Terapia
do futuro
Hermínio Miranda
Reformador
(FEB) Fevereiro 1980
Em 1972 (junho, julho e agosto)
"Reformador" publicou uma série de três artigos de minha autoria sob
o título "Regressão de memória". No primeiro deles, entre outras
especulações das muitas tas que o tema suscita sempre, conversamos, o leitor e
eu, sobre os recursos terapêuticas da regressão para disfunção psíquica de variada
natureza. Lembrei alguns casos de meu conhecimento em que inibições, fobias e
desajustes emocionais foram solucionados ou atenuados por essa técnica que, aliás,
não entra em choque com os métodos habituais da psicanálise freudiana; pelo
contrário, acomoda-se a estes, com a única diferença fundamental de que
introduz o conceito da reencarnação. Quanto ao mais, é a mesma metodologia da
busca dos traumas na história pregressa do paciente e a consequente
racionalização dos problemas, visando à eventual dissolução dos núcleos em que
se acham incrustados.
Vamos exemplificar o que isto
significa com uma curiosa e inteligente observação do escritor Érico Veríssimo.
Suponhamos, dizia ele, que você esteja em repouso no piso superior numa casa de
dois pavimentos. De repente, você ouve um ruído lá embaixo. Talvez até você
saiba que é o gato que derrubou alguma coisa no chão. Aí, porém, você não
consegue repousar mais. Teria mesmo sido o gato? Quem sabe alguém entrou na
casa com intenções criminosas? Estaria alguma coisa vazando? Será que a porta
não ficou inadvertidamente aberta? Se a sua imaginação for mais ativa, você
pode até imaginar um fantasma ou um fenômeno de "poltergeist". Em
suma: é melhor levantar-se, descer a escada e certificar-se de que foi mesmo o
gato que derrubou uma jarra. Só então você estará sossegado e poderá retomar
seu repouso tranquilamente. Era o gato...
Guardadas as devidas proporções,
esse é o mecanismo de certas anomalias psíquicas. Pelas complicações emocionais
que nos causam, pelas indefinidas inquietações que nos impõem e pelos temores
que nos induzem, muitos deles exagerados ou francamente infundados não é difícil
entender que problemas graves se agitam irresolvidos nas profundezas do
inconsciente. Freud adotou o método da livre associação de ideias e lembranças,
o estudo das mensagens oníricas, os lapsos de memória, de língua (falada ou
escrita), enfim, uma série de recursos e artifícios para burlar a vigilância do
consciente e penetrar nos arcanos do inconsciente em busca do núcleo
perturbador, a que chamou de trauma. Com todo respeito pelo seu pioneirismo de
genial desbravador da mente, força é reconhecer hoje que sua metodologia estava
comprometida por sérias dificuldades operacionais – a lentidão e o caráter
aleatório da coleta do material, bem como um bloqueio que, na maioria dos
casos, frustrava suas expectativas de atingir o cerne da questão, ou seja, o seu
dogma científico - se assim podemos dizer - de considerar o âmbito de uma única
existência do ser humano.
Dentro da rigidez desse esquema, o
trauma poderia levar anos para revelar-se, ou nunca, pois o processo consiste
em pescar uma ou outra agulha preciosa num imenso palheiro de recordações, de
fantasias e de associações. Situação essa agravada, ainda, pelo fato de que o
paciente é o primeiro a desejar, consciente ou inconscientemente, bloquear as
lembranças traumáticas, exatamente porque teme enfrentá-las e sem enfrentá-las
não conseguirá resolvê-las.
Por isso, alguns críticos mais
severos foram impiedosos com relação aos postulados básicos da doutrina freudiana,
como Almir de Andrade ou Emil Ludwig, para citar dois mais antigos.
Se o trauma estivesse localizado no
contexto de uma existência anterior, lá continuaria porque o grande desbravador
não estava preparado para admitir essa hipótese de trabalho. Carl Jung, seu
discípulo dissidente, ainda que mais predisposto a tais aberturas deu inúmeras
voltas em torno do edifício mas não quis bater à porta para ver o que havia lá
dentro. Preferiu tangenciar pela teoria dos arquétipos, a do inconsciente
coletivo outras geniais mas incompletas, formulações. Foi uma na pena, porque
os dogmatismos de um e as relutâncias e hesitações de outro atrasaram o relógio
da psicanálise em, pelo menos, meio século.
