversa, há que se atentar bem no fato de
que, em termos de Espiritismo, não se vai bacharelar ninguém para ganhar o pão
de cada dia. O bacharelato é outro, puramente moral e o pão a ganhar é
exclusivamente o espiritual. Também não se há de pretender a formação
escolástica de bacharéis cegos, robotizados, acarneirados, prontos para beber
misticamente água fluidificada e receber fanaticamente as prestâncias do médium
passista.
Contudo, esses resultados são sempre
inevitáveis, se se escolariza o ensino. Quem faz um
curso sai formado em alguma coisa. Alega-se que há exagero e que ninguém
pretende formar
ninguém em Espiritismo, concedendo ou não certificados ou diplomas. Alega-se
que, a rigor, não se pretende propriamente um regime universitário, acadêmico.
Alega-se que não se cogita de professores nem de mestres. Alega-se que por trás
de tudo há um imenso idealismo e que ninguém cogita de ganhar nada em troca.
Alega-se que é tudo onda da oposição. Bem, penso que o exagero está, ao
contrário, na preocupação de se negar o exagero.
Ou de frustrar a "onda" antes que ela desmanche, com as vagas do bom
senso e da razão, as pretensões dos que sonham com a posição de futuros
magníficos reitores ou
no
mínimo, conspícuos catedráticos. Para prová-lo, dou apenas uma amostra. Eis o
que uma
publicação espírita propõe:
"Temos de encarar o problema do ensino espírita em si, com todas as
implicações decorrentes de uma interpretação puramente cultural humana. As
Escolas Espíritas exigem professores de Espiritismo,
graus espíritas de ensino, diplomas de aprendizado espírita." “O diretor,
os professores e os funcionários das Escolas de Espiritismo não podem nem devem funcionar de
maneira gratuita.” As Escolas de Espiritismo devem ser organizadas como verdadeiras unidades
do ensino superior, com todas as suas características." "Os
professores terão de ser forçosamente, obrigatoriamente, de nível universitário. Os alunos terão de
apresentar certificados de conclusão do ensino secundário ou equivalente ou
superior. As matérias e os processos de ensino terão tratamento universitário.” “O regime escolar terá todas oe exigências do
regime universitário, acrescidas ainda do mais absoluto rigor nas avaliações de
aproveitamento, pois a finalidade do ensino não é utilitária no sentido comum,
mas num sentido mais alto, referente à formação espiritual do homem." "Como não será possível a oficialização
do ensino ou a sua subvenção, ele terá de ser pago. É da cobrança das taxas que
sairá a renda necessária à manutenção da Escola e os pagamentos de diretores,
professores e funcionários;" "Os professores de cada cadeira terão de
ser espíritas e formados em Universidades na matéria que vão lecionar:"
“As Escolas de Espiritismo formarão aos poucos os seus próprios mestres."
"Os vencimentos de professores e funcionários
obedecerão a um critério de sacrifício nas fases iniciais. Mas logo que possível,
os vencimentos deverão corresponder ao padrão profissional, para que o padrão de ensino
não venha a sofrer, pois, a verdade é que os professores e os funcionários, por
mais dedicados que forem, não desempenharão suas funções a contento se
estiverem preocupados com problemas financeiros angustiantes.” “O desenvolvimento
de um programa assim estruturado, para um curso de quatro anos, é ainda insuficiente
para o estudo realmente profundo e minucioso da Doutrina Espírita. Mas as Escolas de Espiritismo podem criar
também cursos de especialização ou de pós-graduação, de dois ou três anos, conforme
as necessidades da matéria." ("Educação Espírita", coletânea
de diversos autores, ed. Edicel, 1970, págs. 62, 63, 64, 65, 66, 69, 76 e 77.)
