Regresso
de Noel Rosa
Elias
Barbosa
Reformador
(FEB) Janeiro 1963
Ao comparecer um escritor de renome,
seja prosador ou poeta, a uma sessão espírita, através das faculdades
medianímicas de determinado sensitivo, a mensagem que fica, quase sempre,
suscita considerações múltiplas no ânimo dos estudiosos de questões literárias,
mormente os que se preocupam com fazer análises estilísticas e confrontos entre
as produções deixadas pelo autor, e as páginas por ele trazidas de além-túmulo.
E, com efeito, não há estudo mais
agradável de efetuar-se, principalmente quando um só Espírito, na mesma
reunião, se comunica através de dois médiuns diversos, grafando, naturalmente,
determinadas mensagens, uma após outra, existindo em ambas perfeita identidade
não só no título, mas igualmente no estilo, servindo-se o autor da mesma
técnica no que tange à disposição dos versos, ao ritmo, ao metro, ao esquema rítmico,
enfim, à alma que existe em ambos os poemas, o mesmo amor pela terra em que
nasceu e desencarnou, amor de que o artista deu provas, sobejamente, em toda a
vida, através de canções que compôs; considerando-se, ainda, a circunstância de
a entidade espiritual apor análoga assinatura em ambos os comunicados.
Digno de nota, nesse âmbito, foi o
que se deu na noite de 24 de Novembro de 1962 sábado de calor intenso, em
Uberaba, Minas:
Presente à reunião pública da
Comunhão Espírita Cristã, de que partilhavam os conhecidos médiuns Francisco
Cândido Xavier e Waldo Vieira, uma vez feita a prece de abertura aos estudos
programados, enquanto a comentarista dos trechos kardequianos, lidos na noite,
prosseguia em sua breve alocução, algo de admirável se deu, no concernente ao
trabalho mediúnico, e do qual fomos testemunha, ao lado de grande número de
visitantes do Rio, S. Paulo e Belo Horizonte, dentre outros os jornalistas
Jorge Rizzini e Ismael Ramos das Neves.
No lugar costumeiro, o médium Waldo
Vieira, que é também médico respeitável, com a mão esquerda sobre os olhos,
deixa que a destra corra, vertiginosamente, sobre o papel, ouvindo-se lhe o
ruído característico do lápis ao fixar as palavras da entidade comunicante.
Nesse interim, o médium Francisco
Cândido Xavier permanece em silêncio.
Tão logo o medianeiro de “Conduta
Espírita” deposita o lápis sobre a mesa, o médium do “Parnaso de Além-Túmulo”,
após ligeiro intervalo, começa a escrever, também de modo rápido.
Minutos depois, encerradas as
atividades, dá-se a palavra a Waldo Vieira para a leitura da mensagem
recolhida.
Com que júbilo, ao final da peça
constituída por primorosas trovas, ouvimos o nome de Noel Rosa! Sim, não era
ninguém mais que o famoso compositor brasileiro, o suave poeta de Vila Isabel,
que nos presenteara com magníficas quadras, a que deu o nome de “Canções”.
Dada a palavra, posteriormente, a
Francisco Cândido Xavier, mais se nos aguçou a curiosidade, de vez que identificávamos
absoluta semelhança de estilo, a fluidez e leveza, sustentando-nos o alto grau
de emoção, acentuando-se nos o encantamento ao verificar que a segunda produção
medianímica estava subordinada ao mesmo título e vinha subscrita pelo mesmo
poeta: Noel Rosa.
Não havia dúvida. Acabávamos de
assistir a insofismável fenômeno mediúnico. Algo singular e comovente para nós
que o presenciávamos, sentindo e raciocinando as verdades do Mundo Espiritual.
Em poucos minutos, Noel Rosa patenteara-se, inconfundível, enternecendo--nos
com as suas trovas ressumantes de simplicidade e, como tudo que é simples,
rorejantes de beleza.
Antes de transcrevermos, na íntegra,
ambos os poemas, tracemos breve nota biográfica do distinto compositor
patrício.
O autor de mais de trezentas
composições (inclusive valsas), segundo Brício de Abreu, em reportagem
publicada em “O Cruzeiro”, de 26 de Maio de 1962, nasceu no Rio (Vila Isabel),
a 11 de Dezembro de 1910.