Rogo ao leitor qualificado profissionalmente
neste belíssimo campo de especulação científica que me perdoe as divagações,
que não passam de reflexões de um leigo curioso e profundamente interessado na
temática dos desarranjos mentais em geral, pelos seus aspectos humanos, pelas
dores que acarretam, pelas aflições e perplexidades que causam direta ou
indiretamente, a uma incalculável multidão de seres e que nós, espíritas, convictos
da realidade inquestionável da reencarnação, não podemos deixar de pensar nos
sofrimentos que poderiam ser poupados ou minorados se a terapêutica dos distúrbios
mentais já houvesse incorporado ao seu arsenal clínico os conceitos das vidas
sucessivas e
da doutrina da ação e reação.
Mas voltemos às observações iniciais
deste artigo.
*
Lembro-me de que na época em que
saíram os estudos da série sobre regressão de memória não faltou quem questionasse
a técnica como recurso terapêutico. Havia os que achavam que a simples identificação
e racionalização de um episódio mais ou menos remoto não seria suficiente para
desencadear um processo de cura pelo reequilíbrio mental ou
emocional.
Não obstante já em "Reformador'
de outubro de 1970, em artigo intitulado "Psiquiatria e Reencarnação"
(1), dávamos notícia de notáveis experiências do Dr. Denys Kelsey que, com a
ajuda de Joan Grant, sua esposa, pesquisava nas vidas anteriores de seus
pacientes essas verdadeiras garimpagens dos delicados e complexos mecanismos
psíquicos que era preciso identificar e destravar para que o fluxo da vida
pudesse seguir o seu curso normal.
- Na verdade - escrevíamos então -
quando a psiquiatria descobrir os conceitos fundamentais do Espiritismo e aplica-los
com inteligência, os resultados serão realmente espetaculares. Que o diga o Dr.
Kelsey.
Pois, ao que tudo indica, estamos nos
aproximando mais seguramente desse momento importante em que a aceitação de
alguns enfoques básicos da Doutrina Espírita começa a produzir frutos promissores
na terapêutica de dissonâncias emocionais. É justo destacar na fase preparatória
das novas técnicas, o excelente trabalho de pesquisa e divulgação da Dra. Gina
Cerminara, brilhante psicóloga americana, especialmente em seus livros “Many
Mansions”, de 1950 (2) e “The World Whithin” de 1951.
É claro que tais conceitos, pela
força de seus impactos sobre alguns dos mais queridos dogmas científicos, precisam
de algum tempo para maturação na mente daqueles que se dedicam à nobre tarela
de minorar o sofrimento alheio. lsto é compreensível, porque as revisões são
muito extensas e as reformulações muito profundas em teorias arraigadas
e preconceitos não menos estratificados, mas é inegável que algumas conquistas importantes
foram realizadas no sentido positivo.
É, pois, uma alegria muito grande encontrar
nas chamadas de um livro como o da Dra. Edith Fiore (3) expressões como esta: “A
terapia da reencarnação é a chave. Seus problemas atuais podem, estar trancados
na vida anterior!” Ou ainda: “Uma psicóloga pesquisa vidas passadas:”
A Dra Fiore concluiu seu doutorado
em Psicologia na Universidade de Miami e é membro da American Psychological
Association of Clinical Hypnosis e da Academy of Clinical Hypnosis”, de São Francisco.
-
Meus pacientes e sujeitos, diz ela, mergulharam em existências anteriores, a
fim de encontrar as origens de seus talentos, habilidades, interesses, forças e
fraquezas, bem como sintomas e problemas específicos. A tapeçaria das nossas vidas
é tecida com fios muito antigos e o desenho é complexo.
Ao escrever o seu livro, a Dra.
Edith Fiore ainda não se confessa totalmente convicta da realidade da
reencarnação - o que é, no mínimo, muito estranho em vista dos resultados que
vem obtendo com as suas experiências. Prefere a incômoda posição de quem não
crê e nem descrê.
(1)
Incorporado ao livro "Reencarnação e Imortalidade", edição FEB, 1976.
