O
núcleo espírita é fundamental em nosso
movimento.
Por vezes nos confundimos, diante
das solicitações ou necessidades do meio, e transferimos todo o nosso tempo,
todos os recursos, toda a energia, para a concretização de
grandes obras assistenciais, esquecendo-nos ou descurando da célula-mater da
Doutrina.
Um hospital é magnífico. O abrigo
para criancinhas, louvável. A casa de velhinhos, admirável.
O trabalho a benefício da gestante, notável.
Tudo isso, porém, perde o seu
significado doutrinário se não for, realmente, uma extensão do núcleo espírita,
onde a Doutrina é estudada e onde sofremos um processo de reeducação
de profundidade ainda não bem compreendida por nós.
Desligar as tarefas doutrinárias das
obras ou atividades assistenciais, a breve tempo nos coloca a copiar as
instituições congêneres, não espíritas, centralizando nossos cuidados apenas
sobre o organismo perecível ou oferecendo auxílio apenas para um efeito
transitório, sem cuidar da sua causa.
A premência de grandes verbas, para
alimentar uma organização que se encontra além
de nossos recursos, amiúde leva-nos a firmar convênios. Por muito respeitáveis
que sejam,
com o fluir do tempo tais eventos obrigam a desvincular a Doutrina Espírita do
socorro ao assistido.
Quem dá, sempre pede alguma coisa.
Não raro, também, quem recebe se
escraviza.
Sem liberdade, voltamos a repetir os
enganos iniciais da Casa do Caminho, onde os apóstolos
de Jesus recebiam grandes parcelas de moeda do povo para manter a assistência fraternal,
tornando-se tão subordinados a todos e tão ocupados com o complementar que olvidavam
a propagação do próprio Evangelho.
Há, também, o perigo da
profissionalização.
Uma casa de desobsessão, a exemplo,
que deveria ser fundada com a participação de médico
espírita, pode transformar-se num suntuoso hospital de psiquiatria. Aparecem,
então, os facultativos profissionais, enfermeiros e funcionários que se regem
pela legislação trabalhista e pelo nível salarial. Desaparece toda e qualquer
atividade gratuita...
O estranho, a partir de então, é o
espírita. Ele se torna uma espécie de fantasma, a
perambular pelos corredores do palácio de seu ideal. Termina sempre na sala de
administração, com finalidade única de canalizar recursos financeiros para
manter a organização vitalizada materialmente e, algumas vezes, lutando e
chorando para conservar no frontispício do prédio a adjetivação de Casa Espírita.
Uma vítima da precipitação!
Todos os credos religiosos, até os
materialistas, agem da mesma forma, seja em nome
da caridade, seja no desdobrar de suas atividades profissionais, pura e
simplesmente.
O Espiritismo não é o fundador de
tais movimentos.
Enquanto isso, atividades
específicas fenecem.
O núcleo despovoa-se de seus cinco
ou seis frequentadores habituais. A dona Maria, lavadeira
de muitos anos, já não é agasalhada com o carinho fraterno, porque sua bolsa é
minguada... e já não há tempo para essas coisas do passado religioso, ingênuo
e místico!
O socorro espiritual dilui-se,
afogado por outras solicitações. A experiência de administrar
por amor perturba-se frequentemente. O estudo e a transmissão dos princípios
doutrinários passam a ser utópicos ou encargos de mera rotina.
É preciso distinguir o principal do
complementar.
O núcleo espírita, obscuro, ignorado
pela sociedade, que não faz passarela nas manchetes de jornais, algumas vezes
perseguido ou mal compreendido, frequentado pelo “seu” Dito, pela dona Joana,
pelo Neco e pelo Zé, é o centro de luz para o novo mundo.
No desdobramento de suas atividades
cristãs, no afã de corporificar o Evangelho, surgem,
como acessório, as instalações apropriadas para as atividades assistenciais.
A assistência é um compartimento do
núcleo.
Toda vez que a subversão se
processar, fazendo com que o complemento assuma a posição
do principal, cavamos um pouco mais o abismo que já existe entre movimento
espírita e doutrina espírita, patrocinando um divórcio de dolorosas consequências.
Vale, pois, refletir, vez por outra:
- “O que estamos fazendo como movimento espírita é doutrina espírita; estamos
ajustados ao objetivo, ao propósito, ao campo do Espiritismo?”
O
Essencial
Roque Jacintho
Reformador (FEB) Agosto 1971
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