domingo, 2 de fevereiro de 2014

Crença Viva


Religião Viva

Vinélius Di Marco (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Janeiro 1962

            Qualquer religião só tem importância social se consegue fazer que a criatura humana evolua moralmente, aperfeiçoando seus sentimentos, a ponto de se tornar útil à família, à comunidade em que vive e à Humanidade em geral. Fora disso, com a doutrina asfixiada pelos dogmas, não será mais do que uma religião morta, estratificada pelas seitas dela derivadas e sem função social, sem função moral, sem função evolutiva.

            Uma religião que prive o homem do convívio com a razão, está condenada. O Espiritismo é uma religião que respeita e estimula todas as faculdades mentais do homem. Disse Kardec que "fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade". Não se trata de uma frase destinada a ornamentar uma ideia, mas de uma frase básica, que estabelece a verdadeira natureza do Espiritismo, religião intrinsecamente votada ao progresso moral da Humanidade, sem peias dogmáticas nem restrições ao intelecto. "A verdade não pode entrar na alma humana senão pela razão; portanto, os que creem reconhecer a verdade graças à fé, e não à razão, atribuem a esta um papel contrário à sua natureza, o de julgar com toda a independência para saber em que doutrina, que faz passar por certa, se deve crer. A razão não pode julgar o que é preciso crer ou não crer, mas pode, e este é seu verdadeiro papel, comprovar a exatidão do que se afirma." São palavras de Leão Tolstoi.

            Foi José Ingenieros que afirmou: "Enquanto o homem pensa, é livre." Entre os bens inalienáveis que a Humanidade precisa defender heroicamente, a liberdade constitui dos maiores. E nenhum homem pode ser livre se não tem o direito de usar a razão.

            No mundo de hoje, em que o materialismo domina até mesmo os governos que, por interesse político, mencionam frequentemente o nome de Deus e do Cristo, sente-se que a falência moral dos homens vai muito adiantada. Porquê? Porque a educação por eles recebida é deficiente. Baseada em moldes antiquados, em que Deus aparece como um bicho papão que se deve temer; baseada em princípios religiosos corrompidos ou desmoralizados; assente em práticas religiosas incompatíveis com o adiantamento intelectual do século ou por elas ainda influenciada, a educação não prepara convenientemente os homens para a vida.

            Então, o homem ficou neste dilema: ou se agarra à religião dominante, renunciando à razão, ou se lança ao materialismo, sacrificando a razão a conceitos ilusórios, por falsos.

            No século passado e no começo do século atual, o homem compreendeu que a religião que lhe ofereciam não tinha base lógica. Assentava-se na ficção ou na realidade comprometida pela fantasia. Desde que pôde examinar cuidadosamente os esteios dessa religião, capacitou-se de que ela não possuía, evidentemente, base racional para lhe dar a garantia moral de um futuro melhor. Tudo ou quase tudo se revestia de um aspecto miraculoso. Partia-se do sobrenatural exagerado para o misticismo irracional e incongruente. Os crentes, em sua maioria, não eram verdadeiramente crentes. Tanto assim que, logo aos primeiros embates com o materialismo, perderam a confiança naquilo que aprenderam desde a infância, e se transferiram para o materialismo, levando consigo a semente da incredulidade, desde então semeada no mundo, através da literatura e da poesia realista (?).

            Desde quando uma dessas religiões abandonou o ambiente santificante em que se originara, para consorciar-se com a política, sua influência benéfica foi decrescendo até desaparecer. Passou a ser uma religião de tradição. De família em família, de geração em geração, ela surgia como uma espécie de hábito tradicional. E chegamos, assim, ao que hoje se vê: figura como a predominante no país, continua amparada por interesses que não são propriamente religiosos, mas cada vez perde mais substância, cada vez se vê mais preterida na intimidade dos corações. É a religião dos lábios, mas não a do coração.

            "Por isto, não só não se deve temer o exame da fé que nos foi inculcada na infância, mas, pelo contrário, deve-Se submetê-la a uma revisão minuciosa, comparando-a com outras religiões, para só admitir o que se acha de acordo com a razão, por mais antiga e solene que seja a tradição transmitida. Depois destes exames, quem quiser livrar-se da falsa religião inculcada em si, desde sua infância, deve repudiar tudo o que for contrário ao seu juízo razoável, sem duvidar um só instante de que o contrário, à razão não pode ser certo. Uma vez livre desta mentira, aquele que quiser viver, segundo a doutrina do Cristo, não deve, nem pela palavra, nem pelo exemplo, nem pelo silêncio, permitir o suborno das crianças, mas denunciar, como lhe seja possível, essa adulteração, conforme ensinava o Cristo, que se apiedava dos pequenos, dos quais se ganha a confiança." (Leão Tolstoi.)

            O Espiritismo não teme confrontos nem evita que sua doutrina e a aplicação desta pelos verdadeiros espíritas sejam examinadas. Antes, aconselha a quantos o procuram que, antes de adotá-lo, façam um exame de consciência. É preciso compreender que o Espiritismo não é nem deve ser nunca um "estado de espírito"; é imprescindível que seja um "estado de consciência". O esforço que o Espiritismo realiza, para restabelecer no mundo a verdadeira fé cristã, não tem sido inútil. O desenvolvimento que elevem alcançando no Brasil, principalmente, e em muitos outros países, apesar de todos os obstáculos que lhe são criados, é testemunho da ressurreição do vero Cristianismo . " ...a fé cristã começou a perder seu verdadeiro sentido na época da conversão de Constantino, quando as divindades e os templos pagãos foram cristianizados e apareceu o mafomismo como reação contra a pretensa pluralidade dos deuses cristãos." Daí para cá...      

            Compreende-se quando uma religião está viva, não pelo número de adeptos que afirme possuir, não pelo poder-político que representa, não pela coação que possa exercer sobre as chamadas "religiões da minoria", mas pela realidade prática que ela apresenta. Uma religião que divida suas atenções com a política e os negócios, tem muito pouco tempo para devotar a seus seguidores. Torna-se, por isto mesmo, uma religião sem alma, uma falsa religião, sustentada pela ignorância dos que não sabem ou não querem usar a razão, com medo de irem para o imaginário inferno.

            O Espiritismo não se arreceia do progresso da Ciência, do desenvolvimento intelectual do homem nem das descobertas que destroem velhos e errôneos ídolos. É ainda Tolstoi quem afirma: "o homem deve lembrar-se de que o único meio de conhecer que possui a razão, e que, portanto, qualquer conhecimento que se afaste da razão será mistificação e uma tentativa para afastá-lo do meio do conhecimento dado por Deus."

            Se o Pai deu a todas as criaturas o divino uso da razão, coartá-la constitui, consequentemente, um ato sacrílego. Por isto, o Espiritismo é uma religião viva, pois defende e respeita o uso da razão, como prerrogativa primacial do homem. Quem se diz espírita, seguindo a trilha de religiões falidas, não é espírita. Pensa que o é, apenas. E ao Espiritismo não interessa apenas quantidade, mas, especialmente, qualidade, isto é, adeptos que se familiarizem com a Doutrina e a pratiquem convictamente, pois seu futuro moral não dependerá jamais de milagres, mas do modo pelo qual a exemplifiquem

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