(2) Veu o
artigo "A Cereja e a Lesma", em "Reformador" de julho de
1975, págs, 147 e seguintes.
(3)
"You Have Been Here Before" ("Você esteve aqui antes"), Ballantine
Books, fevereiro de 1979.
Contudo, prossegue, a cada dia que observo
mais e mais pacientes e exploro vidas passadas, vejo-me crescentemente convencida
de que estas não são fantasias.
Simples cautela científica, respeito
humano, concessão à opinião dominante?
É preciso dar tempo ao tempo. A
ilustre psicóloga declara na introdução de seu livro que há dois anos ela
estava "totalmente desinteressada da ideia da reencarnação”. Uma tarde,
porém, “testemunhei algo que afetou radicalmente minha vida profissional e
minhas crenças pessoais". Tratava ela, pela hipnose, de um paciente que sofria
de terríveis inibições de natureza sexual.
Quando ela pediu ao homem, já hipnotizado,
que fosse às origens dos seus problemas, ele disse:
- Duas ou três existências atrás fui
padre católico.
Contou ele, a seguir, suas experiências
como sacerdote italiano) no século XVII. A doutora, porém, sabedora de que o
homem era reencarnacionista achou que a narrativa, "colorida por larga
medida de emotividade, era fantasista”. A questão é que o homem curou-se dos
seus distúrbios e a psicóloga anotou que acabara de descobrir um novo "'instrumento”
terapêutico, ainda que não convencida de seus fundamentos.
Casos semelhantes foram ocorrendo e,
pouco a pouco, acomodando-se dentro de um contexto coerente, a partir do qual,
mesmo considerando a ideia como simples hipótese de trabalho, a Doutora Fiore
passou a distinguir algumas constantes que
assumiam
a força de verdadeiras leis. É certamente por isso que a despeito de tão pouco
tempo de experimentação já está ela em condições de declarar, como o faz no pórtico
de seu livro, que:
- Em meu trabalho com a teoria da Reencarnação
estou observando que não há um só aspecto do caráter ou do comportamento humano
que possa ser mais bem compreendido através do exame de acontecimentos de vidas
anteriores.
Sem dúvida alguma, a autora está bem
consciente da importância do seu “achado” e das riquíssimas possibilidades que
abre para a terapia dos distúrbios emocionais, bem como do amplo território que
tem diante de si a explorar. “Escrever este livro - diz ela – foi apenas o
começo para mim.
Estamos de acordo, pois sabemos das surpresas
e dos ensinamentos que aguardam a Dra. Edith Fiore ao longo do caminho. Creio, igualmente,
legítimo supor que ela está muito mais convicta do que deseja admitir pois, do
contrário, não teria arriscado sua reputação profissional escrevendo um livro
tão sério e revolucionário em termos de ortodoxia científica), com apenas dois
anos de observação. O leitor mais bem informado quanto aos fundamentos da
Doutrina Espírita identifica suas surpresas e percebe que para certos aspectos que
suas experiências vão revelando, ela não possui ainda uma teoria consolidada.
Como também nota que certos desdobramentos são para ela inesperados e
insólitos, tal - por exemplo - a atividade do ser (desencarnado) entre uma existência
e outra.
Quanto aos seus métodos de trabalho,
vemos que emprega uma técnica impecável, segura, competente, cautelosa. Ela não
força ninguém às regressões que são promovidas sempre com pleno conhecimento e
consentimento do paciente. Uma vez ficou decidido seguir por essa via, ela explica
como a coisa funciona, procurando remover temores infundados mesmo porque há
sobre a hipnose noções completamente errôneas e mesmo insensatas. Ela assegura,
por exemplo, ao paciente ainda em estado de vigília, que ele estará sempre no
controle da situação, seja conscientemente, seja através do subconsciente.
Lembra ela, ademais, que ao aprofundar-se
na zona crepuscular das vidas anteriores, o paciente irá reviver problema
traumatizantes e complexos, tais como severas depressões, sentimentos de culpa,
desconforto físico e outras dificuldades dessa natureza. É indispensável que
tais situações sejam tratadas com pericia, cabendo ao terapeuta conduzir a regressão
com paciência e tato, proporcionando o conforto da sua presença), do seu apoio
e da sua compreensão nos momentos críticos. Não deve, ainda, forçar o paciente
a ir além do que permitam as suas forças. No momento oportuno ele dará o passo
definitivo. Deve ter sensibilidade para identificar esse momento e ajudar o
paciente a vencer suas últimas inibições e bloqueios sem, contudo, molestá-lo.
