Perguntaste se eu estava triste e eu te disse que
não. Às vezes, minha amiga, nós olhamos o mundo e o nosso semblante fica um tanto
turvado! Não é tristeza, não; minha amiga, é receio que fantasia o nosso olhar
de tristeza. Sim, receio da vida face àqueles a quem queremos o maior bem.
Dizem que não nos devemos preocupar. Eles aprendem por si mesmos. A vida ensina... Mas, esta frase só serve para ser lançada às
pessoas de mau caráter: àqueles que não olham: para os coitados que atravessam as
ruas ,em cotoveladas conosco, tantas vezes ziguezagueando, à procura de uma paz
que não encontram nunca! E o mais feliz face às coisas da Terra, segue rápido,
sem dar atenção a nada; é o vencedor que não tem tempo para olhar os vencidos.
E
o chão das ruas vai resistindo aos corações de pedra de tanta gente que esconde
as alegrias só para si!
E
o homem simples caminha, levando suas tristezas cobertas de lamentos surdos!
E
aquele pai atônito suplica ao mundo que não leve sua filha aos esconderijos da dor!
E
o herói que nada temera na guerra pergunta aflito à Vida para onde teria levado
seu filho!
E
a criança sem lar pergunta às gotas de chuva onde está a Mãe que nunca vira!
E
as lágrimas embaçando os olhos de tontos sofredores desafiam a vaidade, lançando-se
sobre as calçadas escorregadias!
E
os felizes, em função dos bens terrenos ainda se queixam das pequeninas
cotoveladas sofridas nas ruas cheias de gente
ansiosa de paz; mas, aquém, o tormento espreita em todas as esquinas.
Minha
querida consóror: não é tristeza, não, é receio. Receio face àqueles aos quais queremos bem. Porque, enfim, depois de tanta
luta, quase sempre encontramos novos solos áridos à espera de novos lamentos! É
a roda das encarnações...
Minha
amiga: O grande lenitivo, nós o sabemos, não está na Terra que pisamos, que
chora e sofre conosco. Crê-me: o grande lenitivo, a grande esperança, está na
convicção da vida espiritual, de que nos falam o Evangelho e a Terceira
Revelação! Para alcançá-la, é preciso haver sofrido, haver chorado, haver
vivido a vida de desenganos, de ingratidões, de decepções, haver resgatado os
débitos da vida precedente! Mas, ainda que tenhamos um quadro resplandescente sobre a vivência
espiritual, ainda assim sofremos, não por nós, mas pelos nossos entes queridos que ainda
não compreenderam a Doutrina Espírita e, menos experientes, se acham lançados nessa
rude marcha da Vida.
A
mocidade, essa boa e alegre mocidade, segue feliz, graças a Deus! Mas nós a acompanhamos com o coração, emitindo verdadeiras
sinfonias patéticas, em função de nossa experiência já sofrida.
E
quantos pais há que não podem ser felizes neste palco da vida onde seus filhos são atores lançados não só às comédias, mas
também aos dramas e às tragédias!
* * *
Mundos
de provas e expiações, de que tanto nos falam Kardec e Roustaing!
Minha
querida amiga, minha consóror, não é tristeza, não, é receio.
Nós
sentirmos vibrar em nossas almas a luz doutrinária.
Sabemos
que as melhores moradas do Pai estão à nossa espera, em função de nossa redenção.
Sabemos
que tudo que vive neste mundo: natureza, animal, homem - sofre.
Sabemos
que muitos sofrimentos nossos foram por nós próprios escolhidos quando do
preparo de nossas encarnações.
Sabemos
que não há grandeza sem sofrimento, nem purificação sem provação.
Mas,
minha querida amiga: o que tenho não é tristeza, não, é receio!...
Ainda
ontem, li um soneto do poeta Jacy Pacheco, este bom amigo, por Deus premiado com sua alma de artista. Assim disse o
sei “Inevitável”:
Meu pequenino filho, eu bem quisera
tua alma acalentar, na iluminura
das lendas encantadas, na doçura
de um eterno reinado de quimera.
Mas. .. crescerás. E a sorte que te espera
é a mesma que me deu muita amargura!
As fábulas que embalas com ternura
sucumbirão ante a verdade fera!
Os teus brinquedos, que acarinhas tanto,
- eu antevejo com pesar profundo -
a pouco e pouco perderão o encanto.
Ah! Quantos pensamentos me consomem!
Pensar que, triste, enfrentarás o mundo,
saber, meu filho, que serás um homem!
* * *
Minha
querida amiga, a Doutrina maravilhosa de Jesus, confirmada pelo Espiritismo, nos
ensina:
É
preciso viver muitas vidas para aprendermos a ver sofrer aquele a quem queremos
bem!.. E só os milênios e milênios de dores é que fazem os Santos!
Perguntas-te se
eu estava triste...
Aldemar Velloso
Reformador
(FEB) Brasil Espírita (Outubro) 1971
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