E o Ministro Jarbas Passarinho com
certeza deve estar sendo criticado por não ter implantado
ainda essa universidade. É bem verdade que o mais absurdo (para não dizer ridículo)
é a tal da diplomação. Inobstante, ainda que se não distribuíssem diplomas ou certificados,
o equívoco maior não estaria nesse particular. A tragédia é o processo, é o sistema,
é a escolarização em si, com ou sem anel de grau. Na constituição dos
currículos, por
exemplo, a brincadeira já chegou a um ponto em que, sem sentir, os
"pedagogos espíritas" inverteram por completo as coisas, num dislate
que mais parece propositadamente elaborado pelas Trevas. Incluem-se nos tais
cursos regulares, ora em voga, diversas disciplinas como: Psicologia, Didática,
Sociologia, Lógica, Artes e... Doutrina Espírita. Aí está um dos absurdos.
Doutrina Espírita aparece como uma disciplina qualquer, ao lado das demais. Então
- perguntou, certa vez, muito interessado, o Presidente da FEB -, de
que são esses cursos, afinal? De Espiritismo? Mas ele, o Espiritismo, que devia
ser o todo aparece como parte... Além disso, avulta outra inversão mais
perniciosa: em vez de se estudar a Psicologia, a Didática, a Sociologia à Luz
do Espiritismo (porque isso é que interessa ao espírita), estuda-se o
Espiritismo à luz da Psicologia, da Sociologia, etc. O Espiritismo é que vai
buscar contribuição nas outras ciências, em vez de irem estas buscar
contribuição no Espiritismo.
Afora isso, é preciso lembrar que,
quem quiser estudar Lógica, Psicologia, etc., que o faça.
Mas lá fora; não dentro dos centros espíritas. É até bom e recomendável que o
faça. Para isso aí estão as escolas laicas, cujos métodos, certos ou errados,
não é o caso, também, de examinarmos aqui O espantalho vai ganhando tamanha
distorção que já há entidades espíritas que resolveram ensinar também o
Português. Ora, daqui a pouco mais o
que teremos é muita gente entendida em Português, Lógica, Didática, etc., mas
nenhuma entendida em Espiritismo, Amor, Caridade, Evangelho.
E, depois, convenhamos: estamos
liderando a reforma espiritual no mundo, nós, os espíritas;
mas parece que há muita gente mais preocupada, com esses cursos (ou cursilhos?),
em mostrar saber, confinando-se a uma permuta de conhecimentos especiosos que
pouco têm a ver com os objetivos da Doutrina. Ora, a grande massa está faminta
das verdades mais simples e mais humanas, que o Espiritismo guarda; gente
precisando de quem lhe fale ou escreva à alma. É muito excitante e muito
"dernier cri" preparar, nesses cursilhos, meia dúzia de alunos que
saem dali sabendo Lógica, Psicologia (será que saem sabendo mesmo?), mas
depois, chegados em casa, vão mandar os filhos para o diabo! Sim, convenhamos:
há muito mais resultado, muito mais proveito, muito mais ensino numa mensagem
que Chico Xavier divulga, recebida de Emmanuel ou de Maria Dolores, do que
todos esses cursilhos juntos. Há muito mais efeito, salvam-se muito mais almas,
tocam-se muito mais corações numa palestra de Divaldo Pereira Franco (os
auditórios superlotam!) do que em todas essas pseudo-academias. Há mais
espíritos redimidos e prontos a amar e entender o próximo após a leitura duma
obra de Yvonne Pereira do que em todos esses currículos enroscados em
pedagogismo.
Mas, argui-se, já agora, que foi
Allan Kardec quem defendeu os cursos regulares de Espiritismo.
E - dogmatiza-se - a palavra dele basta.
Primo
loco, não endosso a assertiva de que a palavra do Codificador baste. Ele
mesmo alertou-nos para isso, por sinal quando falava exatamente sobre o
problema do ensino espírita: "Não nos cabe ser juiz e parte e não alimentamos
a ridícula pretensão de ser o único distribuidor da luz" ("O
Livro dos Médiuns", capo III, n.º 35).