Importantes contribuições a esse
trabalho são a prece, para se alcançar a necessária cobertura espiritual e o passe,
recurso de ajuste magnético para fortalecer, despertar, ou aprofundar o transe anímico. Sobre isso,
porém, nada diz a autora.
Creio conveniente a esta altura
ilustrar os métodos da Dra. Edith Fiore com a súmula de um dos vários casos que
ela apresenta no seu livro.
*
Chamava-se Elizabeth a moça. Uma
jovem senhora, casada, mãe de três filhos. Sua aparência falava de seus
conflitos: gordíssima, displicente, metida em apertada calça, tipo “jeans”, uns dois números menores do que ela deveria
usar, uma blusa de malha escura, tênis nos pés, cabelos cortados rente , pretos
com salpicos grisalhos: Não era preciso dizer que se tratava duma criatura infeliz
e frustrada. Sua preocupação maior, no momento, era o controle do peso.
Tomara-se um joguete de temores indefinidos, de inexplicável sentimento de
culpa. Há algum tempo sofrera terrível crise de depressão, que a deixara
prostrada durante três anos. Passava horas sentada, imóvel, ou então lia
deitada. Qualquer esforço era demais ela. Saltava de uma doença para outra.
Quando se livrou da úlcera manifestou-se uma tireoídite e assim por diante. Era
o desespero dos psiquiatras que não tinham mais o que dizer a ela. Prescreviam lhe
tranquilizantes e antidepressivos, que ela tomava alternadamente segundo seu
estado.
Ela própria admitia que seus problemas
somente poderiam resultar de situações vividas em existências anteriores,
porque nada havia nesta que os justificasse. O marido era excelente e tolerava
com paciência as suas mazelas; os filhos normais e sadios.
Ela abominava qualquer forma de
violência, passava mal à vista de sangue derramado. Sua maior ansiedade, porém,
era o terror de chegar em casa e encontrar os filhos feridos ou molestados de
qualquer forma. Nas poucas vezes em que admitia sair de casa com o marido,
chegava ao absurdo de pedir a ele que entrasse primeiro, ao regressar, a fim de
verificar se estava tudo bem.
Como se vê, uma ruína humana. Ouvira
falar do trabalho da Dra. Fiore e resolveu fazer mais uma tentativa, talvez a
última, pois além daquilo, nada mais lhe restaria. Reagiu, porém, quando a
psicóloga começou a prepará-la para a hipnose. Havia nas profundezas do seu ser
mais um medo; o de descobrir a origem de seus medos. "Talvez eu esteja
certa em me sentir culpada... - comentou - algo que não possa ser mudado."
Queria desistir do tratamento antes mesmo de começa-lo. Era melhor deixar as
coisas como estavam. A psicóloga agiu com tato e prudência, sem forçar.
Argumentou, citou exemplos e a convenceu a recomeçar a indução hipnótica.
Deu-lhe algumas sugestões e a despediu com uma gravação que continha instruções
para relaxamento em casa durante a semana.
Elizabeth não foi uma cliente fácil
como tantos outros cujos problemas se resolviam com uma sessão ou duas. Semana
após semana ela vinha ao consultório, sempre confusa, hesitante, cheia de
temores. Via-se, nos sonhos, constantemente apavorada, a subir relutantemente as escadas de uma casa antiga,
mas nunca reunia coragem suficiente para abrir a porta do sótão. Atrás daquela
porta havia coisas terríveis que ela não sabia definir, mas que a deixavam em pânico.
Acordava aflita e ainda mais angustiada.
Nesse interim, continuava a resistir
à indução hipnótica.
A psicóloga dispôs-se a prepará-la
para vencer essa inibição, dando-lhe a sugestão de que estivesse “pronta para
encarar os acontecimentos causadores dos seus problemas”. Na sessão seguinte,
quando começou a mergulhar no transe, acordou sobressaltada, recuando mais uma
vez. Não tinha coragem. Passou duas semanas horríveis, mais deprimida do que
nunca.
