Religião Viva
Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Janeiro 1962
Qualquer religião só tem importância
social se consegue fazer que a criatura humana evolua moralmente, aperfeiçoando
seus sentimentos, a ponto de se tornar útil à família, à comunidade em que vive
e à Humanidade em geral. Fora disso, com a doutrina asfixiada pelos dogmas, não
será mais do que uma religião morta, estratificada pelas seitas dela derivadas
e sem função social, sem função moral, sem função evolutiva.
Uma religião que prive o homem do
convívio com a razão, está condenada. O Espiritismo é uma religião que respeita
e estimula todas as faculdades mentais do homem. Disse Kardec que "fé inabalável só o é a que pode encarar
frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade". Não se
trata de uma frase destinada a ornamentar uma ideia, mas de uma frase básica,
que estabelece a verdadeira natureza do Espiritismo, religião intrinsecamente
votada ao progresso moral da Humanidade, sem peias dogmáticas nem restrições ao
intelecto. "A verdade não pode
entrar na alma humana senão pela razão; portanto, os que creem reconhecer a
verdade graças à fé, e não à razão, atribuem a esta um papel contrário
à sua natureza, o de julgar com toda a independência para saber em que
doutrina, que faz passar por certa, se deve crer. A razão não pode julgar o que
é preciso crer ou não crer, mas pode, e este é seu verdadeiro papel, comprovar
a exatidão do que se afirma." São
palavras de Leão Tolstoi.
Foi José Ingenieros que afirmou:
"Enquanto o homem pensa, é livre." Entre os bens inalienáveis que a
Humanidade precisa defender heroicamente, a liberdade constitui dos maiores. E
nenhum homem pode ser livre se não tem o direito de usar a razão.
No mundo de hoje, em que o
materialismo domina até mesmo os governos que, por interesse político,
mencionam frequentemente o nome de Deus e do Cristo, sente-se que a falência
moral dos homens vai muito adiantada. Porquê? Porque a educação por eles
recebida é deficiente. Baseada em moldes antiquados, em que Deus aparece como
um bicho papão que se deve temer; baseada em princípios religiosos corrompidos
ou desmoralizados; assente em práticas religiosas incompatíveis com o
adiantamento intelectual do século ou por elas ainda influenciada, a educação
não prepara convenientemente os homens para a vida.
Então, o homem ficou neste dilema:
ou se agarra à religião dominante, renunciando à razão, ou se lança ao
materialismo, sacrificando a razão a conceitos ilusórios, por falsos.
No século passado e no começo do
século atual, o homem compreendeu que a religião que lhe ofereciam não tinha
base lógica. Assentava-se na ficção ou na realidade comprometida pela fantasia.
Desde que pôde examinar cuidadosamente os esteios dessa religião, capacitou-se
de que ela não possuía, evidentemente, base racional para lhe dar a garantia
moral de um futuro melhor. Tudo ou quase tudo se revestia de um aspecto
miraculoso. Partia-se do sobrenatural exagerado para o misticismo irracional e
incongruente. Os crentes, em sua maioria, não eram verdadeiramente crentes.
Tanto assim que, logo aos primeiros embates com o materialismo, perderam a
confiança naquilo que aprenderam desde a infância, e se transferiram para o
materialismo, levando consigo a semente da incredulidade, desde então semeada
no mundo, através da literatura e da poesia realista (?).
Desde quando uma dessas religiões
abandonou o ambiente santificante em que se originara, para consorciar-se com a
política, sua influência benéfica foi decrescendo até desaparecer. Passou a ser
uma religião de tradição. De família em família, de geração em geração, ela
surgia como uma espécie de hábito tradicional. E chegamos, assim, ao que hoje
se vê: figura como a predominante no país, continua amparada por interesses que
não são propriamente religiosos, mas cada vez perde mais substância, cada vez
se vê mais preterida na intimidade dos corações. É a religião dos lábios, mas
não a do coração.
"Por isto, não só não se deve temer o exame da fé que nos foi inculcada
na infância, mas, pelo contrário, deve-Se submetê-la a uma revisão minuciosa,
comparando-a com outras religiões, para só admitir o que se acha de acordo com
a razão, por mais antiga e solene que seja a tradição transmitida. Depois
destes exames, quem quiser livrar-se da falsa religião inculcada em si, desde
sua infância, deve repudiar tudo o que for contrário ao seu juízo razoável, sem
duvidar um só instante de que o contrário, à razão não pode ser certo. Uma vez
livre desta mentira, aquele que quiser viver, segundo a doutrina do Cristo, não
deve, nem pela palavra, nem pelo exemplo, nem pelo silêncio, permitir o suborno
das crianças, mas denunciar, como lhe seja possível, essa adulteração, conforme
ensinava o Cristo, que se apiedava dos pequenos, dos quais se ganha a confiança."
(Leão Tolstoi.)
O Espiritismo não teme confrontos
nem evita que sua doutrina e a aplicação desta pelos verdadeiros espíritas
sejam examinadas. Antes, aconselha a quantos o procuram que, antes de adotá-lo,
façam um exame de consciência. É preciso compreender que o Espiritismo não é
nem deve ser nunca um "estado de espírito"; é imprescindível que seja
um "estado de consciência". O esforço que o Espiritismo realiza, para
restabelecer no mundo a verdadeira fé cristã, não tem sido inútil. O
desenvolvimento que elevem alcançando no Brasil, principalmente, e em muitos
outros países, apesar de todos os obstáculos que lhe são criados, é testemunho
da ressurreição do vero Cristianismo . " ...a fé cristã começou a perder
seu verdadeiro sentido na época da conversão de Constantino, quando as
divindades e os templos pagãos foram cristianizados e apareceu o mafomismo
como reação contra a pretensa pluralidade dos deuses cristãos." Daí para
cá...
Compreende-se quando uma religião
está viva, não pelo número de adeptos que afirme possuir, não pelo
poder-político que representa, não pela coação que possa exercer sobre as
chamadas "religiões da minoria", mas pela realidade prática que ela
apresenta. Uma religião que divida suas atenções com a política e os negócios, tem
muito pouco tempo para devotar a seus seguidores. Torna-se, por isto mesmo, uma
religião sem alma, uma falsa religião, sustentada pela ignorância dos que não
sabem ou não querem usar a razão, com medo de irem para o imaginário inferno.
O Espiritismo não se arreceia do
progresso da Ciência, do desenvolvimento intelectual do homem nem das
descobertas que destroem velhos e errôneos ídolos. É ainda Tolstoi quem afirma:
"o homem deve lembrar-se de que o
único meio de conhecer que possui a razão, e que, portanto, qualquer
conhecimento que se afaste da razão será mistificação e uma tentativa para
afastá-lo do meio do conhecimento dado por Deus."
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