E, se apenas a palavra dele
bastasse, deveríamos estar até hoje evocando, nas sessões de Espiritismo, os
nossos pais, nossos avós, os literatos, os filósofos. Deveríamos estar
acreditando, até hoje, que a peste se transmite através de um fluido ("A
Gênese", capítulo
II, nº 31). Deveríamos estar cheios de messias por aí, posto que foram
anunciados à
farta na "Revue Spirite" de fevereiro e março de 1868!
E não vai nisso nenhum desrespeito
ao missionário que nos legou a maior bênção que possuímos depois da de Jesus,
mas apenas a apreciação crítica que ele mesmo nos recomendou e que não lhe
faltou sequer diante do Espírito da Verdade.
De qualquer forma, cabe aqui uma
indagação: será que Kardec propugnou, mesmo, os
cursos regulares de Espiritismo? Tenho o direito de levantar a dúvida. Afinal,
ele tinha todas
as condições de expor essa ideia quando tratou especificamente do método do ensino
do Espiritismo, no cap. III de "O Livro dos Médiuns". Por que, ali,
não fez o encaixe da
ideia? Mas não. Ela escorrega numa única linha, lançada em... "Obras
Póstumas". Porém, "Obras Póstumas" é, acaso, algum trabalho que
Kardec haja elaborado e o qual, tendo desencarnado, ficara sem tempo de editar?
Não. Ela é o enfeixamento de papéis e anotações encontrados em seu gabinete,
sem nenhuma orientação expressa para que fossem divulgados. A Primeira Parte
tem, na verdade, a aparência nítida das obras kardequianas. E, a rigor, nada
inova. São desdobramentos da Codificação. Pode-se mesmo admitir
que Kardec a tenha preparado para sua efetiva publicação. A Segunda Parte,
entretanto, é inteiramente constituída de "extratos" e não é difícil
de perceber que realmente se trata de trechos, resumos, notinhas de assuntos os
mais heterogêneos. Estavam sendo reunidos para publicação? Quem pode afirmá-lo?
Trata-se - repisemos - de manuscritos encontrados entre os seus papéis e é
nessa Segunda Parte que está o capítulo intitulado "Projeto-1868",
com os subtítulos: "Estabelecimento central", "Ensino
espírita", "Publicidade",
"Viagens", e um arremate explicativo de autor ignorado (provavelmente o
editor).
A priori: é mesmo de Kardec esse
"Projeto"? E se se tratasse de uma ideia alheia, chegada
às suas mãos e por ele deixada ainda de quarentena? Ao final, lê-se o seguinte:
"Se porventura. me estivesse reservado realizar este projeto, em cuja
execução eu teria de me haver com a mesma prudência de que usei no passado,
indubitavelmente alguns anos bastariam para fazer que a Doutrina avançasse de
alguns séculos”.(O grifo é meu)
Ora, sendo ou não a ideia de sua
autoria, certo é que se tratava ainda de um simples "projeto",
sujeito portanto até a uma integral reprovação posterior. Ou, quando menos, a
ser executado "com a mesma prudência
de que usei no passado". Essa prudência aconselharia, mesmo, a forma
dos cursos regulares? Contudo, o mais importante está dito nas últimas linhas
do trecho introdutório: " ... esse o
plano que eu seguiria e cuja execução seria proporcional à importância dos
meios e subordinada aos conselhos dos Espíritos". Proporcional à
importância dos meios e subordinada aos conselhos dos Espíritos! Logo: os meios
poderiam, afinal, não ditar nenhuma importância aos cursos e, além disso, os
Espíritos, ao que se saiba, nada aconselharam! Não há uma única palavra do
Alto, transcrita por Kardec, sequer sugerindo a criação de cursos regulares de
Espiritismo!
Finalmente: curso, para Kardec,
teria o sentido que se lhe quer, hoje, emprestar? Ou valeria
apenas para expressar o significado figurado tantas vezes usado pelos
Espíritos, como
Emmanuel, André Luiz, e outros, aludindo à Terra como sendo uma imensa EscoIa?
(Está excluída, aqui, a referência desses mentores a cursos mesmo, realizados
no Alto, sobre
perispírito, eletrônica, etc. Mas, então, não se trata de Espiritismo; nem de
Religião. São
cursos como os temos aqui na Terra, nas escolas leigas.)