“Noel Rosa, ao morrer” - é Brício de
Abreu quem o diz -, “era um compositor de popularidade relativa. Era mais
conhecido no meio musical e no rádio, pois, tão logo se lançou como
profissional, passou a frequentar os corredores das rádios e gravadoras à
procura de oportunidades. Muito trabalhador - ao contrário dos que apregoam
apenas a sua boêmia -, Noel Rosa tomou parte em audições na “Rádio Phillips”,
com Marília Batista e Luís Barbosa, no “Programa Casé”, e, depois, com Henrique
Batista, irmão de Marília, no programa que alcançou regular notoriedade: “Sambas
e Outras Coisas”.
“Há 25 anos” - é ainda o grande
musicólogo que o afirma -, “às 19:30 horas da terça-feira,
4 de Maio de 1937 - morria, no chalé da Rua Teodoro da Silva, 130, em Vila
Isabel (Rio),
o compositor Noel Rosa. Da casa fronteira vinha o ruído de um “assustado”:
estavamcantando
o samba de sucesso que dizia: “De babado sim/ Meu amor ideal! Sem babado não.” Era
um samba de Noel."
Cinco lustros depois da
desencarnação do poeta, com que entusiasmo podemos afirmar, categoricamente,
que apenas aparentemente “Vila Isabel perdia o seu cantor, e a música popular
brasileira, um dos seus maiores compositores”, posto que Noel Rosa continua
vivo, guardando sempre na alma a saudade de sua querida Vila Isabel, tão
exaltada por ele em seus versos e sambas imortais.
Ofertando ao leitor as trovas
medianímicas, a que nos referimos, vamos, pois, ao primeiro poema, psicografado
pelo médium Waldo Vieira:
CANÇÕES
Trova - no mundo
apagado
Ou na luz dos sóis
dispersos -
É o coração musicado
Na pauta de quatro
versos.
Quisera cantar no
asfalto
Os reinos
desconhecidos,
Mas se a canção vem
do Alto
A Terra não tem
ouvidos.
Saudade - doce e
cruel -
Tem sete letras de
arminho,
Sete lâminas de mel
Que cortam
devagarinho.
Vida - um eterno presente
Vida e morte - vem
e vai.
Vida humana – tão somente
A flor que fenece e
cai...
Se alguém falasse:
- "Noel,
Onde queres outra
vida?"
Diria: "- Em
Vila Isabel,
A minha vila
querida!"
Deixamos, evidentemente, de fazer
qualquer comentário em torno do pensamento expresso pelo poeta, quer sob o
ponto de vista formal, quer espiritual, para que o leitor possa, em toda a sua
intensidade, sentir o impacto superior da mensagem musicada de Noel Rosa.
Concluindo nossas modestas
considerações sobre o fato que reputamos dos mais autênticos dentro do campo
mediúnico - a volta de Noel Rosa através de dois médiuns, na mesma reunião
pública, com mensagens altamente identificadoras -, transcrevamos o poema
psicografado por Francisco Cândido Xavier, instantes depois que Waldo Vieira
concluía o seu excelente trabalho psicográfico:
Canções
O clarão da Luz
Divina,
Nas rimas cheias de
graça,
É como sol que ilumina,
Entrando pela
vidraça.
Sinto agora o céu
fulgente,
Mas trago, no azul
sem fim,
As mágoas da nossa
gente
Chorando dentro de
mim.
O samba não é
pecado
Se nasce do
coração:
Jesus nasceu
festejado
No meio de uma
canção...
Meu Rio, belo e
risonho,
Canto ainda a
serenata,
Em tuas praias de
sonho,
Em tuas noites de prata.
Deus não faz
adulação,
Mas fez com novo
buril
O Brasil do coração
e o coração do Brasil.
(*)
(*) Um fato digno de observação: é que as trovas aqui
referidas foram psicografadas, exatamente oito dias antes do encerramento do
Congresso Nacional do Samba, cujas sessões se realizaram na terra natal do
poeta, na antiga Câmara Municipal, tendo, na véspera do encerramento, a 1º de
Dezembro de 1962, sido aprovada a "Carta do Samba", elaborada pelo
professor Edson Carneiro.
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