XVIII
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec - 1958
“Verdade é que alguns pregam a
Cristo por inveja ou porfia,
mas uns outros de boa mente; Uns por
amor,
sabendo que fui posto para defesa do
evangelho;
Mas outros, na verdade, anunciam a
Cristo por contensão,
não puramente, julgando acrescentar
aflição às minhas prisões.
Mas que importa? Contanto que o Cristo
seja anunciado de toda
a maneira, ou com fingimento ou em
verdade,
nisto me regozijo, e me regozijarei
ainda.
(Paulo - Epístola aos
Filipenses, 1:15 a 18)
“Uns
pregam a Cristo por inveja ou porfia”, diz Paulo; por vaidade ou com
propósitos de dominação, podemos acrescentar. Mas outros o fazem de boa mente,
com sinceridade ou com o desejo santo de evangelizar. Mas a Deus compete julgar
e não a nós, mortais falíveis, pois não temos o direito de penetrar no íntimo
de quem fala ou escreve, de vez que as aparências também podem iludir.
“Mas
que importa? - diz ainda o apóstolo. -
Contanto que o Cristo seja anunciado de toda a maneira, ou com fingimento ou em
verdade.”
O mesmo poder-se à dizer dos que
pregam ou dos que divulgam o Espiritismo, que é a Terceira Revelação de Deus, o
Consolador prometido por Jesus, como algo que ficaria “eternamente” conosco. O principal é difundi-lo, é procurar atrair
os homens ao redil do Senhor, de todas as maneiras possíveis, mesmo porque “os tempos estão chegados” e urge a
evangelização em massa, constante e persistente.
A semente nem sempre cairá em
terreno propício, pois é sabido que “o
fruto não amadurece antes do tempo”. Mesmo assim, o dever dos que se sentem
aptos é semear, escolhendo, porém, o momento oportuno, de vez que “não se deve jogar pérolas aos porcos”.
Vem a propósito recordarmos a
parábola do semeador, como no-la ensinou o Senhor Jesus, e como está em Mateus,
13:3 a 9:
“Eis
que o semeador saiu a semear.
E, quando semeava, uma parte da
semente caiu ao pé Do caminho, e vieram as aves e comeram-na; E outra parte
caiu em pedregais, onde não havia terra bastante, e logo nasceu, porque não
tinha terra funda; Mas, vindo o sol, queimou-se e secou-se, porque não tinha
raiz. E outra caiu entre
espinhos, e os espinhos cresceram e sufocaram-na. E outra caiu em boa terra, e
deu fruto: uma a cem, outra a sessenta e outra a trinta.”
E o Nazareno, ainda no capítulo
treze de Mateus, nos versículos dezoito a vinte e três, dá a explicação de tal
parábola:
“Escutai
vós, pois, a parábola do semeador.
Escutando alguém a palavra do reino
e não a entendendo, vem o maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração; este
é o que foi semeado ao pé do caminho; porém, o que foi semeado em pedregais é o
que ouve a palavra, e logo a recebe com alegria; mas não tem raiz em si mesmo,
antes é de pouca duração; e, chegada a angústia ou a perseguição por causa da
palavra, logo se ofende; e o que foi semeado entre espinhos é o que ouve a
palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução das riquezas sufocam a
palavra, e fica infrutífera; mas o que foi semeado em boa terra é o que ouve e
compreende a palavra; e dá fruto, e um produz cem, outro sessenta, e outro
trinta.”
O principal, portanto, é semear,
pois a colheita cabe ao Senhor. Somos humildes trabalhadores de sua vinha, mas ele
é o dono do vinhedo, competindo-lhe a ceifa e a escolha na colheita, o
julgamento, o prêmio ou a sanção, de vez que “a cada um será dado segundo as suas obras”. É claro que, se
procedermos com amor ou com sinceridade na semeadura, melhor será o salário.
André Luiz explica, em “Nosso Lar”,
que o pagamento do trabalho espiritual é feito pela obra em si, e também pela
quantidade ou qualidade do amor que nela empregamos. Mas Deus é quem julga o
merecimento, o valor do trabalho, seu mérito real. Portanto, nós não temos o
direito de elogiar e nem de duvidar de nosso irmão que moureja ou que se
esforça na semeadura do bem.
Mais vale, contudo, uma palavra de
estímulo, às vezes caridosa, do que a crítica mordaz ou destrutiva.
