Contra senso
Valérium
por W. Vieira
Reformador (FEB) Jan 1962
Alguém bate à porta principesca.
Ela, a dona da casa, atende.
Abre a porta e encontra pobre
velhinho à frente.
Andrajoso. Cansado. Feridento.
É um pedinte que roga auxílio,
Fria e insensivelmente, ela despede
o visitante, dizendo nada ter que possa dar.
E volta resmungando à intimidade
doméstica, maldizendo o infeliz.
- É malandro: - declara.
E acrescenta:
- Para vadios, só a cadeia.
Nisso, pequeno rato desliza-lhe
pelos pés.
Assustadíssima, clama por socorro.
Chora.
Fecha-se, superexcitada, em quarto
próximo, a lastimar-se.
Bate-lhe o coração fortemente, as
mãos tremem, a face está lívida e, por fim, depois de um copo d’água, procura o
festejado gato de estimação para exterminar o camundongo.
*
Assim são muitas de nossas comoções.
Não vibramos ante os quadros
dolorosos que pedem ajuda e agitamo-nos, agoniados, diante de incidentes banais.
*
Amigo, controle a sensibilidade,
vigiando reações e policiando as ideias, para que o rendimento maior dos seus
dias, à luz do Evangelho Vivo, seja realidade em seu caminho.
Recorde que muita gente na Terra
enfeita gatinhos prediletos e se enoja diante de irmãos em luta.
E há milhares de almas outras que
exibem clamorosa frieza ante os apelos do bem e mostram imensa emoção à frente
de um rato.
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