Agora, meditemos, ainda, sem
"parti pris", no seguinte: se essa forma de ensinar o
Espiritismo fosse a aconselhável; se esse fosse o método correto, ideal, não
tenhamos dúvida
de que ele estaria expressamente definido no local onde cabia. Sponte
sua ou por sugestão,
ou orientação, ou até determinação dos Espíritos, o método curricular, escolar, deveria
estar incluído no capítulo III de "O Livro dos Médiuns": "Do
Método". Não tenhamos dúvida, repito: o Alto teria inspirado a Kardec a
publicação prévia da ideia se os cursos
fossem imprescindíveis à difusão ou consolidação do Espiritismo! Não ficaria, o importante
aspecto, relegado pelos Espíritos Superiores a uma duvidosa e, quando menos, controvertida
divulgação póstuma.
Em "Do Método", muito pelo
contrário: embora mais preocupado em examinar a importância de se ensinar
primeiro a teoria e só depois a parte prática, mesmo assim o capítulo deixa
transparecer claramente a inconveniência de cursos regulares.
Vejamos os principais trechos:
"Não se espantem os adeptos com esta palavra - ensino. Não constitui ensino unicamente o que é dado
do púlpito ou da tribuna. Há também o da simples conversação." (Nº
18. O grifo é meu.)
Ora, simples conversação não me
parece que seja o mesmo que curso regular...
..."de que poderão igualmente aproveitar os que queiram instruir-se por si
mesmos". (Nº
18. Grifo meu.)
Por si mesmos acho que nada tem de curso regular...
“Mas,
para tal, muito outra é a ordem de fatos a que se há de recorrer, muito
especial o ensino cabível e que, por isso mesmo, precisa ser dado por outros
processos." (Nº 19. Grifo meu.)
Ensino cabível dado por outros processos
não está nem de longe definido como cursos regulares.
"O verdadeiro espírita jamais deixará de fazer o bem. Lenir corações
aflitos; consolar, acalmar desesperos,
operar reformas morais, essa a sua missão. É nisso também que encontrará satisfação
real. O Espiritismo ronda no ar; difunde-se pela força mesma das coisas, porque
torna felizes os que o professam." (Nº 30. Grifo meu.)
Se se difunde pela força mesma das coisas,
dispensa os cursos regulares.
"Para, no ensino do Espiritismo, preceder-se como se procederia com
relação ao das ciências ordinárias,
preciso fora passar revista a toda a série dos fenômenos que possam produzir-se,
começando pelos mais simples, para chegar sucessivamente aos mais complexos.
Ora, isso não é possível, porque possível não é fazer-se um curso de
Espiritismo experimental, como se faz um curso de Física ou de Química." (Nº 31. Grifo
meu.)
Assim, não é possível, no ensino do
Espiritismo, proceder-se como se procederia com relação
ao das ciências ordinárias. Logo, não há lugar para cursos regulares...
... “e assim, também, é por experiência que dizemos consistir o melhor
método de ensino espírita em se dirigir, aquele que ensina, antes à razão do
que aos olhos. Esse o método que seguimos nas nossas lições e pelo qual somente
temos que nos felicitar". (Nº 31. Grifo meu.)
Dirigir-se à razão não implica a
criação de cursos regulares. Dirige-se à razão de alguém
até mesmo mediante simples diálogo, como os que estão exemplificados em "O
que é o Espiritismo". Inversamente, o método curricular já deixa o outro
de espírito prevenido, pois que vê em quem leciona a figura
"superior" do mestre e do professor, a falar "ex-cathedra",
Diz, ainda, Kardec que o melhor método é aquele pelo qual se felicita e que
resulta da sua própria experiência. Pois bem: leu-se, em algum lugar, que dessa
experiência do Codificador consistiam cursos regulares? Kardec ministrou algum?
Fala de algum?
Nunca!
