O trabalho, enfim
Martins Peralva
Reformador
(FEB) Janeiro 1961
"
...nenhum amigo do mundo poderia avaliar a alegria sublime
do médico que recomeçava a educação de si
mesmo,
na enfermagem
rudimentar." – André Luiz
Um
dos mais significativos capítulos da obra "Nosso Lar" - cujo estudo,
metódico e pormenorizado vimos de concluir no C. E. "Célia Xavier",
em Belo Horizonte - tem o título de "O Trabalho, enfim".
Como,
geralmente, o leitor, espírita ou não, pouco se detém na essência das lições,
limitando-se, a grande maioria, a simplesmente lê-las, houvemos por bem
ressaltá-lo nesta crônica, como o fizéramos no "Célia Xavier", na
noite em que o estudáramos, perante os companheiros de aprendizado.
Quem
se dedica ao exame da literatura de André Luiz, não desconhece o esforço que
esse grande Espírito realizou, a partir do instante em que as carinhosas e
enérgicas mãos de Clarêncio o retiraram das sombras umbralinas.
Luta
imensa, profunda, difícil e complexa - porque complexa e difícil, profunda e
imensa é a luta do soerguimento, da ressurreição.
Luta
de renovação, afinal.
Alguns
anos se passaram, inúmeras foram as emoções vividas por André Luiz na operosa e
simpática organização fundada por distintos portugueses, desencarnados no
Brasil, no século XVI.
Muitas
alegrias e surpresas felicitaram o ex-médico terrestre.
A
maior e mais importante alegria, contudo, consistiu no seu primeiro contato
efetivo com o trabalho.
Verificou-se
no momento em que suas abençoadas mãos se movimentaram, por iniciativa própria
e sob o impulso do Bem, no trabalho socorrista.
A
ênfase que o próprio André Luiz põe no título: "O Trabalho, enfim",
fala melhor do que qualquer referência nossa.
Fala
mais alto do que qualquer evidência que possamos atribuir ao fato.
* * *
Foi
uma visita às Câmaras de Retificação.
Por
toda a parte o sofrimento, a angústia, o desespero, gerando a dor.
André
Luiz confessa: "Nunca poderia
imaginar o quadro que se desenhava agora aos meus olhos. Não era o hospital de
sangue, nem o instituto de tratamento normal da saúde orgânica. Era uma série
de câmaras vastas, ligadas entre si e repletas de verdadeiros despojos humanos.
Singular
vozerio pairava no ar. Gemidos, soluços, frases dolorosas pronunciadas a
esmo...
Rostos
desvairados, mãos esqueléticas, faces monstruosas deixavam transparecer
terrivel miséria espiritual.
Tão
angustiosas foram minhas primeiras impressões que procurei os recursos da prece
para não fraquejar."
A
visita de André Luiz às Câmaras, realizada a seu tempo, fê-lo entrar em contato
com infelizes entidades, almas alucinadas, enlouquecidas. Quando Tobias, seu
acompanhante, começou a aplicar passes nos enfermos, notou o antigo médico da
Terra que os dois primeiros começaram a expelir negra substancia pela boca,
espécie de vômito escuro e viscoso, com terríveis emanações
cadavéricas.
Observando
que Narcisa, outra acompanhante, fazia o possível por atender à tarefa de limpeza,
André Luiz, convertendo-se em humilde e simples enfermeiro, agarrou-se aos
petrechos de higiene e lançou-se ao trabalho com fervor.
Começou
a limpar, ele próprio, a substância negra e mal cheirosa que escorria da boca
dos enfermos...
Esse
episódio, auspicioso e decisivo para a continuidade do esforço libertador do
querido amigo, foi, para ele, tão significativo, que se não privou de traduzi-lo,
enfaticamente, no título do capítulo em que o descreve: O TRABALHO, ENFIM.
Várias
experiências cercam e assinalam o problema renovativo dos seres, encarnados ou
desencarnados; o mais importante, contudo, decerto, é que marca a superação do
preconceito, da vaidade afinal.
É
aquela em que a criatura se dispõe ao trabalho com o Senhor, com humildade e
ardor. Ouçamos a palavra da respeitável entidade, externando para nós outros,
da esfera física, o indefinível júbilo de que se viu possuído, na inolvidável manhã
das Câmaras de Retificação:
"O serviço continuou por todo o dia,
custando-me abençoado suor, e nenhum amigo do mundo poderia avaliar a alegria
sublime do Médico que recomeçava a educação de si mesmo na enfermagem
rudimentar."
O
destaque por André Luiz dispensado ao seu primeiro dia de trabalho, efetivo e
consciente, espontâneo e sincero, não deve passar despercebido aos aprendizes
do plano terrestre.
E
que nos seja possível, a todos, sem demora e em definitivo, repetir com o
querido André Luiz: O trabalho, enfim.
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