Finalmente, conseguiu o relaxamento
necessário para identificar uma existência no século XIX. Europeia de nascimento,
vivera na Índia uma experiência altamente traumática, ao assistir impotente a
um incêndio destruir um orfanato, matando todas as trinta crianças que ali
estavam sob sua responsabilidade.
O episódio explicava o temor que ela
sempre teve de perder o marido, pois quando o incêndio lavrou, o marido estava
fora. Não era ainda ali que estava o núcleo dos seus problemas. Em outras
experiências, ela relembrou existências em que vivera duas vezes como marujo e
uma em que fora a negligenciada esposa de um capitão de navio.
Ainda não era tudo, porém, pois,
evidentemente, ela continuava a andar em círculos em torno das lembranças mais
terríveis, sem coragem de aproximar-se delas. A dramática narrativa somente
emergiu na 14ª sessão, quando, afinal, rompeu-se o dique, ainda assim, após
hesitações e recuos que a psicóloga soube contornar com extrema habilidade e
alguma firmeza.
A história fora a seguinte:
Chamava-se Sara e vivia com a cunhada e três filhos desta. A lembrança é
daquele dia em particular que a marcou mais fundo, como sempre acontece nesses
casos.
A cunhada era uma criatura difícil,
amargurada, infeliz e negativa. O marido (irmão de Sara) nada ligava para ela,
trabalhava longe e pouco aparecia em casa. Naquela noite haveria uma festa numa
propriedade vizinha e Sara, naturalmente, queria ir. Tentou convencer a cunhada
a ir também e levar os filhos, mas a outra foi irredutível. A moça ajudou a
arrumar as crianças e resolveu ir de qualquer maneira. Cantou, dançou, divertiu-se
bastante.
Ao regressar, já altas horas da noite, a casa estava silenciosa e às escuras.
Uma sensação de mal-estar começou a dominá-la. Subiu a escada e, depois de
muita hesitação, já em pânico, abriu a porta do quarto lá em cima (a famosa
porta dos seus pesadelos). A lâmina de madeira bateu em algo duro no chão que
rolou para um lado. Era a cabeça da cunhada. Havia sangue e desordem por toda
parte e tanto ela como as crianças estavam esquartejadas e decapitadas. Tudo
quebrado e desarrumado, um horror! Só havia uma pessoa capaz de fazer aquilo -
o irmão de Sara. Aliás, ela ouviu, ao chegar, passos de alguém escapando pelos
fundos, rumo à floresta. O irmão era um homem desequilibrado, dado à bebida. e
impiedoso com os animais. Rancoroso, mal-humorado e agressivo.
Se antes ela estivera com aquela sensação
de que não deveria ter ido à festa, agora o peso da culpa lhe caíra todo sobre os
ombros. Era como se ela houvesse cometido aquele crime hediondo. Se houvesse
ficado, talvez alguém se ferisse mas, certamente, não teria ocorrido o
massacre.
Nada mais havia a fazer. Encheu-se
de fria e determinada coragem e partiu a pé para a cidadezinha, a fim de
comunicar o tétrico acontecimento ao xerife.
- Você não está com medo? -
pergunta-lhe a psicóloga.
- Sinto-me mal. Não estou com medo.
Não há nada neste mundo que alguém possa me fazer... que me ferisse ainda mais do que isso.
Depois disso, perdeu o juízo (“creio
que fiquei um tanto maluca”) e foi internada num sanatório onde passou o resto
de sua dolorosa existência.
As agonias, as frustrações e os remorsos
daquela vida transbordaram para a atual, sob forma de inibições e angústias
indefiníveis. No fundo, sentia não ter direito a nenhuma alegria, nem à saúde,
nem aos prazeres naturais da vida em comum numa família normal e equilibrada. A
psicóloga definiu assim a sua posição:
- Em outras palavras, você acha que
não merece divertir-se porque antes, quando você se divertiu, veja o que
aconteceu.
- Nunca deveria ter ido - foi a
resposta.