"Aos que quiserem adquirir
essas noções preliminares, pela leitura das nossas obras, aconselhamos
que as leiam nesta ordem:
1º Que é o Espiritismo? ( ... ) Esta
primeira leitura, que muito pouco tempo consome, é uma introdução que facilita um
estudo mais aprofundado, 2º O Livro dos Espíritos ( ... ). 3º O Livro dos Médiuns ( .. ,.). 4º A Revue Spirite. (Nº 35. O primeiro grifo é
meu; o dos títulos de livros é de Kardec.)
As noções preliminares referidas
são, como se compreende pela leitura do capítulo, o
ensino teórico. E, para que elas sejam adquiridas, que aconselha Kardec? Cursos
regulares? Não: a leitura e o estudo, em ordem, dos seus livros...
"Os que desejem tudo conhecer de uma ciência devem necessariamente ler
tudo o que se ache escrito sobre a matéria, ou, pelo menos, o que haja de
principal, não se limitando a um único autor. Devem mesmo ler o pró e o contra,
as criticas, como as apologias, inteirar-se dos diferentes sistemas, a fim de
poderem julgar por comparação." "Toca ao leitor separar o bom do mau, o verdadeiro do falso."
(Nº 35 in fine.)
Aí está o grande arremate. Para
conhecer o Espiritismo, Kardec não alude, nem de leve,
a cursos regulares. Recomenda que leiam, que leiam, que leiam e que leiam, a
fim de julgar
por comparação e separar o verdadeiro do falso. Só não digo, aqui, que para
Kardec os
cursos "já eram" porque, afinal, corno se viu, nunca
"foram"...
E, agora, deixando de lado, por um
instante, "O Livro dos Médiuns", vamos até à "Revue
Spirite", para a seleção de dois trechinhos preciosíssimos:
“O
Espiritismo teve, pois, que marchar sem qualquer apoio estranho e eis que em cinco ou seis anos
vulgarizou-se com uma rapidez que toca as raias do prodígio. Onde adquiriu esta força,
senão em si mesmo? É então necessário que haja em seu princípio algo muito
poderoso para ser assim propagado sem os meios superexcitantes da publicidade.
É que, conforme dissemos acima, quem quer que se dê ao trabalho de aprofundá-lo,
nele encontra aquilo que buscava, que a razão lhe deixava entrever: uma verdade
consoladora e, no final de contas, bebe aí a esperança e um verdadeiro prazer." ("Revue
Spirite", setembro de 1858, "Propagação do Espiritismo") .
Bem, acho que o que dispensa os
meios superexcitantes da publicidade pode dispensar a publicidade
superexcitante dos cursilhos ...
Mas, para que se não diga que apenas
faço "jeu de mots" e que
isso foi em 1858, no
início do aparecimento da Codificação, vamos a 10 anos depois. Da "Revue
Spirite" de
1858 passemos à de 1868, véspera da partida de Kardec, últimos momentos da sua missão
terrena.
Na "Constituição Transitória do
Espiritismo" ("Revue Spirite", dezembro de 1868), temos
então um plano que é assinado por Kardec; é dele, de fato, sem nenhuma dúvida, e
concebido "há muito tempo", preocupado que estava com o futuro da
Doutrina. Por isso,
no final do capítulo I ele esclarece:
“O
plano que segue foi concebido há muito tempo, porque sempre nos preocupamos com o futuro do
Espiritismo; fizemo-lo pressentir em diversas circunstâncias, vagamente, é certo, mas suficientemente
para mostrar que não é hoje uma concepção nova, e que, trabalhando na
parte técnica da obra, não negligenciaríamos o lado prático."
Desse plano constariam: um Comitê
Central. E, nele, Kardec inclui: uma biblioteca, um
museu, um dispensário para consultas médicas gratuitas, uma caixa de socorro e
previdência, uma casa de retiro e uma sociedade de adeptos.
Não cogitou, portanto, de... uma escola.
Sequer de um cursinho... Ou cursilho, como
queiram.