Os que semeamos em Espiritismo não
podemos calcular o merecimento, nem o resultado de nossa obra, jamais nos
devendo envaidecer com ela. Se estamos cumprindo com o dever, resgatando um
passado delituoso (pois todos nós o possuímos, através das várias
reencarnações); se encontramos agora o verdadeiro caminho, resta-nos apenas
prosseguir, “sem olhar para trás”,
isto é, sem arrefecimentos e sem reincidirmos nos erros do passado.
Temos muita responsabilidade pelo
que dizemos ou escrevemos. O julgamento não é somente pelas obras, mas também
pelas palavras:
“Porque
por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás condenado.”
(Mateus, 12:37)
Se levianamente sustentamos um ponto
de vista contrário aos ensinamentos dos Espíritos do Senhor, estaremos
contribuindo para a confusão, para o prejuízo da semeadura e também para o
resultado da colheita. Destarte, se formos premiados pelo bem, seremos
responsabilizados, outro tanto, pelos efeitos danosos que nossas palavras,
porventura, possam ocasionar à obra.
Assim, não devemos jamais pregar a
separação entre os cristãos, nem a intolerância. Lemos em “Herculanum”, livro
mediúnico de Rochester, à página 343, estas palavras de ouro, que merecem
gravadas por todos nós, espíritas-cristãos:
“Todas
as religiões prescrevem fazer o bem e evitar o mal, pelo que são todas iguais à
face de Deus. Assim, quaisquer que sejam os credos, seus prosélitos se farão
igualmente amados do Divino Mestre, desde que lhe cumpram o essencial preceito.”
E esse preceito essencial é o amor.
Amor a nós mesmos, pela transformação moral e pelo cumprimento de nossos
deveres. Amor ao próximo, na prática do bem e da tolerância, sempre que se nos
oferecer oportunidade.
Portanto, aproveitar a tribuna
espírita para destilar ódios contra padres, por exemplo, está muito errado.
Devemos pregar o Cristianismo ou o Espiritismo-cristão (que são uma só coisa ou
uma só doutrina, este completando aquele), mas com doçura, sem querer impor
nossos pontos de vista. E assim nos devemos conduzir, mesmo quando atacados.
Destarte, podemos apontar os erros dos dogmas, dos preceitos católicos ou
protestantes que se apegarem
mais ao ritual do que à essência, porém, sem usar linguagem ferina, procurando
todos os meios de não melindrar suscetibilidades. Devemos ter até cuidado
quanto ao assunto a desenvolver. Se o Centro é de pessoas humildes, o que
comumente se nos depara no interior, é aconselhável versarmos tema simples, que
possa ser compreendido e que toque os corações. Se assim não fizermos, se
versarmos questões doutrinárias muito fortes, estaremos arriscando a afastar
certas almas indecisas, desunindo, em vez de construir. Quando falarmos no
rádio ou para o público profano, nosso desvelo deve ser maior. Não devemos
irritar, mas
convencer.
E a palavra mais convincente é a que brota do coração com tolerância e amor.
Temos ouvido certos pastores
protestantes falar sobre o Cristianismo, de um modo que nos pode servir de
exemplo: sem atacar, sem ferir preconceitos. E os que assim não se conduzem,
geram a intolerância em seu rebanho, tornam-se antipáticos a terceiros,
destroem o sentimento de fraternidade, quando nossa preocupação deve ser a de
unir, em torno do Cristo.
Preguemos o Evangelho ou o
Espiritismo de todos os modos, sobretudo com os exemplos pessoais, mas façamo-lo
sempre com cautela e simplicidade, a fim de que nosso trabalho seja proveitoso.
Nada de arrogâncias, nem de desafios; nada de nos julgarmos superiores, pois
nos devemos lembrar de que se conhece o cristão pela sua humildade.
É aconselhável que não se pregue a
Boa Nova “por inveja ou porfia”, como
disse Paulo, nem com propósito de dominação. Façamo-lo de boa mente, com
sinceridade e cordura. Tenhamos sobretudo muita tolerância e compreensão para
com aqueles que ainda não gravitam no mesmo círculo de nosso entendimento. O
Espiritismo veio para unir os homens. Mas se nós, em vez de destilarmos amor,
lançarmos centelhas incandescentes de ódio contra os
que não comungam conosco, onde a lealdade às lições do Cristo?
É verdade que Ele expulsou os
vendilhões do templo, mas tinha autoridade moral para fazê-lo, O que nos
ensinou foi que agíssemos com amor, cujo exemplo continuamente nos deu, pois
sua vida é cheia de atos generosos e tolerantes. Assim, aproveitarmo-nos somente
daquele ato do Senhor Jesus para justificar todas as nossas intolerâncias é não
compreendermos sua doutrina de perdão e de humildade.
