O fenômeno da morte aparente
por Heitor Modesto
Reformador (FEB) Agosto 1925
A propósito dos casos da morte aparente, fenômeno que acontece com certos médiuns, de que trata a medicina legal e foi objeto de um de nossos artigos nu, dos passados números de Reformador, escreve-nos o Sr. Heitor Modesto, redator dos debates da Câmara dos Deputados, publicista, e que se vem entregando ultimamente ao estado dos assuntos espiritualistas:
“Tenho
para mim que o primeiro requisito que um homem deve apresentar, para pesquisar
o mistério da vida e descobrir a verdade sobre a nossa origem e o nosso
destino, é a boa-fé, muito embora se diga que a boa-fé é o apanágio da
ignorância. Boa-fé, porém, não se entenda credulidade fácil, abandono cômodo do
raciocínio, senão honestidade em confessar aquilo que impressione o nosso juízo
e convença a nossa razão. A boa-fé, assim, diz mais respeito a nós mesmos que
ao próximo.
Não
sou um espírita sectário- sou apenas um homem de boa-fé, que procura descobrir
a verdade.
Ao
citar enfaticamente a opinião de Richet, colhida no tratado de Metapsíquica, o
Sr. Medeiros e Albuquerque refere-se, com ar de penalizada ironia, a constantes
alusões dos espíritas à obra desse notável mestre, como sustentáculo da
doutrina espírita.
É
um engano de observação do ilustre polígrafo. Os espíritas não se referem às
conclusões pessoais escritas de Richet, mas à conclusão de sua obra, naquilo
que o eminente cientista, numa lamentável manifestação de – respeito humano –
(segundo a definição católica romana) diante da intolerância da ciência
oficial, expos aos olhos da crítica de modo tão perturbador, como aconteceu nos
trabalhos sobre o ectoplasma, sem aventurar-se a prosseguir, preferindo cobrir
todo o supranormal de suas conclusões científicas com o manto de uma nova
esfera de conhecimentos humanos, que ele não define, mas de que pretende ser o
classificador – a Metapsíquica.
O
verdadeiro Espiritismo jamais se valeu do embuste para propaganda de suas
ideias.
Ainda
neste momento tenho em mão o número de maio deste ano da “Revue de Metapsychique”
– sob o título “Um falso médium desmascarado”, um artigo do notável Dr. Osty,
dando o compte renda (relatório) de
sua admiração dos fenômenos apresentados por Madame Albertine, esposa de
Bourniquel, um nome assaz conhecido como escritor espírita (Les tèmoins posthumes, etc.)
A
boa fé e a honestidade da “Revue Spirite”, de Paris, fazendo-se veículo de um
fato escandaloso, por atingir uma das bases das investigações de Bourniquel,
vem mostrar à evidência a sinceridade que os verdadeiros espíritas desejam que
reine sobre as suas investigações, muito embora se pudesse alegar que cem
fraudes não destroem a verdade controlada uma só vez e que os mais notáveis
médiuns, como Eusápia Paladino, foram apanhados em fraude.
Veja,
porém, que me estendo demasiado em entrar no verdadeiro objetivo desta carta,
escrita especialmente para apresentar-lhe um exemplo a mais, às suas
interessantes afirmativas sobre o fenômeno da morte aparente.
A
narrativa, que me foi feita pelo Sr. J. G., capitalista, homem culto e lúcido,
eu a ouvi na presença do meu ilustre amigo Dr. Domingos Barbosa, este ano, em
S. Lourenço.
O
Sr. J. G. internara sua esposa numa das mais afamadas casas desta capital, para
sujeita-la a uma delicada operação cirúrgica. Realizada essa, foi declarado
pelos médicos presentes, depois de rigorosa verificação, que a operada
sucumbira. Estava morta.
O
marido, não se conformando com o veredicto dos médicos, fez com que
ministrassem à morta – várias injeções, sem o menor resultado.
Isso
aconteceu à tarde. Amigos e parentes se encarregaram das providências exigidas
em tais casos e o corpo foi vestido devidamente, rodeado de círios e coberto de
flores, enquanto aguardava a hora do enterramento, que seria no dia seguinte.
Ao
velar, longas horas durante à noite o – cadáver – de esposa, o Sr. J. G. não se
conformava com o desenlace brusco daquela vida tão cara aos sentimentos de amor
conjugal. Era como a gota d’água a bater naquele
monoideísmo tenaz. Ela não morreu!
Quase
à meia noite conseguiu ele, ainda uma vez, que o médico de plantão num gesto
mais de delicada concessão social, que de alcance científico, desse no –
cadáver – mais uma injeção, aliás sem resultado algum.
Pela
madrugada, ao passar pela porta do quarto onde estava a – morta – um enfermeiro,
pediu-lhe para sair. J. G. ainda uma vez, que obtivesse do médico de serviço o
favor de fazer mais uma injeção no corpo da esposa, porque –estava certo de que
ele não morrera. O enfermeiro propôs lhe de preferência um calmante para os
nervos, visivelmente abalados pelas emoções violentíssimas que havia sofrido o
já então viúvo. Não era mais possível recurso algum, além de que o médico de
plantão estava dormindo. Não se conformou o Sr. J. G. com a a desculpa do
enfermeiro e foi em pessoa acordar o médico e pedir lhe que mais uma vez desse
uma injeção no corpo, considerado há muito como cadáver. Após relutância feroz
e quase agressiva, o médico, vendo que não havia outro meio de repousar,
consentiu em levantar-se e ir à câmara mortuária, fazer - pela última vez - uma
tentativa de trazer de novo à vida a operada de véspera. Feita a injeção,
momentos depois o corpo começou a suar, não tardando a manifestação de
movimentos de pálpebras, denunciando a vida.
Tão
sensacional foi esse caso, que ainda agora, segundo diz o Sr. J. G. , o ilustre
diretor da casa de saúde onde ele se deu
quando se encontra o ex viúva, tem por costume perguntar lhe – “Como vai
a nossa ressuscitada?”
Como
explicar este fato? Simples coincidência de morte suposta com o abalo nervoso
do esposo inconsolável? Monoideísmo resultante de ligação ódica entre os
esposos? Sugestão de qualquer entidade invisível?
São
passados quatro anos, desde que Mme. J. G. voltou à vida. Dizem os médicos que
foi a injeção que fez voltar à vida o corpo da morta aparente. Oficialmente
está certo. Se os médicos tem o privilégio
de decretar a morte, devem tê-lo também para sancionar a volta à vida...
Madame
J. G. até hoje está viva. Ela mesma ouviu a narrativa de sua morte e sorria ao
esposo amantíssimo, ao vê-lo narrar o seu desespero, quando a julgou perdida
para sempre.
Sem
mais, desculpando-me da importunação, peço-lhe que me considere sempre um dos
seus mais atentos leitores e admiradores.
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