Depois, ele expõe as Atribuições do
Comitê. São quinze. A 13ª' é: "O
ensino oral.” Não
diz, portanto, que se trate de cursos. Poderia ter especificado: "O ensino
oral através de
cursos regulares". Por que não o fez? É claro que, aí, ensino oral é o que
vimos fazendo
na Federação Espírita Brasileira e aconselhando-o há quase um século.
Mais adiante, Kardec detalha sete
atividades que, em consequência, serão atribuídas aos
membros do Comitê. A última delas é exatamente a arregimentação de:
"Oradores para o
ensino oral". Ainda aqui, nada referente a professores, mestres, escolas,
cursos, etc. Pura e
simplesmente: oradores para o ensino oral, com o que se conclui que o meu
comentário anterior
está certo: ensino oral será entendido nos moldes em que o vem fazendo a FEB há
quase 100 anos.
Isto foi em dezembro de 1868. Três
meses depois, Kardec encerrava a sua missão. Partia. Deixou-nos, portanto, de
claro, de positivo, o que aí está sobre ensino, inserido em "O
Livro dos Médiuns". Os tais cursos regulares das "Obras
Póstumas" são discutíveis, conforme
já provei. Mas, como repito sempre, assim eu e quem mais o quis aprendemos de Kardec.
Quem quiser, que escolha outro caminho. Nem vai me admirar se houver quem queira
ingressar nos cursilhos da Igreja Católica, para entornar logo a canjica.
Como arremate, guardei comentário
que seria dispensável, não fosse a coragem dos que,
sem argumentos maiores que o do sofisma, dão como sempre uma de disco rachado,
em que a agulha fica monotonamente repetindo o mesmo trecho. E então o chiado não
cessa: A FEB é contra o estudo, a FEB é contra o estudo, a FEB é contra o
estudo, a
FEB é contra o estudo...
Dê-me licença, leitor amigo, para
suspender o "pick-up". Viremos o disco e passemos à
verdade dos fatos, com uma programação ao vivo, direta do estúdio da Av.
Passos. Verdade já de todos conhecida, mas que me permito retransmitir de bom
grado, em ondas médias,
curtas e longas.
Nunca se ouviu dizer ou se leu em
qualquer publicação da Casa-Máter do Espiritismo a mais mínima restrição ao
estudo do Espiritismo. Ao ensino de qualquer natureza. Muito pelo contrário:
sempre e continuamente se estimulou o estudo da Doutrina, a sua divulgação,
a transmissão dos seus princípios. A reserva que a FEB faz é tão-somente quanto
à metodologia empregada, à sua forma escolarizada, à sua estruturação, à sua terminologia.
Enfim: a restrição não é ao estudo, mas ao processo, ao sistema. E como o
texto é curtinho, vou reproduzir aqui o que "Reformador" já disse,
com toda a clareza, em seu número de maio de 1972:
"Somente
a má fé pode respaldar a insinuação feita por alguns de que a Federação Espírita Brasileira
seria contra o estudo do Espiritismo. Bastaria a compulsação de todos os números de
"Reformador", desde 1883, para recordar a permanente preocupação da Casa de Ismael no
que respeita à validade do estudo, E, na profusão de títulos de obra e multiplicação de
suas edições, a FEB tem demonstrado o mais profundo cuidado pela difusão dos ensinos
doutrinários. Por todos os meios e modos se tem dito, durante quase 1 século de
trabalho, que o espírita não pode prescindir do estudo e que a evolução está Intimamente
condicionada ao amor e ao conhecimento.
"Apodar a FEB de ser contra o
aprimoramento intelecto-moral é manobra divisionista de quem na verdade não
está interessado na melhora de ninguém, mas exclusivamente em engrossar a
hostilidade contra a instituição espírita que, no mundo inteiro, é a maior divulgadora
dos ensinamentos espíritas.
"Os jovens são particularmente
visados nessa prática malsinada. Sabendo-os ávidos de conhecimento, é mais
fácil estiolar-lhes o ânimo, a custa da distorção da verdade que, de origem anterior
a esta geração, é natural que a ignorem: o intento primordial da FEB de que os espíritas
se amem e se instruam.
