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sexta-feira, 3 de setembro de 2021

O fenômeno da morte aparente



O fenômeno da morte aparente

por Heitor Modesto

Reformador (FEB) Agosto 1925

            A propósito dos casos da morte aparente, fenômeno que acontece com certos médiuns, de que trata a medicina legal e foi objeto de um de nossos artigos nu, dos passados números de Reformador, escreve-nos o Sr. Heitor Modesto, redator dos debates da Câmara dos Deputados, publicista, e que se vem entregando ultimamente ao estado dos assuntos espiritualistas:

            “Tenho para mim que o primeiro requisito que um homem deve apresentar, para pesquisar o mistério da vida e descobrir a verdade sobre a nossa origem e o nosso destino, é a boa-fé, muito embora se diga que a boa-fé é o apanágio da ignorância. Boa-fé, porém, não se entenda credulidade fácil, abandono cômodo do raciocínio, senão honestidade em confessar aquilo que impressione o nosso juízo e convença a nossa razão. A boa-fé, assim, diz mais respeito a nós mesmos que ao próximo.

            Não sou um espírita sectário- sou apenas um homem de boa-fé, que procura descobrir a verdade.

            Ao citar enfaticamente a opinião de Richet, colhida no tratado de Metapsíquica, o Sr. Medeiros e Albuquerque refere-se, com ar de penalizada ironia, a constantes alusões dos espíritas à obra desse notável mestre, como sustentáculo da doutrina espírita.

            É um engano de observação do ilustre polígrafo. Os espíritas não se referem às conclusões pessoais escritas de Richet, mas à conclusão de sua obra, naquilo que o eminente cientista, numa lamentável manifestação de – respeito humano – (segundo a definição católica romana) diante da intolerância da ciência oficial, expos aos olhos da crítica de modo tão perturbador, como aconteceu nos trabalhos sobre o ectoplasma, sem aventurar-se a prosseguir, preferindo cobrir todo o supranormal de suas conclusões científicas com o manto de uma nova esfera de conhecimentos humanos, que ele não define, mas de que pretende ser o classificador – a Metapsíquica.      

            O verdadeiro Espiritismo jamais se valeu do embuste para propaganda de suas ideias.

            Ainda neste momento tenho em mão o número de maio deste ano da “Revue de Metapsychique” – sob o título “Um falso médium desmascarado”, um artigo do notável Dr. Osty, dando o compte renda (relatório) de sua admiração dos fenômenos apresentados por Madame Albertine, esposa de Bourniquel, um nome assaz conhecido como escritor espírita (Les tèmoins posthumes, etc.)

            A boa fé e a honestidade da “Revue Spirite”, de Paris, fazendo-se veículo de um fato escandaloso, por atingir uma das bases das investigações de Bourniquel, vem mostrar à evidência a sinceridade que os verdadeiros espíritas desejam que reine sobre as suas investigações, muito embora se pudesse alegar que cem fraudes não destroem a verdade controlada uma só vez e que os mais notáveis médiuns, como Eusápia Paladino, foram apanhados em fraude.

            Veja, porém, que me estendo demasiado em entrar no verdadeiro objetivo desta carta, escrita especialmente para apresentar-lhe um exemplo a mais, às suas interessantes afirmativas sobre o fenômeno da morte aparente.

            A narrativa, que me foi feita pelo Sr. J. G., capitalista, homem culto e lúcido, eu a ouvi na presença do meu ilustre amigo Dr. Domingos Barbosa, este ano, em S. Lourenço.

            O Sr. J. G. internara sua esposa numa das mais afamadas casas desta capital, para sujeita-la a uma delicada operação cirúrgica. Realizada essa, foi declarado pelos médicos presentes, depois de rigorosa verificação, que a operada sucumbira. Estava morta.

            O marido, não se conformando com o veredicto dos médicos, fez com que ministrassem à morta – várias injeções, sem o menor resultado.

            Isso aconteceu à tarde. Amigos e parentes se encarregaram das providências exigidas em tais casos e o corpo foi vestido devidamente, rodeado de círios e coberto de flores, enquanto aguardava a hora do enterramento, que seria no dia seguinte.

            Ao velar, longas horas durante à noite o – cadáver – de esposa, o Sr. J. G. não se conformava com o desenlace brusco daquela vida tão cara aos sentimentos de amor conjugal.    Era como a gota d’água a bater naquele monoideísmo tenaz. Ela não morreu!

            Quase à meia noite conseguiu ele, ainda uma vez, que o médico de plantão num gesto mais de delicada concessão social, que de alcance científico, desse no – cadáver – mais uma injeção, aliás sem resultado algum.

            Pela madrugada, ao passar pela porta do quarto onde estava a – morta – um enfermeiro, pediu-lhe para sair. J. G. ainda uma vez, que obtivesse do médico de serviço o favor de fazer mais uma injeção no corpo da esposa, porque –estava certo de que ele não morrera. O enfermeiro propôs lhe de preferência um calmante para os nervos, visivelmente abalados pelas emoções violentíssimas que havia sofrido o já então viúvo. Não era mais possível recurso algum, além de que o médico de plantão estava dormindo. Não se conformou o Sr. J. G. com a a desculpa do enfermeiro e foi em pessoa acordar o médico e pedir lhe que mais uma vez desse uma injeção no corpo, considerado há muito como cadáver. Após relutância feroz e quase agressiva, o médico, vendo que não havia outro meio de repousar, consentiu em levantar-se e ir à câmara mortuária, fazer - pela última vez - uma tentativa de trazer de novo à vida a operada de véspera. Feita a injeção, momentos depois o corpo começou a suar, não tardando a manifestação de movimentos de pálpebras, denunciando a vida.

            Tão sensacional foi esse caso, que ainda agora, segundo diz o Sr. J. G. , o ilustre diretor da casa de saúde onde ele se deu  quando se encontra o ex viúva, tem por costume perguntar lhe – “Como vai a nossa ressuscitada?”

            Como explicar este fato? Simples coincidência de morte suposta com o abalo nervoso do esposo inconsolável? Monoideísmo resultante de ligação ódica entre os esposos? Sugestão de qualquer entidade invisível?

            São passados quatro anos, desde que Mme. J. G. voltou à vida. Dizem os médicos que foi a injeção que fez voltar à vida o corpo da morta aparente. Oficialmente está certo. Se os médicos tem o privilégio      de decretar a morte, devem tê-lo também para sancionar a volta à vida...

            Madame J. G. até hoje está viva. Ela mesma ouviu a narrativa de sua morte e sorria ao esposo amantíssimo, ao vê-lo narrar o seu desespero, quando a julgou perdida para sempre.

            Sem mais, desculpando-me da importunação, peço-lhe que me considere sempre um dos seus mais atentos leitores e admiradores.


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