A seguir, a psicóloga pediu as
identificações. O irmão atormentado era
agora pai de Elizabeth, a jovem senhora gorda. O mesmo temperamento agressivo,
sombrio, rancoroso. O mesmo hábito de beber, os mesmos impulsos de violência. A
cunhada voltou como sua mãe. Quanto a ela assumira a responsabilidade pelas
crianças, que eram os seus filhos atuais.
Elizabeth tinha agora o drama todo à
disposição do seu consciente para exame, crítica. e racionalização. For mais
trágica que fosse, a narrativa fazia sentido e se encaixava com assombrosa
precisão no contexto da vida atual.
Daí em diante, as coisas começaram a
mudar para ela. O primeiro temor a vencer foi o de deixar os filhos sozinhos em
casa. Numa daquelas primeiras semanas, após a tremenda catarse - que durou mais
de uma hora -, ela foi ao teatro com o marido, na vizinha cidade de San
Francisco. Ao voltar, só percebeu que havia entrado direto em casa depois que
já estava lá. Pela primeira vez não pedira ao marido para ver se estava tudo
bem.
Em seguida, começou a perder peso -
quase três quilos numa única semana! Na visita seguinte ao consultório da
psicóloga, apareceu com um vestido mais feminino, feito por ela mesma, de um
tecido estampado. Deixara, de lado o feio “uniforme” das “jeans”, a blusa de
malha e o tênis. Começou a sorrir e a redescobrir a vida. Estava curada.
*
Aliás, a Dra. Edith Fiore também
está fazendo notáveis descobertas.
- A descrição do intervalo entre
duas existências, segundo o fascinante relato de meus pacientes, escreve ela, mais
para o final do livro - terá que aguardar uma publicação futura. É um Livro por
si só!
Diz ela que uma das características importantes
dessas narrativas sobre a morte é que a consciência persiste sem interrupção.”
Há aquela sensação de flutuação e, após, alguns momentos sozinhos, já na condição de espíritos
desencarnados, seus pacientes falam da presença de companheiros espirituais.
Alguns apresentam emocionadas reações de alegria ao se lembrarem desses reencontros.
Vejamos o fragmento de um desses
diálogos.
- Você ainda está no corpo' -
pergunta a psicóloga.
- Não.
- Está sozinha aí, na sua forma
espiritual?
- Não. Meus guias já chegaram. (Há
evidente alegria no rosto da paciente.)
- O que eles dizem a você? O que transmitem
a você?
- Vieram para levar-me para casa.
- Quantos são?
- Cinco.
- Parecem familiares a você?
- Sim, naturalmente.
- Por quê?
- Porque são meus guias. Sempre estão
aqui quando venho para casa.
- São sempre os mesmos?
- Sim.
- Há alguém mais aí? Outros espíritos a quem você reconheça a não
ser os guias?
- Sim. Meus parentes.
- Eles se comunicam com você?
- Sim. Eles me ajudam a compreender
que não sentem mais nenhuma dor.
Quantas
vezes os espíritas têm ouvido diálogos semelhantes entre os espíritos incorporados
e seres encarnados...
Em outro caso, que a Dra. Fiore considerava
“uma das mais extraordinárias experiências, um paciente descreve a morte da avó,
que ficara um pouco mais do que ele na carne. Em outras oportunidades, a
psicóloga testemunhou conflitos entre as crenças religiosas de seus pacientes e
a realidade do mundo espiritual.
O importante de tudo isso é a consistente
convicção da sobrevivência que ela confessa ter encontrado em tantos
depoimentos espontâneos concordantes.
- É maravilhoso saber - disse um
deles - que quando a gente morre, é apenas um novo começo.
No capítulo final, a Dra. Edith
Fiore expõe breves observações pessoais, dizendo que embora a questão da
reencarnação não esteja definitivamente resolvida para ela (!) já não se sente
bem com o seu antigo agnosticismo. Cita o livro do Dr. Ian Stevenson (“Vinte
Casos Sugestivos de Reencarnação”), e os da Dra. Gina Cerminara (“The World
Whithin”, “Many Mansions”, “Many Lifes, Many Loves”), declarando que as
conclusões dessa eminente psicóloga são coerentes com as suas observações
clínicas.
As pesquisas prosseguem e novos livros
estão prometidos.
Alegremo-nos, aqueles de nós que
começam a entender a vida, A terapia do futuro está chegando aos consultórios.
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