"O
que não está nas cogitações do roteiro de lsmael é a motivação dum pretenso
programa didático de salvação moral, agrilhoado a conceitos e preceitos
puramente materialistas e que, antes, visa a formar intelectuais do
Espiritismo, em vez de irmãos do Caminho. E isso a FEB não acolhe, porque
os acadêmicos, até hoje, não deram solução a um único problema da Humanidade."
Assim, esse "long-play"
arranhado faz-me lembrar, com frouxos de risos, aquela estória do Imbassahy,
por mim já referida em outro artigo, sobre a caturrice dos que, apesar de
surpreendidos pela prova dos fatos, continuam a achar-se cheios de razões:
"Conta-se - e ele mesmo é quem conta - a anedota de um sujeito que, às
perguntas que lhe faziam, respondia invariavelmente - mão. Depois, o
interrogador ficou mudo, mas o outro continuou a repetir o não." (
"Fantasmas, Fantasias e Fantoches", Carlos Imbassahy, pág. 104, apud
"Reformador" de maio de 1972, pág. 119).
E, se essa não basta, conto uma
outra, minha mesmo.
Dois fulanos caminhavam pelo
deserto. Aí um deles, muito birrento, disse para o outro,
apontando ao longe:
- Olhe lá um oásis!
- Não, eu conheço bem isso aqui.
Aquilo não é um oásis.
- É sim, senhor. Sou catedrático em
oásis, tirei um cursilho de "oasislogia", já dirigi congressos de
oásis, já escrevi às pampas sobre oásis. Você não sabe nada. Aquilo é um oásis.
- Não é. Quer que lhe prove?
- Quero!
E foram perto. Aí o
"professor" viu que não era mesmo um oásis. Mas continuou afirmando:
- Olhe aí. É um oásis.
A areia quente chegava a fazer
morrinho. De água nem uma gotinha. O homem de bom
senso resolveu dar uma de cientista e, para provar, abaixou-se, apanhou um
pouco da
areia e jogou no teimosão. Ele gritou, protegendo o rosto com as mãos:
-
Que é isso! Não me molhe!
Bem, adiemos o bom humor e
prossigamos, agora para acentuar, também, que já deve
estar mais que evidenciado que todas essas restrições não se dirigem às
instituições que se dedicam ao ensino laico, criadas, dirigidas ou
subvencionadas por espíritas. Isso é outra conversa e, sobre ela, também já me
pronunciei, de certa feita, no Conselho Federativo
Nacional. "Reformador" de março de 1972, pág. 66, registrou o resumo
de minhas palavras, assim expressas:
... “teve oportunidade de dar esclarecimentos sobre rumores de que a FEB faria restrições a iniciativas
como o Instituto Lins de Vasconcelos, do Paraná, e o Instituto Pestalozzi, de
São Paulo, O fato não tem nenhum fundamento, pois a Casa de Ismael vê com imensa
simpatia educandários desse tipo, onde o ensino leigo é ministrado com
competência e responsabilidade, sob a direção de espíritas verdadeiramente
idealistas. As restrições da FEB – expostas em mais de um Editorial de “Reformador”
- são apenas em relação a escolas ou entidades de ensino do Espiritismo, onde
pontificam os “mestres" e os "doutores", e nas quais se esboça a
ressureição da famigerada Escolástica.”
Portanto, parece-me bem definido o
pensamento da FEB, que vem sendo endossado por
esclarecidos companheiros e de cujo acerto como sempre, o tempo dirá a última
palavra. A FEB sabe esperar. Sempre soube. Não lhe compreendem, às vezes, a
posição, mas o futuro sempre veio coonestar-lhe a orientação. Não fosse ela o
"Santuário de Ismael", como acentuou Irmão X na mensagem que se
encontra em nosso número de junho deste ano, pág. 7.