A Igreja de Deus é composta de todos
os cristãos, ou melhor, de todos aqueles que cumprem os mandamentos do Divino
Mestre. Portanto, não tenhamos a vaidade de supor que monopolizamos Jesus. Se
temos melhores esclarecimentos, que nos vêm dos Céus, trazidos por seus
Mensageiros, convenhamos também que somos falíveis, sujeitos a fraquezas e a
erros, e que, por consequência, não nos devemos jactar de superioridades...
Se nossa doutrina é mais clara, não
quer dizer que nosso Espírito seja sempre mais perfeito em matéria de
percepção. Assim, por que entender que nosso irmão que diverge, está sempre
errado? Não é melhor tolerar suas palavras e julgá-lo com brandura?
Sinceros não somos somente nós;
tenhamos a nobreza de achar que muitos padres e pastores, por exemplo, estão
convencidos do que pregam. Portanto, só com muito amor é que devemos deles
discordar, para não parecermos também intolerantes, caindo nos mesmos erros que
neles apontamos.
Façamos uma revisão em nosso modo de
pregar o Evangelho. Quantos espíritas poderiam ser mais proveitosos ou mais
producentes em suas doutrinações, se vissem um irmão em seu semelhante, quando
dele discordassem, em qualquer terreno.
Sim, preguemos as palavras de Jesus,
mas sem esquecermos, jamais, os seus ensinamentos:
“Um
novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós,
que também vós uns aos outros vos ameis. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos
amardes uns aos outros.” - (João, 13:34 e 35).
Como poderemos parecer cristãos, se
demonstrarmos em nossas palavras azedume ou intolerância? Lembremo-nos de que
os católicos, os protestantes, os budistas e até os ateus, todos são nossos
irmãos. O “amai-vos uns aos outros”
não deve ser extensivo somente aos de nossa grei, mas a toda a Humanidade. Esse
sentimento universalista é o que caracteriza, verdadeiramente, o ensinamento de
Jesus.
Aquele que mais diverge de nós, esse
deve merecer, sem dúvida, um tratamento bem carinhoso. Assim demonstraremos
compreender e praticar os ensinos de nosso Divino Mestre, que nos julgará por
nossas obras e também por nossas palavras.
Outro prisma que bem se enquadra
nestes comentários é o da opinião pessoal.
Não devemos emitir opinião pessoal
que se choque com os ensinamentos de nossos Maiores da Espiritualidade.
Se somos espíritas, não podemos
externar pontos de vista contrários às lições dos Espíritos, contidas nos
livros de Kardec, nem aos conceitos do corpo de doutrina, já desenvolvido por
seus continuadores. Dentre estes, devemos incluir Francisco Cândido Xavier,
fiel intérprete dos ensinos do Alto. Lembremo-nos de que a Doutrina é do
Espírito Santo e não nossa.
Portanto, se o Paracleto dá valor ao
Novo Testamento, como poderemos desconhecer o valor da Bíblia, que encerra as
lições de nosso Divino Mestre e as previsões dos profetas que o antecederam?
O Espiritismo, como o Cristianismo,
é calcado no “livro dos livros”, que encerra a mensagem de Deus. “O Evangelho
segundo o Espiritismo” é a prova inconteste de que o Codificador de nossa
Doutrina deu assinalado valor à Bíblia, notadamente ao Novo Testamento. Assim,
estudemo-lo para prega-lo “em espírito e verdade”. Vivamos suas lições. E
rememoremos sempre a Paulo de Tarso, continuador ideológico do Cristo de Deus,
como hoje os Mensageiros do Senhor também o são, “vasos escolhidos” para
pregarem a verdade a toda a gente, sobretudo àqueles que tiverem ouvidos para
ouvir, coração para sentir e amor para exemplificar tão sublimes ensinamentos.
Preguemos as palavras de Jesus.
Evangelizemos! Mas façamo-lo sempre com tolerância e bondade, conforme ele
mesmo nos ensinou.
E pelos frutos a árvore será
conhecida, assim como de onde provém a doutrina que propagamos.
Sejamos fiéis ao Divino Mestre:
tolerantes, fraternos, humildes e bondosos, conduzindo-nos, enfim, com AMOR.
Parodiando Rui Barbosa poderemos
dizer: com amor, pelo amor e para o amor, porque, fora do amor não há salvação!
Assim o apóstolo dos gentios também
entendia e é esta a lição reiterada pelos nossos Maiores da Espiritualidade.
Senti-la e praticá-la é servir ao Senhor Jesus “em espírito e verdade”.
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