De tempos em tempos ela é vítima dos
que, no fundo, estão enristando contra o próprio Espiritismo e contra o
Evangelho, posto que seu único objetivo tem sido, em quase 1
século de trabalho, a difusão da Codificação e da Boa Nova. Quantas vezes já
foi vituperada, achincalhada, ofendida, caluniada, injuriada, espezinhada! Não
importa. Os vituperadores, achincalhadores, ofensores, caluniadores,
injuriadores, espezinhadores passaram e ela foi ficando, intangível na sua
grandeza moral e no apanágio sublime que lhe reservou o Cristo, de orientadora
da fé sobre a face da Terra; eterna, imbatível.
Não faz muito tempo, um grande movimento
espocou pelos cantos mil deste país, empolgando
os espíritas, inclusive alguns dos mais sensatos. Era o novo messias que
chamava as criaturas à união ecumênica, era o enviado celeste que, com
promessas de boa vontade,
universalizaria a Doutrina Espírita! Era o novo líder que presidiria ao
movimento e ... aos cidadãos também. Houve cartas (fechadas e abertas) aos
montões para a FEB, houve reclamações, insultos, houve o diabo! Debandaram
muitos, indignaram-se inúmeros. Desertaram vários... A FEB ficou sozinha.
Alguns poucos, apenas, na solidariedade iluminada, que engrandece e glorifica.
Ismael, porém, pedia paciência... Como o Espírito da Verdade a pedira a Kardec,
logo após o auto-de-fé de Barcelona... Bezerra, Bittencourt, Guillon, traziam
aos remanescentes a sua palavra de confiança. E então... então a densa névoa
fuliginosa que enceguecera a tanta gente começou a desvanecer-se... A
grande catarata se liquefazia. O panorama foi-se clarificando... Os propósitos
do "grande" movimento foram-se delineando. Como na estória de Robert
Louis Stevenson, o nosso Dr.
Jeckyll tinha tomado a sua poção efervescente... Então, os filhos pródigos
voltaram e a Casa de Ismael recebeu-os de braços abertos... Porque esse tem
sido o seu destino e, se nunca perde, é porque sabe esperar e porfiar. Tolera
os erros e os empolgamentos dos sonhadores ingênuos, mas não transige em seus
princípios. Apedrejada, como o foi Jesus, pela Jerusalém de Tibério, também
como Jesus repete, humildemente, na poética de Eduardo Garrido: "E bem que
vais matar-me, de ti eu me condoo, e te perdoo"...
Todavia, ainda como o Mestre, tantas
vezes a crucifiquem, tantas outras ela ressurgirá do túmulo vazio!
A FEB está empenhada, por agora, em
obstar a que transformem o Espiritismo numa nova
Igreja, estruturado ao gosto duma nova escolástica e pomposamente infestado de
mestres, doutores da lei, catedráticos pedantes e presunçosos. Vai pagar o
preço que a intransigência e a má fé dos seus adversários gratuitos exigirem.
Paga sempre. "Mas, ao final, um ensino ao menos inscreverá mais uma vez
nos anais da história do Espiritismo: que não se ensina impunemente a desfigurar
a Terceira Revelação através do ensino que desensina...
E agora, enquanto acabo de ler um
novo original de Yvonne Pereira e saio para assistir a uma palestra de Divaldo
Franco com algumas mensagens de Chico Xavier no bolso -
boa-noite, muito boa-noite para quem vai fazer seu cursilho de Espiritismo.
Enquanto para
lá me dirijo, voltam-me à lembrança as passadas aventuras no Imperial Colégio
de Dom
Pedro TI... Se alguém tem curiosidade, visite-o e indague se a sala do milho
ainda existe
mesmo. Quem sabe os cursilhos não encontrem, lá, melhor ambiente? E... o
"professor" que leve o milho no bolso. Se não o tiver, que peça à
Marisa Raja Gabaglia, antes que ela dê todo o que ganhou para a Dona
Mariquinha. Eu, por mim, vou de pipoca.
Cursilhos
de Espiritismo ... Ora, pipocas!
Cursilhos de Espiritismo
Luciano dos Anjos
Reformador (FEB) Outubro 1972
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